Testamento vital: declaração prévia de vontade relativa à saúde e à

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Testamento vital: declaração prévia de vontade
relativa à saúde e à delimitação dos cuidados
dispensados para assegurar o direito à vida ou o
direito à morte digna na hipótese de
impossibilidade de manifestação consciente
Marcelo Jabour Rios*
Pequena alma terna flutuante
Hóspede e companheira de meu corpo
Vais descer aos lugares pálidos duros nus
Onde deverás renunciar aos jogos de outrora.
52
Élio Adriano; Imperador.
Resumo: Este artigo analisa a declaração prévia de vontade relativa à saúde e à
delimitação dos cuidados dispensados para assegurar o direito à vida ou o direito à
morte digna na hipótese de impossibilidade de manifestação consciente.
Palavras-chave: Testamento Vital; Manifestação da Vontade; Direito à vida; Direito à
morte digna.
Introdução
A Revolução Inglesa (Gloriosa), a Revolução Americana e a Revolução Francesa,
alçaram, para os tempos modernos, a noção dos direitos coletivos e individuais dos
cidadãos e reforçaram a crença na liberdade, igualdade e dignidade como atributos de
todos os indivíduos53. Não obstante, foi após as atrocidades cometidas na 2ª Grande
Guerra Mundial que tais atributos passaram a ser discutidos sob uma nova perspectiva
* Doutor em Direito Internacional pela USP. Professor dos cursos de pós-graduação do IBET, IEC/PUCMINAS e
Faculdade Milton Campos. Coordenador do curso de Direito do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix. E-mail:
[email protected].
52
Yorcenar, Marguerite. Memórias de Adriano. Tradução de Martha Calderaro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1975. p.
10
53
MÖLLER, Letícia Ludwig. Direito à morte com dignidade e autonomia. Curitiba: Juruá, 2009, p. 119-121.
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global, em especial por meio dos tratados internacionais e pelo papel desempenhado
pelas organizações internacionais em promover o respeito aos direitos inerentes a
todos os seres humanos.
O elevado número de mortos envolvidos no conflito, a criação de campos de
extermínio em massa, o tratamento desumano e degradante dispensado aos civis e
prisioneiros de guerra culminou com a urgente e necessária tutela internacional da
proteção à vida e à integridade física e moral de todos os seres humanos.
O direito à vida e à liberdade tem sido os aportes teóricos para a internacionalização
dos direitos fundamentais e para o reconhecimento da dignidade inerente a todos os
seres humanos e de seus direitos iguais e inalienáveis. Diversos documentos históricos
foram assinados para estabelecer que toda pessoa tem o direito de ver respeitada a
sua vida, direito este que deve ser protegido pelo ordenamento jurídico e assegurar o
respeito à integridade física, psíquica e moral dos cidadãos.
Nessa toada, a Declaração Universal dos Direitos Humanos54 de 1948, proclamada pela
Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, estabeleceu a proteção universal
dos direitos humanos e inspirou os textos constitucionais de muitos países, inclusive a
da República Federativa do Brasil.
No mesmo sentido, a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos- Pacto de San
José,55 promulgada em 22 de novembro de 1969, reafirmou o propósito de consolidar
no continente americano, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime
de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do
homem. Reconheceu, portanto, que os direitos essenciais do homem derivam do fato
de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma
proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da
que oferece o direito interno dos Estados americanos.
Assim como o direito à vida, o fim da vida também instiga reflexões que trazem em
seu étimo discussões religiosas, éticas, morais, antropológicas, científicas e jurídicas. A
morte representa, enquanto símbolo56, o aspecto perecível e destrutível da existência.
Se o direito à vida recebeu, ao longo da história, destacada importância nos
ordenamentos jurídicos, o reconhecimento do direito de morrer com dignidade cresceu
a partir do aprofundamento e do reconhecimento dos direitos fundamentais e dos
direitos de personalidade que abarcam, entre outros, os direitos sobre a própria
pessoa: direito à vida, à integridade e os direitos de liberdade.57
Sabemos também que o avanço da medicina e a obstinação terapêutica fomentada
pelos progressos tecnológicos aprofundaram ainda mais os debates sobre a qualidade
54
Disponível no sítio: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Último acesso em
04/07/2016.
55
Disponível no sítio: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Último
acesso em 04/07/2016.
56
Chevalier, Jean. Gheerbrant, Alain. Dicionário de Símbolos. Tradução: Vera Costa e Silva. 8ª ed. Rio de Janeiro, José
Olympio, 1994. p.621
57
CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª ed. Coimbra. Almedina. 2001, p. 390.
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da vida que se propõe tutelar e os direitos do paciente na condução dos
procedimentos médicos que serão adotados na busca pela vida, notadamente na
iminência da morte, de doenças incuráveis ou incapacitantes.
É nesse contexto que a sociedade contemporânea, norteada pela ampliação das
liberdades individuais e o respeito à autodeterminação, exige o aprofundamento das
discussões sobre os direitos dos pacientes na área da saúde, notadamente em fazer
valer a sua vontade e consentir a respeito dos tratamentos que lhe são oferecidos em
caso de doença.
O direito de cada um conduzir, conforme a sua vontade, o fim da vida desafia o
ordenamento jurídico em todos os continentes, exige a revisão de valores e princípios reflexões que deságuam necessariamente na discussão sobre a legalização ou
criminalização da eutanásia58, do suicídio assistido59 e da prática da ortotanásia60.
Sendo assim, registra-se a crescente preocupação em respeitar a vontade do paciente
que se encontra em estado consciente (consentimento informado)61 ou mesmo
inconsciente, através do reconhecimento das manifestações prévias dos tratamentos
médicos que lhe serão dispensados, na hipótese em que se encontre impossibilitado
de fazê-lo (testamento vital; diretiva antecipada de vontade do paciente ou declaração
prévia de vontade relativa à saúde).
O presente artigo propõe analisar a possibilidade, os limites, a forma e os efeitos da
manifestação de vontade de um paciente que, em caso de impossibilidade de
apresentá-la de forma consciente, indique previamente os limites dos atos médicos
destinados a assegurar o seu direito à vida ou seu direito à morrer dignamente.
Testamento vital – definição
Embora a imprecisão do termo deva ser criticada, considerando que os testamentos
são atos jurídicos destinados à produção de efeitos post mortem, diversos países62
adotaram a tradução literal do texto normativo de origem norte-americana- o Living
Will.
O testamento vital, considerando a experiência dos países que legislaram sobre o tema,
é mais bem conceituado como sendo uma declaração prévia de vontade relativa à
saúde e à delimitação dos cuidados dispensados para assegurar o direito à vida ou o
58
O termo eutanásia foi criado no século XVII, pelo filósofo inglês Francis Bacon. Deriva do grego eu (boa), thanatos
(morte), podendo ser traduzido como “boa morte”, “morte apropriada”, morte piedosa, morte benéfica, fácil, crime
caritativo, ou simplesmente direito de matar (SÁ, 2005, p. 38). A eutanásia não conta com autorização legal em nosso
país, configurando a prática o crime de homicídio doloso.
59
A morte advém de ato praticado pelo próprio paciente, orientado ou auxiliado por terceiro ou por médico.
60
Segundo Maria de Fátima Freire de Sá a ortotanásia, “pode ser traduzida como mero exercício regular da medicina e,
por isso mesmo, entendendo o médico que a morte é iminente, o que poderá ser diagnosticado pela própria evolução
da doença, ao profissional seria facultado, a pedido do paciente, suspender a medicação utilizada para não mais valer-se
de recursos heróicos, que só têm o condão de prolongar sofrimentos (distanásia)”. (SÁ, 2005, p. 38)
61
O consentimento informado é um elemento necessário ao atual exercício da medicina, como um direito do paciente
e um dever moral e legal do médico. Representa uma manifestação expressa da autonomia da vontade do paciente.
62
Testamento vital (Portugal); Testamento biológico (Itália), Testament de vie (França).
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direito à morte digna, na hipótese de impossibilidade de manifestação do cidadão
paciente.
A manifestação prévia da vontade em relação aos cuidados médicos e hospitalares
encontra limite na legislação interna de cada nação e, por esta razão, como a eutanásia
é proibida em grande parte dos países ocidentais, é comum a sua aplicação aos
pacientes terminais, que padecem de uma doença incurável, e quando os
procedimentos extraordinários para a manutenção da vida são incapazes de reverter o
quadro de morte iminente.
Embora o que se convencionou chamar de testamento vital disponha sobre a recusa de
tratamentos extraordinários, que visem apenas prolongar a vida, alguns países que
admitem a eutanásia (Bélgica e Holanda, por exemplo)63 permitem maiores restrições
aos tratamentos médicos em seu texto, ou ainda a inclusão de outras disposições
complementares sobre a doação de órgãos, o local e a forma do funeral, o desejo de
ser cremado ou não, entre outros desígnios (conforme previsto na norma espanhola,
bastante abrangente)64.
Os países que legislaram sobre o tema, via de regra, exigem que a declaração seja
escrita, devidamente registrada e presenciada por testemunhas que possam assegurar
a validade do documento.
O fundamento de validade do testamento vital é o respeito à autonomia da vontade do
paciente e o seu direito de decidir sobre os procedimentos médicos que afetem a sua
integridade física, princípios consagrados universalmente (Lippmann: 2013).
O direito à vida e o direito à morte digna- princípios que fundamentam o
testamento vital:
Ao analisar as normas internacionais e o direito positivo interno dos países que
regulamentaram o testamento vital, podemos concluir que os seguintes princípios o
fundamentam:
a)
O Princípio da dignidade humana, que assegura ao paciente o direito a uma
morte digna;
b)
A Proibição de tratamento desumano, nas hipóteses em que o tratamento
prolongado e sem possibilidade de êxitos trará mais dor e sofrimento aos pacientes e
aos seus familiares;
c)
O Princípio da Autonomia da vontade que pressupõe o direito de fazer valer
a sua vontade perante os desafios da morte, mesmo após o estado de inconsciência ou
qualquer outra modalidade de incapacidade,
63
Disponível nos seguintes sítios eletrônicos: a) Bélgica:
http://www.health.belgium.be/internet2Prd/groups/public/@public/@dg1/@legalmanagement/documents/ie2divers/19
081113.pdf.
b) Holanda: http://europatientrights.eu/countries/signed/netherlands/netherlands.html
64
Disponível no sítio: http://www.testamentovital.com.br/pais.php?cod_pais=4
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d)
O Direito fundamental à liberdade para escolher os tratamentos a que deseja
ser ou não submetido, opinar sobre os procedimentos invasivos, sobre o destino de
seu corpo e seus órgãos;
No Brasil, embora o testamento vital não tenha ainda sido positivado, podemos
destacar que todos os princípios acima delineados estão em total sintonia com a
Constituição Federal que assegurou como direito e garantia fundamental do cidadão o
princípio da dignidade humana e a proibição de submissão a tratamento desumano e
degradante, nos termos dos artigos 1º, III e 5º, III da Carta Republicana.
Por fim, o art. 15 do Código Civil Brasileiro estabelece que “ninguém poderá ser
constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção
cirúrgica”, consagrando, desta forma, o princípio da autonomia da vontade para o
cidadão decidir a respeito da adoção ou não dos recursos terapêuticos postos à sua
disposição.
Antecedentes históricos:
Segundo Luciana Dadalto65, a Sociedade Americana para a Eutanásia sugeriu a
regulamentação de um documento de cuidados antecipados, pelo qual o indivíduo
registraria seu desejo de interromper as intervenções médicas de manutenção da vida,
no ano de 1967. Tal fato, provavelmente, teria inspirado o advogado de Chicago Luis
Kutner66 a redigir um documento onde registrava expressamente o desejo de um
cidadão americano de recusar tratamento médico, caso sobreviesse uma enfermidade
terminal, amparado na premissa de que se um paciente não pode ser submetido a
qualquer ato sem o seu consentimento. Por esta razão, o registro de sua manifestação
prévia deveria ser considerada válida, quando o seu consentimento já não pudesse ser
manifestado.
Em um primoroso artigo publicado na Indiana Law Journal67, Kutner apresentou
argumentos para fomentar o debate na sociedade americana sobre os limites e a
legalidade da eutanásia, do suicídio assistido e do reconhecimento das diretivas
antecipadas de vontade relativas aos cuidados médicos dos pacientes terminais.
Embora alguns Estados americanos tenham legislado isoladamente sobre o tema,
somente no ano de 1991 foi editada a primeira norma federal a reconhecer a diretiva
antecipada, a Patient Self-Determination Act68 (PSDA), a ser observada quando a
65
Declaração prévia de vontade do paciente terminal. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação stricto sensu em Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Direito Privado, p. 64.
66
Luis Kutner - (9/06/1908 – 1/031993) – advogado e defensor dos direitos humanos nos EUA, co-fundador da Anistia
Internacional, a que é atribuída a paternidade do Living Will.
67
Indiana Law Journal - Volume 44 Issue 4 Article 2. 7-1-1969.Due Process of Euthanasia: The Living Will- A proposal.
Disponível em http://www.repository.law.indiana.edu/ilj. Último acesso em 04/07/2016.
68
Disponível no sítio: http://www.testamentovital.com.br/pais.php?cod_pais=5
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incapacidade do paciente terminal for resultado de uma doença fora de possibilidades
terapêuticas.
A PSDA também foi a primeira norma a prever nomeação de um procurador de saúde,
pessoa designada e que fará valer a vontade do declarante ou decidir por este, no caso
de incapacidade permanente ou temporária.
No continente europeu, o tema foi inserido na Convenção do Conselho da Europa para
a Proteção dos Direitos Humanos e da Dignidade do ser Humano em Relação à
Aplicação da Biologia e da Medicina (Convenção sobre os direitos do homem e da
biomedicina)69, assinado em 04 de abril de 1997, ao prever expressamente a diretiva de
vontade, obrigando aos países europeus integrantes da então Comunidade Europeia a
regulamentar a matéria, bem como influenciou claramente a aprovação de leis
similares na América Latina, tais como a da Argentina e a do Uruguai.
O artigo 9º da Convenção consagra a autodeterminação prévia do paciente, ao prever
que: “A vontade anteriormente manifestada no tocante a uma intervenção médica
por um paciente que, no momento da intervenção, não se encontre em condições
de expressar a sua vontade, será tomada em conta.”
Direito comparado: o testamento vital na Argentina, Espanha, Portugal e Uruguai
O testamento vital na Argentina:
A Lei 26.52970, promulgada em novembro de 2009, dispõe sobre os direitos do
paciente em sua relação com os profissionais e instituições da saúde. Após calorosos
debates e alterações implementadas em 2012, foi publicado o decreto regulamentar, nº
1.089/2012.
A legislação vigente define o âmbito de aplicação dos direitos do paciente em relação à
autonomia da vontade, o direito à informação e o acesso à documentação clínica.
O Artigo 2º estabelece os direitos essenciais na relação entre paciente e os
profissionais da saúde, dentre os quais se destaca o respeito à autonomia da vontade,
que consiste em aceitar ou rechaçar determinadas terapias ou procedimentos médicos
ou biológicos com ou sem expressão de causa, como também a revogar a sua
manifestação de vontade, desde que padeça de uma enfermidade irreversível, incurável
e se encontre em estagio terminal, ou haja sofrido lesões que o coloquem em igual
situação.
Assim, o paciente consciente que possua uma enfermidade irreversível, incurável ou
que se encontre em estado terminal -ou haja sofrido lesões que o coloquem em igual
situação- tem o direito a manifestar sua vontade em relação à rejeição de
69
Disponível no sítio:
http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/convbiologiaNOVO.html. Último acesso
em 02/07/2016.
70
Disponível no sítio: http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/160000-164999/160432/norma.htm. Último
acesso em 02/07/2016.
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procedimentos cirúrgicos, de reanimação artificial ou a interrupção de medidas de
suporte vital quando sejam extraordinárias ou desproporcionais em relação à
perspectiva de melhoria, ou conduzam a um sofrimento desmedido. Também poderão
rejeitar procedimentos de hidratação ou alimentação quando os mesmos produzam
como único efeito o prolongamento do temo deste estado terminal, irreversível ou
incurável.
Em todos os casos a negativa ou a rejeição de procedimentos não significará a
interrupção de medidas e ações para o adequado controle e alivio do sofrimento do
paciente (cuidados paliativos)71.
Curiosamente, a norma prevê ainda que as crianças e adolescentes também possam se
manifestar, não obstante, quando a vontade manifestada pelo menor gerar um conflito
com os representantes legais o profissional de medicina deverá levar o caso ao comitê
de ética da instituição ou de outra, se necessário, para que emita uma opinião.
Para os casos em que o paciente não possa se manifestar, o artigo 11 estabelece que
toda pessoa capaz maior de idade possa dispor diretiva antecipada sobre sua saúde,
consentir ou afastar determinados tratamentos médicos, preventivos ou paliativos, que
deverão ser aceitas pelos médicos, salvo as que impliquem práticas de eutanásia, que
serão consideras inexistentes.
A declaração prévia de vontade deverá ser formalizada por escrito perante um notário
público ou juizado de primeira instância- na presença de duas testemunhas- e poderá
ser revogada a qualquer momento. O declarante poderá, caso deseje, designar um
interlocutor para cumprir as suas instruções.
A revogação se dará pelo mesmo instrumento, entretanto, caso não seja possível, será
revogada na presença de duas testemunhas e assinatura do médico que acompanhar o
caso clínico. Este mecanismo possibilita que o paciente que não possa, por razões
médicas, comparecer aos locais designados para registro do ato revogatório, possa
realizá-lo e fazer imperar a revisão de sua vontade anteriormente expressa.
A lei estabelece, como meio de proteção aos profissionais da saúde, que nenhum ator
interveniente que tenha agido de acordo com a prévia manifestação de vontade do
paciente, desde que válida, estará sujeito a responsabilidade civil ou penal, derivadas
do cumprimento da mesma. Por outro lado, o artigo 21 estabelece as sanções, sem
prejuízo da responsabilidade penal ou civil, ao não cumprimento das obrigações
previstas na lei, por parte dos profissionais e responsáveis pelos estabelecimentos
médico-hospitalares.
O testamento vital na Espanha
71
Cuidados paliativos são medidas tomadas quando já não é mais possível curar ou estender a vida do paciente. As
prioridades passam a ser, então, o controle da dor e os conformes físico e psicológico do doente e de seus familiares
(LIPPMANN, 2013, p. 21).
Direito Izabela Hendrix – vol. 17, nº 17, novembro de 2016
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A Lei espanhola nº. 41/200272 reconhece o instituto da instrução prévia como derivada
do princípio da autonomia do paciente, ao admitir que uma pessoa maior de idade,
capaz e livre manifeste antecipadamente a sua vontade, quando não for possível
expressar-la pessoalmente.
O documento poderá ainda conter determinações a respeito do destino de seu corpo e
de seus órgãos, entretanto, em relação ao conteúdo, não poderão ser contrárias a
dispositivos expressos de leis- como, por exemplo, dispor sobre a eutanásia ativa.
O testamento vital espanhol deve respeitar a forma escrita, perante três testemunhas
ou realizadas perante o notário, um funcionário do Registro Nacional ou da
Administração Pública. O documento poderá ser revogado livremente, a qualquer
tempo, desde que por escrito.
Havia previsão expressa de criação, pelo Ministério da Saúde e Consumo, do Registro
Nacional de Instruções Prévias (RNIP), com o objetivo de assegurar a eficácia do seu
conteúdo em todo o território nacional. Por esta razão, foi editado o Real Decreto
124/2007 para regulamentar o RNIP, sob o controle do atual Ministério da Saúde,
Serviços Sociais e Igualdade. De acordo com o controle disponibilizado no sítio
eletrônico da instituição73, nos últimos quatro anos foram registradas
aproximadamente setecentas mil instruções prévias.
O testamento vital em Portugal
A Lei 25/201274, publicada em 16/06/2012, regula as diretivas antecipadas de vontade,
a nomeação de procurador de cuidados de saúde e dispõe sobre a criação do Registro
Nacional do Testamento Vital (RENTEV).
A norma aprovada define o testamento vital como documento unilateral e livremente
revogável a qualquer momento, no qual uma pessoa maior de idade e capaz, que não
se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, manifesta antecipadamente
a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde
que deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se
encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente.
Ao delimitar o tema, estabelece que possam constar do texto disposições que
expressem a vontade de não ser submetido a tratamento de suporte artificial das
funções vitais e de não ser submetido a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado no
seu quadro clínico e de acordo com as boas práticas profissionais, nomeadamente no
que concerne às medidas de suporte básico de vida e às medidas de alimentação e
hidratação artificiais que apenas visem retardar o processo natural de morte;
Ressalta que cabe ao paciente receber os cuidados paliativos adequados ao respeito
pelo seu direito a uma intervenção global no sofrimento determinado por doença
72
Disponível no sítio: http://www.boe.es/boe/dias/2002/11/15/pdfs/A40126-40132.pdf. Último acesso em 02/07/2016.
Disponível no sítio: http://www.msssi.gob.es/ciudadanos/rnip/home.htm. Último acesso em 01/07/2016.
74
Disponível no sítio: http://www.dre.pt/pdf1s/2012/07/13600/0372803730.pdf. Último acesso em 01/07/2016.
73
Direito Izabela Hendrix – vol. 17, nº 17, novembro de 2016
140
grave ou irreversível, em fase avançada, incluindo uma terapêutica sintomática
apropriada;
O declarante poderá incluir a previsão de não ser submetido a tratamentos que se
encontrem em fase experimental e autorizar ou recusar a participação em programas
de investigação científica ou ensaios clínicos.
A diretiva deverá ser formalizada através de documento escrito, assinado
presencialmente perante funcionário devidamente habilitado do Registro Nacional do
Testamento Vital ou notário, do qual conste:
(i) A identificação completa do outorgante;
(ii) O lugar, a data e a hora da sua assinatura;
(iii) As situações clínicas em que as diretivas antecipadas de vontade produzem
efeitos;
(iv) As opções e instruções relativas a cuidados de saúde que o outorgante deseja
ou não receber;
(vi) As regras de renovação, alteração ou revogação das diretivas antecipadas de
vontade, caso existam.
A lei portuguesa declara juridicamente inexistentes, não produzindo qualquer efeito, os
testamentos vitais que sejam contrários à lei, à ordem pública ou determinem uma
atuação contrária às boas práticas; cujo cumprimento possa provocar deliberadamente
a morte não natural e evitável, tal como prevista nos artigos 134.º e 135.º do Código
Penal Português, ou ainda aquelas em que o outorgante não tenha expressado, clara e
inequivocamente, a sua vontade.
No tocante à eficácia, as diretivas são de cumprimento obrigatório, salvo se
comprovado que o outorgante não desejaria mantê-las; ou se verifique evidente
desatualização da vontade do outorgante face ao progresso dos meios terapêuticos,
ou se não corresponderem às circunstâncias de fato que o outorgante previu no
momento da sua assinatura.
É importante destacar que em caso de urgência ou de perigo imediato para a vida do
paciente, a equipe responsável pela prestação de cuidados de saúde não tem o dever
de observar o disposto nas diretivas antecipadas de vontade, quando o acesso às
mesmas implicar uma demora que agrave os riscos para a vida ou a saúde do
outorgante.
O prazo de eficácia do documento é de cinco anos a contar da sua assinatura, podendo
ser renovado por igual período, sucessivamente. O documento de diretivas antecipadas
de vontade é revogável ou modificável, no todo ou em parte, em qualquer momento,
pelo seu autor, inclusive através de simples declaração oral ao responsável pela
prestação de cuidados de saúde, devendo esse fato ser inscrito no seu processo clínico,
no RENTEV e comunicado ao procurador de cuidados de saúde.
Direito Izabela Hendrix – vol. 17, nº 17, novembro de 2016
141
Uma previsão inovadora do texto legal dispõe que ninguém poderá ser discriminado
no acesso a cuidados de saúde ou na subscrição de um contrato de seguro, em virtude
de ter ou não outorgado um documento de diretivas antecipadas de vontade.
O testamento vital no Uruguai:
No Uruguai, a Lei 18.473/200975 inovou ao prever que a decisão tomada por uma
pessoa consciente e livre de se opor à aplicação de tratamentos e procedimentos
médicos não serão válidas na hipótese de afetar ou ameaçar afetar a saúde de
terceiros.
Do mesmo modo, as declarações prévias de vontade poderão afastar os futuros
tratamentos e procedimentos médicos que prolonguem a via em detrimento da
qualidade da mesma, caso se encontre em fase terminal, padecendo de uma doença
incurável ou reversível, entretanto, desde que não afete a saúde de terceiros (como por
exemplo: a decisão da gestante não poderá afetar a vida do feto).
O diagnóstico relativo à doença terminal será dado pelo médico que acompanha o
caso do paciente e deverá obrigatoriamente ser ratificado por um segundo médico,
observadas as restrições legais de vínculo existente entre eles.
A norma prevê que em nenhuma hipótese a oposição a receber os cuidados paliativos
para o alívio da dor e manutenção das condições mínimas de higiene.
O registro do documento não é obrigatório, devendo ser revestido na forma escrita e
conter a assinatura do titular e de duas testemunhas, entretanto, poderá ser
apresentada a um escrivão público documentando-se por escritura pública ou ato
notarial.
Ao contrário do disposto em outros países, no Uruguai é obrigatória a nomeação de
um procurador no testamento vital, para que faça valer os desejos do testador.
Caso haja alguma objeção de consciência por parte do médico que assiste o paciente e
os desejos expressos na diretiva antecipada, este poderá solicitar que seja substituído
por outro profissional, mediante justificativa formal.
O testamento vital no Brasil
No Brasil não há lei específica regulamentando a matéria, entretanto, os princípios da
dignidade da pessoa humana, da autonomia da vontade e a proibição de tratamento
desumano tornam o instituto plenamente compatível com o nosso ordenamento
jurídico, desde que não preveja práticas relacionadas à eutanásia.
O maior estímulo para a futura regulamentação do testamento vital no Brasil encontrase na Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.995/12, publicada no DOU de
75
Disponível no sítio: http://www.testamentovital.com.br/pais.php?cod_pais=7. Último acesso em 02/07/2016.
Direito Izabela Hendrix – vol. 17, nº 17, novembro de 2016
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31/08/12, que estabeleceu os critérios a serem seguidos por um indivíduo plenamente
capaz que queira definir e registrar os procedimentos a serem observados pelo seu
médico de confiança, caso se encontre em fase terminal.
A resolução, norteada pelos princípios da bioética76, privilegiou os princípios da
autonomia privada e da dignidade da pessoa humana, possibilitando ao paciente a
escolha de como será o seu tratamento, quando não tiver mais condições para tanto.
Nos termos da norma aprovada, as determinações devem fazer menção exclusivamente
a uma situação de terminalidade da vida, doença grave e incurável, incapaz de
responder a tratamentos que poderiam modificar o curso da doença.
A manifestação prévia já não poderá ser recusada pelo médico, que será punido
profissionalmente, com a perda do registro no Conselho Regional de Medicina – CRM.
Cumpre destacar que se trata de uma importante modificação, considerando que o no
Código de Ética Médica de 1988 estabelecia a proibição de se utilizar meios destinados
a abreviar a vida do paciente, independente do caso. A mudança de postura foi
inaugurada por meio da Resolução 1.805/200677, que teve como objetivo colocar a
salvo o médico de contestação ético disciplinar, quando adotar procedimentos que
configurem a ortotanásia.
Na ausência de lei para disciplinar claramente o conteúdo, a forma de registro, a
capacidade do outorgante, o prazo de validade do documento, entre outros requisitos
essenciais, recomenda-se aos interessados que o documento seja lavrado em escritura
pública, com a presença de duas testemunhas e a nomeação de um procurador para
que possa representá-lo no momento da incapacidade de manifestar a sua vontade.
É válido lembrar que o testamento vital firmado em qualquer outro país também será
válido no Brasil, observado o disposto no artigo 17 da Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro que estabelece a eficácia das declarações de vontade firmadas no
exterior, salvo quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons
costumes. Por óbvio, compreende-se que o teor do documento deverá limitar-se à
ortotanásia, prática que, conforme defendida neste artigo, é admitida pelo
ordenamento jurídico brasileiro.
A jurisprudência pátria78 tem reconhecido, registre-se, que a Resolução do Conselho
Federal de Medicina nº. 1.805/2006 é legal e encontra-se em sintonia com a autonomia
da vontade, o princípio da dignidade humana e a proibição de submissão de quem
76
Termo que indica o estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e do tratamento da saúde,
em que tal conduta é examinada à luz de valores e princípios éticos, de acordo com o verbete “Bioethics” da
Encyclopedia of Bioethics, org. W. Reich, Mcmillan Free Press, New York, 1978.
77
A Resolução estabelece que na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou
suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários
para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do
paciente ou de seu representante legal.
78
Vide sentenças proferidas em ações que pretendiam a nulidade da Resolução CFM 1.805/2006: Justiça Federal. Seção
Judiciária do Estado de Goiás. Processo nº. 1039-86.2013.4.01.3500. Ação Civil Pública.
Justiça Federal. Seção Judiciária do Distrito Federal. Processo nº. 2007.34.00.014809-3
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quer que seja a tratamento desumano e degradante, previstas nos artigos 1º, inciso III,
e art. 5º, inciso III, da Carta Republicana.
Portanto, advoga-se que o vácuo legislativo não autoriza a errônea interpretação de
nulidade das diretivas antecipadas de vontade do paciente no país, já que não
encontram vedações em nosso ordenamento jurídico.
Naturalmente, a falta de norma a estabelecer a forma de registro e o controle dos seus
efeitos são desafios ao seu cumprimento, entretanto, nos termos do artigo 107 do
Código Civil Brasileiro, a validade da declaração de vontade não dependerá de forma
especial (salvo disposição expressa de lei) devendo o médico, para efeitos relacionados
às normas que regem a ética médica, registrar a vontade do cidadão no prontuário do
paciente.
Mas afinal, por que fazer um testamento vital se a sua aplicação ficará condicionada à
impossibilidade de sua manifestação, ou seja, o indivíduo já poderá estar inconsciente
e, provavelmente, alheio a tudo que ocorre a sua volta?
A declaração prévia de vontade relativa à saúde, e a correspondente delimitação dos
cuidados dispensados para assegurar o direito à vida ou o direito à morte digna na
hipótese de impossibilidade de manifestação consciente, além de reafirmar a
autonomia da vontade do cidadão possibilita uma decisão familiar menos conflituosa,
retira um enorme peso daqueles que se sentem pressionados a decidir pelos cuidados
médicos extraordinários que serão ofertados ao ente querido, além de permitir a
eleição de um terceiro para ser o procurador poupando aqueles que já se encontram
tão fragilizados, psíquica e emocionalmente, diante do provável fim da vida
(LIPPMANN; 2011).
Conclusões
O testamento vital é uma declaração prévia de vontade relativa à saúde e à
delimitação dos cuidados dispensados para assegurar o direito à vida ou o direito à
morte digna na hipótese de impossibilidade de manifestação do paciente.
O fundamento de validade do testamento vital é o respeito à autonomia da vontade do
paciente e o seu direito de decidir sobre os procedimentos médicos que afetem a sua
integridade física, princípios consagrados universalmente e positivados em nossa
Constituição Republicana.
No Brasil não há lei específica regulamentando a matéria, entretanto, os princípios da
dignidade da pessoa humana, da autonomia da vontade e a proibição de tratamento
desumano tornam o instituto plenamente compatível com o nosso ordenamento
jurídico, desde que não preveja práticas relacionadas à eutanásia.
É recomendável que o Congresso Nacional legisle sobre o tema para disciplinar
claramente os limites do conteúdo da manifestação prévia de vontade do paciente
terminal, a sua forma de registro, a capacidade do outorgante, o prazo de validade do
documento, a necessidade ou não de nomear um procurador, para que se afastem as
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dúvidas em relação a este instrumento. O estudo da legislação já adotada por diversos
países aponta soluções eficazes e criativas para o cumprimento dos desejos do
paciente que, à luz dos princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana,
possam delimitar os cuidados que serão dispensados para assegurar o direito à vida ou
o direito à morte digna, quer possa manifestá-la conscientemente por meio de
diretivas prévias.
The Living Will: a prior declaration of will concerning health and
the delimitation of the care given to ensure the right to life or
the right to a dignified death in the event of the impossibility of
conscious manifestation
Abstract: This article analyzes the previous declaration of will regarding health and the
delimitation of the care given to ensure the right to life or the right to a dignified death
in the event of the impossibility of conscious manifestation.
Keywords: Vital Testament; Manifestation of the Will; Right to life; Right to a dignified
death.
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