A economia criativa do (no) Brasil

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A ECONOMIA CRIATIVA DO (NO) BRASIL
Elder Patrick Maia Alves1
RESUMO: o tema da economia criativa tem grassado no interior de diversas instituições e,
sobretudo, no âmbito da administração cultural pública, municiando novas práticas e
discursos e também sendo dinamizado pelos principais agentes político-culturais
especializados, granjeando, assim, densidade empírica e figurando na agenda político-cultural
contemporânea. Ao mesmo tempo, o referido tema é resultado da expansão e diferenciação da
oferta, consumo e produção de bens, serviços e atividades simbólico-culturais, que tem
imprimido uma dinâmica cada vez mais diferenciada ao mercado cultural brasileiro. Essas
duas frentes empíricas compõem o objeto da economia criativa. Este trabalho tem como
propósito evidenciar e refletir como os principais agentes de discussão desse tema atuado para
legitimá-lo e consolidá-lo.
PALAVRAS-CHAVE: economia criativa, indústria cultural, Ministério da Cultura, FIRJAN.
Introdução
Este trabalho deriva de uma pesquisa conduzida no âmbito do Laboratório de
Investigações Sociológicas (SocioLab) da Universidade Federal de Alagoas (UFBA) e
recentemente aprovada e financiada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Decorre da densidade empírica assumida pelo tema da economia criativa no Brasil nos
últimos anos, que, por seu turno, é um dos corolários do crescente espaço que os bens,
serviços e atividades simbólico-culturais ocupam no interior das economias pós-industriais de
serviços. É preciso acentuar que há, no mínimo, duas frentes empíricas que compõem o
objeto da economia criativa: 1) a primeira diz respeito ao caráter multifacetado, sinuoso e
diferenciado do mercado de bens simbólico-culturais no Brasil, que tem logrado um peso
substancial na economia de serviços, dinamizada pelo crescimento das atividades de
entretenimento, lazer e diversão no ambiente doméstico e fora do lar; 2) a segunda concerne
ao processo de formulação, planejamento e execução de políticas culturais dirigidas à
economia criativa, que envolve, incontornavelmente, a consecução de uma definição
1
Professor Adjunto de sociologia do Instituto de Ciências Sociais (ICS) e do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia (PPGS) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), e-mail: [email protected].
1
conceitual de economia criativa e, por conseguinte, uma justificativa segura para a
implementação de tais políticas, versando, com efeito, sobre o lugar político-institucional no
qual a economia criativa deve figurar no âmbito, por exemplo, da administração pública
federal, se continua na alçada do Ministério da Cultura, se é deslocada para o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, ou mesmo se passa a ser objeto da ação de um
instituto especifico, ligado, por exemplo, ao Ministério de Ciência e Tecnologia.
A primeira frente, como se pode inferir, não constitui propriamente uma novidade,
pois diz respeito às vicissitudes do processo de modernização cultural no Brasil a partir da
segunda metade do século XX, que trouxe no seu bojo o recrudescimento do processo de
industrialização do simbólico e, na última década, o advento e a consolidação do processo de
digitalização do simbólico. Essa primeira frente traz consigo as transformações nos mercados
culturais; a formação de um mercado de bens simbólicos nacionais; a expansão dos fluxos
comunicacionais e informacionais; a diferenciação das clivagens de consumidores; o
crescimento da relevância da dimensão audiovisual; e, por fim, o impacto desses processos na
economia pós-industrial de serviços nas últimas três décadas. A grande novidade é como os
novos agentes especializados da produção e das políticas culturais passaram a tratar as
relações entre arte, técnica, mercado e memória na última década no Brasil e no mundo. O
tema da economia criativa e, por conseguinte, as políticas vicejadas a partir dessa categoria
emergiram precisamente como um novo tratamento teórico-discursivo às antigas relações
entre arte, técnica, mercado e memória (o processo de industrialização do simbólico) e,
simultanemante, também ascendeu como resultado das novas relações entre arte, técnica,
mercado e memória (o processo de digitalização do simbólico). A primeira frente de pesquisa
impõe uma investigação não só acerca dos suportes técnicos, das linguagens artístico-culturais
e dos setores culturais específicos, mas, sobretudo, uma investigação sobre o capitalismo
cultural brasileiro, que envolve os negócios, os bens, as atividades e os serviços culturais; as
festas populares, o lazer e o entretenimento; os equipamentos culturais públicos, privados e os
negócios urbanos e as novas demandas simbólico-culturais e os usos da cultura. Já a segunda
frente de pesquisa envolve uma reflexão propriamente sobre o tratamento do tema da
economia criativa, seu significado último, as políticas formuladas e implementadas, assim
como a atuação política das instituições que tem se responsabilizado e dinamizado o tema.
Precisamente por ocorrer uma distinção empírica envolvendo essas duas frentes empíricas que
abarcam o tema da economia criativa, o titulo deste trabalho sugere uma pequena provocação:
economia criativa do e no Brasil. A primeira se refere à produção simbólico-cultural existente
2
e consumida no território nacional; já a segunda, refere-se à maneira como o tema|categoria
vem sendo tratado pelos agentes político-discursivos especializados.
Economia criativa e indústria cultural: transformações no âmbito da critica políticocultural
Ambas as frentes aludidas antes, não obstantes, impõem uma indagação
imprescindível: quais são os critérios de criatividade utilizados pelos agentes políticodiscursivos especializados para definir a economia criativa; e mais, porque domínios antes
vistos como pouco ou mesmo anticriativos (como a televisão) hoje são arrolados como
setores e domínios criativos? Em face da densidade empírica assumida pelo tema, poderia
ainda se perguntar sob que condições sociais esse novo eixo temático apareceu e vem
granjeando legitimidade no âmbito do governo brasileiro e de instituições transacionais;
poderia se indagar também quais as aproximações, afastamentos e acomodações envolvendo
o tema da economia criativa com o tema das indústrias culturais?
Desde a feitura da categoria de economia criativa até o inicio desta década, muitos
governos,
instituições
transacionais,
Organizações
Não-Governamentais
(ONGs),
corporações, entidades de artistas e produtores culturais, entre outros, vêm lançando mão de
formulações semelhantes para referirem-se as novas esferas de fruição, lazer, deleite artísticocultural e produção de novos significados. Com efeito, alguns desses agentes, sobretudo os
governos dos chamados países em desenvolvimento, como o Brasil, têm disputado o
significado mais legitimo da categoria economia criativa, fornecendo-lhe um significado local
tributário das lutas e interesses que se acentuam por ocasião da formulação e implementação
de políticas inspirada na categoria economia criativa, mediante disputas político-intelectuais
que imprimiram alterações conceituais ao teor da problemática que envolve categorias como
economia da cultura, indústrias da criatividade e economia criativa. Depreende-se, desse
modo, que a categoria de economia criativa é uma construção simbólico-discursiva erigida
em meio às transformações político-econômicas da última década do século XX. Seu núcleo
de significado consiste em revelar, por um lado, a plêiade de atividades e realizações artísticoculturais contidas em uma série de bens e serviços culturais, por outro, opera como registro
discursivo capaz de engendrar novos práticos e fundos de saberes considerados
eminentemente criativos. Importa asseverar também que a categoria de economia criativa vem
sendo utilizada, desde meados da última década do século XX, como uma construção
conceitual para descrever novas e antigas práticas inscritas em atividades e bens artístico3
culturais, mas também como uma nova ordem discursiva capaz de inspirar políticas públicas,
investimentos e ações que instaurem novos fundos de saberes, novas dinâmicas de fruição e
negócios culturais e, portanto, novas realidades econômico-culturais.
Esse último aspecto é preciso ser devidamente explorado, pois confere os contornos
metodológicos pelos quais nossos trabalhos em torno da economia criativa tem se norteado,
ou seja: por um lado, o tema da economia criativa emerge em meio à expansão dos bens,
serviços e atividades culturais no interior das economias contemporâneas de serviços nas
últimas quatro décadas e a respectiva diferenciação do consumo simbólico-cultural no mesmo
período; por outro lado, o tema, justamente pelo crescimento da relevância política e
econômica do consumo e da produção cultural, vem sido manejado por governos nacionais,
instituições transnacionais, empresas, profissionais da cultura e organizações nãogovernamentais (ONGs) para justificar a elaboração e execução de políticas culturais com
vistas à dinamização da economia criativa. Para tanto, tais agentes políticos, como a
UNCTAD, pertencente ao sistema ONU, e a FIRJAN, segundo maior federação de indústrias
do Brasil, o Ministério da Cultura, atuam como críticos culturais ampliados, redefinindo parte
dos critérios utilizados para se definir a criatividade artístico-cultural e o seu cultivo, assim
como corroboram para mitigar o poder critico dos círculos especializados, sobretudo na
América Latina, nos quais categorias como indústria cultural eram largamente utilizadas, ora
em tom de denúncia, para proteger-se contra as ameaças do imperialismo cultural norteamericano, ora em tom de crítica estética, rechaçando o que seria a conspurcação da
criatividade e da criação artística pela produção em massa dos produtos culturais. Desse
modo, temos aqui um pêndulo a ser percorrido e explicitado: por um lado, a categoria de
economia criativa emerge como um desdobramento simbólico-conceitual de processos em
curso desde meados do século passado, situando-se dentro de um novo regime discursivo
acerca da esfera cultural, vicejando um agudo discurso culturalista no ambiente empresarialcorporativo; por outro, a categoria de economia criativa passa a ser, ela mesma, instauradora
de novas realidades e dinâmicas econômico-culturais, pois é um das categorias|tema mais
utilizadas para justificar e executar políticas culturais em países como o Brasil, por exemplo.
É em torno desses enlaces e redes processuais, que envolve a gestão cultural, o planejamento
urbano, a formação do consumo e a consecução dos negócios culturais, que o tema|categoria
economia criativa gravita, sendo, simultaneamente, resultado e força propulsora de novas
dinâmicas.
As novas relações entre arte, técnica mercado e memória implicaram transformações
substanciais no âmbito da critica político-cultural ampliada. A globalização cultural,
4
recrudescida sobremaneira na primeira década do século XXI, complexificou ainda mais as
relações entre arte, técnica, memória e mercado, ou, se preferimos, entre os novos meios e as
diversas mediações, vicejando um novo conjunto de reflexões teóricas, estéticas e políticas
que fomentaram novas formas de classificação acerca das atividades artísticas e da produção
cultural de um modo geral. Em linhas gerais, o recorrente conceito de indústria cultural – tão
disseminado entre as vanguardas político-culturais da esquerda latino-americana e de outras
partes do mundo a partir da década dos sessenta do século XX -, cunhado, em parte, para
denunciar a “conspurcação” da arte pela indústria, numa espécie de antinomia frontal à
liberdade de criação artístico-cultural, passou a ser deslocado e esvaziado em nome de novas
formas de conceituação e classificação, logo tornadas dispositivos de justificação e
implementação de políticas de planejamento cultural, sendo a principal delas o conceito|tema
de indústrias da criatividade, sucedida e substituída mais tarde pelo conceito|tema da
economia criativa. Portanto, a categoria\tema de economia criativa exprime uma mudança
paradigmática no âmbito da critica político-cultural ampliada, composta pelas universidades,
pelo jornalismo cultural, diferentes instituições governamentais, empresas, profissionais
culturais, organizações transnacionais, como a UNESCO (Organização das Nações Unidas
Para Educação, Ciência e Cultura), instituições não governamentais (ONGs), os movimentos
sociais, as vanguardas artístico-culturais e as instâncias de consagração e julgamento estético.
O cerne da mudança consistiu na maneira de se reputar e se definir a criatividade, enfatizando
alguns aspectos e mitigando outros, conformando uma espécie de hierarquia da criatividade
contemporânea, que, direta ou indiretamente, constitui a percepção de diversos gestores
culturais, patrocinadores, produtores, criadores, consumidores, críticos e profissionais
especializados (os agentes político-normativos da economia criativa), norteando as escolhas
institucionais e as avaliações estético-econômicas das práticas criativas, dos saberes, dos
fazeres, dos bens, dos serviços, das atividades e linguagens artístico-culturais, seus
respectivos mercados e arranjos produtivos.
Em fevereiro de 2005, em um seminário internacional realizado na Índia, o escritório
regional da UNESCO para América Latina, Ásia e o Pacífico aprovou um documento2 no qual
expressa, de maneira clara e inequívoca, que as indústrias culturais fazem parte da economia
criativa. Nos documentos anteriores (notadamente no relatório da Comissão sobre Cultura e
Desenvolvimento e nas convenções analisadas) aparecem sempre hesitações e dúvidas
(quando não condenações abertas) quanto às chamadas indústrias culturais. A tensão entre
2
Cultura e desenvolvimento, novas formulações e proposições, Montevidéu, 2005.
5
criação e padronização, entre invenção e controle, no âmbito das chamadas indústrias
culturais foi deslocada para o registro da crítica estética segundo uma chave de denúncia,
seguindo o entendimento de que a técnica estaria promovendo um assalto e conspurcando a
arte, desencadeando toda sorte de padronização (WIGGEERSHAUS, 2002). A legitimação e
consolidação desse registro fizeram com que o conceito de indústria cultural tivesse seu
sentido explicativo e analítico deslocado para o âmbito da crítica, passando a ser mais uma
categoria nativa do que uma categoria analítica (ALVES, 2011). Ora, ao que parece, vê-se
hoje um movimento inverso. Não que o conceito de indústria cultural tenha recuperado seu
vigor analítico e interpretativo, mas que a dimensão da criatividade inscrita nos bens e
serviços da indústria cultural tenha sido reposta e extremamente valorizada. Passou-se, por
assim dizer, de uma crítica feroz e resignada da indústria cultural para uma celebração e
valorização das indústrias da criatividade. É possível sugerir que houve uma espécie de
limpeza semântica. O que antes era identificado como algo eminentemente uniformizador e
padronizador, a partir da década passada passou a ser associado, cada vez mais, a aspectos
ligados à criatividade e à diversidade. A categoria de indústria cultural, sobretudo no
ambiente UNESCO, continua sendo utilizada, mas sem a carga político-ideológica que
continha antes, ou seja, sem a força de seu imperativo crítico e político. A rigor, a discussão
foi deslocada para o âmbito propriamente dos processos criativos. A profusão de novos
meios, suportes físicos e fluxos comunicacionais, além dos circuitos digitais, complexificaram
as discussões e toda a problemática envolvendo arte e técnica e, por conseguinte, as análises
acerca da produção simbólica contemporânea. Com efeito, uma antiga discussão dicotômica
entre arte e técnica, dicotomia essa forjada entre alguns circuitos de crítica cultural e
movimentos político-culturais dos anos cinqüenta e sessenta, deu lugar a uma
problematização mais complexa envolvendo os usos e as mediações entre as técnicas, os
suportes, as linguagens e os conteúdos simbólicos. A coordenadora do primeiro relatório
mundial sobre economia criativa (Criative Economy Report, UNCTAD, 2008), Edna Dos
Santos-Duisenberg, ressalta: “digno de nota é que a designação “indústrias criativas” ampliou
a amplitude das indústrias culturais, transcendendo as artes, e marcou uma mudança na
abordagem das atividades comerciais em potencial, que até recentemente eram consideradas
predominantemente em termos não-econômicos”.
Nos documentos consultados e utilizados na atual fase desta pesquisa, a categoria de
indústria cultural ora aparece como um elemento diluído no âmbito das indústrias da
criatividade (que envolve diretamente os setores de televisão e radiodifusão), ora aparece
como uma dimensão inteiramente homologa a de indústrias criativas|economia criativa (como
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é o caso da China, por exemplo); ou como um componente que, no bojo da globalização
cultural acionada na última década do século XX, ameaça a criatividade e a diversidade
artístico-cultural e, por isso mesmo, facultou o aparecimento de políticas, ações, projetos e
organizações que passaram a falar de outra indústria, a da criatividade, diretamente afinada
com os valores-força de diversidade, criatividade, tradição e identidade. No texto do Plano
da Secretaria da economia criativa, apresentado pela Secretaria Cláudia Leitão, logo no
primeiro tópico do documento, intitulado O primeiro desafio do plano: a pactuação de um
conceito para a economia criativa, a mudança paradigmática que buscamos compreende e
atestar nessa seção se expressa com tintas vivas:
Nossa compreensão de economia criativa definitivamente não se
submete ao significado moderno de “indústrias culturais”. Pelo
contrário, o grande desafio intelectual e político para a construção de
um Plano da Secretaria era o de retomar o papel do MinC na
formulação de políticas pública para o desenvolvimento brasileiro. Por
isso, nossa primeira tarefa foi a de pactuar os fundamentos da
economia criativa a partir dos seguintes princípios: inclusão social,
sustentabilidade, inovação e diversidade cultural brasileira. (LEITÃO,
2011).
Nesse caso especifico, a economia criativa é justificada a partir de uma critica frontal a
indústria cultural, ou seja, a economia criativa se guia por princípios (inclusão social,
sustentabilidade, inovação e diversidade cultural brasileira) não contemplados pelas modernas
indústrias culturais. A definição de economia criativa cunhada pela ministra, assim como a
operacionalidade assumida até agora pelo Plano da Secretaria da Economia Criativa, permite
desvelar três aspectos centrais ao tema das políticas culturais e a organização do mercado
cultural brasileiro contemporâneo. Primeiro; parte da critica à indústria cultural (como
organização de conglomerados comunicacionais e de produção de conteúdo massivo)
permanece, notadamente para justificar a inserção dos bens e serviços simbólico-culturais das
culturas tradicionais e populares em nichos específicos de consumo e fruição, preservando-lhe
a sua criatividade artístico-estética e a garantia de trabalho, emprego e renda. Essa
justificativa, que, necessariamente, passa por uma critica a indústria cultural, aparece em um
dos tripés do conceito contemporâneos difundidos e apregoados pelo Ministério da Cultura:
cultura como dimensão econômica, capaz de gerar trabalho, emprego e renda. Segundo
aspecto, devido à complexificação entre os meios no mundo contemporâneo, e, por
conseguinte, a capacidade de autonomia de produção de conteúdos que a internet faculta e os
novos meios facultam, outra parte da critica a indústria cultural se perdeu e se diluiu,
7
transformou-se em um elogio escancarado a criatividade, mesmo que ela venha de veículos e
setores antes assaz criticados, como a televisão e a publicidade.
Economia criativa: o tema, seus artífices e suas redes de interesses.
Em 2008, através da publicação número 2 do periódico Estudos Para o
Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro, o Sistema FIRJAN (composto pela Federação
das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro – Firjan; Centro Industrial do Rio de Janeiro –
CIRJ; Serviço Social da Indústria – SESI; Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial –
SENAI; e Instituto Edivaldo Lodi – IEL), no âmbito do Programa Rio Criativo: nossa arte,
nossa indústria, publicou o trabalho A cadeia da indústria criativa no Brasil. A publicação,
disponível em arquivo pdf no sitio da organização, traz um panorama minucioso acerca das
indústrias criativas brasileiras, notadamente as indústrias criativas fluminenses. A publicação
apresenta dados que acentuam tendências e revelam novas descobertas. Logo no inicio da
publicação, o Sistema Firjan acentua que as indústrias culturais já vêm sendo tratada pela
organização como um dos segmentos ancora do estado, ou seja, como um dos vetores mais
relevantes para o desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro. Desse modo, alerta o
trabalho, para que se explicita tal relevância o estudo conduzido (desenvolvido ao longo do
ano de 2006) buscou dividir as indústrias da criatividade em uma cadeia interdependente,
preenchida por núcleo (composto por doze setores líderes, que guarda semelhanças com os
setores fixados pela ONU|UNCTAD, em 2005: expressões culturais, artes cênicas, artes
visuais, música, filme e vídeo, TV e rádio, mercado editorial, software e computação,
arquitetura, designer, moda e publicidade), que tem como principal insumo a criatividade;
atividades relacionada, composta por segmentos que fornecem serviços e bens ao núcleo e
atividades de apoio, que ofertam e fazem circular, direta ou indiretamente, os bens e serviços.
Diante desse encadeamento, o estudo evidenciou que o núcleo, em 2006, mantinha 638 mil
trabalhadores no país, o que correspondia a 1,8% de todo o trabalho formal, sendo que no
Estado do Rio de Janeiro esse percentual sobe para 2,4% (cerca de 82 mil trabalhadores
formais), o maior percentual do pais. No total, a cadeia da indústria criativa (núcleo,
atividades relacionadas e atividades de apoio) correspondia, em 2006, a 21,8% dos
trabalhadores formais do país, ou seja, 7,6 milhões de pessoas. Seguindo uma regularidade
nacional, os trabalhadores do núcleo da cadeia da indústria criativa auferem uma renda
superior a média nacional, R$ 1.666, ao passo que a média nacional era de R$ 1170, ou seja,
42% acima da média nacional; sendo que no Rio de janeiro a média dos ganhos fluminenses é
8
de R$ 1.330, ao passo que os trabalhadores do núcleo obtêm R$ 2.182, cerca de 64% acima
da média do estado. Segundo a publicação, a cadeia da indústria criativa no Brasil, em 2006,
corresponda a cerca de 16,4% do total do PIB brasileiro, aproximadamente R$ 381 bilhões,
sendo que o núcleo responde por 2,6%; as atividades relacionadas, 5,4%; e as atividades de
apoio, 8,4%; sendo que no Estado do Rio de Janeiro toda a cadeia produtiva da industria
criativa corresponde a 17,8% do PIB estadual, cujo núcleo responde por 4,0% (FIRJAN,
2008).
De acordo com a publicação, que colheu subsídios junto à nova Classificação
Nacional das Atividades Econômicas (CNAE|IBGE 2007), o núcleo da cadeia da indústria da
criatividade, além dos doze setores, abriga 42 atividades; o elo atividades relacionadas abarca
68 atividades e, por fim, o elo de apoio, o total de 48 atividades. De acordo com a UNCTAD,
as indústrias da criatividade estão divididas em quatro categorias amplas (patrimônio cultural,
artes, mídias e serviços funcionais), no interior das quais existem oito subcategorias,
respectivamente: artesanato, expressão cultural tradicional, festivais e celebrações; artes
visuais, pintura, escultura, fotografia, música, teatro, dança, opera, marionete, circo, etc.;
edição e mídia impressa, livros, imprensa, outras publicações, cinema, difusão televisão e
rádio; design de moda, de interiores, gráfico, de jóias, novas mídias, conteúdo digital,
software, jogos, animação, arquitetura, propaganda, P & D e serviços culturais. Ainda de
acordo com a UNCTAD, as economias desenvolvidas exportam 58% de todos os produtos
criativos (excluindo-se a quarta grande categoria, os serviços funcionais), sendo as economias
em desenvolvimento responsáveis por 41% desses produtos, e as economias em transição por
1%. O produto mais exportado é o design (65%), seguido da edição (13%), o artesanato (7%),
as artes visuais também 7%, as novas mídias (4%), a música (4%). Não são computados, por
exemplo, os serviços, como shows, festas populares e eventos esportivos, devido à dificuldade
de mensuração.
Importa compreender a atuação especifica do agente Sistema Firjan, e também da
UNCTAD, diante do surgimento do tema|categoria das indústrias da criatividade|economia
criativa e, por conseguinte, do eixo discursivo que a envolve3. Em outros termos, é preciso
situar sua atuação em face dos interesses e motivações que guiaram o Sistema Firjan na
realização dessa pesquisa e na promoção desse tema em particular. Os termos, as
classificações e parte da justificativa do estudo realizado pela Firjan são bem próximas dos
adotados pela UNCTAD|ONU e o governo inglês ao longo da última década. Nesse caso
3
Em outro trabalho (A economia simbólica da cultura popular sertanejo-nordestina) chamamos esse padrão
discursivo de repertório discursiva UNESCO.
9
especifico, o Sistema FIRJAN - um poderoso agente econômico que envolve entidades
ligadas a esfera produtivo-econômica brasileira - interessa-se pelo tema em razão das
oportunidades econômicas locais e nacionais que o tema pode trazer, assim como dos
dividendos políticos que o mesmo pode vicejar junto a setores da sociedade civil (imprensa,
associações e entidades de artistas, consumidores, empresários, partidos, entre outros). Para
tanto, a organização produziu um estudo contundente e revelador, valioso em si para aqueles
que se ocupam do fenômeno, mas também decisivo para a atividade-fim do sistema, qual seja,
assessorar o conjunto das empresas e corporações do Estado do Rio de Janeiro nas suas
estratégias de ganho e crescimento econômico, ou, como anuncia o lema do sistema na parte
superior central do seu sitio na internet (www.firjan.org.br), informar, formar e transformar:
“informa, forma, transforma”. O tema|categoria das indústrias criativas|economia criativa
permite, a partir dos agentes que compõem o Sistema Firjan, informar (como é o caso da
supracitada pesquisa), formar (desenvolver mecanismos de atuação) e transformar (criando
empresas e os fundos de saberes criativos necessários à produção e circulação dos bens e
serviços simbólico-culturais).
O interesse do Sistema Firjan, como o próprio trecho transcrito permite depreender,
em promover o tema das indústrias criativas no Estado, e também de nortear suas empresas e
indústrias na direção do mesmo, se justifica pela pujança assumida pelos mercados de fruição
e lazer no estado e na cidade do Rio de Janeiro. Segundo a Secretaria de Turismo do Rio de
Janeiro, o Rock in Rio 2011 (evento que, nos últimos anos, converteu-se numa franquia, sendo
realizada, de maneira inteiramente desterritorializada, em outras cidades, como Lisboa), por
exemplo, movimentou, na edição 2011, aproximadamente US$ 419 milhões, cerca de R$ 653
milhões, com uma frequência de 700 mil espectadores, sendo que desses 315 milhões foram
turistas estrangeiros, ocupando cerca de 98% da rede hoteleira da cidade durante o período de
realização do evento. Os gastos dos turistas foram estimados em US$ 233 milhões. Outro
evento menos robusto, mas não menos importante, decisivo para a formação dos nacos de
prestígio envolvendo a cidade, o estado, as marcas corporativas (como, por exemplo, o Banco
Itaú, o Banco do Brasil e o BNDES), os artistas e intelectuais locais e nacionais, diz respeito à
Festa Literária Internacional de Paraty (FLYP), pequena cidade do Oeste do Estado do Rio de
Janeiro, com cerca de 35 mil habitantes. De acordo com a organização do evento 4, durante a
feira de 2011, que se realizou entre os dias 06 e 10 de julho, a cidade movimentou cerca de
R$ 6 milhões, dinamizando a economia local através da criação de 400 empregos temporários
4
Matéria publicada no Jornal O globo do dia 11 de julho de 2011.
10
e a presença de 20 mil turistas exclusivamente para a festa. Como corolário desses aspectos,
em agosto de 2011, a Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, anunciou, com a
presença do Governador do Estado, Sérgio Cabral, a liberação de R$ 41 milhões em aditais
para os anos de 2011 e 2012, distribuídos em 45 chamadas públicas, um aumento substancial
(cerca de 440%) em relação aos exercícios de 2008 e 2009, que receberam um investimento
de R$ 7,6 milhões, divididos em 10 chamadas públicas (O Globo Oline).
De acordo com empresas de consultorias especializadas, durante o primeiro trimestre
de 2011, os cartões de créditos no Brasil foram mais utilizados nas redes varejistas (29% do
total), que inclui a compra de produtos perecíveis, eletrodomésticos e eletroeletrônicos,
aparecendo logo em seguida (com 17% do total) turismo e entretenimento, equivalendo-se
(também com 17% do total) com restaurante, em seguida (11% do total) aparece o uso dos
cartões no comércio automotivo, ficando o restante (26%) com outros segmentos menos
expressivos.
Gráfico 01 .Uso do cartão de crédito por segmento econômico durante o
primeiro trimestre de 2011
1º Redes de varejo
2º Restaurantes
Turismo e entretenimento
4º Comércio Automotivo
Fontes: Abecs e CVA Solutions (Apud Revista Exame, edição 995).
O dado ganha em inteligibilidade para a compreensão do fenômeno se o cruzarmos com
outro, também fornecido por empresas de consultoria especializadas. Segundo essas, o
número de cartões de crédito no Brasil, cresceu, entre 2006 e o primeiro trimestre de 2011,
aproximadamente 100%; saltando de pouco mais de 80 milhões de unidades, em 2006, para
quase 160 milhões de unidades no primeiro trimestre de 2011. Com efeito, o volume de
recursos gastos com turismo e entretenimento, que, direta e indiretamente, estão implicados
nos três elos de organização do estudo acerca da cadeia das indústrias criativas realizado pela
Firjan, assim como estão espraiados pelos cinco setores criativos nucleares definidos pelo
Plano da Secretaria da Economia criativa (2011), são bastante volumosos, ocupando um
11
espaço de relevo nas contas da economia nacional. No entanto, esse fenômeno não seria
trazido a lume sem a atuação dos principais agentes político-econômicos interessados, como,
por exemplo, a UNCTAD|ONU e o governo brasileiro. Por outro lado, os dados revelam
apenas um dos aspectos da especificidade da dinâmica do mercado cultural brasileiro.
Gráfico 02. Expansão no número de cartões de crédito no Brasil (em milhões de unidades)
2011
2010
2009
2008
2007
2006
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
Fonte: Abecs e CVA Solutions (Apud Revista Exame, edição 995).
As agências multilaterais do sistema ONU, como a UNCTAD e a UNESCO, também
desempenham um papel decisivo no que toca ao processo de informação, formação e
transformação mencionado antes. Em 2008, a Unctad publicou um extenso relatório5,
resultado de uma pesquisa desenvolvida entre 2005 e 2006, acerca da economia criativa,
apontando números ainda mais eloqüentes do que aqueles apresentados até agora, mas,
sobretudo, dilatando o significado das atividades classificadas como criativas. A definição
cunhada pela UNCTAD, diferente do estudo precedente empreendido pela instituição (e
também distintas das definições recentes cunhadas pela UNESCO e pelo Ministério da
Cultura – Minc), que se limitava aos setores artístico-culturais, abarca todos os bens e
serviços que usam a criatividade como e os recursos intelectuais como insumos primários e
imprescindíveis. De acordo com o estudo, entre 2000 e 2005, o volume comercial de bens e
serviços criativos alcançou um crescimento anual de 8,7%, sendo que a economia criativa
européia empregava, em 2003, 5,6 milhões de trabalhadores e produzia um volume de S$ 654
bilhões, crescendo acima dos demais setores da economia européia. A UNESCO, por seu
turno, também realizou uma espécie de esquadrinhamento dos setores criativos. Em 2009, a
organização divulgou um relatório buscando explorar as potencialidades da dimensão criativa
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Creative Economy – Report 2008, United Nations, 2008.
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no âmbito das relações interculturais, e, de um modo geral, no panorama dos dispositivos
normativos de promoção e defesa da diversidade cultural global e do patrimônio imaterial.
Um como outro, constituem a matriz de justificação e aproximação político-conceitual das
categorias de cultura e desenvolvimento no mundo contemporâneo. Os investimentos teóricodiscursivos e políticos da UNCTAD, da UNESCO, da FIRJAN e do Ministério da Cultura
(MINC) em torno da economia criativa remontam aos anos noventa, penetrando com maior
força e consistência na década passada, tornando uma rota discursiva poderosa, capaz de
municiar as decisões e as ações de governos e corporações no que toca ao planejamento
urbano, as políticas culturas e as novas estratégias de desenvolvimento e gestão da imagem
institucional das cidades, dos lugares e das empresas. Mediante os atravessamentos que
envolvem esses processos, as estratégias do desenvolvimento econômico começam a passar,
incontornavelmente, pelo tema da economia criativa. É o que procuramos evidenciar nessa
breve introdução acerca da economia criativa: o tema da economia criativa vem galvanizando
discursos e justificativas político-culturais no âmbito do governo brasileiro, de organizações
transnacionais e corporações privadas, figurando como um vetor poderoso das políticas
culturais públicas e privadas no Brasil contemporâneo, mas não de forma homogênea, as
escolhas teórico-conceituais e o tratamento discursivo do tema obedecem a valores e
interesses distintos e, por vezes, antinômicos.
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