filosofia no ensino médio noturno

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FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO NOTURNO: UMA
REALIDADE A SER VALORIZADA
Daniel Silveira1
Resumo:
Este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de descrevermos as experiências vivenciadas
durante o estágio supervisionado na Escola de Ensino Médio Cilon Rosa. As aulas foram
ministradas no 2º ano do Ensino Médio noturno. A intenção é apresentarmos algumas
dificuldades e também alguns aspectos positivos observados na disciplina de filosofia e na
instituição. Relataremos como foram desenvolvidas algumas atividades de ensinoaprendizagem e como se deu a relação com a professora da disciplina de filosofia e com os
alunos da turma na qual realizou-se o estágio de regência. Por fim, apresentaremos algumas
atividades que foram desenvolvidas nos semestres anteriores na escola e na disciplina de
filosofia.
Palavras-chave: Experiências de estágio. Filosofia. Ensino Médio.
Introdução
O presente trabalho foi elaborado a partir de minha inserção no contexto da Escola
de Ensino Médio Cilon Rosa como exigência das atividades das disciplinas de Prática de
Ensino, desde o primeiro semestre de 2005, dando ênfase principalmente ao período
correspondente à regência.
As experiências vivenciadas referem-se ao contexto escolar, às condições do ensino,
da aprendizagem, da avaliação, ou seja, a proposta de currículo adotada pela instituição e de
que modo tais questões determinam a disciplina de filosofia.
Nesse sentido pretende-se relatar os aspectos relacionados à realidade escolar e às
demandas para que o ensino da filosofia tenha êxito, para que de algum modo o mesmo faça
parte não apenas do currículo, mas também possa contribuir para a formação dos jovens.
Reflexões sobre as experiências obtidas durante a regência
1
Licenciado em Filosofia pela FAPAS.
2
Esse trabalho foi desenvolvido a partir das experiências vivenciadas no estágio
supervisionado, realizado no 2º. Ano do Ensino Médio Noturno na Escola Cilon Rosa.
A partir das observações em sala de aula pode-se perceber que aos poucos a filosofia
está conquistando seu espaço na escola em meio às demais disciplinas. A filosofia se
apresenta com o objetivo de:
contribuir para a formação de homens dignos, livres, sábios, diferentes
e iguais, capazes até de se adaptar, de recusar o mundo tal como está
proposto nos termos atuais e engajar-se ativamente na transformação,
com vistas a uma convivência justa e fraterna, garantido o espaço e os
encaminhamentos necessários para desenvolver nos alunos as
competências próprias da filosofia (PCNs, p.124).
A filosofia ocupa um espaço importante na atividade de esclarecer conceitos
fundamentais na vida humana e serve de instrumento de orientação para a resolução de
problemas colocando o aluno como agente ativo na busca do conhecimento, enfatizando os
aspectos do "aprender a aprender" e "aprender fazendo", bem como fornecendo componentes
importantes para formação e transformação da sociedade.
Durante todo o período de inserção na escola um dos aspectos percebidos e que se
pode destacar como sendo um dos problemas do ensino noturno é a freqüência dos alunos nas
aulas. Dos vinte e sete alunos matriculados há uma infreqüência constante correspondente a
45% nas aulas de filosofia e dos 55% que se fizeram presentes indicamos que 75% eram
moças e apenas 25% rapazes. Uma das hipóteses que apontamos é de que a disciplina era
ofertada às sextas-feiras, o que de algum modo, favorecia esse índice de baixa freqüência nas
aulas, pois alguns tinham como prática apenas comparecer para realizar a prova ou os
trabalhos. Como o 2º ano só tinha um período de aula de filosofia por semana e este era
justamente na sexta-feira, esses alunos raramente assistiram as aulas.
Geralmente os alunos do ensino noturno trabalham durante o dia e essa realidade
muitas vezes serve de argumento para a falta de interesse pelo estudo, para não fazerem
trabalhos em casa e também para justificar as faltas. No entanto, na turma em que estagiei
eram poucos os que trabalhavam durante o dia, mesmo assim, percebeu-se que a falta de
entusiasmo pelo ensino refere-se a uma grande maioria, com exceção de alunas que, mesmo
trabalhando, demonstravam entusiasmo com as questões abordadas pela disciplina de
filosofia.
É preciso estar-se ciente das características do ensino noturno principalmente o
aspecto relacionado à jornada dupla de trabalho tanto por parte dos professores e de alguns
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alunos, entre outros aspectos que interferem de forma contundente. Essa situação torna o
ensino de filosofia mais difícil, pois além de termos que lidar com os preconceitos que
existem com relação à disciplina, fortalecendo a idéia de que se a filosofia não é algo “útil
para a vida”, então é desnecessária. Havia uma demonstração muitas vezes explicita de um
sentimento por parte de alguns alunos de total indiferença em ter ou não filosofia. A partir
dessa constatação questiona-se: o desinteresse pelas atividades de ensino-aprendizagem é algo
específico da disciplina de filosofia ou pode ser observada essa mesma situação nas demais
disciplinas?
Acreditamos que seria de suma importância se incorporássemos como exigência nas
práticas de ensino algumas vivências, observações de algumas aulas de outras disciplinas, por
exemplo, matemática, português, física, pois assim conseguiríamos constatar onde se encontra
a raiz do problema, se isso procede somente nas aulas de filosofia. Deste modo tais
observações nas demais áreas de conhecimento poderiam possibilitar identificar as
dificuldades e os possíveis equívocos que estão acontecendo no processo de ensino da
filosofia no ensino médio. Mas, se pudéssemos constatar que estas situações que encontramos
no contexto do ensino de filosofia também se dão em outras disciplinas será necessário então,
a busca por soluções e exigirá um empenho por parte de todas as áreas da educação formal.
Foi muito importante saber previamente das condições do trabalho docente no ensino
noturno, pois de algum modo orientei a proposta de trabalho a partir das características da
turma. Ao perceber que os alunos possuíam dificuldades no campo de leitura, da escrita e para
desenvolver trabalhos a partir de textos, procurei realizar atividades que favorecessem o
desenvolvimento de tais aspectos, os quais acredito serem fundamentais para a aprendizagem
em filosofia.
Para evidenciar a realidade e a experiência que vivenciei na escola pretendo relatar
algumas situações que acredito serem significativas. Antes de iniciar a regência, a primeira
aula foi de observação. No final dessa em uma conversa com uma aluna perguntei se eles
gostavam de fazer trabalhos, a resposta foi imediata e objetiva: “Não, não gostamos de
trabalhos para pesquisar em casa, porque trabalhamos o dia todo e não temos tempo para
isso”. A partir disso decidi não aplicar trabalhos para serem feitos em casa, entretanto utilizei
o método da leitura em sala de aula trazendo textos para serem estudados pela turma. As
primeiras vezes foi difícil fazer com que todos participassem das discussões e das leituras dos
textos, mas no decorrer das aulas seguintes, aos poucos foi havendo mais envolvimento nas
discussões.
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A leitura da bibliografia e o trabalho com as guias de estudo supõem
um aluno que realize uma série de atividades intelectuais variadas e
de distinta complexidade, que lhe permitam compreender criticamente
um texto (compreensão do vocabulário, localização do contexto de
sua redação, idéias principais ali sustentadas, argumentos em favor
delas, pressupostos dos quais se parte, ambigüidades, questões vagas
etc.), comparar um texto com outro (coincidências, diferenças,
pressupostos e argumentos de um e de outro etc.), emitir um juízo
pessoal e fundamentado etc (Obiols, 2002, p.129).
Durante essa aula de observação também me deparei com situações que prejudicam
o andamento das aulas. Primeiro a professora precisou chamar a atenção de um aluno que
estava a mais de 15 minutos falando e brincando com o celular. Depois, enquanto era feita a
explicação do conteúdo, uma aluna ouvia música tranqüilamente, até que houve uma
intervenção mais rigorosa da professora.
Um dos temas trabalhado na disciplina foi “Política e Poder”. Para a melhor
compreensão do assunto, distribuí para os alunos um texto explicativo, o qual foi lido em voz
alta por alguns alunos. A partir dessa leitura percebi as dificuldades deles para ler. Houve
erros gravíssimos, como pronúncia de palavras que não tinham no texto, não se observa a
pontuação das frases e têm dificuldade em localizar as idéias principais do texto. Identificados
esses problemas procurei utilizar mais vezes o método da leitura em sala de aula, visando
assim, que os alunos pudessem trabalhar com esses problemas que para eles às vezes passa
despercebido.
Percebo que há no ensino médio atual uma carência na parte de incentivo a leitura e
a realização de trabalhos que venham a exigir mais dos alunos e isso faz com que eles se
acomodem, esperando que o conhecimento chegue até eles pronto. Por isso, muitas das
disciplinas não passam de uma simples transmissão de conteúdos programáticos, se
abandonou a parte humana que visa formar um cidadão consciente da realidade em que vive.
“A educação terá papel determinante na criação da sensibilidade social necessária para
reorientar a humanidade” (Assmann, 2004, p.26), ou seja, “a educação se confronta com essa
apaixonante tarefa: formar seres humanos para os quais a criatividade e a ternura sejam
necessidades vivenciais e elementos definidores dos sonhos de felicidade individual e social”
(Assmann, 2004, p.29).
O desenvolvimento da capacidade de criticar, a partir da leitura e interpretação de
textos, define o sentido mais próprio do pensar autônomo, isto é, um pensar capaz de, entre
outras, confrontar o dito e o não dito, igualmente presentes num texto, imaginar possibilidades
alternativas, flagrar a parcialidade e, quando for o caso, a “falsidade” implicada em uma
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determinada visão de mundo articulada no texto e, a partir disso, extrair suas implicações de
ordem cognitiva, afetiva, moral e sócio-política.
Outra deficiência é que a grande parte dos alunos não consegue argumentar para
defender suas idéias, não sabem construir uma crítica nem mesmo quando se trata de assuntos
referentes à sociedade ou da realidade em que estão inseridos. Por exemplo, ao perguntar
sobre o que eles entendem sobre política, alguns se limitaram a responder que “Está tudo uma
vergonha”. Os alunos não conseguem desenvolver as idéias ou um texto, muitos não vão além
daquilo que foi passado no quadro, têm dificuldade para fazer associações de idéias.
A partir dessas constatações, a dúvida que surge é se realmente os professores estão
desempenhando seu papel como educadores ou simplesmente estão preocupados em conseguir
passa os conteúdos sem se preocupar se está havendo aprendizagem. Tardif apresenta o
professor ideal como “alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa,
além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia de
desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos” (Tardif,
2002, p.39). Penso que se não houver empenho de ambas as partes, tanto dos professores
como dos alunos, não se desenvolve esse processo de aprendizagem e os alunos se tornam em
meros repetidores de idéias, ou seja, o professor passa os conteúdos e eles “despejam de volta”
na hora da prova.
Outro método que utilizei para estimular a participação e empenho dos alunos foi
trabalho em grupo, esse valendo também como avaliação. A turma foi dividida em dois
grupos onde cada um estudou textos diferentes sobre os temas que haviam sido expostos nas
aulas anteriores, propriamente sobre política e poder. Após a leitura dos textos, cada grupo
criou questões sobre o assunto e responderam. Essa atividade fez com que todos se
envolvessem de uma forma ou de outra e assim puderam ter contato com textos de vários
autores sobre aquilo que eles tinham visto fala e acompanhado durante as aulas.
Esse método de trabalho visou despertar neles o prazer pela leitura mostrando-lhes
que o conhecimento não se limita ao que é passado pelo professor em sala de aula, mas que o
empenho individual também é um dos aspectos relevantes no desenvolvimento do processo de
aprendizagem. Meu objetivo foi fazer com que os alunos percebessem que a busca pelo
conhecimento também deve partir deles e que o professor está ali para auxiliá-los nesse
processo em que o empenho e o interesse pessoal são indispensáveis.
Acredito ter mantido uma boa relação com a professora2. Comecei meu estágio
supervisionado no início deste ano com certo receio. Entretanto, com o decorrer do trimestre,
2
Optei em não indicar o nome da professora, pois não a consultei a este respeito.
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conforme fui conhecendo a turma e conversando com a professora, pude me sentir mais a
vontade e elaborar as aulas buscando atender as expectativas dos alunos.
A questão da interdisciplinaridade é um aspecto que devemos salientar como sendo
importante e positivo na escola, a qual é uma das poucas na cidade de Santa Maria que
valoriza trabalhos desse tipo. As professoras de filosofia, sempre que houve a possibilidade de
fazer parte desses projetos, ou de propor projetos interdisciplinares, elas se mostraram
interessadas e dedicadas para a realização dos mesmos, pois é uma forma de abordar temas
que são aplicados em outras disciplinas de um modo filosófico.
A mediação do professor nesses projetos é no sentido de possibilitar ao aluno
ampliar seu campo de compreensão, de apreender a realidade, não como um amontoado
caótico de coisas independentes e que apenas se sucedem desordenadamente, mas sim, como
um conjunto de relações entre todos os seus elementos, como uma trama que supõe a costura e
o entrelaçamento dos fios. Assim, a filosofia promove a formação de cidadãos dotados de uma
visão de conjunto que lhes permite, de um lado, integrar os elementos da cultura, apropriados
como fragmentos desconexos, numa identidade autônoma e, de outro lado, agir
responsavelmente tanto em relação à natureza quanto em relação à sociedade.
Um trabalho que acredito ter sido fundamental para a aproximação entre professor e
aluno e para que conseguisse envolver a turma com os temas propostos foi a utilização de
exemplos da realidade individual e social deles. Isto é, busquei explicar e aplicar os assuntos,
os conceitos tratados em aula com exemplos percebidos na sociedade, na vida, e no trabalho
dos alunos.
Considerações finais
Durante as aulas das disciplinas de Prática de Ensino (I, II, III e IV) e de Didática
Geral, quando se discutia sobre currículo, processo de ensino-aprendizagem e formação
docente, freqüentemente surgiam questões e também dúvidas de como seria entrar numa sala
de aula, não como aluno, mas como professor, como seria assumir a identidade de professor,
ou seja, um professor que saiba o conteúdo, que consiga encontrar a melhor maneira de
ensinar, mas, além disso, saiba também como é o funcionamento das organizações escolares,
qual a realidade que essas escolas estão inseridas, enfim alguém que conheça todo o currículo
da instituição.
A partir daí acredito que as observações feitas nos semestres anteriores foram de
suma importância para que criássemos expectativas para o semestre de estágio e também para
termos um conhecimento prévio da realidade da instituição, de como ela funciona, qual é o
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perfil dos alunos que lá estudam, entre outros aspectos que foram relevantes para a realização
de um estágio.
A filosofia é mais do que uma simples disciplina, ela possui um objetivo maior que a
simples transmissão de conceitos ou de se situar na história. A filosofia no ensino médio,
segundo Favaretto, visa desenvolver nos alunos um pensamento crítico vinculando problemas
vivenciais e problemas filosóficos, proporcionando ao aluno um encontro com o
desconhecido, satisfazendo seu desejo de conhecer.
Entretanto, percebemos que se faz necessário no ensino médio, principalmente no
noturno, um trabalho que vá de encontro às necessidades dos alunos e que consiga atender
seus interesses. Deve haver uma integração entre os conteúdos e a realidade dos indivíduos,
pois percebo que os alunos sentem necessidade de situar aquilo que estão aprendendo com a
vida deles. O professor deve atingir os objetivos e interesses dos alunos mantendo o que havia
programado e mantendo a mesma profundidade e abrangência dos temas, no entanto, ele
precisa conseguir articular os assuntos propostos para a aula com as questões da experiência
individual, social e cultural de cada aluno.
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