SENHOR PRESIDENTE, SENHORAS E SENHORES DEPUTADOS

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SENHOR PRESIDENTE,
SENHORAS E SENHORES DEPUTADOS:
A estréia no Grande Expediente é sempre um marco,
sobretudo para quem inicia o mandato como estreante na
vida parlamentar.
Nesta quinta-feira, dia 1º de setembro de 2011, ocupo a
Tribuna da Câmara dos Deputados, elegendo como tema A
CRISE DA POLÍTICA REPRESENTATIVA como FENÔMENO.
Inicio com números e pesquisa para ilustrar o contexto da
reflexão que me ocupo a fazer.
Em 2004, uma pesquisa publicada pelo jornal Folha de São
Paulo revelava sinais preocupantes não apenas para a
classe política, mas para todos aqueles que comungam a fé
democrática:
58,1%
Concordam que o presidente possa ir além das leis
56,3%
Crêem que o desenvolvimento
importante que a democracia
54,7%
Apoiariam um governo
problemas econômicos
43,9%
Não crêem que a democracia solucione os problemas do país
40%
Crêem que possa haver democracia sem partidos
econômico
autoritário
se
seja
mais
resolvesse
os
38,25% Crêem que possa haver democracia sem Congresso Nacional
37,2%
Concordam que o presidente ponha ordem pela força
37,2%
Concordam que
comunicação
36%
Concordam que o presidente deixe de lado partidos e
o
presidente
controle
os
meios
de
congresso
25,1%
Não crêem que a democracia seja indispensável para o
desenvolvimento
Dados publicados em: MAIORIA na AL apoiaria ditadura ‘eficiente”. Folha de S.
Paulo, São Paulo, 21 abr. 2004. Caderno A p.14. Transcrição na íntegra dos dados
recolhidos pelo respectivo jornal do relatório divulgado pelo PNUD/ONU intitulado A
democracia na América Latina. Dados disponíveis em: www.pnud.org.br/index
Qualquer interpretação bem-intencionada dos números e
das variantes desta pesquisa realizada pela ONU na
América Latina suscita perplexidades e desperta profundo
temor.
É que a lógica subjacente à mais trivial das conclusões
extraídas da pesquisa expõe o risco do pernicioso fenômeno
da
DESLEGITIMAÇÃO
REPRESENTATIVA,
alentadoras
para
DA
insinuando
as
PRÓPRIA
DEMOCRACIA
perspectivas
LIBERDADES
PÚBLICAS
nada
e
as
FRANQUIAS delas decorrentes.
A democracia é conquista que precisa ser vigiada com olhos
de lince e devoção missionária. Ditadura eficiente e
democracia ineficaz não é dilema que se possa levar a sério
por quem professa a convicção nos ideais democráticos. No
dia em que a maioria aceitar a troca do pão pela liberdade,
o retrocesso, por inevitável, fulminará o valor que dignifica
a condição humana: a liberdade.
Uma análise menos apressada deste processo nos remete a
reflexões sobre a própria incidência – quase que epidêmica
no Brasil dos últimos anos – de um fenômeno lateral a que
alguns denominam: criminalização da política.
De fato, a proliferação na mídia de maus exemplos de
agentes públicos é sintoma revelador de que a atividade
política está se deixando associar aos piores vícios da
atividade comercial privada para a qual o que importa é o
lucro, pouco ou nada importando os meios para se alcançálo o mais rápido possível.
O fato é que a política hoje é a fonte mais generosa das
páginas policiais.
Refém
das
próprias
contradições,
depara-se
com
crescentes dificuldades para produzir respostas satisfatórias
aos anseios das maiorias, tangenciando a inépcia para
solucionar
as
espontâneos
angústias
dos
das
chilenos
e
minorias.
espanhóis
Os
impulsos
descortinam
promissoras reflexões sobre este processo.
Do lado de quem vota, o efeito rebote que chega às
instâncias oficiais do Poder tem nome: despeito, e grave,
descrença, e o pior, desprezo não só pelos políticos, em
especial os maus, mas a classe política, e o mais
assustador, à própria POLÍTICA.
Neste cenário, não há como negar que está em curso um
fenômeno revelador de grave patologia social, pois ao
tempo em que a política se distancia de sua magna
essência para constituir-se em desejo dos pragmáticos e
espertos, mais servirá ao utilitarismo rasteiro daqueles que
a exercem pensando em si em detrimento da coletividade.
A quem interessa difundir a ojeriza à Política ? Quais forças
da
sociedade
distanciamento
obteriam
do
povo
vantagem
em
com
relação
o
a
crescente
democracia
representativa ?
Frei Betto, um dos maiores pensadores do país, responde:
“Numa verdadeira democracia, a universalização do voto deveria coincidir com a socialização
das riquezas, no sentido de assegurar a todos uma renda mínima e os três direitos básicos,
pela ordem: alimentação, saúde e educação. Como isso não consta da pauta do sistema,
procura-se inverter o processo: inocula-se na população o horror à política de modo a relegála ao domínio privado de uns poucos. Quem tem nojo da política é governado por quem não
tem. E os maus políticos tudo fazem para usar o poder público em benefício de seus
interesses privados.”
Neste ritmo, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores
Deputados,
paradoxo:
impõe-se
se
o
uma
sistema
pausa
para
representativo
recortar
de
um
delegação
popular do poder é um diálogo entre cidadão e candidato
que se consuma com o voto, por que só se vê aumentar o
número de hóspedes do Código Penal nas instâncias
formais da política ?
Será que o discurso da ética já não mais sensibiliza os
milhares de eleitores que, compondo enormes contingentes
pelo Brasil afora, multiplicam a sensação de que a política
está virando um caso de polícia?
Será exagero temer pela própria democracia em um
sistema que expõe o crescimento exponencial de eleitores
para quem o “rouba mas faz” justifica o voto?
Longe de mim Senhor Presidente qualquer pretensão
quixotesca,
posto
que
não
tenho
vocação
para
os
reducionismos que quase sempre nos induzem a soluções
equivocadas. Não, não se está aqui a proclamar uma
guerra entre o BEM e o MAL; entre QUEM fala e os
OUTROS; entre o CERTO e o ERRADO. Repito: longe disso.
Basta-me um tento modesto: despertar a reflexão sobre o
fenômeno da despolitização da política em uma quadra
histórica em que o fortalecimento do poder político do
Mercado cresce à medida em que se enfraquece o poder
político do SISTEMA REPRESENTATIVO.
Política trancafiada nos porões dos interesses subalternos,
distante dos bem-intencionados que professam e praticam
valores e princípios condizentes com a atividade pública, é
a receita certa para o liberticídio.
Dos políticos se exige basicamente duas coisas: que
trabalhem pelo bem-comum e que não roubem. Muitos
transgrediram este binômio, mesmo assim continuam
políticos e alguns consagrados nas urnas por suas próprias
vítimas.
À maioria que leva em conta na hora do voto o candidato
que é, e não o que tem, toda a liberdade para repudiar os
políticos, de preferência os maus, jamais porém descrer da
POLÍTICA, porque ela não pode ser culpada pelo desvio de
quem a pretexto de praticá-la, subverte a sua essência,
desviando-se dos seus propósitos.
Muito obrigado !
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