Enquanto isso, no Brasil e no Mundo... O Brasil das oligarquias De 1889 a 1930, o período denomina-se Primeira República, República Velha ou República dos Coronéis. Esse período iniciou-se com a presidência dos militares Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, tentando solidificar o poder do Exército. Porém, em 1894, foi eleito Prudente de Morais, da oligarquia paulista. Durante seu governo, ocorreu no sertão baiano o Movimento de Canudos. na Bahia A Guerra de Canudos – 1896-97 Após a abolição, muitos negros e mulatos ficaram desempregados e marginalizados. O Nordeste, desde a decadência da cana-de-açúcar, passava por problemas econômicos. Estes motivos geraram uma exclusão social acentuada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 48 BORGES, Sebastião Wenceslau. Memoriando, 3ed, Editora São Paulo, 2003. FAUSTO, Boris. História do Brasil, Edusp, 2ed,1995. GRILO, Antonio Theodoro. Sindicato Rural de Passos, Editora São Paulo, 2002. GRILO, Antonio Theodoro. Câmara Municipal 150 anos, Editora São Paulo, 1998. NORONHA, Washington. História da cidade de Passos, do Senhor Bom Jesus dos Passos, vol. 1 e 2. O PAPIRO, ano 1 nº 1, publicação da Faculdade de Filosofia de Passos, 1973. VASCONCELOS, Elpídio Lemos de. Álbum de Passos, 1920. Acervo Darci Morais de fotos e documentos. http://www.geocities.com/Athens/7452 EXPEDIENTE Especial editado pelo Jornal Folha da Manhã e Fundação de Ensino Superior de Passos - FESP JORNAL FOLHA DA MANHÃ Carlos Antônio Alonso Parreira - Diretor Jornalístico Maria das Graças Lemos - Diretora Comercial FESP/UEMG Prof. Fábio Pimenta Esper Kallas - Presidente do Conselho Curador Moeda de ouro de 1889. Ela foi cunhada em comemoração à Proclamação da República e valia 20 mil réis. EDIÇÃO EDIÇÃO:: Carlos Antônio Alonso Parreira/ Profª. Selma Tomé PESQUISA E REDAÇÃO: Profª. Leila Maria Suhadolnik Oliveira Pádua Andrade REVISÃO: Prof. José dos Reis Santos IMA GENS E FO TOGRAFIA IMAGENS FOT OGRAFIA:: Prof. Diego Vasconcelos PROJET O GRÁFICO/MONT AGEM: Profª. Heliza Faria PROJETO GRÁFICO/MONTA Fascículo 05/10 - Julho de 2008 Antonio Conselheiro era um crente que tinha um comércio à beira da estrada. Além de vender secos e molhados, aconselhava as pessoas usando a Bíblia. Foi ficando famoso como crente, deixou a vendinha, mulher e filhos e iniciou pregações pelo sertão, impregnadas do mito do sebastianismo: prometia uma nova vida, “o sertão vai virar mar”, a vida vai melhorar. Muitas pessoas passaram a seguí-lo. Pouco depois, invadiram umas terras abandonadas e começaram a erguer uma vila com casas e igreja. Foi uma experiência comunitária. Plantavam, colhiam, faziam as casas, teciam e dividiam tudo entre si. Antonio Conselheiro, seus seguidores e sua comunidade não agradaram aos latifundiários, que viram a mão-de-obra barata evaporar-se. Conselheiro não era padre e era criticado pela Igreja e pelo Estado, pois não aceitava o casamento civil. Prudente de Morais, primeiro presidente da elite agrária, queria afastar o Exército do jogo político, mandando-o para uma missão nos confins da Bahia. Cinco expedições do Exército exterminaram com o arraial de Canudos. A igreja foi destruída, Conselheiro e a maior parte da comunidade morreram durante a guerra. Muitos fugiram, sobraram os velhos, mulheres e crianças. A Guerra de Canudos deu origem a um dos clássicos da literatura brasileira, o livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e inspirou o longa-metragem Canudos, de Sergio Rezende, que teve José Wilker no papel de Conselheiro. fotos Canudos - Conselheiro Os coronéis apropriaram-se do poder. Durante esse período, as oligarquias paulista e mineira, economicamente mais fortes, monopolizaram o poder estabelecendo o que se convencionou chamar de “República do Café com Leite”. São Paulo e Minas eram os maiores produtores de café do Brasil, porém Minas Gerais também produzia leite e seus derivados. A economia brasileira, na época, dependia de um único produto: o café. Por isso, era muito fragilizada. Qualquer abalo no preço do produto provocava uma crise imediata na economia. Os fazendeiros dominavam os mecanismos do governo e sempre usavam o Estado para atender suas necessidades privadas. Além de Canudos, vários movimentos sociais aconteceram naquela época: R evolta do Contestado em Santa Catarina e Paraná (19121916) - Sertanejos foram expulsos pelo governo, após invadirem uma terra contestada pelos dois Estados. Muita gente morreu pretendendo um pedaço de terra. Revolta da V acina (1904) - MoVacina radores dos cortiços do Rio de Janeiro, na maioria imigrantes, tiveram suas casas derrubadas para o alargamento das ruas da capital brasileira. Ficaram revoltados e negaram-se a tomar a vacina obrigatória do governo. Movimento Anarco-sindicalista – Foi liderado pelos imigrantes alemães e italianos que, ao chegarem ao Brasil, ficavam espantados com a ausência de leis trabalhistas, regulamentando a relação patrão e empregado. Na Europa do início do século XX O início do século XX apresenta-se com grandes disputas industriais entre os países europeus. A Inglaterra e a França detinham a liderança do mercado e da economia mundiais, disputavam colônias no mundo inteiro. A Alemanha e a Itália não eram nações antes de 1870. Por meio de guerras e unindo povos da mesma nacionalidade, Otto Von Bismarck (alemão) e Camilo de Cavour (italiano) lideraram os processos de unificação de seus países. Em 1870, após a Guerra FrancoPrussiana, estavam formados dois novos países na Europa: a Itália e a Alemanha. Esses novos países e sua burguesia estavam ávidos por colônias. A Alemanha logo se destacou e, em 1900, já produzia mais aço que a Inglaterra. Os conflitos nascidos dessas disputas vão envolver o mundo em duas guerras mundiais. O auge das divergências políticas: a “Matança do Fórum” em 1909 e suas conseqüências para a cidade. A especialização na pecuária de gado zebu e a reestruturação da elite agrária levando à formação de novos partidos e embates entre Patos e Perus. O avanço na organização e do progresso da cidade, abertura de ruas e praças, a construção da ponte do Rio Surubi que facilitou a exportação do gado e a implantação da rede ferroviária. O coronelismo à moda passense 42 urante o Império, as disputas políticas dividiam conservadores e liberais. Embora divergissem quanto ao poder, tinham a mesma postura a respeito das classes baixas: precisavam ser controladas quanto ao acesso à terra e ao poder. O maior exemplo desse elitismo foi a criação da Guarda Nacional, um instrumento constituído legalmente que permitiu aos latifundiários a formação de suas próprias milícias. Receberam títulos militares como 1- Juca tenente, capitão e coronel – expedidos pelo governo – e, assim, firmaram o poder e o seu domínio oficial sobre as propriedades e a política. Esses títulos foram oferecidos principalmente durante a República Velha, gerando o fenômeno conhecido como Coronelismo. Podiam ser comprados ou obtidos gratuitamente junto ao governo, como forma de troca de favores. Em Passos, os coronéis deram o tom do jogo político, divididos em dois partidos: o Comercial e o Lavourista. O primeiro defendia os coronéis ligados ao comércio, e o segundo reunia a força do campo. Nos dois casos, faziam uso da força militar paralela ao Exército oficial. Os delegados exerciam função pública, mas também tinham milícias pagas, recrutadas no seio da população para defender a lei. Os nomes das ruas de nossa cidade comprovam a história: Tenente V asconcelos fundou a Vasconcelos primeira botica da cidade; Coronel João de Barros foi prefeito de Passos por duas vezes; Coronel Neca Medeiros construiu o Grupo Escolar Wenceslau Braz – hoje, Escola Municipal Francina de Andrade; Capitão Limírio foi professor e político e empreendeu a abertura da Avenida Progresso, hoje Otto Krakauer. 6 5 4 3 2 1 7 Miranda, 2 - Neca Medeiros, 3 - Totonho Medeiros, 4 - Bernardino Vieira, 5- Antônio Celestino, 6 - Belarmino, 7 - Bernardino Borges Lavouristas contra Governistas: o avanço da violência Nos primeiros anos do século XX, houve um aumento sensível da violência na região, compondo um cenário novo e perigoso, cujo desfecho foi violento e traumático para Passos. Joaquim Gomes, agente executivo (cargo equivalente ao de prefeito, hoje), era do Partido Republicano Mineiro PRM -, mas defendia os interesses do Comércio. Os Lavouristas, que representavam o campo, estavam fora do poder e irritados. Havia, portanto, uma rivalidade na elite política. Devido à pecuária de engorda, percebia-se uma grande ociosidade durante os intervalos em que o gado estava nas invernadas. Os trabalhadores envolvidos nas caravanas ficavam na vadiagem pela cidade, bebendo, jogando, freqüentando as casas de prostituição e arrumando confusão. Esse modelo de vida durava de três a seis meses. Depois, eles partiam em caravanas com gado gordo para ser vendido em Três Corações. Esses trabalhadores eram ex-escravos ou pessoas que migraram para a região, possivelmente acompanhando o Rio São Francisco e fugindo da Guerra de Canudos. Na época, o arraial de Canu- dos, na Bahia, estava em guerra contra o Exército Nacional. Em 1897, n u m a campanha impulsionada pelo presidente Prudente de Morais, o Exército promoveu uma verdadeira carnificina na região, matando milhares de seguidores do beato Antonio Conselheiro. Esses homens chegavam revoltados com a violência promovida no enfrentamento das forças de Antonio Conselheiro contra o Exército. Muitos deles, exescravos ou mulatos, estavam revoltados também com as condições sub-humanas a que foram submetidos após a abolição e com a falta de proteção do governo à sua nova situação. Nada tinham a perder e, por isso, envolviam-se com uma série de crimes no Nordeste e em nossa região. A chegada da luz elétrica A Lei nº. 337 de 28 de janeiro de 1911, no governo do coronel João de Barros, regulamentou a instalação da energia elétrica em Passos por meio de uma concessão de privilégios, primeiramente ao coronel Jorge Luiz Davis e depois ao coronel João Cândido de Mello e Souza. Os dois fundaram a Empresa de Força e Luz Mineira de Mello e Davis e exploraram a queda do Rio São João, distante 15 km de Passos. A empresa fornecia energia elétrica para as pequenas indústrias durante o dia e, à noite, para casas particulares e iluminação pública. Os dois não eram passenses. As comitivas de gado Caravanas de donos de terras, capatazes, cozinheiros, ponteiros, matreiros, culatreiros e peões dirigiam-se para os postos de venda de gado ou para o sertão de Mato Grosso e Goiás, levando gado gordo e/ou para buscar gado magro e trazer para as fazendas de engorda. Eram experientes, conheciam as estradas e seus perigos. Conheciam os postos de venda do gado e, principalmente, os animais: burros, cavalos, bois e vacas. As boiadas tinham mais de mil cabeças. Não era fácil conduzir tanto gado. A viagem durava meses, percorrendo cinco a seis léguas por dia. Com o berrante à frente, as caravanas, enfrentando calor e chuva, conduziam os bois e cuidavam para que não se desgarrasse nenhum animal. Quando paravam para descansar, acendiam uma fogueira, deitavam-se em redes e cobriam-se com capas gaúchas. Sebastião Wenceslau descreve o Tio Pedro, um boiadeiro, em seu livro “Memoriando”: “...seu chapéu de aba larga Primeira empresa de telefonia A partir de 27 de julho de 1910, no governo do coronel João de Barros, foi legalizada a Empresa Telephônica. De início, a empresa teve algumas dificuldades, porém a partir de 1915 ampliou as linhas e os aparelhos, que eram de madeira nobre (aroeira ou peroba) e os isoladores de porcelana. A empresa foi dirigida por vários empresários, entre eles: Veridiano de Mello Pádua, Abelardo de Mello Pádua e Jerônymo de Mello. 47 de barbela de couro, seu lenço vermelho no pescoço, as camisas xadrez ou as riscadas, calças largas de brim, amarelas ou cinzas e as calças rancheiras. A guaiaca de carregar o dinheiro estava sempre na cintura. Usava um par de botinas, esporas de rosetas e tinha sua polaina para proteger as pernas. Trazia na cintura sua famosa garrucha calibre 32” e tinha um facão e cabo de relho especiais. Inaugurada em 1906 e medindo 489 metros, a ponte do Surubi, no Rio Grande, abriu um corredor que ligava Passos a Cássia e Delfinópolis. O movimento intenso de gado levou para a região de Toledos um novo surto de desenvolvimento, uma nova escola, uma nova capela e muita riqueza. Comitiva do Capitão Manoel Ferreira de Andrade, em Passos Em 1882, por meio da Câmara Municipal de Passos, importaram-se mudas de cana. Desde o início da formação das fazendas, há referências aos engenhos domésticos para a fabricação da rapadura, do açúcar mascavo e da garapa. A partir da importação das mudas, a produção passou a ser mais efetiva e vai se desenvolver cada vez mais, chegando à formação das Usinas Açucareiras. O 26 de setembro e a Família Lemos Marcondes 46 Hermógenes Marcondes era descendente de italianos e trabalhava na Companhia de Seguros Sul América, em São Paulo. Chegou a Passos dia 04 de novembro de 1909, para pagar o seguro de vida à viúva de Juca Miranda, Sra. Valéria Lemos Miranda. Ficou hospedado na Fazenda das Águas, de propriedade de Joaquim Júlio Lemos e Maria do Carmo Pádua Lemos. Joaquim Júlio era irmão de Valéria. Sr. Marcondes apaixonou-se pela filha do casal chamada Cornélia de Pádua Lemos, ganhou uma fazenda do sogro e casou-se com a moça em junho do ano seguinte, formando a Família Lemos Marcondes. A Sra. Delva Marcondes de Melo Lemos afirmou: “Se não tivesse acontecido o fato de 26 de setembro, minha família não existiria e nem eu!” MEMÓRIA “Meu pai morreu queimado na Guerra de Canudos. Foi. Eu era criança ainda quando vi os sordados da República botá fogo cum kerozene na minha gente toda, por ordem do general. Pois foi. Cum gente grande do governo que eu aprendi a num tê piedade dos inimigo. Quando mato algum, e tenho tempo, tamém gosto de queimá o corpo...” Claudimiro. Fascículo 1 dos Contratadores da Morte) Propaganda extraída do Álbum de Passos, de 1920, página 155. João Sarno fundou a Alfaiataria Sarno em 1909 e, por muitos anos, vestiu os homens elegantes de Passos. Como nos filmes de faroeste! A tragédia de 26 de setembro de 1909 pelo poeta Ananias Emerenciano Campos (20/08/1987) 26 de setembro – 1909 A chacina Isidorada ou tragédia qu’inda comove a gente ao ser lembrada... Loquaz Antenor dentista foi futriqueiro afamado por isso tomou um tiro na testa e morreu ajoelhado Num domingo tenebroso o brabo Alferes Isidoro, porém astuto e jeitoso, fez da cadeia um foro... Coronel Neca Medeiros, mesmo sem ser intimado; como chefe executivo; foi também assassinado Para inquirir testemunhas sobre o crime passional... Pós ouvir mui caramunhas; abriu inquérito, afinal: George Davis, um inglês co’um tiro no medalhão caiu vivo e por sua vez, ficou quietinho no chão... Primeiro a ser inquerido fora o Cap. Juca Miranda era valente e temido de coragem formidanda Mas os outros intimados à fatídica chacina, correram-se apavorados, dobrando ruas e esquinas... Em frente ao inquiridor, firme, ele , então depunha, sobre o crime de rancor como mera testemunha... Foram três mortos, portanto do atroz acontecimento; deixando a cidade em pranto, e familiares em lamento... Mas atrás havia um soldado com machadinha e veemente desfere golpe acertado: na face do depoente... E todo o mundo com medo, e recolhidos nos lares... como se fosse um degredo de infinitos pesares Sai, pois da cadeia correndo num desespero sem fim, com sangue ao rosto escorrendo, foi morto pelo Furquim... Foi em 26 de setembro que se deu o torpe acidente Assaz nítido me lembro, pois já era adolescente. O avanço do gado indiano O gado zebu foi introduzido em Passos pelo coronel José de Paula, que passou a criar a raça na sua fazenda Taquarussu. Em seguida, vários coronéis adotaram a raça: Eliziário José Lemos, Bernardino Vieira e Gaspar Lourenço de Andrade. O coronel João Lourenço de Andrade, em 1908, importou diretamente da Ásia três touros zebus. Assim o zebu tomou conta da região e a pecuária foi se transformando na especialidade passense, inclusive com a produção de derivados: queijo, manteiga e carne. As eleições fraudulentas processo eleitoral do ano de 1900, em Passos, gerou várias denúncias, principalmente de problemas com o alistamento eleitoral. Isso não era particularidade passense, já que na República Velha o sistema eleitoral era muito viciado e fraudulento. Expressões historicamente famosas confirmam tal situação: “voto de cabresto”, “curral eleitoral”, “voto fantasma”, “eleição a bico de pena”, etc. Estas expressões indicam o uso indiscriminado do favorecimento, do compadrio, da manipulação e compra de listas eleitorais e do voto. É bom lembrar que o voto era aberto, isto é, oral; o eleitor precisava apenas assinar o nome para vigorar nas listas eleitorais. Hilarino de Morais registrou que, na gestão do Coronel Jayme Gomes de Souza Lemos, foram plantadas vinte mudas de paineiras ao redor do Largo da Matriz. Uma delas, mais frondosa, ficava em frente à casa dos Gomes. Na sombra desta paineira, os chefes políticos faziam seus acordos e conchavos, principalmente durante as eleições. De 1901 a 1903: disputas acirradas A partir de 1901, vários incidentes foram ocorrendo e as disputas políticas tornaram-se cada vez mais apimentadas. Críticas severas à administração de Joaquim Gomes foram protocoladas à Câmara e o vereador Cel. Neca Medeiros, enraivecido, pediu demissão. A Câmara solicitou, por intermédio de ofício, que o Presidente do Estado mandasse forças para manter a ordem pública. O “Jornal Comércio e Lavoura”, que existia em Passos, foi o canal usado por Lavouristas e Governistas para trocarem graves ofensas e insultos. Fragmento do artigo publicado pelo jornal “Comércio e Lavoura”, em 28/07/ 1901: “O Partido da Lavoura, porém, não se erguerá para repelir tão vis quanto degradantes atos; aguarda somente o momento da violência física e então o grupo insultador, provocador e autor dos fatos constantes das interrogações que aí ficam feitas terá a merecida resposta e nós faremos valer os nossos foros de homens, membros de um partido que aspira a reivindicar os seus direitos(...)” No ano de 1902, a mando dos coronéis, alguns eleitores foram presos por jagunços. Abriu-se inquérito e vários capangas foram presos. A cidade foi invadida por um bando de jagunços armados, que assaltaram a delegacia, deram tiros para o alto, rasgaram os autos do processo e soltaram os presos. Alguns dias depois, o soldado Balbino foi morto na Rua da Chapada. Teve o corpo queimado e a orelha cortada. O ano de 1903 também foi muito violento. Capangas invadiram a coleto- ria e o hospital. Houve um tiroteio no Circo de cavalinhos, com o saldo de uma morte e outros assaltos ao Hospital e à casa do juiz alistador, onde os livros de assentamentos foram destruídos. Chegou a Passos, nesse ano, o jagunço mais famoso da nossa história, o camarada Sancho Garcia, que ficou conhecido como “Dente de Ouro”. Sua série de crimes começou com um assassinato no Glória e se estendeu por vários anos. foto contratadores da morte Os governistas passenses mantinham o governo informado dessa violência acentuada. Com isso, transformaram os incidentes que se sucediam em justificativas para uma ação mais incisiva do Governo do Estado. Os lavouristas, por sua vez, defendiam-se acusando os governistas de manipularem as listas eleitorais e as eleições. O Governo do Estado interferiu rapidamente: adiou as eleições por um ano e o Cel. Joaquim Gomes permaneceu no poder, para descontentamento dos lavouristas. Passos foi ganhando fama de cidade violenta “por cujas ruas transitava uma horda de malfeitores e indivíduos suspeitos, de facínoras de toda espécie, que dava fortes descargas de carabinas a qualquer hora do dia e da noite, aterrorizando a pacata população que se achava completamente ameaçada...”. O livro “Contratadores da Morte”, de Antonio Celestino, que viveu nesse tempo e era lavourista, retrata o período violento em que os coronéis dispunham da milícia composta pelos jagunços para reforçar o jogo político e manter o poder. 43 Antônio Celestino foi advogado, escritor, jornalista e comerciante que residiu em Passos, no início do século XX, e foi testemunha do crescimento da violência na cidade e do seu desfecho, na Matança do Fórum. Acuado com os acontecimentos e com o desagrado das famílias, devido aos artigos críticos que andava escrevendo, o escritor mudou-se da cidade. “Os Contratadores da Morte” são um conjunto de três folhetins publicados em 1915 e 1917, na cidade de Guaxupé. Dois folhetins trazem subtítulos: Crimes e Criminosos no Sul de Minas e Aventuras Criminosas. Todos os fascículos relatam um episódio especial: Na caverna dos tigres, Turbilhão de Sangue e A herança Maldita. No ano 2000, a primeira publicação da Editora FESP reeditou os fascículos em forma de livro, organizados pelo professor Antônio Theodoro Grilo. Cortar a orelha do morto era uma prática usual. Durante as revoltas regenciais, especialmente a Cabanagem, o governo incentivava os soldados a lutarem contra os revoltosos, oferecendo prêmios pelas mortes. Os soldados chegavam ao Rio de Janeiro trazendo colares de orelhas salgadas, a fim de receberem as premiações. Na Guerra de Canudos, esta prática também foi relatada. A administração de Neca Medeiros 44 VOTO DE CABRESTO O alistamento eleitoral era feito por meio de um requerimento que o eleitor deveria preencher na frente do Juiz de Paz. Alguns fazendeiros privilegiados podiam trazer os requerimentos prontos e aí a comissão indeferia alguns, alegando que eram falsos ou que a pessoa não sabia escrever suficientemente. Em 1904, o Partido Governista perdeu as eleições para o Partido Lavourista. Manoel Lemos de Medeiros, lavourista, passou a ocupar o cargo de presidente da Câmara e Agente Executivo. No ano seguinte, Neca Medeiros iniciou o seu governo lidando com vários incidentes políticos. O governo mudou, mas as práticas políticas do conchavo, do jaguncismo e do compadrio continuaram. As principais realizações de Neca Medeiros foram: a criação de uma Escola Pública no Córrego dos Ferros (hoje, Itaú de Minas que, naquela época, pertencia a Passos), implantação da primeira linha telefônica ligando Passos a Guaxupé, compra das oficinas do “Jornal do Comercio e Lavoura”, que havia sido extinto e, assim, iniciou a publicação do jornal “Cidade de Passos”, um semanário oficial do município, ampliação da canalização de água da cidade e participação da construção da Casa Paroquial. Em 1907, foi feito o lançamento da pedra fundamental do Grupo Escolar. O construtor foi João Orlandi. Novas eleições foram realizadas e o Partido Lavourista, novamente, foi o vencedor. O Partido Governista fez denúncias ao Governo do Estado, que era exercido por Wenceslau Brás. A missão do delegado Isidoro No início de 1909, o Governo do Estado enviou um delegado militar, o alferes Isidoro Correia Lima, para que pusesse fim aos desmandos e falsificações eleitorais, enfim que fizesse uma “higienização” nas práticas criminais e eleitorais passenses. Desde que chegou, Isidoro aproximou-se dos líderes políticos lavouristas: almoçava e jantava com eles, pedia-lhes dinheiro emprestado, prestava-lhes favores. Os lavouristas tinham a impressão de que Isidoro estava apoiando a continuação da política local suja e violenta. Em agosto de 1909, Juca Miranda e seu camarada Benvindo, após desentendimentos familiares, assassinaram João Modesto, cunhado de Juca, quando este chegava em casa. A família de João Modesto tinha certeza de que o crime não seria apurado e tudo ficaria como se nada tivesse acontecido. O desentendimento com Wenceslau O dia da matança do Forúm delegado Isidoro não recebeu nenhuma denúncia do crime, mas resolveu convocar as pessoas a deporem sobre o caso João Modesto, primeiramente em dias diferentes, depois foi adiando os interrogatórios até que todos depusessem no mesmo dia, o que aconteceu em 26 de setembro de 1909. O primeiro a depor foi Juca Miranda, autor do crime. O plano do delegado era chamar cada coronel na sala de interrogatórios, assassiná-los um a um, cortando-lhes as cabeças a machadadas. Juca Miranda sentou-se à frente do delegado e o soldado Furquim, seu ajudante, ficou de pé ao lado do delegado. Após o depoimento, quando Juca Miranda abaixou-se para assinar o livro, o soldado deu-lhe machadadas no crânio e no pulso. Juca reagiu e saiu ferido e gritando para os coronéis que estavam na sala de espera. Armou-se uma confusão. Não se sabia quem atirava em quem. Antenor Magalhães, amigo de Neca Medeiros, foi um dos muitos curiosos que foram ao Fórum assistir ao fato tão inusitado: os coronéis depondo. Foi morto na confusão. Neca Medeiros, quando viu o alferes Isidoro saindo do Fórum, foi para o seu lado falando alto e protestando contra a violência. Este prontamente ofereceu-lhe proteção, dizendo-lhe que entrasse no Fórum, ao que Neca Medeiros aceitou de imediato, achando que estaria mais protegido. Quando entraram, Isidoro fechou logo a porta e, na cozinha, Medeiros foi baleado, morrendo junto ao fogão de lenha. Os dois políticos mais influentes de Passos estavam mortos. George Davis, um americano que estava em Passos devido a acordos para instalação da Companhia de Força e Luz, foi atingido por uma bala, a qual acertou o relógio que trazia no bolso, salvando-lhe da morte. Depois de baleado, ficou imóvel no chão, fingindose de morto até que a confusão fosse desfeita. A invasão dos jagunços Wenceslau Brás era advogado e promotor. Neca Medeiros e Wenceslau Brás tiveram um desentendimento pessoal e jurídico, na cidade de Monte Santo, onde Wenceslau era promotor. Os dois estavam, desde então, de relações cortadas. Em 1908, Neca Medeiros, procurando uma aproximação com o Governo do Estado, deu nome de Wenceslau Brás para o primeiro Grupo Escolar da cidade. Em 1909, estava instalado e foi inaugurado. Neca Medeiros tinha muitos amigos pessoais como Antonio Celestino e José Stockler de Miranda, o Juca Miranda, que era tenente-coronel e chefe da Coletoria Federal. Eram coronéis de destaque, possuíam uma jagunçada considerável e, por isso, praticavam vários desmandos na cidade. A população estava insegura e inquieta. Após os assassinatos, Isidoro e seus ajudantes fugiram atirando para o alto. A cidade de Passos foi invadida pela jagunçada. Ninguém saía de casa. Monsenhor João Pedro, por meio de visitas e reuniões familiares, serenou os ânimos. Isidoro e seus ajudantes retornaram alguns dias depois, sob a proteção do prefeito. Antes de entrar, explodiram dinamites e deram tiros para o alto, intimidando as pessoas. Nesse mesmo dia, foram presos os envolvidos. Em março de 1910, numa sessão de júri público – presidida pelo juiz de direito da Comarca, Dr. Saturnino Amâncio da Silveira, pelo promotor de justiça, Dr. Fernando de Magalhães Ma- cedo e servindo de escrivão o capitão Hilarino Joaquim de Moraes –, foi feito o julgamento dos envolvidos na matança. Ao lado do promotor de justiça, o Dr. João Silveira, advogado residente em Casa Branca, chamado a Passos para auxiliar o Ministério Público na acusação por parte das viúvas do coronel Manoel Medeiros e do tenente-coronel José Stockler de Miranda, as senhoras Guilhermina Emygdia de Lima Medeiros e Valeria de Lemos Miranda. Os advogados de defesa foram Dr. Lycurgo Leite e Dr. João Leite, de Muzambinho e Guaranésia, e Dr. Antônio Celestino, de Passos. Muitas pessoas aglomeraram-se nas dependências e ao redor do Fórum para acompanhar os debates. Foram julgados em primeiro lugar o alferes Isidoro e o soldado Furquim e, depois, o coronel Francisco de Lemos Medeiros. Todos os réus foram absolvidos. 45 CHAP ADÃO DO BUGRE CHAPADÃO Autor: Mário Palmério Narrado em terceira pessoa, “Chapadão do Bugre” foi inspirado na chacina acontecida em Passos, nos primeiros anos do século passado, culminando com o assassinato do coronel Neca Medeiros. Para o crítico João H. Weber, “Chapadão do Bugre” representa o fim do império dos jagunços e coronéis: “Uma força estranha e impiedosa, representada pelo capitão Eucaristo Rosa, se abate sobre o sertão, destruindo tanto os coronéis e suas práticas políticas clientelísticas como o jagunço José de Arimatéia, sem que ninguém (...) possa chegar a entender as normas do novo mundo que se estabelecia no sertão. Apenas Camurça, a mula de José de Arimatéia, percebe, à hora da morte, a realidade. E o faz do ponto de vista dos marginais e oprimidos do sertão. Mas é tarde e a destruição é inexorável”.