RESENHA: Capitalismo de laços: os donos do Brasil e suas conexões

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Caderno Prudentino de Geografia, Presidente Prudente, n.37, v.2, p.123-126, ago./dez. 2015.
RESENHA:
Capitalismo de laços: os donos do Brasil e suas conexões
LAZZARINI, S. G. Capitalismo de laços. Os donos do Brasil e suas conexões. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2011.
Leandro Bruno Santos
Universidade Federal Fluminense – Instituto de Educação de Angra dos Reis
Avenida do Trabalhador, Verolme, CEP: 23914360 - Angra dos Reis, RJ - Brasil
[email protected]
Este livro, lançado no Brasil em 2011, é resultado de laços de pesquisa
estabelecida num grupo internacional de estudo sobre redes de propriedade e de uma
estadia de seu autor como professor visitante na Harvard University. Sérgio Lazzarini, é
professor titular do Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER) e seus temas de pesquisa
versam sobre estratégias empresariais em mercados emergentes e relações entre
empresas privadas e setor público. Sérgio Lazzarini é autor de outro livro, “Reinventando
o capitalismo de Estado. O leviatã nos negócios: Brasil e outros países”, editado pela
Companhia das Letras.
O objetivo subjacente ao livro é “descrever a dinâmica do capitalismo de laços
no Brasil e examinar possíveis implicações para a economia do país” (p. 7). O autor se
debruça sobre as redes de propriedade (participação cruzada de acionistas nas
empresas) e seu comportamento face às mudanças políticas e econômicas ocorridas
durante os anos 1990. O recorte analítico baseou-se na radiografia dos proprietários e
controladores de 804 empresas. Com isso, identificou a existência de aglomerações
(proprietários que participam das mesmas empresas) e atores de ligação (conectores das
diferentes aglomerações), que configuram contextos caracterizados como mundos
pequenos. Sua constatação é que entidades ligadas ao governo (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES - e fundos de pensão) e grupos
econômicos locais, em vez de diminuírem, aumentaram sua importância nas redes de
propriedade e, ipso facto, na atividade econômica local.
No capítulo 1, Introdução: um capitalismo de laços, define capitalismo de laços
como “emaranhado de contatos, alianças e estratégias de apoio gravitando em torno de
interesses políticos e econômicos [...] Trata-se de um modelo assentado no uso de
relações para explorar oportunidades de mercado ou para influenciar determinadas
decisões de interesse” (p. 3-4). O autor entende laços como relações sociais valiosas,
Resenha: Capitalismo de laços. Leandro Bruno Santos.
sobretudo relações entre atores sociais para fins econômicos. Não obstante as políticas
neoliberais e a maior capitalização em bolsa, “o capitalismo de laços tornou-se,
surpreendentemente, ainda mais forte” (p. 10), com intensificação de aglomerações
marcadas por uma miríade de proprietários no controle do capital acionário e emergência
de atores de ligação (principalmente os ligados ao governo) com elevada centralidade.
Dessa forma, “o governo não só preservou como também aumentou a sua centralidade
na economia” (p. 11).
Em Mudar tudo para não mudar nada: a evolução das relações de propriedade
no período pós-privatização, capítulo 2, demonstra a diminuição das estatais na geração
de investimentos e, ao mesmo tempo, o aumento da capacidade de intervenção do
governo. Entre as causas disso estão as escolhas do BNDES como entidade central nas
privatizações e o envolvimento dos fundos de pensão, visando não só garantir preços
melhores, como também viabilizar politicamente o processo entre os diversos agentes
econômicos. Esse entrelaçamento entre Estado e capital privado no Brasil foi reforçado
sob o governo Lula. Os grupos privados, apesar de apresentarem centralidade ao redor
da média, exibem bastante heterogeneidade, com auto-reforço de grupos já bem
conectados. Sobressaem-se os grupos nacionais Camargo Corrêa, Unibanco, Itaú,
Votorantim e Opportunity, e o estrangeiro JP Morgan Chase.
No capítulo 3, Ligações perigosas? O entrelaçamento entre capital público e
capital privado no Brasil, analisa as conexões empresa-governo no Brasil e demonstra
que, embora existentes, o lobby das associações ou entidades patronais é menor que as
relações clientelistas - contatos individuais de empresários junto ao governo e aos
políticos -. A relação clientelista é evidenciada nas relações entre financiamento de
campanhas eleitorais vitoriosas e benefícios diretos e indiretos às empresas
financiadoras (subsídios, acesso a crédito, regulação favorável etc.). Os argumentos são
construídos com base nos resultados de outras pesquisas, de modo que as afirmações
sobre os empréstimos do BNDES e a necessidade de uma maior preocupação com
retorno social são bastante frágeis. Outra fragilidade é a afirmação de que as conexões
políticas são o resultado do sistema político e das coalizões. Trata-se de um pensamento
cuja lógica é linear e causal, sem nenhuma compreensão dialética entre empresa e
governo. Sob essa linha de argumentação, não existe plutocracia no país!
Jogos de elite: os grupos empresariais e suas interdependências, quarto
capítulo, delineia a complexidade das redes de propriedade no Brasil, marcada não
somente pelas aglomerações de proprietários, senão também pela existência de
poderosos grupos econômicos, que controlam uma miríade de empresas em diversos
ramos e atividades. O autor traz, de forma simplificada, o debate sobre as origens dessas
formas organizacionais, sem nenhum posicionamento teórico, tampouco sobre suas
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causas no Brasil. A constatação importante é a conformação de uma rede de grupos, ou
seja, o controle acionário de empresas exercido por vários grupos econômicos. Esse
fenômeno se intensificou nos anos 1990, face à privatização e à formação de consórcios.
Em Imperialistas ou inocentes em terra desconhecida? Os grupos estrangeiros e
sua
inserção
nas
redes
locais,
capítulo
5,
demonstra
que,
para
além
da
desnacionalização e dependência de tecnologia e de capitais, as multinacionais se
depararam com ricos oriundos de articulações que ocorrem, fundamentalmente, no
contexto doméstico dos países-alvo. As desvantagens de serem estrangeiras podem ser
criadas pela dinâmica das redes locais de propriedade. Concorda, assim, com a ideia de
que a globalização é um fenômeno local, quer dizer, os atores locais não são passivos.
Por isso, qualquer empresa multinacional, antes de entrar no Brasil, precisa compreender
as relações criadas entre grupos domésticos, governo e sistema político. Os exemplos
factuais são TIW, que falhou por não compreender o capitalismo de laços, e a Nippon
Steel, que obteve sucesso porque o Japão apresenta ambiente societário similar ao do
Brasil.
No capítulo 6, Os novos na bolsa: as empresas que abriram capital no período
2004-2009, analisa o boom de abertura de capital no Brasil entre os anos de 2003 e
2007. Houve grande abertura de capital nos segmentos manufatureiro, construção civil e
financeiro, com preponderância de investidores estrangeiros e maior inserção das
empresas no Novo Mercado. Contudo, os novos papéis na bolsa preservaram o
capitalismo de laços, dada a prevalência da estrutura societária sob a forma de pirâmide,
as transações alimentadas por conexões entre bancos e seus clientes e o
entrelaçamento entre membros de conselho de administração entre várias empresas.
Assim, “a mecânica relacional do capitalismo brasileiro foi colocada à prova e sobreviveu
forte como nunca” (p. 108).
Em Conclusões: é assim porque sempre foi?, sétimo capítulo, retoma reflexões
sobre os pontos positivos e negativos do capitalismo de laços e sugere algumas ações
visando dirimir os pontos negativos e construir sobre os pontos fortes. Assim, sugere i)
maior transparência e objetividade à atuação estatal (via BNDES e fundos de pensão) na
economia, além de maior transparência nas relações societárias em geral, com laços
societários mais simples; ii) isolamento político dos gestores dos fundos de pensão e
escrutínio diferenciado a empresas financiadoras das campanhas políticas; iii) diminuição
generalizada de custos de transação (tempo de abertura de empresas, oferta de crédito,
resolução de disputas jurídicas etc.); iv) combate a condutas anticompetitivas presentes
em fusões, aglomerações etc.
Trata-se de um livro importante para entendermos as relações entre empresas e
governos no Brasil a partir de meados dos anos 1990. O capitalismo de laços, como o
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próprio autor demonstra, não é algo novo no país, ao contrário, faz parte da matriz
cultural da nossa sociedade, analisada por Sérgio Buarque de Holanda, Roberto
DaMatta, Raymundo Faoro, entre outros. Não obstante as políticas neoliberais, essas
relações/conexões intrincadas entre empresas e governo exibiram aprofundamento. Num
momento político por que passamos, no qual os holofotes estão sobre a Operação Lava
Jato e, em menor importância, voltada à Operação Zelotes, a leitura deste livro permite
tanto afirmar que não há corruptos sem corruptores, quanto salientar que tais práticas,
longe de serem estigmas de um partido ou um momento histórico da formação social
brasileira, estão profundamente enraizadas na matriz institucional do país. Por isso, esse
livro deve ser leitura obrigatória de diversos campos disciplinares, como Geografia,
Sociologia, História, Economia, Ciência Política, Políticas Públicas etc.
Recebido em: 17/11/2014
Aprovado para publicação em:
06/08/2015
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