VALORES MORAIS NA ESCOLA CONTEMPORÂNEA: POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO PARA OS GESTORES Ricardo Ribeiro Marina Novaes de Senne Resumo O presente artigo tem como objetivo pensar a moralidade na escola na contemporaneidade. O foco de nossa análise é o papel dos gestores na construção de espaços para reflexão dos valores morais. É importante pontuar que nossas análises não são conclusivas, todavia desejam destacar a relevância das discussões no campo da educação moral. Para tanto, refletimos sobre a moralidade a partir de algumas sintéticas e clássicas concepções filosóficas. Em seguida, delimitamos nosso referencial teórico para matizar o lugar da moral na contemporaneidade e as possíveis contribuições dessa perspectiva para o trabalho dos gestores escolares. A partir de nossa concepção, a moralidade está diretamente vinculada ao campo do dever. Contudo, ela não se restringe às imposições externas ao indivíduo. Dessa maneira, precisamos compreendê-la à luz da construção interna do sentimento de obrigatoriedade. Ou seja, a moral não se limita ao racional. O grupo gestor tem como uma de suas funções primordiais criar espaços para a reflexão sobre o tema da moralidade. Além disso, é primordial pensar a construção da moralidade pautada em referenciais autônomos. Por fim, educação moral deve possibilitar a comunicação e a reflexão e não impor, como comumente foi feito na história escolar brasileira, uma perspectiva limitada de compreensão do mundo e de si. Palavras-chave: Gestão escolar – Filosofia Moral- Autonomia- Educação Moral INTRODUÇÃO O tema da moralidade e da ética no espaço escolar ganhou maior visibilidade na literatura educacional no início do século XXI. Isso foi confirmado pela pesquisa do ‘estado da arte’ desenvolvida por La Taille, Souza e Vizioli (2004). Os autores constataram a ampliação de publicações nessa temática entre 1990 e 2003. Todavia, concluíram que esses trabalhos pouco abordaram uma discussão filosófica e uma delimitação teórica a respeito do tema e, na maioria dos casos, restringiram-se a uma Prof. Dr. do Programa de Pós-Graduação Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista- Campus de Araraquara. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual PaulistaCampus de Araraquara. 2 concepção da moralidade e da ética como reconhecimento de deveres. Além disso, essa pesquisa constatou a escassez de investigações empíricas acerca do tema. Os problemas enfrentados pelas instituições escolares atuais relacionam-se com inúmeras dimensões do fazer pedagógico. Entretanto, o presente trabalho selecionou o aspecto moral como fonte de interpretação da conjuntura do sistema escolar contemporâneo. A compreensão da educação moral neste trabalho será explicada com maiores detalhes no desenvolvimento do texto. Todavia, é importante destacar que ela é entendida como um processo de construção de conhecimentos, valores, comportamentos, dependente tanto de fatores externos ao indivíduo e racionais como também elementos internos e afetivos. Em certa medida, será a tomada consciência de que a formação moral é um processo complexo que inclui diversos níveis de formação, desde a aquisição de convenções sociais até a configuração da consciência moral autônoma; que põe em funcionamento vários dinamismos morais, desde o juízo e a reflexão até os sentimentos e comportamentos, e que é veiculado através de vários mecanismos de ensino que impulsionaram tanto o desenvolvimento pessoal quanto a transmissão social de conteúdos morais. (PUIG, 1998, p.23). Historicamente, a educação moral não contribuiu para a consolidação de uma sociedade mais justa, ética e não violenta. Principalmente, pelo fato de que o ensino moral estava diretamente vinculado a uma prescrição de condutas e caminhos. Assim, por muito tempo confundiu-se o moralismo, imposição de um comportamento, com moralidade, construção de valores guiados pelo bem coletivo. Dessa maneira, academicamente o debate acerca da moral ficou estigmatizado e passou a ser visto de forma pejorativa. Segundo Goergen (2001), tradicionalmente a concepção de educação moral ficou marcada pela universalidade, a objetividade e a autoridade. Esse trágico caminho moralista perseguido nos modelos de ensino ao longo da história educacional brasileira fez emergir um tabu acerca da temática da moralidade nas escolas. Ao contrário da moral, notadamente o discurso da ética tem se transformado em um senso comum, constantemente divulgado nos textos oficiais e na mídia , mas muito distantes da consolidação de um projeto social que caminhe para uma “vida boa”. A ética segundo La Taille (2007) virou um modismo que passou a integrar o discurso em diversos contextos sociais. Por esse motivo, é possível percebê-la como pauta sistemática no início do século XXI, mas pouco incorporada e refletida. Na maioria dos casos em que o discurso da ética aparece ele está restrito a uma visão estereotipada a qual impõe uma regra social. Para o autor, isso reflete que ainda precisamos de ponderações teóricas mais profundas acerca do assunto. 3 Além disso, La Taille (2007) inferiu que o aumento notável das referências à palavra ética evidencia a carência dessa ação em nosso cotidiano. Em outras palavras, o crescimento expressivo do uso do conceito da ética em diferentes setores não garante uma ampliação dos comportamentos éticos. Isso ocorre, segundo La Taille (2007), entre outros fatores, porque a construção desses valores morais e éticos dependem tanto de um processo de reflexão racional como de um investimentos afetivo que move a ação. Além disso, o entendimento da ética está, na maioria dos casos, restrito às regras e aos deveres, ou seja, ao mesmo conceito rechaçado de moral. Dessa maneira, ter um discurso pautado por referenciais morais e éticos não garante uma postura moral ética. Portanto, é preciso resignificar a concepção de educação moral que fuja a uma compreensão vinculada a imposição de deveres. Nesse aspecto, introduz-se outra discussão ligada à natureza da educação escolar, quais são seus objetivos e prioridades. Para Georges Gusdorf (1970), a educação se pauta na dinâmica da relação entre professor e aluno. Segundo o autor, ao final do processo escolar, o que fica mais evidente é o confronto de cada um consigo próprio que ocorre por meio do diálogo entre professores e seus educandos. E, dessa forma, a função de professor está ligada à própria reflexão que justifica a existência humana. Portanto, o discurso de Gusdorf destaca a tomada de consciência como a pauta mais importante do processo educativo. Para ele, o mestre “ensina a possibilidade de existir” (GUSDORF, 1970, p.129). Nesse caminho, pensar em educação para a construção de valores morais está diretamente relacionado ao processo de reflexão do sentido de nossa existência enquanto indivíduos. Contudo, a forma como pensamos a moralidade e os projetos de felicidade, que serão dissertados em breve, dependem também do pensar no outro e do respeito à alteridade e a própria regra. Segundo La Taille: “É, naturalmente, perigoso afirmá-lo de modo taxativo, mas parece ser real o fato de não haver, nos dias de hoje, ponderação genuinamente educacional em torno do tema sobre o qual nos ocupamos aqui. [a moralidade e a educação]” (LA TAILLE, 2004, p.101). Isto posto, este artigo se justifica na busca por compreender o papel dos gestores de escola na construção de valores morais. A EDUCAÇÃO MORAL NA CONTEMPORANEIDADE É importante esclarecer que o conceito de moralidade não é consensual tampouco conclusivo. Em muitos textos a palavra ética e moral aparecem como 4 sinônimas, tal concepção é coerente uma vez que os dois conceitos apresentam a mesma raiz etimológica. Contudo, pensamos ser relevante delimitar a abordagem teórica com a qual dialogamos na análise do campo da ética e da moral neste artigo. Em nossa análise, não utilizaremos a sinonímia dos dois conceitos. Nesta pesquisa trabalharemos com a compreensão dessas definições a partir de uma outra convenção estruturada pelos questionamentos “[...] diz que a moral corresponde à pergunta “como devo agir?”, e a ética a outra: “que vida quero viver?”. (LA TAILLE, 2004, p.98).Ou seja, a concepção de moral está relacionada aos deveres e a ética a uma vida boa, que tenha sentido. Na obra “Nos labirintos da moral” de Mario Sergio Cortella e Yves de La Taille (2009) os autores retomam a perspectiva de Paul Ricoeur para diferenciar o campo da ética e da moral. Essa definição citada abaixo configurase como uma de nossas bases teóricas. Ele faz essa diferenciação entre moral e ética. Moral são normas, deveres, e ética é uma vida boa. Veja que bela definição, que é plenamente adequada à vida em comunidade e, também, ao cosmopolitismo. Ele diz: ‘Perspectiva ética é a perspectiva de uma vida boa, para e com outrem, em instituições justas.’ (CORTELLA, LA TAILLE, 2009, p.35). Evidentemente há uma diversidade de interpretações acerca dos sistemas morais, entretanto, é possível perceber segundo La Taille (2007) a existência de um elemento comum nesses diversos entendimentos do que é a moral: o ‘sentimento de obrigatoriedade’. Nesse sentido, o plano da moral é relacionado diretamente ao campo do dever, todavia, inclui uma subjetividade no processo de internalização das regras. Essa experiência subjetiva que La Taille (2007) denomina ‘sentimento de obrigatoriedade’ ao qual o dever se torna o querer. [...] somente age moralmente quem se sente intimamente obrigado como tal, e não quem é coagido por algum poder exterior. Logo, o sujeito moral é, por definição livre, porque é ele mesmo quem decide agir por dever. Dito de outra forma, somente é moral quem assim o quer. (LA TAILLE, 2007, p.54) Dessa maneira, é possível constatar uma dimensão afetiva da ação moral pela qual as pessoas criam ou não o sentimento de autoimposição. Portanto, o dever será ou não cumprido conforme o indivíduo internaliza e legitima as regras. Em outras palavras, é nesse caminho de articulação entre as regras dadas e a coerência com os projetos individuais que se relaciona o campo da moral e da ética. Ou seja, há um dever a ser cumprido socialmente, caso ele seja coerente com a forma como o indivíduo acredita ser a forma correta de se agir, tenho o campo da moral. No entanto, o sentido daquilo que eu acredito ser uma forma boa de vida vincula-se ao corpus ético. “Dito de outra maneira, somente sente-se obrigado a seguir determinados 5 deveres quem os concebe como expressão de valor do próprio eu.” (LA TAILLE, 2007, p.51). Assim, o vínculo entre a moral e a ética se estabelece na medida em que o sentimento de obrigatoriedade está associado a ideia de ‘expandir a si próprio’. Assim, a decisão do sentido pelo qual desejo seguir na minha vida tem direta relação com o lugar que os deveres ocupam em minha subjetividade. A articulação entre a moral e a ética está justamente na amplitude de ‘quereres’ que faz com que algumas pessoas desejam agir moralmente enquanto outras não valorizam essas ações. Por outro lado, todo plano ético, traduzido como um projeto de felicidade, contém uma moral, uma vez que sistematiza a vida em sociedade. “ [...] a moral não diz o que é ser feliz nem como sê-lo, mas sim quais são os deveres a serem necessariamente obedecidos para que a felicidade individual tenha legitimidade social.” (LA TAILLE, 2007, p.60). La Taille (2007) se refere a Paul Ricoeur quando argumenta haver, por esses motivos explicitados anteriormente, uma primazia da ética sobre a moral, para esses dois autores é a reflexão ética que nos permite sair de impasses morais. Portanto, em nossa perspectiva teórica o plano ético engloba o moral. Por outro lado, não devemos limitar o que é uma vida boa, ou quais são os conteúdos de um projeto de felicidade. Para La Taille (2007) o nosso papel é selecionar quais são os deveres que condicionam a busca pela felicidade. Portanto, o presente artigo se centra na temática da educação moral, sobretudo pensada a partir do trabalho dos gestores capazes de estruturar os espaços dentro das escolas para reflexão dos conteúdos morais e dos deveres que levam a busca por uma vida boa. O dever e a vida que se deseja levar tem relação direta e não podem ser limitados a qualquer dever ou qualquer projeto de vida. Nessa concepção teórica a que nos apoiamos a ética e a moral constroem uma íntima relação. Segundo Tognetta (2008), o dever desvinculado da justiça e da generosidade não pode ser considerado moral. Da mesma maneira, a ética compreende um sentido de felicidade que não se limita ao indivíduo, pois necessariamente se expande ao outro e a modelos justos de instituição. Se empregamos essas definições de moral e de ética, é porque fazemos a hipótese de que as duas dimensões – dever e “vida boa” – são articuladas do ponto de vista psicológico. Fazemos a hipótese geral de que os deveres morais somente serão intimamente legitimados e, portanto, inspirarão as ações dos indivíduos para os quais eles são partes integrantes de uma “vida boa”, por aqueles, portanto, que possuem uma ética, como assim definida por Ricoeur (1990). (TOGNETTA, 2008, p.182). Comumente a moral é compreendida como conjunto de normas a serem seguidas e, portanto, sua origem está conectada a um processo de imposição 6 heterônoma que se dá no plano externo ao indivíduo. A contribuição de Piaget para repensar a moralidade foi fundamental. Para ele, ao eliminar a coação nas relações e formar um ambiente cooperativo e reflexivo é possível a construção de uma autonomia moral. Portanto, utilizaremos a perspectiva de Piaget no que tange à busca por uma moralidade autônoma. Por outro lado, a perspectiva piagetiana restringe-se a uma compreensão racional, por meio da consciência, para atingir a moralidade. Acreditamos na racionalidade como primordial mas não suficiente para o desenvolvimento moral. Dessa maneira, pensamos em uma diferente natureza da moralidade a qual leva em consideração a dimensão afetiva da moralidade. Se partirmos da ideia de que a moralidade se forma a partir de normas impostas pela sociedade, ela é entendida como incorporação, ou seja, relativa e dependente das condutas culturais de cada povo. Por outro lado, a moralidade também se refere aos sentimentos e aos investimentos afetivos capazes de construir autonomamente os valores morais. Portanto, concepções que consideram apenas a influência externa na formação moral estão sendo limitadas. A partir dessa delimitação teórica acerca da compreensão da moralidade, centramos agora nosso olhar na definição dos valores morais na educação. O valor é compreendido como aquilo que se considera importante. “A própria definição do que é um valor pode ajudar-nos a compreender melhor: um valor pode ser definido como um investimento afetivo que nos move ou nos faz agir.” (TAILLE, 2009, p.17). Esse referencial teórico preocupa-se em discutir o que são valores morais e como construí-los na prática. Nesse sentido, utilizamos a concepção de educação moral que considera os valores como investimentos afetivos capazes de serem formados no espaço escolar. Essa corrente teórica foi revista a partir das transformações da sociedade contemporânea com os autores Puig, La Taille e Araújo. A moralidade é compreendida por esses autores como uma questão primordial do debate dentro das escolas e precisa ser analisada a partir das interfaces de seu caráter universal e relativo bem como externo e interno. Para Araújo: os valores são construídos nas interações cotidianas. Nessa concepção, [...], os valores nem estão predeterminados nem são simples internalizações (de fora para dentro), mas resultantes das ações do sujeito sobre o mundo objetivo e subjetivo em que ele vive. (ARAÚJO, 2007, p.20). Na obra “A construção da personalidade moral” Puig (1998) utilizou a concepção clássica do construtivismo quando pensa o desenvolvimento moral a partir de interações com a sociedade. Nessa perspectiva, a educação moral não é um 7 processo de aculturação pois passa pela consciência adquirida por uma assimilação racional. Em contrapartida, o autor problematiza as concepções clássicas como a de Piaget pois busca uma releitura pautada nas transformações contemporâneas. Nesse sentido, nos apoiamos na perspectiva de Puig que ao mesmo tempo em que considera a educação moral como uma construção de uma referência autônoma de moralidade ele amplia a concepção racionalista assumida por autores como Piaget e Kohlberg. Assim:“A educação moral é essencialmente um processo de construção de si mesmo. Não é uma imposição de modelos externos nem o descobrimento de valores íntimos, tampouco o desenvolvimento de certas capacidades morais.” (PUIG, 1998, p.20). Portanto, os gestores precisam contribuir para a abertura de espaços de reflexão sobre a temática da moralidade a partir de leitura, debates, discussões de situações problemas. Assim como é fundamental, fundar ambientes em que o corpo, a sensibilidade, o afeto tenham lugar na construção da moralidade autônoma. Isto posto, é importante esclarecer que nossa pesquisa busca analisar a moralidade no espaço escolar dentro do contexto das incertezas morais contemporâneas. Nesse sentido, a tese central do livro “Crise de Valores ou Valores em Crise” é justamente que vivemos valores em crise, pois não vemos uma ausência de valores e sim uma mudança em seu eixo de significação. “Estaríamos assistindo a um rearranjo moral, ao aparecimento de novas modalidades de relacionamento, à valorização de determinadas virtudes, a novas inquietações éticas, e não a uma volta a uma condição pré-moral.” (LA TAILLE, 2009, p.11). Para García (2010), estamos em um momento de muitas incertezas e, portanto, os valores precisam ser guias para as pessoas. Se levarmos em consideração que os valores podem ser ensinados, é importante pensar que depende de uma tomada de consciência, ou seja, de uma construção autônoma de comportamentos éticos. Sua função como referência de conduta evidencia a necessidade de cada pessoa definir com precisão sua hierarquia de valores, o que a ajudará a ter um comportamento pessoal mais orientado e coerente e lhe permitirá tomar decisões com consciência e autonomia. (GARCÍA, 2010, p.26). Desse modo, o presente trabalho visa a contextualizar os valores em crise na sociedade contemporânea pois é preciso tomar cuidado com os relativismos e as condutas individuais e repensar os valores que nos conduzem aos bens coletivos, por mais difícil que seja pontuá-los. Outro ponto importante de análise relaciona-se ao fato de poucas certezas sobre os melhores caminhos para construir referências morais com os alunos. No entanto, o que se afirma é que não se forma em valores por uma repetição de 8 informação ou com metodologias típicas das disciplinas curriculares. É preciso ser um trabalho transversal, contínuo e vinculado à prática discente. Diante desse paradoxo entre o absoluto e o relativo, adensa-se a necessidade de um núcleo mínimo, capaz de nos por a salvo do relativismo ético que, no limite, eliminaria a possibilidade de qualquer moral vinculante através da afirmação da privacidade absoluta do cultural ou mesmo do subjetivo. Nesse caso, a própria educação que visa a formação do ser humano estaria destituída de fundamento e deveria desaparecer. (GOERGEN, 2001, p.158). Além disso, os métodos utilizados devem conduzir à autonomia da moral e não à imposição de condutas. Esse desenvolvimento da moral heterônoma para autônoma depende de fatores cognitivos e metodológicos: “a autonomia moral é o reconhecimento pessoal da necessidade das normas morais da sociedade, e, portanto a mudança do que era exterior para o interior da consciência individual.” (PUIG, 1998, p.34).A partir de nossa perspectiva teórica a construção dos valores morais depende diretamente da vivência cotidiana em um ambiente cooperativo, justo. Para Piaget (1960), a finalidade da educação moral é construir personalidades autônomas e aptas a cooperação. En lo que se refiere al fin de la educación moral podemos, pues, por uma legítima abstracción considerar que es el de construir personalidades autônomas aptas para la cooperación, y que si se desea, por el contratio, hacer del niño um ser sometido durante toda su existencia a uma coacción exterior, cualquiera que sea ésta. (PIAGET, 1960, p.18). Ou seja, não adianta a escola almejar construir uma sociedade justa e ética se não for formado em justiça. Assim, uma escola para valores humanos é uma escola em valores. Essa talvez seja uma das discussões mais relevantes que os gestores podem promover em suas unidades escolares. É este o desafio maior que se apresenta a sociedade, mais particularmente, à escola, espaço de socialização e criação de conhecimentos e valores. Trabalhar com as crianças e adolescentes de maneira responsável e comprometida, do ponto de vista ético, significa proporcionar as aprendizagens de conteúdos e desenvolvimento de capacidades para que possam intervir e transformar a comunidade de que fazem parte, fazendo valer o princípio da dignidade e criando espaços de responsabilidade para a construção de projetos de felicidade. (BRASIL, 2001, p.59). Evidentemente, a construção de estratégias metodológicas que favorecem a construção de autonomia está amarrada à imagem de um professor autônomo. Nos dois casos, na autonomia do aluno ou do educador, o caminho fundamental é o autoconhecimento. O professor deve com frequência desenvolver uma prática reflexiva sobre sua atuação, pois ele é um exemplo de moralidade, na maioria das vezes, a sua ação é mais formadora que seu discurso. “O autoconhecimento é um 9 processo sempre inacabado, que implica uma atividade de auto-observação e descoberta de si mesmo mas também antecipação do futuro e construção de formas de ser queridas e desejadas.” (GARCÍA, 2007, p.28). Tradicionalmente, a educação moral excluía o diálogo de suas estratégias de formação da moralidade. Nesse âmbito, a relação pedagógica pautava-se em uma transmissão dos deveres sociais. Por outro lado, a escola aberta para busca de referenciais autônomos de moral deve sustentar-se na comunicação. Isso deve ser uma concepção persistente dos grupos gestores. Finalmente, reconhecer a importância da comunicação deveria abrir a escola para toda uma série de novos debates, (...). Se a preocupação moral erigida em torno do dever e, a termo, a serviço da integração da sociedade, às vezes, levou à exclusão do Outro, a preocupação ética com a comunicação tema mais condições de garantir, pelo menos num primeiro tempo, uma abertura indispensável para o Outro. (BARRERE, 2001, p. 270) Para Barrere (2001) o campo da moral se limitava a uma cultura escrita transmitida unilateralmente pelo docente. Segundo a autora a educação moral convencionalmente denominada de tradicional comumente pautava a formação ética na lógica de discursos hierarquizados em que havia portadores da verdade que transmitiam sua mensagem a um emissor. “A nova exigência ética, por sua vez, articula-se mais em torno da comunicação e, sobretudo, do desejo da comunicação horizontal com outrem.” (BARRERE, 2001, p.269) As primeiras fases deste artigo contam com um referencial teórico muito importante para problematizar a discussão do que são valores morais e como construí-los na prática. Utilizamos a concepção de educação moral que considera os valores como investimentos afetivos capazes de serem formados no espaço escolar. A moralidade é compreendida como uma questão primordial do debate dentro das escolas e precisa ser entendida a partir das interfaces de seu caráter universal e relativo bem como externo e interno. Foi possível perceber, no atual estágio de nossa investigação, que os gestores têm um complexo papel em relação à construção de referenciais morais na educação escolar. Os gestores trabalham diretamente com os educadores e devem ajudá-los a elaborar projetos autônomos de moralidade. Nesse caso, o mais relevante deixa de ser a lei e passa a ser a reflexão acerca da prática educativa. Nesse sentido, a função do gestor é primordial para que a moralidade seja pensada como construção autônoma e não como imposição do modelo de vida do corpo docente. Portanto, podemos pensar que os gestores atuam como pontes entre as políticas sociais para educação e o trabalho de construção da moralidade. Todavia, se levarmos em conta a lei como um ideal democrático, a sua maior contribuição é 10 construir espaços para que esse debate seja pensado e a educação moral se estabeleça como um objetivo declarado. A moralidade imposta perde o sentido, vira moralismo. O gestor deve contribuir para que a escola crie espaços de reflexão para essa questão. Além disso, ela deve ser um espaço moral para que o ensino não seja pautado apenas em teorias, mas na vivência da moralidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, U. Educação e valores: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2007. ARROYO, M. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 2001. CORTELLA, M.S.; LA TAILLE, Y. Nos labirintos da moral. Campinas, SP: Papirus, 2009. GARCÍA, M; PUIG, J.M. As sete competências para educar em valores. São Paulo: Summus, 2010. GOERGEN, P. Educação moral: adestramento ou reflexão comunicativa? Educação & Sociedade, ano XXII, nº 76, Outubro/2001 GUSDORF, G. Professores para quê? Lisboa: Editora Moraes, 1970. PALACIOS, J. Conhecimento social e desenvolvimento de normas e valores entre os seis anos e a adolescência. PIAGET, J. La nueva educacion moral. Buenos Aires: Editorial Losada, 1960. PUIG, J.M. A construção da personalidade moral. São Paulo: Editora Ática, 1998. LA TAILLE, Y; SOUZA, L.S.; VIZIOLI, L. Ética e educação: uma revisão da literatura educacional de 1990 a 2003. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.1, p. 91108, jan./abr. 2004. LA TAILLE, Y. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Artmed, 2007. ________. (organização). Crise de valores ou valores em crise? Porto Alegre: Artmed, 2009. TOGNETTA, L. R. P. A formação de personalidades éticas: representação de si e moral. Psicologia: Teoria e Pesquisa; 2008, Vol. 24 n. 2, pp. 181-188.