AULA 10 e 11 Músculo Cardíaco Biofísica - Moodle

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Análise vectorial dum vector de despolarização
Uma vez conhecida a posição das derivações no sistema de referência, dado um
vector de despolarização A num instante t, é possível determinar a d.d.p. e
respectivo sentido da d.d.p., que esse vector gera instantaneamente em cada
derivação. Para isso, calcula-se a projecção do vector A em cada um dos eixos das
derivações. Na figura abaixo isso é indicado para a derivação I.
Como o vector projectado B aponta no sentido positivo do eixo da derivação I, a
d.d.p. registada vai ser positiva. Quando o vector projectado se encontra numa
posição perpendicular ao eixo da derivação nenhum sinal é medido. Quando o
vector projectado se encontra paralelo ao eixo da derivação, o valor da d.d.p.
medido pela derivação é igual à voltagem do vector.
79
Análise vectorial dum vector de despolarização
A figura indica as
projecções do vector A
em cada um dos eixos
das derivações I, II e III.
O vector A é típico dum
coração parcialmente
despolarizado.
A projecção do vector
sobre a derivação I é B,
sobre a derivação II é C e
sobre a derivação III é D.
Como se pode ver em todas as derivações estão-se a obter d.d.p. positivas.
O potencial na derivação I é cerca de 50% do potencial do coração. O potencial na
derivação II é quase a totalidade do potencial do coração. O potencial na derivação III
é cerca de 1/3 do potencial do coração.
80
Análise vectorial do electrocardiograma normal
a
A despolarização das aurículas
começa no nó SA e espalha-se em
todas as direcções sobre as aurículas.
A primeira zona a ficar
despolarizada, e portanto carregada
negativamente no exterior das
células, é a zona do nó SA.
O vector cardíaco gerado pela
despolarização das aurículas aponta
na direcção do ápice do coração. A
sua direcção permanece mais ou
menos constante durante toda a
despolarização auricular. Como
resultado obtém-se uma onda única (a
Onda P), positiva nas derivações I, II
e III.
81
Análise vectorial do electrocardiograma normal
A Figura A representa um instante de tempo 100 ms
após o começo da despolarização ventricular. Nesta
altura o vector cardíaco é pequeno, visto que só o
septo interventricular é que está despolarizado.
Portanto, todas as d.d.p. electrocardiográficas são
pequenas. A d.d.p. registada na derivação II é a maior
de todas porque o vector cardíaco aponta nessa
direcção.
Quando o impulso cardíaco
entra nos ventrículos
através do feixe aurículoventricular (ou Feixe de
His), a primeira parte a
ficar despolarizada é a
superfície endocárdica
esquerda do septo
interventricular. Esta
despolarização espalha-se
rapidamente envolvendo
ambas as superfícies
endocárdicas do septo.
82
Onda Q
O vector inicial do QRS está
orientado para a direita,
anteriormente e
superiormente. No plano
frontal este vector resulta
tipicamente em pequenas
deflexões negativas (onda Q)
em I, II e III.
Por vezes, no começo do complexo QRS existe uma
pequena onda negativa, a onda Q.
A onda Q deve-se à despolarização inicial da região
ântero-septal do ventrículo esquerdo.
As voltagens registadas são baixas porque apenas uma
pequena parte do ventrículo (o septo) está a ser
despolarizada.
83
Análise vectorial do electrocardiograma normal
Do septo interventricular a
despolarização espalha-se
para as superfícies
endocárdicas de ambos os
ventrículos.
200 ms após o começo da despolarização ventricular o vector
cardíaco é grande porque grande parte dos ventrículos está
despolarizada. Isto corresponde à deflexão positiva observada no
complexo QRS que é conhecida como Onda R.
http://www.cvphysiology.com/Arrhythm
ias/A009.htm
84
Análise vectorial do electrocardiograma normal
A despolarização
continua a espalhar-se,
passando do interior
(superfície endocárdica)
para o exterior do
coração (superfície
epicárdica),
despolarizando o ápice
do coração.
350 ms após o começo da despolarização ventricular o vector cardíaco está a ficar
pequeno porque existe mais massa muscular despolarizada do que em repouso.
A despolarização engloba já o ápice do coração (negativo externamente).
O eixo do vector cardíaco começa a deslocar-se para o lado esquerdo do peito
porque o ventrículo esquerdo é o último a completar a despolarização.
85
Análise vectorial do electrocardiograma normal
A despolarização já se
espalhou a quase todo o
ventrículo (superfícies
endocárdica e epicárdica).
Só uma pequena porção do
ventrículo esquerdo
encontra-se ainda por
despolarizar.
500 ms após o começo da despolarização ventricular o vector
cardíaco aponta para a base do ventrículo esquerdo, e é pequeno
porque só uma pequena porção do ventrículo é que permanece por
despolarizar. Neste momento as d.d.p. registadas nas derivações II
e III são negativas, enquanto que a d.d.p. registada na derivação I
continua positiva. Isto corresponde à deflexão negativa observada
no complexo QRS que é conhecida como Onda S.
86
Análise vectorial do electrocardiograma normal
Todo o ventrículo está
despolarizado.
600 ms após o começo da despolarização ventricular todo o miocárdio se encontra
despolarizado. Não há fluxos de corrente e nenhuma d.d.p. é registada nas
derivações. O vector cardíaco é zero. Portanto, o complexo QRS está terminado
nas três derivações.
87
Análise vectorial do electrocardiograma normal
Depois do ventrículo se encontrar
despolarizado, passam-se cerca de 150
ms antes da repolarização ser visível
num electrocardiograma. A
repolarização prossegue por todo o
miocárdio, ficando completa 350 ms
após o fim do complexo QRS.
Durante a repolarização do miocárdio, a
primeira parte a ficar em repouso e
portanto exteriormente positiva é o
exterior do coração, especialmente a
zona do ápice do coração e depois o
miocárdio adjacente à superfície
epicárdica. O interior do coração permanece despolarizado e negativo durante mais
algum tempo (possivelmente porque a elevada pressão sanguínea no interior dos
ventrículos durante a contracção reduz o fluxo sanguíneo no endocárdio atrasando a
repolarização).
O coração durante a repolarização fica com uma distribuição de carga similar à
88
despolarização.
Análise vectorial do electrocardiograma normal
O vector cardíaco aponta na direcção
do ápice do coração em todas as fases
de repolarização.
O vector é máximo quando a
repolarização está a 50%. Começa
pequeno, aumenta até ao seu máximo e
progressivamente diminui até zero
quando a repolarização se espalha a
todo o miocárdio.
O processo dura na totalidade 150 ms,
que é também a duração da onda T.
Como a repolarização não é um fenómeno propagado de
célula em célula (como o é a despolarização), cada célula
repolariza individualmente utilizando os seus recursos
internos. É por esta razão que a onda T dura mais tempo e
tem menor voltagem que o complexo QRS.
89
A onda Ta
A propagação da onda de despolarização
através do músculo auricular é mais lenta
que no músculo ventricular.
Consequentemente, a zona da aurícula
que é primeiro repolarizada é a que está
junto ao nó sinusal, ou seja, a área que foi
primeiro despolarizada (ao contrário do
que acontece nos ventrículos).
Assim, quando a repolarização começa,
a região à volta do nó sinusal torna-se
positiva relativamente ao resto da aurícula.
Como resultado o vector de repolarização tem um sentido oposto do da
despolarização e a onda Ta tem uma deflexão inversa à da onda P. A onda Ta é
gerada cerca de 150 ms depois da onda P. No electrocardiograma, a onda Ta
surge ao mesmo tempo que o complexo QRS. Por isso, é quase sempre
obscurecida pelo complexo QRS.
90
Voltagens anormais do complexo QRS
No coração saudável as d.d.p., nas derivações
bipolares dos membros, entre o pico da onda R
e o pico da onda S são da ordem dos 0.5 a 2
mV, com tipicamente a derivação III a registar
a menor d.d.p., enquanto que a derivação II
regista a maior d.d.p..
Como regra geral, quando a soma das voltagens
dos complexos QRS obtidos nas três derivações
bipolares excede os 4 mV, considera-se que o
paciente tem uma alta voltagem no
electrocardiograma.
A principal causa de alta voltagem
é a hipertrofia do miocárdio, que
tipicamente ocorre de forma
heterogénea, com parte do coração
mais desenvolvido do que outra.
91
Voltagens anormais do complexo QRS
Uma das causas mais comuns para
baixa voltagem no complexo
QRS é um ou mais enfartes do
miocárdio (enfarte significa: “lesão
necrótica circunscrita de um órgão
em consequência da obstrução de
um vaso sanguíneo” em
http://www.infopedia.pt/). Provoca
a diminuição da massa muscular e
o bloqueio local da condução do
impulso despolarizante.
Como consequência, a onda de despolarização move-se lentamente através dos
ventrículos activando faseadamente as porções de miocárdio ainda funcionais.
Esta condição provoca a diminuição da voltagem do complexo QRS e o
prolongamento do mesmo.
92
Padrões prolongados e bizarros do complexo QRS
Padrões bizarros do complexo QRS são provocados frequentemente por duas
condições: (1) destruição do músculo cardíaco ventricular em várias áreas do
sistema ventricular; (2) múltiplos bloqueios locais no sistema de condução da
rede de Purkinje. Como resultado a condução do impulso cardíaco fica irregular,
provocando alterações rápidas nas d.d.p. e desvios do eixo cardíaco. Isto pode
conduzir ao aparecimento de vários picos em algumas das derivações
electrocardiográficas.
93
Corrente de Lesão
Várias patologias cardíacas, especialmente aquelas que provocam lesões no
miocárdio, tendem frequentemente a gerar zonas no músculo cardíaco que se
encontram continuamente parcial ou totalmente despolarizadas (externamente
negativas). Quando isto acontece, existem fluxos de corrente das áreas
patologicamente despolarizadas para as áreas normais em repouso (externamente
positivas), mesmo entre as pulsações cardíacas. A isto chama-se corrente de lesão.
Estas anormalidades cardíacas podem ser
provocados por: (1) trauma mecânico – provoca um
aumento da permeabilidade membranar que
impossibilita a repolarização completa; (2)
processos infecciosos que danificam as membranas
musculares e (3) isquemia local do miocárdio
provocada por oclusão das coronárias. Durante a
isquemia, o fluxo sanguíneo não é suficiente para
manter as concentrações de nutrientes necessárias ao
normal funcionamento muscular, afectando a
capacidade de repolarização da membrana.
-
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
94
Isquemia coronária
Um fluxo insuficiente de sangue deprime o
metabolismo do músculo cardíaco por
várias razões:
(1) Falta de oxigénio;
(2) Acumulação excessiva de dióxido de
carbono;
(3) Falta dos nutrientes alimentares (ex.
glucose, etc).
Consequentemente, a repolarização das
membranas não ocorre em zonas severamente
isquémicas. Muitas vezes o músculo do coração não morre, porque o fluxo
sanguíneo é suficiente para manter o músculo vivo, mas não não é suficiente para
permitir a repolarização das células.
Enquanto esta condição persistir, observa-se uma corrente de lesão entre a área
isquémica e a área não isquémica, durante o intervalo TP do ciclo cardíaco.
Isquemia extrema do miocárdio ocorre depois de oclusão coronária (também
conhecida como trombose coronária). Portanto, uma das características
mais importantes do diagnóstico duma trombose coronária aguda é a
presença da corrente de lesão.
95
Efeito da corrente de lesão no complexo QRS
A título de exemplo, irá-se analisar o
efeito de uma corrente de lesão no
complexo QRS. Neste exemplo
particular, a corrente de lesão tem
origem na base do ventrículo esquerdo.
No intervalo TP do ciclo cardíaco, quando todo o ventrículo
deveria estar polarizado – existe uma corrente negativa anormal
da zona enfartada na base do ventrículo esquerdo para o resto dos
ventrículos. O vector desta corrente de lesão tem uma direcção de
cerca de 125° e aponta para baixo.
Mesmo antes do começo do complexo QRS, a corrente de lesão
gera um potencial constante (porque a corrente está estável)
mensurável nas três derivações bipolares. É negativa na derivação
I, e positiva nas derivações II e III (note que a linha preta
corresponde à voltagem 0 mV). Pelo facto do vector da corrente
de lesão ser quase paralelo ao eixo da derivação III, o potencial
registado na derivação III é superior ao registado nas derivações I
e II.
96
Efeito da corrente de lesão no complexo QRS
À medida que o coração prossegue o ciclo cardíaco,
o septo torna-se despolarizado. Os potenciais nas
derivações I, II e III estão a aumentar, porque o
vector cardíaco está a aumentar de tamanho. O vector
cardíaco está também a modificar a sua direcção,
inclinando-se para a esquerda na direcção dos 90°.
Por isso, o valor de potencial na derivação I sobe até
zero. Note que na derivação I o potencial torna-se
zero (ou próximo de zero), o que significa que o
vector cardíaco fica perpendicular ao eixo de
derivação I (portanto a 90°).
97
Efeito da corrente de lesão no complexo QRS
A despolarização espalha-se na
direcção do ápice e da superfície
endocárdica, despolarizando cerca de
50% da massa ventricular. Atinge-se o
potencial máximo nas derivações II e
III. Na derivação I o potencial fica
ligeiramente negativo, porque o vector
cardíaco passa a ter mais do que 90°.
98
Efeito da corrente de lesão no complexo QRS
A despolarização prossegue para os 100%. A
última porção dos ventrículos a ficar
completamente despolarizada é a base do
ventrículo direito, porque a base do ventrículo
esquerdo já se encontra despolarizada, daí o vector
cardíaco apontar da esquerda para a direita e
ligeiramente para cima. Apesar do vector cardíaco
estar a diminuir, como este se encontra quase
paralelo ao eixo da derivação I, a d.d.p. registada
na derivação I atinge um valor mais negativo do
que o de todas as fases anteriores. Os potenciais
nas derivações II e III são quase nulos.
99
Efeito da corrente de lesão no complexo QRS
O músculo ventricular torna-se
completamente despolarizado. Nesse
instante, não há fluxos de corrente no
coração pelo que o potencial em
todas as derivações é zero. A corrente
de lesão fica também a zero.
O músculo cardíaco permanece todo
despolarizado durante algum tempo,
daí a d.d.p. nas três derivações ser
constante e igual a zero. À medida
que tem lugar a repolarização, a
d.d.p. aumenta nas derivações II e III
e diminui na derivação I devido à
corrente de lesão. Quando a
repolarização termina, a d.d.p. passa
a ficar constante até ao próximo
batimento cardíaco.
100
Efeito da corrente de lesão no complexo QRS
101
Como calcular o vector da corrente de lesão a partir do ECG?
Como se pode observar no ECG, quando há
uma corrente de lesão, o segmento ST e o
segmento TP não estão à mesma d.d.p..
O segmento TP está a uma d.d.p. superior ou
inferior (dependendo da derivação) ao
segmento ST.
Meek et al, 2002, BMJ, 324: 470-473.
102
Como calcular o vector da corrente de lesão a partir do ECG?
Durante o segmento ST todo o músculo
cardíaco se encontra despolarizado, portanto,
não há d.d.p. à superfície do coração.
Idealmente, as d.d.p. registadas nas
derivações deveriam ser nulas.
Meek et al, 2002, BMJ, 324: 470-473.
Durante o segmento TP todo o músculo (com
excepção da zona da corrente de lesão) está
polarizado (em repouso), portanto, as únicas
d.d.p. registadas deveriam ser as geradas pela
corrente de lesão. Ou seja, a d.d.p. registada
em cada derivação deveria ser simplesmente a
projecção do vector da corrente de lesão sobre
o eixo de derivação respectivo.
Mas não é... Isto porque a linha dos 0 mV no
ECG não corresponde aos 0 mV na superfície
do coração. E porquê? Porque os eléctrodos
estão a medir outras d.d.p. (ruído) para além
das geradas pelo coração.
103
Ponto J
Existem muitas correntes iónicas no corpo, para além das geradas pelo batimento
cardíaco: correntes derivadas da existência de fluídos corporais com diferentes
concentrações iónicas. Consequentemente, quando dois eléctrodos se encontram
ligados aos braços, ou a um braço e a uma perna, as d.d.p. geradas por fontes
externas ao coração fazem com que os instantes de tempo em que o ECG está nos 0
mV não sejam os instantes de tempo em que a d.d.p. gerada pelo coração é nula.
Qual é o instante de tempo no ECG em que temos a certeza que o potencial
gerado pelo coração é zero?
No fim do complexo QRS antes do
começo do segmento ST. A variação
brusca de potencial permite identificar
claramente um ponto no ECG que
corresponde a uma situação em que o
coração está a gerar uma d.d.p. nula, o
ponto J.
Meek et al, 2002, BMJ, 324: 470-473.
104
Como calcular o vector da corrente de lesão a partir do ECG?
TP
ST
A figura mostra os ECG gravados nas
derivações I e III, ambos com correntes de
lesão.
A linha de referência dos 0 mV é a linha
horizontal que contém o ponto J. O ponto J
é o ponto exacto em que a onda de
despolarização (complexo QRS) terminou o
seu percurso no miocárdio ventricular: todo
o miocárdio ventricular está despolarizado.
O potencial da corrente de lesão é a distância entre a linha
de referência e o ponto do segmento TP antes do começo da
onda P.
Uma vez determinados os potenciais da corrente de lesão nas
derivações I e III é possível desenhar o vector da corrente
de lesão no sistema hexagonal de referência (neste caso tem
um ângulo de cerca de -30°). Se se aplicar este vector sobre o
coração, chega-se à conclusão que o dano se encontra na
parede lateral do ventrículo direito.
105
Desnivelamento do segmento ST
Como vimos, a presença duma
corrente de lesão provoca um
desnivelamento do segmento TP. No
entanto, como na situação saudável o
segmento TP é o segmento de
referência para os 0 mV, tendeu-se a
descrever este fenómeno como um
desnivelamento do segmento ST (S-T
segment shift), podendo dizer-se que
houve elevação ou depressão do
segmento ST. A presença dum
desnivelamento do segmento ST é
uma indicação da existência duma
corrente de lesão.
Na derivação I houve uma depressão do
segmento ST, e na derivação III houve
uma elevação do segmento ST.
TP
ST
R
P
ECG normal
T
Q
U
S
106
Enfarte agudo da parede anterior do miocárdio
Na figura encontra-se representado o ECG, nas três
derivações bipolares e numa das derivações unipolares
pré-cordiais V2 (sobre o peito), dum paciente com enfarte
agudo da parede anterior do miocárdio.
A característica mais importante deste ECG é a intensa
corrente de lesão observada em V2: ocorreu elevação do
segmento ST, pelo que o potencial em TP é negativo. Isto
significa que a área do peito debaixo de V2 encontra-se
negativa. A corrente de lesão começa debaixo da zona
onde o eléctrodo V2 está colocado (parede anterior).
Zonas externamente negativas
(despolarizadas) - Lesão.
Zonas externamente positivas
(repolarizadas) – Tecido
saudável.
O vector da lesão nas
derivações I e III tem
cerca de 150° (aponta do
ventrículo esq. para o
dir.). A corrente de lesão
tem origem na parede
anterior do coração e no
ventrículo esquerdo.
107
Enfarte da parede posterior do miocárdio
A figura mostra parte do ECG dum paciente com
enfarte da parede posterior.
A maior diferença é também em V2. O segmento ST
sofreu um desvio negativo, pelo que o potencial da
corrente de lesão é positivo. Isto significa que o lado
positivo do vector da corrente de lesão está na zona do
peito adjacente ao eléctrodo (a parte anterior do peito).
Ou seja, a corrente de lesão está a vir detrás do coração
para a frente.
Nas derivações II e III o desvio do segmento ST é
positivo, pelo que os potenciais da corrente de lesão
nessas derivações são negativos.
O vector da corrente de lesão tem cerca de -95°. O
enfarte ocorreu na porção apical do coração,
possivelmente próximo do ápice na parede posterior
do ventrículo esquerdo.
108
Desnivelamento do segmento ST
No exemplo, temos um caso clínico de uma senhora de 45 anos que foi submetida a
EED (ecocardiografia de sobrecarga com dobutamina) para avaliar a existência de
doença arterial coronária. O eletrocardiograma de doze derivações revelou
elevação do segmento ST nas derivações DII, DIII, aVF, V5 e V6 e depressão do
segmento ST nas derivações DI, aVL, V2 e V3. A angiografia coronariana revelou
lesões coronarianas irregulares com menos de 50% de obstrução do diâmetro
luminal (Bogaz et al, 2006, Vasoespasmo Coronariano Induzido pela
Ecocardiografia sob Estresse pela Dobutamina-Atropina, Arq Bras Cardiol, 87(6) :
e250-e253.)
109
Vector médio do QRS ou Eixo eléctrico médio do QRS
O vector médio do QRS no plano frontal, é
determinado a partir dos dados recolhidos
pelas derivações bipolares de membros.
• Encontram-se os valores máximos e
mínimos das d.d.p. obtidas no complexo QRS
nas derivações I e III.
• Calcula-se para cada derivação a amplitude
total do sinal. Se todas as componentes do
complexo QRS tiverem o mesmo sinal
(todas positivas ou todas negativas), a amplitude total é a amplitude máxima
encontrada acima (Por exemplo, 2 mV ou –2 mV). Se existirem componentes
positivas e negativas no complexo QRS, a amplitude total é a soma das amplitudes
máximas positiva e negativa (Por exemplo, 2 mV – 0.5 mV = 1.5 mV).
• A amplitude total do sinal em cada derivação é então representada graficamente
(acima). Se a amplitude total do sinal for positiva na derivação em causa é colocada
no sentido positivo do eixo da derivação. Se for negativa é colocada no sentido
negativo do eixo da derivação.
110
Vector médio do QRS ou Eixo eléctrico médio do QRS
• Traçam-se perpendiculares aos eixos de
derivação III e I a partir dos extremos dos
segmentos representados.
• O ponto de intersecção das duas
perpendiculares indica o ponto onde se
encontra o extremo do vector médio do
QRS.
• O ângulo que o vector médio do QRS faz
com a derivação I é o ângulo do vector
médio do QRS (ou do eixo eléctrico médio
do QRS).
O potencial médio gerado pelos ventrículos durante a despolarização é
representado pelo comprimento do vector médio do QRS.
Embora o termo eixo eléctrico médio possa ser usada para qualquer dos
componentes do ECG (onda P, complexo QRS e onda T) é geralmente aplicado
apenas ao complexo QRS.
111
Desvios ao eixo eléctrico médio do coração
O eixo eléctrico médio têm um ângulo típico de 59°, mas mesmo no coração normal
podem encontrar-se ângulos entre os 20° e os 100°.
Variações do ângulo do eixo eléctrico médio reflectem variações anatómicas na
distribuição da rede de Purkinje ou na musculatura do miocárdio. Existem várias
condições que provocam alterações no eixo cardíaco:
• Alterações na posição do coração no tórax.
O eixo eléctrico médio do coração desvia-se para a esquerda quando ápice
do coração se desvia para a esquerda. Existem várias situações que podem
provocar esta mudança de posição: (1) no fim duma expiração profunda; (2)
quando a pessoa está deitada, porque o conteúdo abdominal empurra o
diafragma para cima e (3) frequentemente em pessoas obesas, cujos
diafragmas pressionam o coração constantemente.
O eixo eléctrico médio do coração desvia-se para a direita quando o ápice do
coração se desvia para a direita. Situações que provocam esta situação: (1) no
fim duma inspiração profunda; (2) quando a pessoa está em pé e (3)
normalmente em pessoas altas e magras.
112
Desvios ao eixo eléctrico médio do coração
• Hipertrofia ventricular
A hipertrofia ventricular provoca o desvio do
eixo eléctrico na direcção do ventrículo
hipertrofiado. Isto acontece porque existe mais
massa muscular no ventrículo atrofiado, e
portanto mais carga eléctrica nessa zona do
coração. Por outro lado, a onda de
despolarização demora mais tempo a
despolarizar o ventrículo hipertrofiado. Como
consequência ele permanece em repouso mais
tempo do que o restante coração (lembrar que o
vector cardíaco aponta das zonas negativas, já
despolarizadas, para as zonas positivas, em
repouso).
No caso clínico da figura, a hipertrofia do ventrículo
esquerdo foi provocada por hipertensão (desvio de –15o).
Outras causas possíveis são estenose da válvula aórtica,
regurgitação da válvula aórtica e várias patologias cardíacas
congénitas.
113
Desvios ao eixo eléctrico médio do coração
• Bloqueio do ramo de condução direito ou
esquerdo do Feixe de His
O bloqueio do ramo de condução direito ou
esquerdo do Feixe de His atrasa a
despolarização do ventrículo que deveria
ser activado pelo ramo bloqueado.
Na figura encontra-se representado um caso
clínico em que ocorreu bloqueio do ramo de
condução esquerdo (desvio de –50° do eixo
eléctrico). Quando o ramo de condução
esquerdo se encontra bloqueado a
despolarização espalha-se mais rapidamente
para o ventrículo direito do que para o
ventrículo esquerdo (2 a 3 × mais rápido). Consequentemente, grande parte do
ventrículo esquerdo permanece em repouso (polarizado) enquanto que o ventrículo
direito já se encontra despolarizado (até 100 ms). O ventrículo direito fica carregado
negativamente enquanto que o ventrículo esquerdo permanece carregado
positivamente, e o vector cardíaco resultante projecta do ventrículo direito para o
114
ventrículo esquerdo.
Desvios ao eixo eléctrico médio do coração
Para além do desvio do eixo, o bloqueio do ramo de condução esquerdo, aumenta a
duração do complexo QRS devido à lenta despolarização. Isso pode notar-se nas
derivações I, II e III no aumento da largura (temporal) dos complexos QRS. Este
aumento da largura do complexo QRS permite distinguir esta condição da
hipertrofia ventricular esquerda.
115
Arritmias
Um dos tipos mais perturbadores de mau funcionamento cardíaco é a existência
de um ritmo anormal de batimento cardíaco. Existem várias causas possíveis:
• Ritmo anormal do marca passo cardíaco (pacemaker): o nó sinusal.
• Deslocação do marca passo do nó sinusal para outro lugar do coração.
• Bloqueio, em diferentes pontos, da condução do impulso através do coração.
• Utilização de vias anormais para condução do impulso no coração.
• Geração espontânea de impulsos anormais em quase qualquer parte do coração.
116
Ritmos anormais do nó sinusal
A taquicardia é caracterizada por um rápido batimento cardíaco, tipicamente superior
às 100 batidas por minuto.
No ECG o paciente está
com um ritmo cardíaco
de 150 batimentos por
minuto.
60/0.4=150
As causas típicas da taquicardia são
aumento da temperatura corporal,
estimulação do coração pelos nervos
simpáticos e várias condições tóxicas.
A velocidade do batimento cardíaco aumenta cerca de 18 batimentos cardíacos por
minuto por cada aumento de 1 grau célsio, até aos cerca de 40.5° C. Acima disto, o
batimento cardíaco começa a diminuir devido ao progressivo enfraquecimento do
miocárdio. A febre provoca taquicardia porque o aumento da temperatura aumenta o
117
metabolismo no nó sinusal, aumentando a sua excitabilidade.
Ritmos anormais do nó sinusal
A bradicardia é caracterizada por uma diminuição do ritmo cardíaco, tipicamente
inferior às 60 batidas por minuto.
No ECG o paciente está
com um ritmo cardíaco
de 43 batimentos por
minuto.
60/1.4=43
É característica de atletas em repouso.
O seu coração é capaz de bombear
uma maior quantidade de sangue em
cada sístole.
A estimulação parassimpática através do nervo vago conduz a uma diminuição do
ritmo cardíaco. Pacientes com o síndrome do seio carotídeo apresentam bradicardia
devido a excessiva estimulação parassimpática. Esta doença é caracterizada por uma
sensibilidade excessiva dos baroreceptores localizados na parede arterial.
118
Ritmos anormais do nó sinusal
A arritmia sinusal é caracterizada pela variação do ritmo sinusal. Como
consequência, a frequência cardíaca não é constante.
Existem dois tipos de
arritmias sinusal: respiratória
e não respiratória.
Na arritmia sinusal
respiratória a frequência
cardíaca acelera na
inspiração e desacelera na
expiração. É maior se a
pessoa está a inspirar
profundamente (taxa de aumento até 30%), do que se está a inspirar normalmente, em repouso (taxa de aumento
até 5%). É mediada pela modulação do actividade simpática e parassimpática. O ciclo
respiratório induz flutuações na pressão sanguínea. Na inspiração diminui a pressão
sanguínea ao nível dos baroreceptores arteriais (arco da aorta e seio carotídeo) o que
estimula o aumento do batimento cardíaco. Na expiração aumenta a pressão sanguínea
ao nível dos baroreceptores arteriais o que estimula a diminuição do batimento
cardíaco.
119
Bloqueio dos sinais cardíacos nas vias de condução intracardíacas
O bloqueio sinoauricular deve-se a um bloqueio na saída do impulso do nó sinusal.
Consequentemente, o miocárdio auricular nunca chega a despolarizar.
A onda P desaparece. Na figura mostra-se uma situação em que a onda P
desaparece após os primeiros dois batimentos (derivação III). Como se pode ver ao
fim de algum tempo o batimento retoma, agora controlado pelo nó aurículoventricular. O complexo QRS-T aparece menos frequentemente, mas não se altera.
120
Bloqueio dos sinais cardíacos nas vias de condução intracardíacas
O bloqueio aurículo-ventricular deve-se a um bloqueio total ou simplesmente
diminuição na condução do impulso cardíaco das aurículas para os ventrículos. Pode
ser provocado por:
• Isquemia do nó AV ou do feixe de His, devido a insuficiência coronária.
• Compressão do feixe de His por tecido cicatrizado ou por porções calcificadas do
coração.
• Inflamação do nó AV ou do feixe de His,
resultante de uma miocardite (inflamação do
miocárdio devido a infecção viral ou bacteriana):
provocada por doenças como a rubéola e a
difteria.
• Estimulação extrema do nervo vago.
Observada em pacientes com o síndrome
do seio carotídeo.
121
Bloqueio dos sinais cardíacos nas vias de condução intracardíacas
Num bloqueio AV de primeiro grau o intervalo PR é superior a 200 ms, mas o
coração encontra-se a bater a um ritmo normal e o impulso cardíaco continua a ser
controlado pelo nó SA. Diz-se que há um prolongamento do intervalo PR.
No coração saudável
em repouso o tempo
médio entre o começo
da onda P e o começo
do complexo QRS é de
160 ms. À medida que o
coração bate mais
depressa este intervalo
tende a diminuir (e o
inverso também é
verdade).
Na figura encontra-se um ECG em que o intervalo PR é de cerca de 300 ms (derivação
II). O intervalo PR nunca se estende mais do que 350 a 450 ms.
122
Bloqueio dos sinais cardíacos nas vias de condução intracardíacas
Num bloqueio AV de segundo grau o intervalo PR está entre os 250 e os 450 ms, de
tal maneira que nem todos os impulsos produzidos pelo nó SA chegam aos
ventrículos. Dá-se a perda de batimentos cardíacos. A aurícula bate duas ou mais
vezes (duas ou mais ondas P) para um único batimento dos ventrículos.
Derivação V3
123
Bloqueio dos sinais cardíacos nas vias de condução intracardíacas
Num bloqueio AV de terceiro grau ou bloqueio AV completo não passa qualquer
impulso das aurículas para os ventrículos. Nesta situação as ondas P ficam
dissociadas do complexo QRS.
Como se pode observar
na figura (derivação II)
a frequência de
batimento das aurículas
é de cerca de 100
batimentos por minuto
(60/0.6),
enquanto que a frequência de
batimento dos ventrículos é de
cerca de 40 batimentos por
minuto (60/1.6). Nestas
condições, o ritmo de
batimento dos ventrículos é
frequentemente controlado por sinais gerados no nó AV ou no feixe de His. Não
existe qualquer relação entre a onda P e o complexo QRS porque os ventrículos não
estão sob controlo das aurículas.
124
Contracções prematuras
Uma contracção prematura do coração é uma contracção que ocorre antes do
tempo que uma contracção normal era esperada. Esta condição é também conhecida
por extrasístole e batimento ectópico.
Muitas dos batimentos prematuros derivam da existência de focos ectópicos no
coração, que emitem impulsos anormais e dessincronizados do ritmo cardíaco.
Entre as possíveis causas de focos ectópicos temos:
• lesões isquémicas locais;
• pequenas placas calcificadas em diferentes pontos do coração, que pressionam o
músculo irritando as fibras;
• irritação tóxica do nó AV, do sistema de Purkinje, ou do miocárdio, por drogas
como a nicotina e a cafeína.
125
Contracções auriculares prematuras
A figura (derivação I) mostra
uma contracção auricular
prematura¸ com a onda P a
ocorrer demasiado cedo, e com
diminuição do intervalo PR.
Como se pode ver ela está mais
próximo do complexo QRS do
que as outras ondas P. Isto indica que o focos ectópico do impulso está próximo do nó
AV (porque demora pouco tempo a lá chegar).
O intervalo entre a contracção prematura e a próxima contracção é ligeiramente maior
(pausa compensatória):
• Quando o foco ectópico dispara, origina uma onda despolarizante que se propaga a
todo o miocárdio auricular. Esta chega ao nó AV e por vezes ao nó SA.
• O batimento cardíaco seguinte é tipicamente atrasado porque se o nó SA disparar
simultaneamente ou ligeiramente depois do foco ectópico (ou mesmo devido à onda
despolarizante gerada pelo foco ectópico), a onda de despolarização gerada pelo nó
SA não se propaga até ao nó AV, porque a totalidade ou parte do miocárdio auricular
já se encontra despolarizado. Consequentemente, o coração terá de esperar até ao
126
próximo disparo do nó SA para voltar a bater.
Contracções prematuras do nó AV ou do feixe AV
Neste tipo de contracções não se observa a onda P no registo ECG da contracção
prematura.
A onda P ficou sobreposta ao complexo QRS porque o impulso gerado no nó AV ou
feixe AV viaja em ambas as direcções, despolarizando o miocárdio ventricular e o
miocárdio auricular.
A onda P que é gerada pela despolarização do miocárdio auricular distorce o complexo
QRS mas não é observada.
Derivação III
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