Espinhos da Micaia Por Fernando Lima Guebuza revisitado Cansado e chamuscado com os “dossiers” paiol e crime, o Presidente abalou há semanas para um longo périplo pelas províncias, para o país mais ou menos real que pode perceber dos comícios e das reuniões com os seus chefes locais. Foi exercer o guebuzismo, aquilo que um prolífico sociólogo define como a enxertia samoriana nos tempos da economia de mercado e do multipartidarismo. Uma parte aconteceu com a sua ascensão ao poder e com o início da nova presidência. Mobilização popular, agip-prop, ofensiva no aparelho de Estado, pulso forte. A actual incursão ao país profundo trouxe novas facetas, ironicamente aquelas que têm sido largamente agitadas pelos fantasmas do passado. O homem que é visto como a réplica moçambicana do “black empowerment”, que na década de 80 já mandava bilhetinhos aos bancos para apoiarem “businesses” de moçambicanos legítimos, parece fazer agora uma incursão à matriz histórica da Frelimo da independência. Em Namuno, provavelmente no comício mais concorrido no Norte, falou sobre a beleza da diversidade das raças, das tribos e das línguas. E recorreu à metáfora da equipa de futebol e da orquestra. Das vozes diferenciadas e dos instrumentos de formas e sons diferentes que, em união, produzem a beleza musical. E da equipa de futebol que tem diferentes posições, mas que desce ao terreno de jogo unida para derrotar o adversário. Em Nacala, onde abundam os negócios asiáticos numa província com comunidades importantes dos Grandes Lagos, emigrantes da Tanzânia, Mali e Nigéria que fazem desde comércio a garimpo, Guebuza virou o discurso popular que os jornais do dia identificaram como xenofobia. E falou da legitimidade dos estrangeiros em tocarem negócios para a frente e dos desafios que os moçambicanos devem aceitar para desenvolverem melhores negócios que os seus competidores. Para os amnésicos lembrou que este país também se faz de emigrantes, dos milhares que vão para o exterior trabalhar e fazer os seus negócios e que têm a expectativa de ali terem o melhor acolhimento. Nem precisou de recorrer à estatística que coloca os moçambicanos no topo das remessas da África Austral enviadas a partir do trabalho suado no Rand. De caminho fez questão em contrariar outro equívoco. Não se emocionou com a carta de condução do futebolista Mantorras em Portugal e remeteu para as instituições, as metodologias apropriadas para as políticas de reciprocidade com a antiga metrópole colonial. Num país que se habituou a cultivar a política da cabeça de avestruz na areia e os recados políticos das políticas de mãos sujas encomendadas a gabinetes obscuros e distribuídas em forma de decreto popular por “cartas de leitor” apócrifas, são importantes as “nuances” das últimas intervenções de Guebuza. O presidente que encomendou estátuas para quem lhe estabeleceu uma das maiores travessias do deserto do pós-independência. Estou para ver e para ser surpreendido por novos avisos à navegação. De Guebuza e do coro amestrado que se juntou à sua volta para tirar partido dos fantasmas. SAVANA – 11.05.2007