universidade estadual de goiás unidade universitária de

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS
UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE JUSSARA
LICENCIATURA EM LETRAS PORTUGUÊS/INGLÊS E RESPECTIVAS
LITERATURAS
MARIA ÂNGELA LEANDRO DE JESUS
HISTÓRIA DA GRAMÁTICA NORMATIVA DA LÍNGUA PORTUGUESA NO
BRASIL E A NGB (1959 – 2012)
JUSSARA-GO
2012
2
Maria Ângela Leandro de Jesus
HISTÓRIA DA GRAMÁTICA NORMATIVA DA LÍNGUA PORTUGUESA NO
BRASIL E A NGB (1959 – 2012)
Monografia apresentada ao Departamento de Letras da Universidade
Estadual de Goiás – UEG, Unidade Universitária de Jussara – GO,
em cumprimento à exigência para a obtenção do titulo de Graduada
em Letras Português/Inglês e suas respectivas literaturas, sob a
orientação da professora Ma Helda Núbia Rosa.
JUSSARA-GO
2012
3
4
Dedico este trabalho a meu pai, Senhor Sebastião e as minhas irmãs Cida, Fátima,
Tereza Cristina, Ana Lucia, Rosangela, e Luciana as minhas amigas ao meu esposo Bruno
Felipe.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus que me deu força para chegar até aqui a minha família, meu
pai e minhas irmãs que tanto me apoiaram ao longo destes quatro anos. Agradeço também aos meus
professores, que com seu trabalho contribuíram muito para minha formação, principalmente a
professora Ma. Helda Núbia Rosa que me orientou e me direcionou um caminho para a finalização
desse trabalho e as minhas amigas de curso pelo companheirismo ao longo destes anos e o meu mais
profundo agradecimento ao meu esposo Bruno Felipe que sempre me apoiou e me deu forças para
prosseguir com meu trabalho.
6
“Precisamos ser poliglotas em nossa própria
língua” (Evanildo Bechara)
7
RESUMO
Nesta monografia pretende-se construir uma história da gramática normativa da língua
portuguesa no século XX. Para tanto, inicia-se pelo próprio conceito de gramática que nos
remete aos gregos e romanos na antiguidade e que chega ao século XX como sendo um
conjunto de regras que orientam a boa maneira de falar e de escrever. Ao longo do século XX,
diante dos estudos feitos por diversos linguistas, surgiram além da gramática normativa
inúmeros outros tipos de gramáticas, como a interna, externa, transferencial, histórica, e
outras. Cada tipo de gramática, e a abordagem que elas dão a língua serão abordados de
maneira sintética ao longo do texto. No Brasil, na década de 1950 tornou-se necessário a
formulação de uma nomenclatura gramatical para resolver o problema da diversidade de
terminologias existentes na língua portuguesa. Esta nomenclatura foi formulada entre 1957 e
1958, e desde então tem influenciado os estudos sobre a gramática no Brasil. Para evidenciar
as diferenças encontradas entre o período pré e pós NGB, compara-se aqui duas gramáticas.
Uma desenvolvida por Eduardo Carlos Pereira e outra de Evanildo Bechara.
PALAVRAS-CHAVE: Gramática, História, Língua Portuguesa e NGB.
.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
10
CAPÍTULO 1 HISTÓRIA DA GRAMÁTICA
12
1.1 O que é Gramática?
12
1.2 Tipos de Gramática.
17
CAPÍTULO 2 A GRAMÁTICA NORMATIVA ANTES E PÓS
21
NGB.
2.1 NGB criação e motivos.
21
2.2 Carlos Eduardo Pereira e Evanildo Bechara: 25
contexto histórico
2.3 A divisão da gramática normativa
28
2.3.1 Fonética
28
2.3.2 Morfologia
31
2.3.3 Sintaxe
33
2.4 Eduardo Carlos Pereira e Evanildo Bechara: 35
uma comparação.
CONCLUSÃO
41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
43
9
LISTA DE ILUSTRAÇÃO
Figura 2.1 Escala vocálica
35
Figura 2.2 Escala vocálica
35
10
INTRODUÇÃO
Por meio desta pesquisa pretende-se produzir uma história da gramática normativa da
língua portuguesa no século XX, e tomando a NGB1 como marco, para promover uma
comparação entre a Gramática Expositiva desenvolvida por Eduardo Carlos Pereira,
produzida antes da NGB, e a Moderna Gramática Portuguesa de Evanildo Bechara nos anos
que se seguiram à formulação da nomenclatura.
Para tanto, o primeiro capítulo apresentará o conceito, o surgimento na Grécia antiga e
os tipos de gramática existentes. No primeiro tópico abordar-se o conceito de gramática e a
forma como alguns teóricos o define. Para fundamentar estas discussões utilizare-se autores
como Irandé Antunes, Carlos Frenchi e Maria Helena Neves. Estes teóricos definem que a
gramática normativa não é a única existente. Que existem diversos tipos de gramática
diferenciados e que nem todos prezam pelo bom uso da língua segundo aquilo que os
escritores consagrados e a norma culta definiram.
Os tipos de gramática será o assunto do segundo tópico, nele se discutirá cada tipo de
gramática, bem como os procedimentos de cada uma. Fala-se neste tópico da Gramática
Normativa, Interna, descritiva, Externa, Transferencial, Histórica e outras. Para se
fundamentar as discussões apresentadas neste tópico utiliza-se da diferenciação entre os tipos
de gramática feita por Luiz Carlos Traváglia em seu livro Gramática e interação: uma
proposta para o ensino de gramática.
O segundo capítulo terá um enfoque nas partes da gramática e na comparação entre a
obra de Evanildo Bechara e Eduardo Carlos Pereira. Neste capítulo se apresentara uma
discussão sobre cada uma das partes da gramática, seu objeto e suas metodologias. Apresentase também uma diferenciação entre as gramáticas anteriores a criação da NGB e as gramáticas
posteriores a esta. Como representantes destas diferentes épocas se apresentará Eduardo
Carlos Pereira e Evanildo Bechara que desenvolveram suas gramáticas em períodos
diferentes.
Para tanto, primeiramente constrói-se um entendimento do contexto histórico do
surgimento da NGB, e quais foram os motivos inspiraram sua formulação. Em seguida
apresenta-se uma síntese da biografia e do contexto no qual estavam inseridos os gramáticos
Carlos Eduardo Pereira e Evanildo Bechara, que são gramáticos representantes de épocas
diferenciadas.
1
Nomenclatura Gramatical Brasileira.
11
O terceiro tópico traz uma analise das partes da gramática, apresentando cada uma
delas, bem como listando a ocupação de cada uma. São partes da gramática a Fonologia, a
Morfologia e a Sintaxe, sendo que a Fonologia se interessa pelos sons da fala, a Morfologia,
pela forma e a Sintaxe pelas construções maiores, como a frase.
Por último promove-se uma comparação entre as gramáticas desenvolvidas por Carlos
Eduardo Pereira com o nome de Gramática Expositiva: curso superior (1957) e a gramática
de Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa (1983). Listando as características
divergentes entre as duas quanto a divisão das partes da gramática, e outros temas. A partir da
comparação entre Pereira e Bechara, faz-se uma posterior analise de qual gramático se
aproxima mais das características preconizadas na NGB.
CAPÍTULO 1 HISTÓRIA DA GRAMÁTICA
12
A gramática surgiu na Grécia antiga. Como afirma Neves (2002) os gregos tiveram
sua própria acepção de gramática, segundo a qual ela se dividiria em três aspectos: as partes
do discurso, os elementos e as categorias gramaticais. Platão e Aristóteles em seus estudos
abrangem análises gramaticais. Sendo que a partir de Aristóteles, e da conquista macedônica
da Grécia, a cultura helênica é difundida. Dionísio, o Trácio, deu uma definição da natureza
da disciplina gramatical “ela é prática, não-especulativa. Não é uma disciplina filosófica
porque nasce exatamente como consequência da fixação de domínios autônomos do domínio
linguístico, fora do âmbito filosófico” (NEVES, 2002, p. 50). Assim, a gramática desde seus
primórdios já se diferenciava das reflexões de cunho filosófico por sua praticidade.
1.1 O que é Gramática?
O entendimento é a definição do conceito de gramática e o ponto de partida para a
investigação, a qual pretende estabelecer uma análise dela antes e depois da Nomenclatura
Gramatical Brasileira2. Segundo Franch (2006), a gramática é um conjunto de normas, às
quais proporcionam os parâmetros para o bem falar e para o bem escrever.
O texto de Franchi (2006), se propõe também, por outro lado, a discutir e refletir sobre
a gramática e sobre o ensino de gramática. Neste sentido interroga-se sobre a necessidade de
se pensar e discutir a gramática no ensino frente ao fato de que os professores estão confusos
a respeito deste tema. Muito da confusão existente no âmbito do ensino se dava pelo fato de
que os professores faziam uma diferenciação entre a língua culta, bela e bem falada, daquela
falada pelo povo (coloquial, feia e vulgar). Tal diferenciação existe a partir de uma
comparação entre ambas. Diante disto o autor propõe outra definição para o que se entende
por gramática, agora definindo também aquilo que se entende por bem falar e escrever.
Gramática é o conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever,
estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrado
pelos bons escritores. Dizer que alguém “sabe gramática” significa dizer que
esse alguém “conhece essas normas e as domina tanto nocionalmente quanto
operacionalmente” (FRANCHI, 2006, p. 16).
O uso da língua consagrado pelos bons escritores define e completa o sentido
explicativo da expressão bem falar e escrever. Em suma, gramática seria um conjunto de
2
Doravante NGB.
13
normas que regulamentam o uso da fala e da escrita, sendo que o uso da língua pelos bons
escritores define o parâmetro. A língua culta é assim “tomada como parâmetro de adequação”
(FRANCHI, 2006, p. 16) No uso da linguagem, portanto, pode-se distinguir diferenças nos
usos e maneiras de instrumentalizá-la.
Não há dúvida de que os gramáticos normativos partem de um fato da
linguagem que todos estão dispostos a reconhecer: o fato de que no uso da
linguagem, existem diferentes modalidades e dialetos, dependendo de
condições regionais, de idade e sexo e, principalmente, de condições sociais
(econômicas e políticas) (FRANCHI, 2006, p. 17).
Diante desse panorama, pode-se relacionar gramática com elite, classe ou ainda com
academia. Ao menos, tal evidência deixa notar a existência de distintos usos da linguagem em
círculos diferenciados. E assim, a gramática usual para situações de linguagem em círculos
familiares, não é a mesma utilizada pelos universitários em seus artigos acadêmicos. Isto
ocorre por que aqui se trata da gramática vista como norma.
Gramática é um sistema de noções mediante as quais se descrevem os fatos
de uma língua, permitindo associar a cada expressão dessa língua uma
descrição estrutural e estabelecer suas regras de uso a separar o que é
gramatical do que não é gramatical. “Saber gramática” significa, no caso, ser
capaz de distinguir, nas expressões de uma língua, as categorias, as funções e
as relações que entram em sua construção, descrevendo com elas sua
estrutura interna e avaliando sua gramaticidade (Idem, Ibidem, p. 22).
Convencionou assim, chamar o primeiro tipo de gramática normativa, sendo que a
segunda definição dada na citação acima seria a gramática descritiva. A gramática descritiva
é mais neutra que a gramática normativa, isso se da, uma vez que a gramática descritiva
considera distinções nas expressões de uma língua, bem como suas funções e suas relações
que influem diretamente em sua construção. No entanto, a gramática descritiva, ao considerar
tais fenômenos de linguagem “se transforma em um instrumento para as prescrições da
gramática normativa” (idem, Ibidem, p. 23). Existe ainda outra concepção de gramática a se
considerar que se trata da gramática internalizada. Saber gramática não depende do fato de
que a pessoa foi ou não à escola, isso tem a ver com o próprio amadurecimento da pessoa.
Gramática corresponde ao saber linguístico que o falante de uma língua
desenvolve dentro de certos limites impostos sua própria dotação genética
humana, em condições apropriadas de natureza social e antropológica.
“saber gramática” não depende, pois em princípio, da escolarização, ou de
quaisquer processos de aprendizado sistemático, mas da ativação e
amadurecimento progressivo (ou da construção progressiva), na própria
atividade linguística, de hipóteses sobre o que seja a linguagem e de seus
princípios e regras (FRANCHI, 2006, p. 25).
Temos ai uma concepção de gramática essencialmente ligada a uma noção de
linguagem há muito debatida por diversos teóricos. Esta concepção de gramática é chamada
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de gramática internalizada, e para compreender seu propósito cabe dar uma definição do que
se entende por linguagem. A linguagem pertence a toda a humanidade e não depende de
fatores sociais ou mesmo de raça e cultura. Qualquer um, em qualquer lugar do planeta tem
acesso à linguagem e é ela que autoriza a aquisição de uma gramática específica para o uso de
sua língua.
A linguagem, seja pela convergência de fatores de natureza antropológica,
seja por força de uma dotação genética específica, é um patrimônio de
característico de toda a humanidade. Uma propriedade do homem
independente de fatores sociais, de raça, de cultura, de situação econômica,
de circunstâncias de nascimento ou de diferentes modos de inserção em sua
comunidade. Qualquer criança, tendo acesso à linguagem, domina
rapidamente, logo nos primeiros anos de sua vida, todo um sistema de
princípios e regras que lhe permitem ativar ou construir inteiramente a
gramática de sua língua (FRANCHI, 2006, p. 24).
Sendo este princípio que precede a gramática, destaca-se que a linguagem não é algo
que como a gramática, se aprende. Ela amadurece a partir da socialização da pessoa com as
manifestações linguísticas da nação a qual esta pessoa pertence. Desde que a criança tenha as
condições necessárias ela amadurece a medida que vai crescendo e se desenvolvendo. Com
este amadurecimento ela aprende com seus pais as manifestações linguísticas que as pessoas
de sua comunidade utilizam.
Diante de todo o exposto acima é que se entendem as palavras expostas por Antunes
(2007) no tocante ao fato de que não há uma gramática, mas sim, gramáticas. Uma vez que
quando se fala de gramática não se está a falar de uma coisa só, mas sim de várias coisas
diferentes. Ao dar definição a esta noção de que gramática é algo de uma amplitude maior do
que o termo sugere.
Gramática abarca todas as regras de uso de uma língua. Envolve, portanto,
desde os padrões de formação das sílabas, passando por aqueles outros de
formação de palavras e de suas flexões até aqueles níveis mais complexos de
distribuição e arranjo das unidades para a constituição das frases e dos
períodos (ANTUNES, 2007, p. 26).
A gramática, assim, transpassaria todos os níveis de uma situação de comunicação em
uso da língua. Este autor, concomitante ao que já expôs Franchi (2006) também considera a
relação entre linguagem e gramática ao demonstrar como nenhuma língua existe sem
gramática, não existindo gramática sem uma língua.
Nada na língua, em nenhuma língua escapa a essa gramática. Isso é por que
se diz que não existe língua sem gramática, Nem existe gramática fora da
língua. Ou, ninguém aprende uma língua para depois aprender a sua
gramática. Qualquer pessoa que fala uma língua fala essa língua porque sabe
a sua gramática mesmo que não tenha consciência disso (ANTUNES, 2007,
p. 26).
15
Há domínio da gramática da língua mesmo que o falante não seja escolarizado. Este
tipo de gramática, como já foi dito anteriormente, é chamada de gramática internalizada ou
universal. Considerando o fato de que nenhum falante da língua construa frases agramaticais,
comprova-se que esta gramática é adquirida usualmente por meio do contato do indivíduo
com o meio. Fato este que está de acordo com o exposto por Franchi (2006) no que diz
respeito ao fato de que logo nos primeiros anos de vida a criança já disporia da linguagem e
da gramática no uso da língua de modo a desenvolvê-los a partir do seu próprio
amadurecimento no grupo social a que ele pertence.
Antunes (2007) lembra que não é só a norma culta que deve ser entendida como
gramática, pois isso seria uma ideia ingênua e simplista. Isso, via de regra, viria da concepção
de que apenas o uso consagrado pelos bons escritores é que se poderia chamar de
gramaticalmente correto.
Neste sentido, a gramática é particularizada, ou seja, não abarca toda a
realidade da língua, pois contempla apenas aqueles usos considerados
aceitáveis na ótica da língua prestigiada socialmente. Enquadra-se, portanto
no domínio do normativo, no qual define o certo, o como deve ser da língua
e, por ocasião, aponta o errado, o como não deve ser dito (ANTUNES, 2007,
p 30).
Transparece novamente aqui, o uso da gramática para diagnosticar situações de mau
uso da língua, e prescrição de situações mais apropriadas para determinada situação. Cabe
notar, a fim de que não haja preconceitos de origem linguística, que segundo a autora não
existe um uso linguisticamente correto. Existem sim alguns usos que ganharam a aceitação e o
prestígio num determinado grupo social.
A concepção de que língua e gramática são uma coisa só deriva do fato de,
ingenuamente, se acreditar que a língua é construída de um único
componente: a gramática. Por essa ótica, saber uma língua equivale a saber
sua gramática; ou por outro lado, saber a gramática de uma língua equivale a
dominar totalmente essa língua. É o que se revela, por exemplo, na fala das
pessoas quando dizem que “alguém não sabe falar”. Na verdade, essas
pessoas estão querendo dizer que esse alguém “não sabe falar de acordo com
a gramática da suposta norma culta”. Para essas pessoas, língua e gramática
se equivalem. Uma esgota totalmente a outra. Uma preenche inteiramente a
outra. Nenhuma é mais do que a outra (ANTUNES, 2007, p 39).
É um erro, portanto, firmar tal posição, já que a gramática não é o único componente
da língua, uma não pode se reduzir a outra da forma como transparece na citação acima.
Segundo Antunes (2007), a língua, uma vez que é uma atividade interativa, cuja finalidade é a
comunicação entre as pessoas na sociedade, supõe a existência de outros componentes
16
relevantes além da gramática. Ela é composta de gramática, mas não é só isto, pois também o
campo semântico, fonético e lexical deve ser levado em conta.
Por fim, pode ser acrescentado que quando se fala de gramática deve-se cuidar da
definição do que será tratado. Neves (2004) dá o testemunho deste cuidado frente ao fato de
que o termo gramática gera ainda outro conflito de sentido. Assim, quando se fala de
gramática é necessário especificar do que se fala, diferenciando gramática enquanto
mecanismo organizador da língua de gramática enquanto disciplina.
Toda vez que se fala em gramática é necessário especificar-se muito
claramente de que é que se esta falando, exatamente. É possível ir desde a
ideia de gramática como “mecanismo geral que organiza as línguas” até a
ideia de gramática como “disciplina”, e, neste último caso não se pode ficar
num conceito unívoco, sendo necessária uma incursão por múltiplas noções,
já que são múltiplos os tipos de “lições” que uma gramática da língua pode
fornecer (NEVES, 2004, p. 29).
Trata-se, como se comprova nas palavras de Neves (2004), da distinção entre
gramática enquanto conjunto de normas e gramática enquanto disciplina, discussão que
precisa ser aprofundada, e requer maior cuidado e minúcia. Quando se fala, portanto de uma
gramática como disciplina deve ser desfeito o mal entendido de que gramática deve ser
entendida exatamente como gramática normativa. Ela de fato não o é. E afirma-se isso diante
dos resultados obtidos pelos estudos empreendidos pela linguística desde o começo do século
XX. Ela se estruturou como ciência da linguagem que englobou como objeto de estudo a
língua e a linguagem.
Hoje os manuais de gramática se organizam num contexto absolutamente
diferente. Desde o começo do século, instituídas as ciências em todos os
ramos, foi se formando a ciência da linguagem, que colocou a língua e a
linguagem como objeto de estudo, e, a partir ensinou a ver a natureza da
linguagem isolada de qualquer vinculação valorativa com poder político,
importância social, ou mesmo, beleza estética (NEVES, 2004, p. 35).
Foi diante das discussões empreendidas pela linguística que a disciplina gramatical,
agora organiza os manuais de forma totalmente diferente, considerando todo um padrão de
comunicação onde não se preza somente pela norma culta em situação de comunicação.
Assim é que a disciplina gramatical não pode ser confundida com gramática normativa, pois
ambas conservam suas diferenças.
Os verdadeiros gramáticos [...] pautam suas lições pelo que sabem.
Entretanto, se há uma área do conhecimento em que as descobertas da
Linguística tem caído no vazio é a área da disciplina gramatical, seja a
considerada pela escola, seja a considerada pelo usuário da língua. Estamos
longe de ver o cidadão comum e o professor reconhecendo que a criação
linguística é nada mais que a manifestação evidente da essência e da
natureza da linguagem, reconhecendo que há um padrão valorizado, sim,
17
mas que o uso do padrão prestigiado não constitui, em si, e intrinsecamente,
um uso de boa linguagem, e que essa avaliação só ocorre pelo viés
sociocultural, condicionado pelo viés socioeconômico (NEVES, 2004, p.
35).
Apesar de que a importante contribuição da linguística vem de encontro à confusão
existente entre disciplina gramatical e gramática normativa, muito do que pressupõe essas
discussões ainda não é aceito inclusive entre professores, que propagam uma visão anterior ao
processo de formação da linguística, em que as elites letradas que ditavam e impunham a
norma a respeito da gramática.
Sendo assim, a gramática, enquanto conjunto de normas se apresenta ainda em
diferenciadas concepções (normativa, descritiva e estruturalista), ressalta-se, portanto, o
argumento de que a norma do bem falar usualmente tem como referência aquilo que os altos
círculos e escritores de elite tomam por padrão. Esta norma padrão estabelecida pelos grandes
escritores, no entanto, não é a única forma de gramática, que deve estar atento às diversas
situações de uso no meio social.
1.2 Tipos de gramática
Os tipos de gramática são o tema deste segundo tópico. Aqui procura-se estabelecer e
discutir de maneira mais sistematizada e aprofundada a gramática, dividindo-a em tipos tais
como a gramática normativa, a gramática descritiva, a gramática internalizada, a gramática
implícita, a gramática explicita, e a gramática contrastiva ou transferencial, gramática geral,
gramática universal, gramática histórica e, por último, a gramática comparada.
A principiar pela gramática normativa, Travaglia (2009) enfatiza que a gramática
normativa se interessa apenas pela língua padrão, e pelo uso culto da língua. Assim sendo, a
gramática normativa se interessa mais pela forma escrita de uma língua pois, a partir desta é
mais fácil observar o uso padrão da língua, ou em outras palavras, a forma culta da língua.
Desta forma, a gramática que estuda a língua que se tornou padrão e que foi instituída
pelos usos nos círculos cultos e pelos grandes e renomados escritores é conhecida como
gramática normativa. Este tipo de estudo dá pouca importância ao fato de que existe certa
variedade oral nas situações de comunicação cotidianas, e institui que a norma culta para o
exercício da fala é idêntica à norma culta para a escrita.
Ao lado da descrição da norma ou variedade culta da língua (análise de
estruturas, uma classificação de formas morfológicas e léxicas), a gramática
normativa apresenta e dita normas de bem falar e escrever, normas para a
correta utilização e escrita do idioma, prescreve o que não se deve usar na
18
língua. Essa gramática considera apenas uma variedade da língua como
válida, como sendo a língua verdadeira (Idem, Ibidem, p 31).
Sobrepujando, a variedade linguística, a gramática normativa apresenta apenas uma
variedade como sendo a verdadeira língua. Ela também apresenta um caráter de prescrição,
em que situações de mau uso podem ser corrigidas segundo as normas por ela instituídas
como sendo pertencentes ao modo de falar corretamente. Segundo Travaglia (2009), a
gramática normativa seria uma lei que regulamenta o modo de uso da língua na sociedade. A
gramática normativa é também aquela de que mais se fala na escola uma vez que os
professores quase sempre quando os professores falam de gramática, estão se referindo apenas
a este conjunto de leis que regulam o uso da língua.
A gramática descritiva, como faz transparecer o próprio nome, descreve um
determinado uso ou variedade da língua, num momento de seu desenvolvimento. O modo de
produção da língua e suas variedades regionais ou coloquiais e não somente a norma culta.
A gramática descritiva é a que descreve e registra para uma determinada
variedade da língua um dado momento de sua existência (portanto uma
abordagem sincrônica) as unidades e categorias linguísticas existentes, os
tipos de construção possíveis e a função desses elementos, o modo e as
condições de uso dos mesmos. Portanto a gramática descritiva trabalha com
qualquer variedade da língua e não apenas com a variedade culta e dá
preferência para a forma oral desta variedade (TRAVAGLIA, 2009, p. 32).
Essa abordagem prima não por ditar a norma do uso da língua, mas sim por descrever
um uso em um determinado momento de sua evolução, observando os modos e as condições
inerentes a este determinado uso em evidência. Neste sentido, a gramática descritiva não se
interessa somente pelo uso correto, mas também pela variedade existente, inclusive nas
formas orais. Assim sendo, segundo Travaglia (2009) qualquer que seja a variedade da língua
pode-se afirmar que é possível fazer dela uma descrição, e a descrição da língua é um
exercício da gramática descritiva.
De acordo com o mesmo autor, a gramática internalizada, por sua vez, tida como o
conjunto de regras que os falantes dominam é o que lhes permitem usar normalmente a
língua. Essa modalidade é exatamente o objeto de estudo das outras duas gramáticas
(normativa e descritiva), uma vez que se trata do mecanismo de regras dominada pelos
falantes, independente se o falante se restringe ao uso de uma norma culta ou não.
É a competência linguística internalizada do falante (incluindo elementos –
unidades, regras e princípios – morfológico, sintático, semântico, pragmático
e textual – discursivo) e que seria implícita porque o falante não tem
consciência dela, apesar de ela estar em sua “mente” e permitir que ele
utilize a língua automaticamente, quando dela necessita para qualquer fim,
19
em situações especificas de interação comunicativa (TRAVAGLIA, 2009, p.
33).
Assim sendo, a gramática implícita traz este nome devido ao fato de que dominando o
mecanismo que permite a situação de fala, o falante em inúmeras vezes pode não ter
consciência deles, ainda que ele o instrumentalize. Em contrapartida a isso, podem-se incluir
os estudos na área de gramática que por conservarem profunda consciência dos mecanismos
implícitos para o falante recebem o nome de gramática explícita ou teórica. Esta “é
representada por todos os estudos linguísticos que buscam por meio de uma atividade
metalinguística sobre a língua, explicitar sua estrutura constituição e funcionamento” (Idem,
Ibidem, p 33). Quando, portanto, temos um processo de reflexão sobre a gramática na
tentativa de explicitá-la, chamada de gramática reflexiva que é a gramática em explicitação.
A gramática contrastiva ou transferencial descreve duas línguas ao mesmo tempo,
comparando seus padrões e notando semelhanças entre eles. Segundo Travaglia (2009) este
tipo de gramática é muito útil quando se pretende ensinar a língua materna, pois ela ajuda a
demonstrar as semelhanças que existem entre as variações de uma mesma língua.
Além destas, existe também a gramática geral que procura abranger em totalidade os
padrões de fala e escrita em comunicação linguística. Ela considera o maior número de
línguas possível “com o fim de reconhecer todos os fatos linguísticos realizáveis e as
condições em que se realizarão” (BORBA Apud TRAVAGLIA, 2009, p. 35). A gramática
universal observa fenômenos que são comuns a todas as línguas do mundo, como por
exemplo, a ocorrência de vogais em todas elas.
A gramática histórica estuda a sequência temporal das fases evolutivas pelas quais
passou um determinado idioma. Concentra-se, portanto, na origem e evolução de uma língua.
Na escola a gramática histórica tem grande importância, pois possibilita dar aos alunos noções
de como o português evoluiu ao longo do tempo, desde sua origem no Latim vulgar até suas
formas modernas.
Noções básicas de gramática histórica tem feito parte dos programas de
ensino de língua portuguesa no ensino médio, informando aos alunos sobre a
origem do português no Latim vulgar, suas fases (medieval, clássica,
moderna); sobre elementos de sua evolução fonológica (metaplasmos),
morfológica e sintática e sobre a formação de seu vocabulário
(TRAVAGLIA, 2009, p. 36).
Todos os pontos inerentes a uma análise voltada para a evolução da língua pertencem
a uma área específica que se conveniou chamar de gramática histórica. Esta explica, dentre
outras coisas, a origem de um determinado idioma, listando inclusive as fases de sua evolução
através do tempo.
20
Por fim, a gramática comparada, ao contrário da histórica que se fixa na evolução de
um idioma ou língua específica, considera a sequência das fases evolutivas de muitas línguas
“normalmente buscando encontrar pontos comuns. Os estudos comparativistas tiveram seu
auge no final do século XIX e início do século XX e foram responsáveis pelo estabelecimento
das famílias de línguas, descobrindo parentescos entre línguas” (TRAVAGLIA, 2009, p. 37).
Foi a partir dos estudos comparativistas que se estabeleceu o parentesco entre línguas
consideradas muito distantes, a exemplo do Latim e do Sânscrito.
CAPÍTULO 2 AS PARTES DA GRAMÁTICA E AS DIFERENCIAÇÕES ANTES E
PÓS NGB
Este capítulo busca mostrar o que foi a Nomenclatura Gramatical Brasileira, como se
deu sua criação e quais foram as suas motivações. É a este fim que se destina o primeiro
tópico. Discutem-se também as partes da gramática, Fonologia, Morfologia e Sintaxe, sendo
21
que cada uma compõe o objeto de análise de um tópico específico. Os gramáticos que
nortearão essa pesquisa, Eduardo Carlos Pereira e Evanildo Bechara, serão expostos de forma
a perceber-se em que período histórico e social que ambos estão inseridos e de que modo o
sujeito empírico se mostra em cada uma das gramáticas produzidas por eles, a Gramática
Expositiva e A Moderna Gramática da Língua Portuguesa. E por fim, se propõe a comparar
as duas gramáticas evidenciando as diferenças propostas pela Nomenclatura Gramatical
Brasileira.
2.1 Criação da NGB
O texto da NGB completou 53 anos de sua elaboração. Porém, ainda hoje esse texto é
relevante, e é citado pelos estudos de gramática. A NGB foi implantada em 1959 e, o que
havia antes de sua implantação era uma multiplicidade de terminologias gramaticais, que
dificultavam o ensino da Língua Portuguesa no Brasil.
Antunes (2007, p. 77) salienta que a “nomenclatura supõe a existência de nomes.”
Cada área do saber tem seus próprios termos e nomes de que utilizam para nomear as coisas.
As nomenclaturas gramaticais, especificamente, dizem respeito aos nomes que denominam as
unidades da gramática e sua principal função seria permitir que “as funções da língua sejam
designadas pelos seus nomes correspondentes, ampliando-se assim a possibilidade de uma
comunicação ajustada às suas condições de produção” (ANTUNES, 2007, p. 79). Deste
modo, a nomenclatura pode contribuir para desfazer mal entendidos advindos de uma
multiplicidade de terminologias dentro de um mesmo idioma, num determinado país.
Segundo Elia & Elia (1962), a NGB simplifica e unifica as terminologias existentes na
gramática da seguinte forma: a Gramática dividi-se em Fonética, Morfologia e Sintaxe. A
fonética compõe-se dos estudos dos sons e na nomenclatura divide também a fonética em
descritiva, história e sintática. A morfologia estuda a forma, a palavra. A sintaxe, por sua vez,
se interessa pela organização das palavras em frases.
Fonética, Morfologia e Sintaxe, segundo abordam Elia & Elia (1962), “são diferentes
problemas e análises dentro da gramática”. Assim, a fonética aborda as pequenas unidades de
som, vogais e sílabas. Enquanto a Morfologia agrupa as palavras em substantivos, verbos,
adjetivos entre outros. E a sintaxe, por sua vez, identifica tipos de frases diferentes,
dependendo da forma como as palavras são organizadas para formá-las. Existem orações
22
absolutas, principais, coordenadas, que podem ser assindética ou sindética. Ou frases
subordinadas, que podem ser substantivas, adjetivas, adverbiais.
Estas modificações foram implantadas a partir da NGB (1959), porém, sua elaboração
é anterior a este ano. Segundo Henriques (2009), a comissão que foi formada para discutir e
formular o anteprojeto de unificação da Nomenclatura Gramatical Brasileira entregou pronto
o documento desta ao Ministro da Educação e Cultura em 1958. A apresentação deste
anteprojeto tinha por objetivo simplificar e unificar a gramática no Brasil, evitando assim as
polêmicas e discussões em torno da grande quantidade de terminologias.
Em 1958, quando os ilustres membros da comissão passaram as mãos do
Ministro de Estado da Educação e Cultura, Clóvis Salgado, o Anteprojeto de
simplificação e unificação da Nomenclatura Gramatical Brasileira, o que
havia no ensino da língua portuguesa no Brasil era um total conflito no
emprego de termos. Tal situação só gerava polêmicas e discussões,
prejudicando única e exclusivamente o estudante do curso médio, diversas
vezes enredado por não saber decifrar a variedade de códigos terminológicos
que lhe eram impostos e cobrados em provas e concursos (HENRIQUES,
2009, p. 16).
Diante da diversidade terminológica empregada, os alunos do ensino médio ficavam
prejudicados ao fazer suas provas, ou concursos, uma vez que a terminologia exigida nas
provas e concursos poderia não ser a mesma estudada por ele na escola.
Para discutir e formular o texto da NGB foi necessário a formação de uma comissão
designada exclusivamente para esta tarefa. Isso se deu por meio de uma portaria ministerial
em 1957. Segundo Henriques (2009), foi designado para participar desta comissão um grupo
de pessoas que se dividiam entre a função de presidente, secretário, assessores e outros
membros. Dentre os nomes que compuseram esta comissão podemos citar Antenor Nascentes,
Henrique da Rocha Lima, Clóvis do Rego Monteiro, Cândido Jucá, Celso Ferreira da Cunha,
Antônio José Chediak, Serafim da Silva Neto e Silvio Edmundo Elia.
O principal desafio desta comissão era formular um texto que não se mostrasse
conservador, ou retrógrado. O texto final foi entregue pela comissão as mãos do Ministro e
tinha sofrido algumas modificações em relação ao texto formulado na comissão. Ele tinha
apenas 19 páginas e era mais sucinto que o texto apresentado pela comissão anteriormente
que continha ao todo 39 páginas.
Em 1959 uma portaria recomendou a “adoção da Nomenclatura Gramatical Brasileira
e aconselhava sua entrada em vigor naquele ano letivo” (HENRIQUES, 2009, p. 29). Como
pode-se ver na citação acima, mesmo recém formulada a NGB entra em vigor assim que foi
apresentada ao ministério.
23
Havia algumas regras específicas de funcionamento da comissão formada para compor
o texto do anteprojeto. Dentre estas, destaca-se que as deliberações seriam decididas pelo voto
da maioria. Os trabalhos se dariam de forma que ao decidir por um nome ou termo,
primeiramente se consultaria as obras escritas por renomados autores nacionais. A seleção de
um termo se daria de acordo com sua exatidão científica, vulgarização internacional, e
tradição nas escolas brasileiras. Todas as denominações múltiplas seriam eliminadas,
optando-se por aquela que se mostrasse mais simples e que fosse de uso geral.
As deliberações no interior da comissão, no entanto, não se deram de forma que não
houvesse discordâncias entre os membros dela componentes. Foram muitos os debates
acalorados. Um depoimento de Antônio José Chediak colhido em 13 de abril de 1999 e
transcrito por Henriques em sua obra Nomenclatura Gramatical Brasileira: 50 anos depois,
faz alusão às discordâncias entre os membros da comissão no decorrer da composição do
anteprojeto.
As naturais divergências de opinião decorrentes de hábitos há muito
cultivados por cada qual dos membros da comissão foram admiravelmente
separadas pelo desejo real, que a todos animou de ver chegada a termo a
altíssima tarefa que lhes houve por bem confiar o Ministério da Educação e
Cultura (HENRIQUES, 2009, p. 32).
Foram seis meses de debates, para que se formulasse o texto do anteprojeto
apresentado ao ministro. Ao fim dos trabalhos, antes do texto do anteprojeto ser entregue,
Cândido Jucá Filho publicou um livro intitulado 132 Restrições ao anteprojeto de
simplificação e unificação da Nomenclatura Gramatical Brasileira. Segundo Henriques
(2009), tal obra repercutiu na mídia brasileira causando mal estar entre os membros da
comissão. Por fim, o ministro teve que designar um dos assessores, Antônio José Chediak,
para que ele apresentasse o anteprojeto “magro, seco, sem comentários” (HENRIQUES, 2009,
p. 33).
A comissão não acolheu o anteprojeto na forma em que ele foi apresentado por
Chediak. Segundo Henriques (2009), houve duas modificações: a primeira substituiu “adjunto
adjetivo” por “adjunto adnominal”, e a segunda manteve apenas duas estruturas do período
composto, das quatro apresentadas anteriormente.
O Ministro, sem mais demora, aprovou o texto e convocaram os secretários de todos
os estados, territórios e mais o Distrito Federal para um congresso no Rio de Janeiro, onde em
reunião todos tomaram conhecimento dos fatos e foram convocados a contribuir para a
implantação do projeto aprovado pelo ministro. No dia 28 de janeiro do ano de 1958, o
Ministro baixou a portaria nº 36 recomendando a adoção das medidas previstas no texto por
24
ele aprovado. Foi então publicada, através da CADES – Campanha de Aperfeiçoamento e
Difusão do Ensino Secundário e da Gráfica Olímpica Editora, um texto com o nome de
Nomenclatura Gramatical Brasileira.
Exemplares deste livro foram enviados a diversas autoridades e estudiosos, uma vez
que estes poderiam opinar a respeito das modificações que ali foram colocadas. Isso fazia
parte do plano de divulgação da NGB, recém-criada.
Antes de pô-lo em circulação, a CADES resolveu submetê-lo a apreciação
de quantos pudessem opinar. Em 10 de Fevereiro de 1958, o ministro Clóvis
Salgado enviou, por oficio, um exemplar a cada governador, a cada reitor, ao
presidente da Academia Brasileira de Letras, ao presidente da Academia
Brasileira de Filologia, ao diretor geral do Colégio Pedro II, ao presidente da
Câmara do Distrito Federal. E o diretor do Departamento de Ensino
Secundário, Gildásio Amado, a todas as faculdades de filosofia – seção de
letras neolatinas (HENRIQUES, 2009, p. 33).
Diante deste amplo e elaborado plano de divulgação da NGB, logo surgiram
comentários a respeito dela. Até mesmo os livros didáticos passaram a adotar as prerrogativas
da NGB, no entanto, não sem criticar alguns pontos nela contidos.
Somente pelo parecer nº 768 datado de 1969 foi que a portaria de 24 de abril de 1957
foi aprovada. Assim ficaram estabelecidas as normas gramaticais discutidas pelo Ministro
Clóvis Salgado e pela comissão por ele designada para esta tarefa em especial. A NGB
aprovada no Brasil inspirou outros países de Língua Portuguesa a formularem projetos
semelhantes. Em 1968, Portugal fez editar em Coimbra um anteprojeto de unificação para o
simplificar sua Nomenclatura Gramatical.
No Brasil, no entanto, a NGB permaneceu, após os anos 1960, esquecida. Somente em
1983 foi editado um artigo que tinha por título Nomenclatura Gramatical Brasileira, 25 anos
depois escrito por Claudio Cezar Henriques. Em 2009, no aniversário de 50 anos da NGB, os
debates acerca de sua atualidade, e defasagem foram retomados. Vive-se na atualidade uma
segunda confusão terminológica, pois a maioria dos nossos estudantes não tem acesso a um
ensino de qualidade, o que acaba criando um segundo absurdo semelhante ao que ocorria nos
anos anteriores a formulação da NGB. Por isso, os principais debates na atualidade giram em
torno de como se poderia reformar e atualizar a nomenclatura.
2.2 Carlos Eduardo Pereira e Evanildo Bechara: contexto histórico.
25
Em 1907, Eduardo Carlos Pereira publica a Gramática Expositiva. Aquela era uma
época em que as primeiras gramáticas surgiam no Brasil. Até então, os brasileiros estudavam
em gramáticas importadas de Portugal e, que por consequência, vinham carregadas de
intenções subliminares que subjugava o Brasil cada vez mais ao status de colônia. Como esse
era o início da República no país, o referido autor, teve grande importância ao descrever a
língua portuguesa sob o olhar das necessidades brasileiras.
Por isso Pereira permaneceu sendo uma referência para os estudos na área de
gramática por um longo período que atravessou os anos da Primeira República até Era Vargas
chegando a meados do século XX.
Apenas nos anos de 1950 é que a Gramática Expositiva foi substituída por outras
gramáticas. Isso aconteceu em virtude das reformas ortográficas ligadas à NGB, que ao longo
dos anos posteriores a 1958, promoveram grandes mudanças na Língua Portuguesa no Brasil.
Segundo Pereira (1957) sua gramática tinha como objetivo suscitar nas pessoas mais
jovens o interesse pelo nosso idioma, o qual o autor considerava muito belo. Este interesse
poderia revelar os recursos que se abrem ao jovem a partir do estudo da língua portuguesa. A
obra também serviria como apoio à prática do magistério, uma vez que, a época da primeira
república se confundiu com o período que no Brasil, várias mudanças ocorreram no âmbito
educacional com o objetivo de trazer os jovens para a escola, dando a eles o direito de se
integrar aos cursos superiores então existentes para que a partir de sua formação eles
pudessem tornar-se bons cidadãos. Esta reforma ficou conhecida como Reforma Benjamin
Constant (1890).
Contudo, os objetivos das Reformas educacionais do fim do século XIX e início do
século XX não foram efetivados, pois faltava a infraestrutura necessária para democratizar a
educação brasileira e lutar contra os altos níveis de analfabetismo observados nos primeiros
anos da República Velha. Além disso, a marca da República Velha foi seu caráter elitista,
sendo que o governo não era exatamente por isso essencialmente democrático.
É neste contexto específico, onde o magistério e a educação eram temas de debates, e
a necessidade de lutar contra as altas taxas de analfabetismo eram evidentes que Eduardo
Carlos Pereira lançou sua gramática. A gramática de Pereira (1957) segue de maneira fiel o
programa de ensino das escolas de sua época, pois o autor estava atento ao fato de que o
ensino nas escolas separava o ensino histórico do ensino expositivo. Segundo o autor, a
gramática expositiva era ensinada do primeiro ao terceiro ano e, no quarto ano se
concentravam na gramática histórica.
26
O gramático definia-se como um abolicionista republicano. Tinha forte ligação com a
Igreja Presbiteriana e publicou várias obras de caráter religioso, fazendo com que sua
produção abordasse variados temas. Segundo Gouveia (2008, p. 130) Pereira ingressou na
Igreja Presbiteriana no ano de 1875, e ao completar vinte e seis anos de idade já era
consagrado pastor. Por sua ligação com o protestantismo, Pereira assumiu uma posição
anticatólica, e seu trabalho enquanto pastor, sempre foi voltado para a conversão de católicos
ao protestantismo.
A obra de Pereira ligada à religião reúne títulos como Apostolado no Brasil (1893),
dentre os títulos pode-se encontrar alguns folhetins que são visivelmente anticatólicos, como
Culto dos Santos e dos Anjos, Único Advogado dos Pecadores, Um Brado de Alarma, O Pai
Nosso nos Céus, dentre outros. Dentre as obras que lidam com estudos na área linguística
temos Questões de Philologia (1907) e Gramática Expositiva (1907).
Campos (1999) salienta que durante 37 anos de sua vida, Pereira conciliou duas
atividades: pastor e professor. Pois, ao mesmo tempo em que cuidou de suas atividades
enquanto pastor da Igreja Presbiteriana atuou como professor e gramático da língua
portuguesa, inclusive escrevendo sua gramática com o intuito de ajudar no estudo da Língua
Portuguesa.
Na obra Gramática Expositiva (1957), Pereira procurou conciliar resultados de duas
correntes de pensamento. Da corrente moderna que enfatizava o elemento histórico e a
corrente tradicional que se detinha no elemento lógico da língua. De acordo com o autor as
duas correntes contem postulados que são válidos, porém, tomar uma como exclusiva em face
da outra pode representar um erro.
Nos anos 1960, a unidade da língua portuguesa era um ideal perseguido por muitos
gramáticos. Segundo Moralis (S/ano) nesta mesma década, temos no Brasil algumas
alterações no ensino superior. A disciplina de linguística foi inserida nos currículos dos cursos
de letras. Em 1965 na USP – Universidade de São Paulo, é criado uma pós-graduação na área
de linguística. Em tais cursos, muitos estudiosos pesquisam a respeito das especificidades do
português do Brasil.
Na década de 1970, o Curso de pós-graduação em linguística foi criado na
UNICAMP. Segundo Moralis (S/ano) a criação destes cursos na área de linguística contribui
para que no Brasil haja uma ampliação das reflexões na área da linguagem, não só na
linguística, como também em outras áreas como a semântica da anunciação, sociolinguística e
linguística histórica.
27
É em meio a este contexto histórico que Evanildo Bechara (1983) publicou A Moderna
Gramática Portuguesa, com a intenção de levar de modo simples ao público do magistério
brasileiro os progressos que os estudos de gramática tiveram, tanto nacionalmente quanto no
estrangeiro. A gramática elaborada por Bechara respeitava de forma contundente os preceitos
preconizados pela NGB, uma vez que ela é posterior a essa lei.
Segundo Helena & Paes (1992) no final dos anos 1950 e início dos anos 1960 a
educação de 1º e 2º graus absorvia a maior parte da população. É justamente ao público que se
ocupa desta faixa da formação, tanto na qualidade de professores quanto alunos que se destina
o livro de Bechara (1983), que teria ao compor seu livro a intenção de dar suporte ao
professor e aos alunos que se interessassem pelos temas que envolvem a gramática da língua
portuguesa.
De acordo com Bechara (1983, p. 21), seu livro é inovador ao apresentar informações
que não poderiam ser trabalhadas de acordo com a tradição clássica3, porém não rompe de
maneira definitiva com a tradição. O autor faz questão de deixar explícito no prefácio de seu
livro, que os estudos nele contidos foram orientados pelos pressupostos da NGB. Ressalta ele,
também que os estudos tratados em seu livro incluem noções de estilística e fonética. A
estilística teria contribuído ao permitir que A Moderna Gramática Portuguesa discutida pelo
autor conseguisse ajudar o professor e o aluno numa missão especifica: “educar o sentimento
estético do aluno” (BECHARA, 1983, p. 21). Educar o sentimento estético no sentido de que
ele saiba instrumentalizar melhor a língua portuguesa, utilizando-se de todos os seus recursos,
inclusive a parte estética.
Apesar de Bechara deixar explícita sua opção por seguir aquilo que foi estipulado pela
NGB, ressalva ele, que alguns termos que por acaso estiverem contidos em seu livro, e que
não constem na NGB não significam, em si, nenhuma situação de discordância ou
desrespeito. Essas diferenças podem ser explicadas pelo fato de que a NGB não tratou de
todos os assuntos que ele abrange em sua obra.
Bechara admite que seu livro contenha influências diretas de alguns mestres, tanto
nacionais quanto de estrangeiros. No entanto, cita apenas Said Ali como sendo decisivo para a
formação linguística que possibilitou os estudos componentes da gramática desenvolvida por
ele. O prefácio da obra termina por render a Said Ali uma homenagem, tanto pela
contribuição deste para os estudos empreendidos por Bechara, quanto pelo fato de que na
3
O autor se refere a tradição clássica como sendo aquilo que era feito em matéria de gramática anteriormente aos
anos de composição de sua Moderna Gramática Portuguesa. Bechara faz um contraponto a essa tradição
clássica, dizendo que seus estudos mantêm temas como estilística e analise literária.
28
ocasião do lançamento do livro Moderna Gramática Portuguesa, se estar comemorando seu
centenário de nascimento.
Nos anos em que Evanildo Bechara lançou a 28º edição de sua obra Moderna
Gramática Portuguesa, datada de 1983, o Brasil vivia já os anos de abertura do regime militar
que se iniciou em 1964. Isso mostra que a gramática de Bechara era lida ainda no fim do
período militar que durou mais de duas décadas é marcado pelo fato de que, para manter a paz
e a honra nacionais, recorreu-se a tortura e prisão em diversos lugares do território nacional. O
último governo da ditadura militar, do General Figueiredo foi marcado por manifestações
populares e greves. Ao longo da década de 80, as manifestações populares reivindicariam o
direito de votar em presidente em eleições diretas.
2.3 A divisão da gramática normativa
A gramática se divide em três partes. A primeira parte estuda o som da fala, a
Fonologia. A segunda parte é o estudo das formas, a Morfologia. A Sintaxe é a terceira parte
que estuda as construções, as combinações de palavras na tarefa de exprimir um pensamento.
O objetivo deste tópico é dar a definição dos objetivos e metodologias de cada uma destas
partes.
2.3.1 Fonética
Os estudos dos sons e sua classificação se iniciam no século XIX, e deste então
receberam o nome de fonética. A partir de 1923, no entanto, o Círculo Linguístico de Praga,
buscou através de seus estudos rever alguns pontos que se mantinham desde o século anterior,
tendo em vista as novas teorias de Saussure4. Surge assim outra denominação, utilizada
depois para denominar uma das partes da gramática na NGB: a Fonologia.
A fonética é subdividida em quatro áreas diferentes. Segundo Cristófaro (2010), a
fonética pode se dividir entre articulatória, auditiva, acústica e instrumental. Os estudos
realizados por estas quatro áreas possibilitam que os sons que os homens utilizam para se
comunicar sejam classificados e compreendidos.
4
Ferdinand Saussure, linguista e filosofo suíço (1857 – 1913).
29
No dia a dia, para se comunicar com os outros seres humanos, o homem utiliza a fala.
Essa capacidade é uma habilidade que diferencia o ser humano de outros animais. Segundo
Callou & Leite (1993) a oralidade é muito importante para que se possa compreender a
linguagem.
A linguagem humana pode ser segmentada em unidades ou partes menores e é
possível organizar novamente estes seguimentos de maneiras diferenciadas para dar origem a
palavras com significados diferentes.
A linguagem humana se distingue dos demais sistemas simbólicos por ser
segmentável em unidades menores, unidades essas em numero finito para
cada língua e que tem a possibilidade de se recombinarem para expressar
ideias diferentes. O continuo sonoro pode, pois, ser escandido em segmentos
linearmente dispostos cuja presença ou ausência, assim como sua ordem,
tem uma função distintiva. Isto é, ocasiona mudança no significado de uma
palavra (CALLOU & LEITE, 1993, p. 13).
Estas unidades nas quais a linguagem humana pode ser segmentada são finitas, dentro
de um determinado idioma. Neste sentido é que a recombinação destas unidades ajuda a
formular novas palavras que tem significados diferentes. Oralmente, falando, pode-se no ato
da fala, separar e reorganizar os sons, e é isso contribui para que se possa dar origem a novas
palavras.
Ao falar, o homem expele o ar. Esta quantidade de ar expelido é que produz os sons
que se ouve no ato da fala. Segundo Callou & Leite (1993), apesar de que se pode criar alguns
sons a partir de correntes de ar ingressivas, não se conhece idioma em que tal habilidade seja
utilizada no ato da fala. Somente as correntes de ar egressivas são comumente utilizadas no
ato da fala. No ser humano, a anatomia biológica favorece a comunicação ao permitir a
emissão de sons, o conjunto de órgãos do corpo humano que favorece a fala é chamado de
aparelho fonador. O aparelho fonador apresenta duas cavidades, nasal e oral, que servem para
diferenciar os sons produzidos pelos fonemas. Segundo Cristófaro (2010), as correntes
ingressivas e egressivas se diferenciam pelo fato de que numa corrente de ar ingressiva o ar
vai de fora para dentro. Já no caso da corrente egressiva é o contrário, o ar vai de dentro para
fora. 5
Para a fonética o fonema é um dos conceitos de fundamental importância. O Fonema
pode ser definido como sendo uma unidade de som. O conceito de fonema só foi melhor
definido após o ano de 1930, Segundo Callou & Leite (1993, p. 35), seria ele “o elemento
5
Correntes ingressivas são aqueles nas quais o ar está adentrando na cavidade bucal na direção de nossos
pulmões. Consequentemente, egressivas são aquelas que saem do pulmão e atravessam a cavidade bucal senso
depois expelidas.
30
mínimo do sistema da língua”. A partir da definição de Fonema se torna possível diferenciar a
Fonética da Fonologia. A Fonética se interessaria pela realização da fala em sí, enquanto que
a Fonologia se interessaria pela combinação dos sons dentro de uma determinada língua já
que existem diferentes resultados diante destas combinações. Há exemplos, portanto, em que
esta diferenciação entre Fonética e Fonologia se evidencia como no exemplo dos vocábulos
sabia e sábia. Do ponto de vista gráfico, foram utilizados as mesmas vogais e consoantes. Há
também um número idêntico de sílabas. Porém a tonalidade de uma das sílabas classifica a
primeira como sendo um verbo, e a segunda um adjetivo. O aspecto fonológico aqui se
evidencia, pois é no som da fala que a diferença entre uma e outra palavra se mostra.
Sendo que o Fonema diz respeito à partícula de som expelida no ato da fala, tem-se
que as letras e as sílabas são criadas por fricções e movimentos específicos de nossos
aparelhos biológicos, sejam eles a cavidade nasal, ou a cavidade oral, faringe, laringe ou
pulmões. As vogais, por exemplo, são “sons produzidos com o estreitamento da cavidade oral
devido a aproximação do corpo da língua e do palato sem que haja fricção de ar” (CALLOU
& LEITE, 1993, p. 13). Os sons, então, tem uma relação com nosso aparelho vocal, e as
diferenças entre os sons da fala humana vem justamente das diferenças que existem entre as
diversas formas pela qual o aparelho vocal pode expelir um som. Cristófaro (2010) aponta que
o som expelido quando as cavidades supraglotais se obstruem é chamado de segmento
consonantal.
Esta relação entre o aparelho fonador e os sons da fala é abordada por Bechara (1983)
quando o autor fala da produção dos fonemas. Os fonemas, segundo ele, seriam produzidos
também a partir das correntes de ar que atravessam o aparelho fonador produzindo neste
movimento os sons que os homens utilizam para se comunicar no ato da fala. Pereira (1957)
também fala da emissão dos sons a partir de um sopro de ar que sai dos pulmões, no entanto,
o autor faz tal menção numa observação ao fim de seu texto.
A sílaba também é definida segundo o efeito produzido por alguns movimentos
específicos de nosso aparelho biológico. “A sílaba [...] corresponde a um acréscimo da
pressão do ar expelido dos pulmões pela atividade de pulsação dos músculos respiratórios que
faz com que a saída do fluxo de ar não seja contínua, mas em jatos sucessivos” (CALLOU &
LEITE, 1993, p. 29). Assim sendo, o aparelho biológico humano torna o homem capaz de
emitir os sons que ele utiliza para se comunicar. As vogais e as consoantes são agrupadas na
formação de sílabas e palavras, e às combinações entre estas podem variar de idioma para
idioma.
31
A Fonética é entendia como a parte da gramática que se encarrega dos sons e de sua
classificação, se ocupa do estudo das vogais e consoantes e sílabas, pois estas compõem as
unidades sonoras menores que formam uma palavra. Segundo Callou & Leite (1993), a
descrição fonológica da língua portuguesa se principia por classificar as consoantes.
Obedecendo a alguns critérios específicos, as consoantes podem se dividir entre oclusivas
bilaterais e fricativas labiovelares, ou labiais. Para se chegar a essas classificações pode-se
utilizar tanto de critérios fonéticos quanto fonológicos, que dizem respeito a realização do
som em si, ou a forma com que eles se combinam.
O sistema vocálico também é um assunto amplamente tratado na Fonologia. Segundo
Callou & Leite (1993, p. 76), existiria no Brasil sete fonemas vocálicos. Existem vogais
nasais, que se distinguem das vogais não nasais pelo som que emitem. Já os ditongos e
tritongos são exemplos de encontros de duas, ou três vogais e semivogais que ocorrem na
língua portuguesa. É a partir dos ditongos e tritongos que surge a classificação vocálica
assilábica.
2.3.2 Morfologia.
Os estudos na área de morfologia começaram antes do século XX, porém, segundo
Rosa (2008), os estudos da palavra também são influenciados por Saussure e o
estruturalismo6. Estes estudos enfocariam o aspecto social da língua, e condicionariam a
formação dos morfemas às condições sociais especificas de cada grupo. Muitos gramáticos
do século XX vão entender a Morfologia como sendo a gramática interna das palavras. A
partir de 1959, no entanto, a Morfologia passa a integrar a NGB como sendo a parte da
gramática que estuda a palavra.
Como vê-se anteriormente, se a fonologia se interessa pelo som, fonema, a Morfologia
é diferente por que se interessa pela forma. Entendendo-se forma como sendo algo que diz
respeito a realização formal da língua, temos que ela não se trata somente da forma escrita das
palavras, mas também dos sons delas derivados.
Segundo Rosa (2008), o sentido etimológico da palavra Morfologia nos remete a
morphê, forma e, logos, estudo. Morfologia seria um estudo acerca da palavra que tem como
6
Corrente de pensamento das Ciências Humanas de grande influencia ao longo no século XX.
32
base os elementos de sua origem. A morfologia, como Rosa (2008) a entende, se mantém
próxima da Sintaxe, pois em alguns casos ao considerar a palavra, considera também sua
relação com outras palavras em formas de organização maiores.
De forma geral, os linguistas tendem a entender a morfologia como sendo uma
gramática interna das palavras. Assim, a morfologia se diferenciaria da sintaxe, uma vez que a
segunda seria como que uma gramática externa de uma sequência de palavras. Reside aí a
diferenciação destas duas partes da gramática.
No início do século XX, algumas correntes de pensamento questionaram a noção de
palavra. Segundo Rosa (2008), esta crítica se deu em prol da ideia de morfema, que diz
respeito as estruturas menores da palavra. Diferente disso, a noção de palavra reflete o modo
pelo qual a estrutura da própria palavra se relaciona com outras palavras na construção de
uma oração. Uma vez que o início do século XX questiona a noção de palavra, ao longo deste
mesmo século a morfologia será reduzida a analise sintagmática dos vocábulos.
Cada morfema é um átomo de som e significado – isto é, um signo mínimo.
Segundo tal perspectiva, a morfologia é o estudo desses átomos (a
alomorfia) e das combinações em que podem ocorrer (a morfotática) – a
morfologia é o estudo dos morfemas e de seus arranjos. [...] São morfemas
os elementos centrais para o modelo; a palavra, do mesmo modo que o
sintagma, resulta dessas combinações (ROSA, 2008, p. 50).
Assim sendo, a morfologia seria o estudo de como os morfemas se arranjam em
combinações. A palavra seria indissociável do morfema, pois também resultaria da
combinação destes. Segundo Rosa (2008). a própria nomenclatura traz a divisão clara entre
uma morfologia baseada em lexemas ou morfologia baseada em palavras, de um lado, e do
outro a morfologia baseada em morfemas.
A NGB, segundo Elia & Elia (1962, p. 43), a morfologia estuda as palavras em seu
aspecto formal. A morfologia, no entanto, não estudaria somente a forma das palavras, mas
também sua formação. É o dever da morfologia, dizer primeiramente o que a palavra é para
então classificá-la numa categoria específica de palavras. A NGB entende a palavra no
sentido lato, como sendo qualquer tipo de vocábulo, independente do fato de ter este um
sentido ou não. E no sentido restrito, como sendo somente os vocábulos que retém uma
significação.
A análise morfológica das palavras considera algumas estruturas específicas inerentes
a estas. Estas estruturas são a raiz, o radical, o tema, a vogal temática, os afixos, a vogal e
consoante de ligação e as desinências. É segundo estas estruturas que a morfologia faz a
33
classificação das palavras entre substantivo, artigo, adjetivo, numeral, advérbio, preposição e
pronome.
Cada uma das categorias acima listadas pode variar de acordo com outras
subclassificações. O verbo, por exemplo, pode ser regular ou irregular. Os pronomes podem
variar em gênero, número ou pessoa. As preposições podem se dividir entre essenciais e
acidentais. E os substantivos podem ser próprios, comuns, concretos ou abstratos. A partir
destas classificações é que a morfologia aborda e classifica as palavras da língua portuguesa.
Pereira (1957) trabalha com estas categorizações de palavras, na parte de sua
gramática destinada aos estudos morfológicos, de maneira geral aparecem em sua obra todas
as classificações acima listadas. Bechara (1983), por sua vez, fez uma análise específica a
respeito da raiz, radical, prefixo, sufixo e vogal temática e da relação destes com a formação
dos diferentes vocábulos da língua portuguesa no capítulo de sua Moderna Gramática
Portuguesa que é destinado aos estudos morfológicos.
2.3.3 Sintaxe.
A sintaxe se definiu enquanto área de análise autônoma no decorrer do século XX.
Porém os estudos linguísticos acerca da construção de frases e orações são feitos desde a
antiguidade. Segundo Borba (1979, p. 08) Aristóteles e Platão já praticavam algumas
investigações acerca das partes da oração. Os Estoicos e posteriormente os Medievais também
mantiveram a preocupação com o estudo da gramática com enfoque na oração, inclusive
retomando os as ideias gregas como fundamentos para seus estudos.
Na Idade Média, Prisciano (gramático latino do séc. VI d. C) fez ressurgir a
gramática de Dionísio e a de Discolo, instituindo, portanto, uma ponte entre
a Antiguidade e a Idade Média. Dos seus dezoito livros, os dois últimos são
dedicados a sintaxe (BORBA, 1979, p. 09).
Os estudos na área de gramática atravessaram toda a Idade Média e chegaram até a
modernidade. A preocupação com questões envolvendo a oração e a formação das frases
continuou presente nestas investigações. No século XIX, a linguística comparada terá um
grande desenvolvimento na Alemanha, os estudos nesta área deram uma maior ênfase a
Fonética e a Morfologia, deixando a Sintaxe em segundo plano. A justificativa para isso era
que esta seria apenas o emprego das formas, e as formas eram estudadas pela Morfologia.
34
Segundo Borba (1979) somente no final do século XIX é que a sintaxe recuperaria a
importância frente a fonética e a morfologia.
Na Rússia ocorreu de forma diferente. A partir dos avanços da Ciência da Linguagem
russa, a Sintaxe foi colocada em primeiro lugar, acima dos estudos da área morfológica.
Mesmo concedendo igual importância tanto aos estudos sintáticos quanto aos estudos
morfológicos, os estudos sintáticos foram conservados em primeiro plano.
Segundo Borba (1979), a sintaxe pode se dividir em Sintaxe Psicológica, Sintaxe
Estrutural e Sintaxe Transformacional. Sendo que a Sintaxe Psicológica visa criar uma teoria
da oração que tenta entender qual é a natureza desta e qual a sua composição. A Sintaxe
Psicológica partiria do conceito de palavra, e tem grande preocupação com a ordem que estas
ocupam na oração. Para a construção de uma frase, as palavras devem ser organizadas numa
ordem específica, senão a frase não será eficaz.
A Sintaxe Estrutural se ocupa da estrutura interna da oração, para compor assim uma
descrição detalhada destas estruturas em níveis diferenciados. Deste modo, pode-se dizer que
tanto a Sintaxe Psicológica quanto a Estrutural se interessam pela frase em sua realização,
pois pretendem descrever e classificar. Por último, a Sintaxe Transformacional tem por
objetivo produzir uma teoria da linguagem que explique em sua totalidade o comportamento
linguístico de todos aqueles que falam uma mesma língua. Deste modo, a Sintaxe
Transformacional visa a partir das características gerais, construir modelos que são capazes de
gerar orações. Sobre o conceito de oração, Borba (1979, p. 47) a define como sendo a
expressão mais completa de um pensamento ou de um juízo.
A oração aparece como expressão completa de um pensamento ou de um
juízo e, pela função, se concentra em torno de um predicado (nominal ou
verbal), único responsável pela constituição da mensagem. Na maioria das
vezes, tais definições marginalizam a forma (= aspecto mórfico), mas,
mesmo assim, tem alguma coisa de positivo na media em que focalizam o
sentido também como valor gramatical da forma, e a função como relação
entre os sentidos (BORBA, 1979, p. 47).
Assim sendo, a oração é fundamental para os processos de comunicação entre as
pessoas, pois é a única responsável pela transmissão da mensagem. Uma definição semelhante
a essa, recai no problema de desvalorizar os aspectos mórficos da oração, mas é importante
por focalizar o valor do sentido da oração em relação com a forma.
Segundo Borba (1979, p. 48) toda oração apresenta sujeito e predicado, pois
representariam estes o agente e a ação que o enunciado pretende abordar. Esta noção, no
entanto, vem sendo criticada por alguns teóricos que acreditam que a pretensão de
universalidade destas categorias não é verdadeira. No mais, os componentes de uma oração
35
podem se organizar numa ordem natural de acordo com as necessidades que o pensamento
por ela expressado exige.
De acordo com Elia & Elia (1969, p. 95), a NGB entende que a Sintaxe seja o estudo
da frase, e assim sendo deve estar atenta a concordância entre as palavras componentes de
uma mesma oração, sua posição na estrutura da oração e sua relação com as outras palavras. É
neste sentido que a Sintaxe se encontra, na NGB, dividida em três, concordância, regência e
colocação.
Há ainda outra parte da gramática, a qual comumente refere-se pelo nome de
semântica. A semântica é a parte da gramática que se ocupa do estudo dos sentidos e suas
alterações ao longo do tempo. Segundo Bechara (1983, p. 340), no decorrer de sua história os
vocábulos acabam sofrendo alterações de sentido. Muitas vezes o significado originário do
vocábulo se perde em meio a estas mudanças. É diante desse fato que a semântica age,
procurando pelos sentidos etimológicos dos vocábulos.
2.4 Eduardo Carlos Pereira e Evanildo Bechara: uma comparação.
Para Pereira (1957, p. 17), a gramática é a sistematização dos fatos da linguagem, ela
pode ser gramática geral, particular, histórica ou expositiva. E por se tratar de um tipo de
estudo, cujo foco recai sobre a palavra, a gramática se divide em Lexeologia e Sintaxe.
A Lexeologia consideraria a palavra em si, de forma isolada. Esta é a principal
diferença entre a lexeologia e a Sintaxe, pois esta última considera a palavra em relação com
as outras palavras, em combinações cujo objetivo é expressar um pensamento qualquer em
uma situação de comunicação. É na Lexeologia, portanto, que se concentram os estudos da
área da fonética e da morfologia. Para Pereira (1979, p. 21), a lexeologia se interessa pela
língua em sua parte material, o som e a letra, e também em sua parte imaterial que é sua ideia
e significação.
Para Bechara (1983, p. 25), é dever da gramática estudar os fatos da língua para a
partir disso poder discernir e estabelecer como se poderia falar e escrever bem, no âmbito de
uma determinada língua. Para Bechara (1983), a gramática não só é uma ciência, como
também é uma arte, e o gramático deve não só estabelecer as regras do idioma falado por um
grupo, mas também auxiliar seus contemporâneos no aprendizado da língua.
36
Bechara não faz inicialmente a divisão de seus estudos entre Lexeologia e Sintaxe. A
Sintaxe, por sinal, compõe uma das partes da gramática ao lado da Fonologia e da
Morfologia. Para o autor, a gramática estuda os sons da fala, através da Fonética e Fonêmica;
as formas, através da morfologia; as construções, através da Sintaxe e os sentidos e suas
alterações, através da semântica.
Quanto a Fonologia especificamente, Pereira (1979) distingue no alfabeto da língua
portuguesa 23 letras. Dentre estas 23 letras temos, a, b, c, d, e, f, g, h, i, j, l, m, n, o, p, q, r, s,
t, u, v, x, z. Tem-se ainda outras 5 vogais, a, e, i, o, u. Há ainda outra três letras que segundo
Pereira (1957, p. 53) só podem ser utilizadas em casos especiais. São elas o k, o w, e o y.
Estas letras são utilizadas em abreviaturas e símbolos, e podem também ser utilizadas para
substituir outras letras.
Além disso, Pereira (1957) encontrou e isolou 17 fonemas da língua Portuguesa, sendo
12 orais e 5 nasais. A diferenciação entre as vogais orais e as vogais nasais se daria diante do
fato de que a corrente de ao sair dos pulmões pode tanto criar sons que são modificados pelas
partes moveis da boca, quanto da fossa nasal. Os sons que são modificados pela boca, são
orais, aqueles que são modificados pelas fossas nasais constituem sons nasais. Pereira (1957,
p. 24) classifica as vogais de acordo com os seus timbres. Tem-se assim a seguinte escala
vocálica:
Figura 1: Escala vocálica (PEREIRA, 1957, p.24).
A posição do triângulo formulado por Pereira (1957, p. 24), com base nos timbres das
vogais nos revela a existência de vogais abertas: á, é, ó; vogais fechadas, ê, ô; surdas ou
graves, a, e, i, o u, que ele considera sons descendentes e variantes do fonema /a/.
As vogais são definidas na gramática de Bechara (1983, p. 30), de acordo com o que
foi estipulado pela NGB. Segundo o autor, lá se encontram evidentes quatro critérios para
37
estabelecer estas distinções: a zona de articulação7; a intensidade; o timbre; o papel das
cavidades bucal e nasal. O autor toma como ponto de partida para a classificação das vogais a
posição da língua no momento em que o som é proferido. Diante disso, as vogais podem ser
classificadas em média, anteriores e posteriores.
Figura 2: Escala vocálica (BECHARA, 1983, p.33).
No quadro acima apresentado, temos que as vogais se organizam em posteriores,
anteriores e média. Pode-se notar que, a vogal a é a única tida pelo autor como média, ao
passo que as outras variam entre anteriores e posteriores. O autor destaca, que
especificamente quanto ao timbre, as vogais podem se organizar em abertas, fechadas e
reduzidas.
Bechara (1983) não traz um capítulo, ou subtítulo específico onde define as letras
componentes do alfabeto da língua portuguesa. No entanto, o autor lista as consoantes do
alfabeto ao tentar classificá-las quanto a sua zona de articulação. Dentre as consoantes e
vogais apresentadas, não se pode encontrar o y e o w. Quanto ao k, o autor o classifica como
sendo uma consoante do grupo das velares.
A morfologia, na gramática de Bechara (1983) é definida como a parte da gramática
que se ocupa do estudo da forma. Deste modo, lida-se, na morfologia com a palavra ou o
morfema. Não é possível observar uma distinção previa entre a área da morfologia que trata
da classificação das palavras, e outra que investigaria a origem e formação dos vocábulos.
Apesar de não haver esta distinção, Bechara (1983) discute a formação das palavras no âmbito
da morfologia.
Na gramática de Pereira (1957) a Morfologia é definida como sendo a parte da
gramática que se ocupa do estudo da palavra em seu elemento imaterial. De acordo com o
autor, o elemento material seria abordado pela Fonologia, e assim sendo, as investigações
morfológicas se agrupam em duas categorias: taxeonomia e etimologia. A taxeonomia dita as
7
Está relacionada com a região da boca onde as vogais são articuladas.
38
diversas classes de palavras através do estudo das propriedades destas em relação com a ideia
que elas expressam. Já a etimologia se ocupa do estudo da origem e formação dos vocábulos.
A taxeonomia, segundo Pereira (1957, p. 79) distingue oito classes gramaticais, a
saber: Substantivo, adjetivo, pronome, verbo, advérbio, preposição, conjunção e interjeição.
Dentro destas oito variações, os substantivos, adjetivos, pronomes e verbos são variáveis ou
flexíveis, enquanto que os advérbios, preposições, conjunções e interjeições são invariáveis
ou inflexivas.
Quanto à classificação das palavras no âmbito da morfologia, na Moderna Gramática
Portuguesa de Bechara (1983, p. 73 – 174), tem 10 categorias, a saber: Substantivo, adjetivo,
artigo, pronome, numeral, verbo, advérbio, preposição, conjunção, interjeição.
Como na obra de Pereira (1957) a lexeologia é colocada em oposição a sintaxe,
diferentemente da morfologia e da fonologia, esta será analisada num capítulo a parte pelo
fato de que ela não aborda a palavra mas sim construções maiores as combinações de palavras
que tem como objetivo mostrar um pensamento. A Sintaxe abordada na obra de Pereira
(1957) discute predicados, concordância os diversos tipos de proposições, como proposição
subordinada e proposição independente, dentre outros assuntos.
Em outro capítulo a parte o autor se preocupa com a relação entre sintaxe e o estilo da
escrita. Pereira então analisa os tipos de estilos poético e literária, ou ainda estilos simples,
moderado, sublime, preciso, conciso, redundante e médio. Por fim na sua analise sintática o
autor também fala de metáfora, metonímia, e sinédoque, que são figuras de linguagem com
fundamentos diferenciados.
Na obra de Bechara (1983), há uma maior preocupação teórica por parte do autor em
formular um entendimento sobre o conceito de oração, na forma como ela é compreendida ao
longo do século XX.
O autor da menos ênfase aos estilos das frases, e inclui em sua
gramática discussões acerca de orações subordinadas e orações intercaladas.
Não há na Gramática Expositiva: curso Superior (1957) de Eduardo Carlos Pereira,
uma parte da gramática especifica com o nome de semântica. No entanto, Evanildo Bechara
(1983) não segue a divisão feita por Pereira entre Fonologia, Morfologia e Sintaxe. Na sua
Moderna Gramática Portuguesa, Bechara dividiu a gramática em quatro partes incluindo
também a Semântica como sendo a parte da gramática que estuda as mudanças de sentidos
que as palavras têm ao longo do tempo. Para Pereira (1957), a própria morfologia através da
etimologia é que estudaria a formação do léxico e com isso procuraria entender a mudança
histórica de significado que os vocábulos têm ao longo do tempo.
39
A história de vida dos gramáticos influencia no seu modo de escrever sua gramática.
Eduardo Carlos Pereira foi, durante muitos anos pastor presbiteriano e em sua gramática,
quando se faz necessário apresentar exemplos o autor utiliza de frases que contenham
ensinamentos ligados à religião. Ao falar de complemento circunstancial, o autor dá o
exemplo através de uma frase contendo um ensinamento religioso: “Não façais as vossas boas
obras para serdes vistos dos homens” (PEREIRA, 1957, p. 232). Quando Bechara utiliza uma
frase como exemplo, ele seleciona frases de obras consagradas, de literatos ou romancistas
que escreveram em língua portuguesa.
A NGB, de acordo com Elia & Elia (1962), entende a gramática como sendo uma
forma de sistematizar os fatos de uma língua. Divide a gramática em três partes: Fonética,
Morfologia e Sintaxe. A divisão feita pela NGB foi organizada de forma que primeiro se
abordasse o som da fala com a fonética, em seguida a forma com a Morfologia e depois o
emprego destas em construções maiores como a frase, na sintaxe. Há um nível sempre
crescente de complexidade.
Na NGB fica clara que a disciplina linguística traz por nome fonologia e não fonética
e, no entanto, no texto da NGB optou-se por manter o nome Fonética para designar a parte da
gramática que se interessa pelo som da fala. Segundo a NGB, a fonética pode variar em
descritiva, histórica ou sintática.
A morfologia, segundo a NGB estuda a palavra, mas não em seu aspecto oral e sim
formal. Mas a morfologia não é apenas o estudo da forma das palavras, ela também se
interessa por sua formação. Por fim a Sintaxe como a define a NGB é a parte da gramática
que se encarrega do estudo da estrutura da frase, e desta forma, ela se divide em sintaxe de
concordância, de regência ou de colocação.
A Nova Nomenclatura Gramatical Brasileira: síntese gramatical (1962), escrita por
Silvio Elia e Hamilton Elia não apresenta nenhuma parte da gramática com o titulo de
semântica. A nomenclatura oficial não reconhece a semântica, a fonêmica e nem a estilística.
Deste modo, a estilística não é abordada pela NGB formulada no fim da década de 1960.
40
CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se que os estudos na área de gramática surgiram ainda na
antiguidade e evoluíram ao longo do tempo. No século XX, muitas disciplinas linguísticas
que hoje compõem as partes da gramática ganharam autonomia. A grande confusão causada
pelas variadas terminologias da gramática da língua portuguesa no Brasil, no entanto, estava
causando constrangimentos para os estudantes que necessitavam efetuar provas e concursos
em unidades federativas diferentes daquelas onde haviam estudado gramática.
A unificação das terminologias no Brasil ocorreu no fim da década de 1950, quando
uma comissão especial foi formada para formular um anteprojeto, que daria origem a NGB.
Nomenclatura se refere aos nomes, as terminologias empregadas e assim. a Gramática
desenvolvida no período pré-NGB, emprega termos diferenciados para designar e organizar as
partes da gramática. Eduardo Carlos Pereira empregava o termo fonética para designar uma
41
das partes nas quais eram divididos os estudos na área de fonologia. Prevalece neste ponto a
concordância com a NGB.
De maneira geral, a divisão efetuada por Pereira (1957) entre fonética, morfologia e
sintaxe, parece estar de acordo com os pontos preconizados pela NGB. No entanto, a forma
como o autor organiza em seu texto a exposição destas partes da gramática não é clara, pois
ele utiliza uma grande variedade de divisões e subdivisões da gramática e de suas partes.
Transparece em sua Gramática Expositiva que existe uma grande quantidade de
terminologias, e que não há uma padronização dos nomes que se utiliza comumente para
denominar as partes da gramática, seus tipos e suas subdivisões. Muitas das subdivisões
apresentadas por Pereira (1957) sequer existem na NGB como a prosódia, que segundo o
autor é uma parte da fonologia.
Evanildo Bechara, sendo representante de um período posterior a formulação da NGB,
deixa claro desde o prefácio de seu livro sua opção por seguir as orientações contidas nela. No
entanto, apesar dos nomes utilizados por Bechara se assemelharem bastante aos nomes
contidos no texto da NGB, sua divisão das partes da gramática em quatro não é preconizada
nesta. A semântica não foi aceita pela NGB, e, portanto, a Moderna Gramática Portuguesa
não segue totalmente ao texto da NGB.
Assim sendo, pode-se concluir que da comparação feita entre os dois períodos
representados pelas obras de Pereira (1957) e Bechara (1983), que a gramática desenvolvida
por Bechara, mesmo mantendo as quatro partes da gramática e apresentando noções de
estilística mantém uma maior proximidade com aquilo que consta na NGB. Transparece na
Gramática Expositiva escrita por Pereira (1957) uma distancia maior em relação aos termos
utilizados para nomear as coisas. Uma vez que a nomenclatura diz respeito ao nome que se
emprega, entende-se que na obra do autor a terminologia variada ficou evidente.
Ambos os autores não seguiram em sua totalidade os parâmetros trazidos pela NGB
listados por Elia & Elia (1962). E apesar de haver pontos semelhantes entre a gramática de
Pereira (1957) e o texto da NGB, é a gramática de Bechara (1983) que mais se aproxima desta
demonstrando uma maior organização das terminologias empregadas ao longo da obra. Como
a obra de Bechara foi reeditada em 1983, pode-se concluir que a NGB não foi esquecida
totalmente, e vem sendo utilizada e lembrada desde então nos estudos que são feitos na área
de gramática.
42
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