VALORES MORAIS NA ESCOLA CONTEMPORÂNEA

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VALORES MORAIS NA ESCOLA CONTEMPORÂNEA: POSSIBILIDADES DE
ATUAÇÃO PARA OS GESTORES
Ricardo Ribeiro 
Marina Novaes de Senne 
Resumo
O presente artigo tem como objetivo pensar a moralidade na escola na
contemporaneidade. O foco de nossa análise é o papel dos gestores na construção de
espaços para reflexão dos valores morais. É importante pontuar que nossas análises
não são conclusivas, todavia desejam destacar a relevância das discussões no campo
da educação moral. Para tanto, refletimos sobre a moralidade a partir de algumas
sintéticas e clássicas concepções filosóficas. Em seguida, delimitamos nosso
referencial teórico para matizar o lugar da moral na contemporaneidade e as possíveis
contribuições dessa perspectiva para o trabalho dos gestores escolares. A partir de
nossa concepção, a moralidade está diretamente vinculada ao campo do dever.
Contudo, ela não se restringe às imposições externas ao indivíduo. Dessa maneira,
precisamos compreendê-la à luz da construção interna do sentimento de
obrigatoriedade. Ou seja, a moral não se limita ao racional. O grupo gestor tem como
uma de suas funções primordiais criar espaços para a reflexão sobre o tema da
moralidade. Além disso, é primordial pensar a construção da moralidade pautada em
referenciais autônomos. Por fim, educação moral deve possibilitar a comunicação e a
reflexão e não impor, como comumente foi feito na história escolar brasileira, uma
perspectiva limitada de compreensão do mundo e de si.
Palavras-chave: Gestão escolar – Filosofia Moral- Autonomia- Educação Moral
INTRODUÇÃO
O tema da moralidade e da ética no espaço escolar ganhou maior visibilidade
na literatura educacional no início do século XXI. Isso foi confirmado pela pesquisa do
‘estado da arte’ desenvolvida por La Taille, Souza e Vizioli (2004). Os autores
constataram a ampliação de publicações nessa temática entre 1990 e 2003. Todavia,
concluíram que esses trabalhos pouco abordaram uma discussão filosófica e uma
delimitação teórica a respeito do tema e, na maioria dos casos, restringiram-se a uma

Prof. Dr. do Programa de Pós-Graduação Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista- Campus
de Araraquara.

Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual PaulistaCampus de Araraquara.
2
concepção da moralidade e da ética como reconhecimento de deveres. Além disso,
essa pesquisa constatou a escassez de investigações empíricas acerca do tema.
Os problemas enfrentados pelas instituições escolares atuais relacionam-se
com inúmeras dimensões do fazer pedagógico. Entretanto, o presente trabalho
selecionou o aspecto moral como fonte de interpretação da conjuntura do sistema
escolar contemporâneo. A compreensão da educação moral neste trabalho será
explicada com maiores detalhes no desenvolvimento do texto. Todavia, é importante
destacar que ela é entendida como um processo de construção de conhecimentos,
valores, comportamentos, dependente tanto de fatores externos ao indivíduo e
racionais como também elementos internos e afetivos.
Em certa medida, será a tomada consciência de que a formação
moral é um processo complexo que inclui diversos níveis de
formação, desde a aquisição de convenções sociais até a
configuração da consciência moral autônoma; que põe em
funcionamento vários dinamismos morais, desde o juízo e a reflexão
até os sentimentos e comportamentos, e que é veiculado através de
vários mecanismos de ensino que impulsionaram tanto o
desenvolvimento pessoal quanto a transmissão social de conteúdos
morais. (PUIG, 1998, p.23).
Historicamente, a educação moral não contribuiu para a consolidação de uma
sociedade mais justa, ética e não violenta. Principalmente, pelo fato de que o ensino
moral estava diretamente vinculado a uma prescrição de condutas e caminhos. Assim,
por muito tempo confundiu-se o moralismo, imposição de um comportamento, com
moralidade, construção de valores guiados pelo bem coletivo. Dessa maneira,
academicamente o debate acerca da moral ficou estigmatizado e passou a ser visto de
forma pejorativa. Segundo Goergen (2001), tradicionalmente a concepção de
educação moral ficou marcada pela universalidade, a objetividade e a autoridade.
Esse trágico caminho moralista perseguido nos modelos de ensino ao longo da
história educacional brasileira fez emergir um tabu acerca da temática da moralidade
nas escolas. Ao contrário da moral, notadamente o discurso da ética tem se
transformado em um senso comum, constantemente divulgado nos textos oficiais e na
mídia , mas muito distantes da consolidação de um projeto social que caminhe para
uma “vida boa”.
A ética segundo La Taille (2007) virou um modismo que passou a integrar o
discurso em diversos contextos sociais. Por esse motivo, é possível percebê-la como
pauta sistemática no início do século XXI, mas pouco incorporada e refletida. Na
maioria dos casos em que o discurso da ética aparece ele está restrito a uma visão
estereotipada a qual impõe uma regra social. Para o autor, isso reflete que ainda
precisamos de ponderações teóricas mais profundas acerca do assunto.
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Além disso, La Taille (2007) inferiu que o aumento notável das referências à
palavra ética evidencia a carência dessa ação em nosso cotidiano. Em outras
palavras, o crescimento expressivo do uso do conceito da ética em diferentes setores
não garante uma ampliação dos comportamentos éticos. Isso ocorre, segundo La
Taille (2007), entre outros fatores, porque a construção desses valores morais e éticos
dependem tanto de um processo de reflexão racional como de um investimentos
afetivo que move a ação. Além disso, o entendimento da ética está, na maioria dos
casos, restrito às regras e aos deveres, ou seja, ao mesmo conceito rechaçado de
moral. Dessa maneira, ter um discurso pautado por referenciais morais e éticos não
garante uma postura moral ética.
Portanto, é preciso resignificar a concepção de educação moral que fuja a uma
compreensão vinculada a imposição de deveres. Nesse aspecto, introduz-se outra
discussão ligada à natureza da educação escolar, quais são seus objetivos e
prioridades. Para Georges Gusdorf (1970), a educação se pauta na dinâmica da
relação entre professor e aluno. Segundo o autor, ao final do processo escolar, o que
fica mais evidente é o confronto de cada um consigo próprio que ocorre por meio do
diálogo entre professores e seus educandos. E, dessa forma, a função de professor
está ligada à própria reflexão que justifica a existência humana. Portanto, o discurso
de Gusdorf destaca a tomada de consciência como a pauta mais importante do
processo educativo. Para ele, o mestre “ensina a possibilidade de existir” (GUSDORF,
1970, p.129).
Nesse caminho, pensar em educação para a construção de valores morais está
diretamente relacionado ao processo de reflexão do sentido de nossa existência
enquanto indivíduos. Contudo, a forma como pensamos a moralidade e os projetos de
felicidade, que serão dissertados em breve, dependem também do pensar no outro e
do respeito à alteridade e a própria regra.
Segundo La Taille: “É, naturalmente, perigoso afirmá-lo de modo taxativo, mas
parece ser real o fato de não haver, nos dias de hoje, ponderação genuinamente
educacional em torno do tema sobre o qual nos ocupamos aqui. [a moralidade e a
educação]” (LA TAILLE, 2004, p.101). Isto posto, este artigo se justifica na busca por
compreender o papel dos gestores de escola na construção de valores morais.
A EDUCAÇÃO MORAL NA CONTEMPORANEIDADE
É importante esclarecer que o conceito de moralidade não é consensual
tampouco conclusivo. Em muitos textos a palavra ética e moral aparecem como
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sinônimas, tal concepção é coerente uma vez que os dois conceitos apresentam a
mesma raiz etimológica. Contudo, pensamos ser relevante delimitar a abordagem
teórica com a qual dialogamos na análise do campo da ética e da moral neste artigo.
Em nossa análise, não utilizaremos a sinonímia dos dois conceitos. Nesta
pesquisa trabalharemos com a compreensão dessas definições a partir de uma outra
convenção estruturada pelos questionamentos “[...] diz que a moral corresponde à
pergunta “como devo agir?”, e a ética a outra: “que vida quero viver?”. (LA TAILLE,
2004, p.98).Ou seja, a concepção de moral está relacionada aos deveres e a ética a
uma vida boa, que tenha sentido. Na obra “Nos labirintos da moral” de Mario Sergio
Cortella e Yves de La Taille (2009) os autores retomam a perspectiva de Paul Ricoeur
para diferenciar o campo da ética e da moral. Essa definição citada abaixo configurase como uma de nossas bases teóricas.
Ele faz essa diferenciação entre moral e ética. Moral são normas,
deveres, e ética é uma vida boa. Veja que bela definição, que é
plenamente adequada à vida em comunidade e, também, ao
cosmopolitismo. Ele diz: ‘Perspectiva ética é a perspectiva de uma
vida boa, para e com outrem, em instituições justas.’ (CORTELLA, LA
TAILLE, 2009, p.35).
Evidentemente há uma diversidade de interpretações acerca dos sistemas
morais, entretanto, é possível perceber segundo La Taille (2007) a existência de um
elemento comum nesses diversos entendimentos do que é a moral: o ‘sentimento de
obrigatoriedade’. Nesse sentido, o plano da moral é relacionado diretamente ao campo
do dever, todavia, inclui uma subjetividade no processo de internalização das regras.
Essa experiência subjetiva que La Taille (2007) denomina ‘sentimento de
obrigatoriedade’ ao qual o dever se torna o querer.
[...] somente age moralmente quem se sente intimamente obrigado
como tal, e não quem é coagido por algum poder exterior. Logo, o
sujeito moral é, por definição livre, porque é ele mesmo quem decide
agir por dever. Dito de outra forma, somente é moral quem assim o
quer. (LA TAILLE, 2007, p.54)
Dessa maneira, é possível constatar uma dimensão afetiva da ação moral pela
qual as pessoas criam ou não o sentimento de autoimposição. Portanto, o dever será
ou não cumprido conforme o indivíduo internaliza e legitima as regras. Em outras
palavras, é nesse caminho de articulação entre as regras dadas e a coerência com os
projetos individuais que se relaciona o campo da moral e da ética. Ou seja, há um
dever a ser cumprido socialmente, caso ele seja coerente com a forma como o
indivíduo acredita ser a forma correta de se agir, tenho o campo da moral. No entanto,
o sentido daquilo que eu acredito ser uma forma boa de vida vincula-se ao corpus
ético. “Dito de outra maneira, somente sente-se obrigado a seguir determinados
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deveres quem os concebe como expressão de valor do próprio eu.” (LA TAILLE, 2007,
p.51).
Assim, o vínculo entre a moral e a ética se estabelece na medida em que o
sentimento de obrigatoriedade está associado a ideia de ‘expandir a si próprio’. Assim,
a decisão do sentido pelo qual desejo seguir na minha vida tem direta relação com o
lugar que os deveres ocupam em minha subjetividade. A articulação entre a moral e a
ética está justamente na amplitude de ‘quereres’ que faz com que algumas pessoas
desejam agir moralmente enquanto outras não valorizam essas ações. Por outro lado,
todo plano ético, traduzido como um projeto de felicidade, contém uma moral, uma vez
que sistematiza a vida em sociedade. “ [...] a moral não diz o que é ser feliz nem como
sê-lo, mas sim quais são os deveres a serem necessariamente obedecidos para que a
felicidade individual tenha legitimidade social.” (LA TAILLE, 2007, p.60).
La Taille (2007) se refere a Paul Ricoeur quando argumenta haver, por esses
motivos explicitados anteriormente, uma primazia da ética sobre a moral, para esses
dois autores é a reflexão ética que nos permite sair de impasses morais. Portanto, em
nossa perspectiva teórica o plano ético engloba o moral. Por outro lado, não devemos
limitar o que é uma vida boa, ou quais são os conteúdos de um projeto de felicidade.
Para La Taille (2007) o nosso papel é selecionar quais são os deveres que
condicionam a busca pela felicidade. Portanto, o presente artigo se centra na temática
da educação moral, sobretudo pensada a partir do trabalho dos gestores capazes de
estruturar os espaços dentro das escolas para reflexão dos conteúdos morais e dos
deveres que levam a busca por uma vida boa.
O dever e a vida que se deseja levar tem relação direta e não podem ser
limitados a qualquer dever ou qualquer projeto de vida. Nessa concepção teórica a
que nos apoiamos a ética e a moral constroem uma íntima relação. Segundo Tognetta
(2008), o dever desvinculado da justiça e da generosidade não pode ser considerado
moral. Da mesma maneira, a ética compreende um sentido de felicidade que não se
limita ao indivíduo, pois necessariamente se expande ao outro e a modelos justos de
instituição.
Se empregamos essas definições de moral e de ética, é porque
fazemos a hipótese de que as duas dimensões – dever e “vida boa” –
são articuladas do ponto de vista psicológico. Fazemos a hipótese
geral de que os deveres morais somente serão intimamente
legitimados e, portanto, inspirarão as ações dos indivíduos para os
quais eles são partes integrantes de uma “vida boa”, por aqueles,
portanto, que possuem uma ética, como assim definida por Ricoeur
(1990). (TOGNETTA, 2008, p.182).
Comumente a moral é compreendida como conjunto de normas a serem
seguidas e, portanto, sua origem está conectada a um processo de imposição
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heterônoma que se dá no plano externo ao indivíduo. A contribuição de Piaget para
repensar a moralidade foi fundamental. Para ele, ao eliminar a coação nas relações e
formar um ambiente cooperativo e reflexivo é possível a construção de uma autonomia
moral.
Portanto, utilizaremos a perspectiva de Piaget no que tange à busca por uma
moralidade autônoma. Por outro lado, a perspectiva piagetiana restringe-se a uma
compreensão racional, por meio da consciência, para atingir a moralidade.
Acreditamos na racionalidade como primordial mas não suficiente para o
desenvolvimento moral. Dessa maneira, pensamos em uma diferente natureza da
moralidade a qual leva em consideração a dimensão afetiva da moralidade.
Se partirmos da ideia de que a moralidade se forma a partir de normas
impostas pela sociedade, ela é entendida como incorporação, ou seja, relativa e
dependente das condutas culturais de cada povo. Por outro lado, a moralidade
também se refere aos sentimentos e aos investimentos afetivos capazes de construir
autonomamente os valores morais. Portanto, concepções que consideram apenas a
influência externa na formação moral estão sendo limitadas.
A partir dessa
delimitação teórica acerca da compreensão da moralidade, centramos agora nosso
olhar na definição dos valores morais na educação. O valor é compreendido como
aquilo que se considera importante. “A própria definição do que é um valor pode
ajudar-nos a compreender melhor: um valor pode ser definido como um investimento
afetivo que nos move ou nos faz agir.” (TAILLE, 2009, p.17).
Esse referencial teórico preocupa-se em discutir o que são valores morais e
como construí-los na prática. Nesse sentido, utilizamos a concepção de educação
moral que considera os valores como investimentos afetivos capazes de serem
formados no espaço escolar. Essa corrente teórica foi revista a partir das
transformações da sociedade contemporânea com os autores Puig, La Taille e Araújo.
A moralidade é compreendida por esses autores como uma questão primordial do
debate dentro das escolas e precisa ser analisada a partir das interfaces de seu
caráter universal e relativo bem como externo e interno. Para Araújo:
os valores são construídos nas interações cotidianas. Nessa
concepção, [...], os valores nem estão predeterminados nem são
simples internalizações (de fora para dentro), mas resultantes das
ações do sujeito sobre o mundo objetivo e subjetivo em que ele vive.
(ARAÚJO, 2007, p.20).
Na obra “A construção da personalidade moral” Puig (1998) utilizou a
concepção clássica do construtivismo quando pensa o desenvolvimento moral a partir
de interações com a sociedade. Nessa perspectiva, a educação moral não é um
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processo de aculturação pois passa pela consciência adquirida por uma assimilação
racional. Em contrapartida, o autor problematiza as concepções clássicas como a de
Piaget pois busca uma releitura pautada nas transformações contemporâneas. Nesse
sentido, nos apoiamos na perspectiva de Puig que ao mesmo tempo em que considera
a educação moral como uma construção de uma referência autônoma de moralidade
ele amplia a concepção racionalista assumida por autores como Piaget e Kohlberg.
Assim:“A educação moral é essencialmente um processo de construção de si mesmo.
Não é uma imposição de modelos externos nem o descobrimento de valores íntimos,
tampouco o desenvolvimento de certas capacidades morais.” (PUIG, 1998, p.20).
Portanto, os gestores precisam contribuir para a abertura de espaços de
reflexão sobre a temática da moralidade a partir de leitura, debates, discussões de
situações problemas. Assim como é fundamental, fundar ambientes em que o corpo, a
sensibilidade, o afeto tenham lugar na construção da moralidade autônoma.
Isto posto, é importante esclarecer que nossa pesquisa busca analisar a
moralidade
no
espaço
escolar
dentro
do
contexto
das
incertezas
morais
contemporâneas. Nesse sentido, a tese central do livro “Crise de Valores ou Valores
em Crise” é justamente que vivemos valores em crise, pois não vemos uma ausência
de valores e sim uma mudança em seu eixo de significação. “Estaríamos assistindo a
um rearranjo moral, ao aparecimento de novas modalidades de relacionamento, à
valorização de determinadas virtudes, a novas inquietações éticas, e não a uma volta
a uma condição pré-moral.” (LA TAILLE, 2009, p.11).
Para García (2010), estamos em um momento de muitas incertezas e,
portanto, os valores precisam ser guias para as pessoas. Se levarmos em
consideração que os valores podem ser ensinados, é importante pensar que depende
de uma tomada de consciência, ou seja, de uma construção autônoma de
comportamentos éticos.
Sua função como referência de conduta evidencia a necessidade de
cada pessoa definir com precisão sua hierarquia de valores, o que a
ajudará a ter um comportamento pessoal mais orientado e coerente e
lhe permitirá tomar decisões com consciência e autonomia. (GARCÍA,
2010, p.26).
Desse modo, o presente trabalho visa a contextualizar os valores em crise na
sociedade contemporânea pois é preciso tomar cuidado com os relativismos e as
condutas individuais e repensar os valores que nos conduzem aos bens coletivos, por
mais difícil que seja pontuá-los.
Outro ponto importante de análise relaciona-se ao fato de poucas certezas
sobre os melhores caminhos para construir referências morais com os alunos. No
entanto, o que se afirma é que não se forma em valores por uma repetição de
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informação ou com metodologias típicas das disciplinas curriculares. É preciso ser um
trabalho transversal, contínuo e vinculado à prática discente.
Diante desse paradoxo entre o absoluto e o relativo, adensa-se a
necessidade de um núcleo mínimo, capaz de nos por a salvo do
relativismo ético que, no limite, eliminaria a possibilidade de qualquer
moral vinculante através da afirmação da privacidade absoluta do
cultural ou mesmo do subjetivo. Nesse caso, a própria educação que
visa a formação do ser humano estaria destituída de fundamento e
deveria desaparecer. (GOERGEN, 2001, p.158).
Além disso, os métodos utilizados devem conduzir à autonomia da moral e não à
imposição de condutas. Esse desenvolvimento da moral heterônoma para autônoma
depende de fatores cognitivos e metodológicos: “a autonomia moral é o
reconhecimento pessoal da necessidade das normas morais da sociedade, e, portanto
a mudança do que era exterior para o interior da consciência individual.” (PUIG, 1998,
p.34).A partir de nossa perspectiva teórica a construção dos valores morais depende
diretamente da vivência cotidiana em um ambiente cooperativo, justo. Para Piaget
(1960), a finalidade da educação moral é construir personalidades autônomas e aptas
a cooperação.
En lo que se refiere al fin de la educación moral podemos, pues, por
uma legítima abstracción considerar que es el de construir
personalidades autônomas aptas para la cooperación, y que si se
desea, por el contratio, hacer del niño um ser sometido durante toda
su existencia a uma coacción exterior, cualquiera que sea ésta.
(PIAGET, 1960, p.18).
Ou seja, não adianta a escola almejar construir uma sociedade justa e ética se não
for formado em justiça. Assim, uma escola para valores humanos é uma escola em
valores. Essa talvez seja uma das discussões mais relevantes que os gestores podem
promover em suas unidades escolares.
É este o desafio maior que se apresenta a sociedade, mais
particularmente, à escola, espaço de socialização e criação de
conhecimentos e valores. Trabalhar com as crianças e adolescentes
de maneira responsável e comprometida, do ponto de vista ético,
significa proporcionar as aprendizagens de conteúdos e
desenvolvimento de capacidades para que possam intervir e
transformar a comunidade de que fazem parte, fazendo valer o
princípio da dignidade e criando espaços de responsabilidade para a
construção de projetos de felicidade. (BRASIL, 2001, p.59).
Evidentemente, a construção de estratégias metodológicas que favorecem a
construção de autonomia está amarrada à imagem de um professor autônomo. Nos
dois casos, na autonomia do aluno ou do educador, o caminho fundamental é o
autoconhecimento. O professor deve com frequência desenvolver uma prática
reflexiva sobre sua atuação, pois ele é um exemplo de moralidade, na maioria das
vezes, a sua ação é mais formadora que seu discurso. “O autoconhecimento é um
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processo sempre inacabado, que implica uma atividade de auto-observação e
descoberta de si mesmo mas também antecipação do futuro e construção de formas
de ser queridas e desejadas.” (GARCÍA, 2007, p.28).
Tradicionalmente, a educação moral excluía o diálogo de suas estratégias de
formação da moralidade. Nesse âmbito, a relação pedagógica pautava-se em uma
transmissão dos deveres sociais. Por outro lado, a escola aberta para busca de
referenciais autônomos de moral deve sustentar-se na comunicação. Isso deve ser
uma concepção persistente dos grupos gestores.
Finalmente, reconhecer a importância da comunicação deveria abrir a
escola para toda uma série de novos debates, (...). Se a preocupação
moral erigida em torno do dever e, a termo, a serviço da integração
da sociedade, às vezes, levou à exclusão do Outro, a preocupação
ética com a comunicação tema mais condições de garantir, pelo
menos num primeiro tempo, uma abertura indispensável para o
Outro. (BARRERE, 2001, p. 270)
Para Barrere (2001) o campo da moral se limitava a uma cultura escrita transmitida
unilateralmente pelo docente. Segundo a autora a educação moral convencionalmente
denominada de tradicional comumente pautava a formação ética na lógica de
discursos hierarquizados em que havia portadores da verdade que transmitiam sua
mensagem a um emissor. “A nova exigência ética, por sua vez, articula-se mais em
torno da comunicação e, sobretudo, do desejo da comunicação horizontal com
outrem.” (BARRERE, 2001, p.269)
As primeiras fases deste artigo contam com um referencial teórico muito importante
para problematizar a discussão do que são valores morais e como construí-los na
prática. Utilizamos a concepção de educação moral que considera os valores como
investimentos afetivos capazes de serem formados no espaço escolar. A moralidade é
compreendida como uma questão primordial do debate dentro das escolas e precisa
ser entendida a partir das interfaces de seu caráter universal e relativo bem como
externo e interno.
Foi possível perceber, no atual estágio de nossa investigação, que os gestores
têm um complexo papel em relação à construção de referenciais morais na educação
escolar. Os gestores trabalham diretamente com os educadores e devem ajudá-los a
elaborar projetos autônomos de moralidade. Nesse caso, o mais relevante deixa de
ser a lei e passa a ser a reflexão acerca da prática educativa. Nesse sentido, a função
do gestor é primordial para que a moralidade seja pensada como construção
autônoma e não como imposição do modelo de vida do corpo docente.
Portanto, podemos pensar que os gestores atuam como pontes entre as
políticas sociais para educação e o trabalho de construção da moralidade. Todavia, se
levarmos em conta a lei como um ideal democrático, a sua maior contribuição é
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construir espaços para que esse debate seja pensado e a educação moral se
estabeleça como um objetivo declarado. A moralidade imposta perde o sentido, vira
moralismo. O gestor deve contribuir para que a escola crie espaços de reflexão para
essa questão. Além disso, ela deve ser um espaço moral para que o ensino não seja
pautado apenas em teorias, mas na vivência da moralidade.
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