AvanzaOriginal Jr. e cols. Artigo Enalapril e losartan na hipertrofia ventricular esquerda Arq Bras Cardiol volume 74, (nº 2), 2000 Redução da Hipertrofia Ventricular Esquerda em Pacientes com Hipertensão Arterial com Uso de Enalapril, Losartan ou a Associação Enalapril + Losartan Antônio Carlos Avanza Jr, Lilian Mameri El Aouar, José Geraldo Mill Vitória, ES Objetivo - Comparar a reversão de hipertrofia ventricular esquerda na hipertensão arterial moderada com tratamento isolado com enalapril ou losartan ou associando-se as duas drogas em doses reduzidas. Métodos - Pacientes de ambos os sexos com hipertensão arterial moderada confirmada pela monitorização arterial da pressão arterial e com hipertrofia ventricular, demonstrada no ecocardiograma, foram divididos em três grupos: enalapril (35mg/dia; N=15), losartan (175mg/ dia; N=15); ou enalapril+losartan (15mg+100mg/dia; N=16), durante 10 meses. Resultados - Os três esquemas terapêuticos foram igualmente eficazes na redução da pressão arterial e do índice de massa do ventrículo esquerdo (g/m2): enalapril: de 141±3,9 para 123±3,6; P<0,05; losartan: de 147±3,8 para 133±2,8; P<0,05; enalapril+losartan: de 146±3,0 para 116±4,0; P<0,05. A redução do índice de massa do ventrículo esquerdo, entretanto, foi maior (P<0,01) no grupo submetido à terapia combinada (20,5±5,0%) que nos outros grupos: enalapril (12,4±3,2%) ou losartan (9,1±2,1%). Observou-se normalização do índice de massa do ventrículo esquerdo em 10 dos 16 pacientes com enalapril+losartan, em 6 dos 15 com enalapril e em 4 dos 15 com losartan. Conclusão - A associação do inibidor da enzima conversora de angiotensina com bloqueador AT1, produz efeito aditivo na redução da hipertrofia ventricular esquerda em pacientes com hipertensão arterial moderada. Este achado pode resultar de inibição mais completa do sistema renina-angiotensina cardíaco. Palavras-chave: hipertensão arterial, hipertrofia cardíaca, enzima conversora de angiotensina, losartan, sistema renina-angiotensina. Universidade Federal do Espírito Santo – Vitória. Apoio do Projeto Capes/ Nordeste e Funcitec/ES. Correspondência: José Geraldo Mill - Centro Biomédico da UFES - Av. Marechal Campos, 1468 - 29040-090 - Vitória, ES Recebido para publicação em 12/12/98 Aceito em 25/8/99 A presença de hipertrofia ventricular esquerda em portadores de hipertensão arterial é complicador comum na evolução da doença hipertensiva, representando fator de risco independente, que tende a aumentar de modo significativo a morbidade e mortalidade. O estudo de Framinghan demonstrou claramente que a hipertrofia ventricular esquerda representa o fator de risco isolado mais importante para infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca em pacientes hipertensos 1. Esta a razão pela qual a redução da hipertrofia cardíaca tem representado, cada vez mais, um dos objetivos a ser alcançado no tratamento de portadores de hipertensão arterial 2. A elevação da pós-carga constitui o fator mais diretamente envolvido no desenvolvimento da hipertrofia ventricular esquerda na hipertensão arterial. Entretanto, pouco ainda se conhece sobre os mecanismos moleculares de transdução entre o sinal mecânico (aumento de estresse de parede) e o crescimento da massa cardíaca. Vários estudos demonstram que diversos fatores, além do estresse pressórico, podem influenciar, de modo independente, o crescimento da massa cardíaca 3. Estudos experimentais e clínicos demonstram claramente a participação do sistema renina-angiotensina (SRA) no desenvolvimento da hipertrofia cardíaca em várias situações fisiopatológicas, incluindo a hipertensão arterial 3-6, tanto assim que a inibição do SRA tem-se mostrado eficaz para reduzir a massa cardíaca previamente aumentada na hipertensão arterial essencial, sobrecarga de catecolaminas e hipertireoidismo 3,6,7. A angiotensina II, estimulando os receptores AT1, representa importante fator trófico, tanto para os miócitos cardíacos como para os componentes da matriz extracelular do coração 8,9 determinando, por ambos mecanismos, o aumento da massa cardíaca. Tais efeitos tróficos da angiotensina II induzem hipertrofia cardíaca independentemente de fatores hemodinâmicos, pois a estimulação de receptores AT1 de miócitos cardíacos mantidos em cultura determina aumento significativo da síntese protéica e induz a expressão dos protooncogenes c-fos, c-junc e c-myc envolvidos no crescimento Arq Bras Cardiol, volume 74 (nº 2), 103-110, 2000 103 Avanza Jr. e cols. Enalapril e losartan na hipertrofia ventricular esquerda de miócitos e no estímulo à deposição de novos componentes da matriz extracelular cardíaca 10,11. O SRA pode ser inibido clinicamente com dois grandes grupos de drogas: os bloqueadores da enzima conversora de angiotensina e os bloqueadores de receptores da AT1, abundantes no coração. Apesar destas duas classes de drogas terem eficácia similar no tratamento da hipertensão arterial 12, os sítios de ação destas drogas são diferentes. O bloqueio da enzima conversora da angiotensina, além de reduzir a geração de angiotensina II, também deprime a inativação da bradicinina e da substância P. Alguns estudos sugerem que o aumento da vida-média da bradicinina no plasma poderia contribuir não só para o efeito hipotensor dos inibidores da enzima conversora da angiotensina, como também para o efeito anti-hipertrófico destas drogas 13,14. Paralelamente, os inibidores da enzima conversora da angiotensina determinam grande aumento da produção e liberação de renina, pela falta da retroalimentação negativa da angiotensina II no aparelho justaglomerular, determinando aumento importante dos níveis plasmáticos de angiotensina I 15. Tem-se demonstrado que mesmo doses máximas dos bloqueadores da enzima conversora da angiotensina não suprimem totalmente a geração de angiotensina II 16,17 uma vez que existem várias vias alternativas à enzima conversora da angiotensina capazes de gerar esse peptídeo a partir da angiotensina I 18. Isso poderia explicar a perda do efeito anti-hipertensivo e anti-hipertrófico dos inibidores da enzima conversora da angiotensina quando usados a longo prazo em pacientes com hipertensão arterial 17. Dessa forma, a associação de um inibidor da enzima conversora da angiotensina com um bloqueador de receptores AT1 tem sido preconizada por alguns autores com o objetivo de se obter um bloqueio mais completo do SRA, ao mesmo tempo que se conserva os possíveis efeitos benéficos determinados pelo aumento da vida média das cininas geradas localmente no coração e vasos 12,19. Tendo em vista a importância do SRA na indução da hipertrofia cardíaca, maior inibição deste sistema poderia constituir um meio mais eficiente para reverter quadros já instalados de hipertrofia cardíaca em hipertensos. Assim, o objetivo deste estudo foi comparar a redução da hipertrofia ventricular esquerda determinada em pacientes com hipertensão arterial moderada submetidos a regimes terapêuticos monoterápicos com enalapril ou losartan ou com a associação das duas drogas. As doses das drogas foram ajustadas para que produzissem uma redução similar da pressão arterial nos três grupos de pacientes. Métodos O estudo foi realizado em portadores de hipertensão arterial e atendidos na Clínica Vilacor, em Vilha Velha, Espírito Santo, ou na Clínica de Investigação Cardiovascular do Centro Biomédico da UFES. Pacientes de ambos os sexos, com idades entre 40 e 60 anos, com diagnóstico prévio de hipertensão moderada feito pela medida casual da pressão arterial, foram encaminhados para um dos serviços citados, com ou sem tratamento prévio, e entrevistados por um dos autores 104 Arq Bras Cardiol volume 74, (nº 2), 2000 do estudo para obtenção do consentimento para entrada no protocolo. Em caso positivo, era feito um período de washout de qualquer medicação que pudesse interferir nos valores pressóricos por 12 dias. Após esse período, era feita nova consulta para medida clínica da pressão arterial e coleta de sangue para obtenção de dados bioquímicos (glicose, uréia, creatinina, Na+ e K+). A pressão arterial era medida em esfigmomanômetro de coluna de mercúrio após 10min de repouso na posição sentada. O primeiro som de Korotkoff foi usado como indicador da pressão sistólica e o quinto som como da pressão diastólica. Continuavam no protocolo os pacientes que ainda eram classificados como portadores de hipertensão arterial moderada pelos critérios do V Joint National Committee 20. Os pacientes que no período de washout apresentavam qualquer intercorrência, incluindo valores pressóricos mais elevados dos estabelecidos dentro dos limites de hipertensão moderada, eram excluídos e imediatamente medicados. Os que prosseguiam no protocolo eram encaminhados para realização de monitorização ambulatorial da pressão arterial e para exame ecocardiográfico. A monitorização ambulatorial da pressão arterial foi realizada em aparelho Spacelabs Modelo 90207, com registros a cada 20min, pelo período de 24 a 26h. O aparelho sempre era instalado no início da tarde (cerca de 14:00h) para melhor detecção da elevação matinal da pressão arterial. Todos os exames ecocardiográficos foram sempre realizados pelo mesmo investigador com desconhecimento do diagnóstico e de possíveis tratamentos. Os exames foram feitos em aparelho GE RT 6800 em modo M e com pulso de Doppler, sendo medidos os parâmetros anatômicos necessários para medida da massa ventricular esquerda e os parâmetros funcionais para avaliação do desempenho cardíaco. A massa ventricular esquerda foi calculada pelo algoritmo de Devereux e Reichek 21, que apresenta a maior sensibilidade e acurácia na confrontação entre a massa ventricular esquerda calculada através de medidas ecocardiográficas e a massa ventricular esquerda obtida na necropsia de pacientes com hipertensão arterial 22. O índice de massa ventricular esquerda foi calculado pela relação entre a massa ventricular esquerda (g) calculada no ecocardiograma e a superfície corporal (m2) calculada pela relação [peso (kg) + altura (cm) - 60)/100]. Após a realização desses exames permaneciam no estudo apenas os pacientes que também preenchiam os critérios de hipertensão arterial moderada na monitorização ambulatorial da pressão arterial, estabelecidos no Consenso Brasileiro para uso da Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial 23, e que apresentavam índice de massa ventricular esquerdo maiores do que 110g/m2 para o sexo feminino e 130g/m2 para o sexo masculino. Dos 90 pacientes submetidos à monitorização ambulatorial da pressão arterial, 29 (32%) não preencheram os requisitos para serem classificados como portadores de hipertensão arterial moderada 23, sendo excluídos do estudo. Os 61 pacientes que atendiam aos dois critérios principais de inclusão, foram divididos em três grupos: grupo enalapril, tratado com maleato de enalapril (35mg/dia), sendo 20mg pela manhã (8:00h) e 15mg à noite (20:00 h); grupo Arq Bras Cardiol volume 74, (nº 2), 2000 enalapril + losartan, tratado com maleato de enalapril (15mg/ dia), administrado pela manhã (8:00h) + losartan potássico (100mg/dia), administrado à noite (20:00h); grupo losartan, tratado com losartan potássico (175mg/dia), sendo 100mg pela manhã (8:00h) e 75mg à noite (20:00h). Os dois primeiros grupos, que incluíam a medicação com enalapril, foram formados primeiro. Os pacientes eram alocados, seqüencialmente, no grupo enalapril ou no enalapril + losartan. Entraram nestes dois grupos, respectivamente, 22 e 23 pacientes. Os pacientes do grupo losartan (17) foram alocados após os dois primeiros grupos já terem sido iniciados. Foi usada uma relação de equivalência de 50mg de losartan potássico para 10mg de maleato de enalapril, pois nesta relação há queda similar da pressão arterial de indivíduos sadios 19. Ambas as drogas foram usadas sob a forma de apresentações disponíveis comercialmente. Este esquema terapêutico foi mantido por 10 meses, sendo que os pacientes foram reavaliados clinicamente com 1, 3, 5, 7 e 10 meses após entrada no protocolo para verificação de aderência ao tratamento, avaliação da resposta hipotensora e detecção de efeitos colaterais. Apenas dois pacientes apresentaram resposta hipotensora considerada insuficiente ao final do primeiro mês de tratamento (redução da pressão sistólica igual ou inferior a 5mmHg), e foram excluídos do protocolo, pois passaram a receber drogas não previstas no protocolo. Na última visita médica (10 meses) foram repetidos os exames bioquímicos de sangue e o ecocardiograma para determinação do grau de reversão da hipertrofia ventricular esquerda. Foram excluídos na entrada do protocolo pacientes da raça negra, pacientes com obesidade (índice de massa corporal >30kg/m2), ou ainda portadores de diabetes, valvulopatias, hipertensão secundária e complicações de hipertensão arterial (infarto do miocárdio ou insuficiência cardíaca), e também, pacientes que estivessem sob uso crônico de medicamentos que pudessem interferir no efeito das drogas, tais como corticosteróides, neurolépticos e antidepressivos. Os dados são apresentados como média ± desvio padrão. A comparação entre as médias observadas nos três grupos foi feita por análise de variância (ANOVA) de uma via, seguida do teste post hoc de Tukey. A comparação entre duas médias de uma mesma variável antes e após o tratamento, dentro do mesmo grupo, foi feita pelo teste t de Student para amostras pareadas. A comparação de várias médias dentro do mesmo grupo foi feita por ANOVA de uma via, seguida do teste post hoc de Bonferroni para comparação da variável antes do tratamento e durante o tratamento ou do teste de Tukey para comparação entre grupos. Foram consideradas significantes todas as diferenças de médias com P<0,05. Resultados Dos 61 pacientes incluídos inicialmente no estudo, 15 (24%) saíram do protocolo durante o período de tratamento. Desses, 7 haviam sido incluídos no grupo enalapril (4 por tosse persistente, 2 por abandono de tratamento e um por infarto agudo do miocárdio no 4º mês). Dois pertenciam ao grupo losartan (ambos por abandono de tratamento). Fi- Avanza Jr. e cols. Enalapril e losartan na hipertrofia ventricular esquerda nalmente, 6 pertenciam ao grupo enalapril + losartan (2 por redução insatisfatória da pressão arterial no primeiro mês, havendo necessidade de acrescentar outra droga ao esquema posológico, 2 por abandono de tratamento e 2 por terem alterado, por conta própria, o esquema preconizado para o uso das drogas). Portanto, os dados apresentados a seguir representam os resultados obtidos nos 46 pacientes que permaneceram no protocolo durante todo o período previamente estabelecido (10 meses). Nenhum paciente havia sido medicado anteriormente com bloqueador de receptor AT1, enquanto que 9 já haviam sido medicados, por período de tempo variável, com bloqueador da enzima conversora da angiotensina para tratamento de hipertensão arterial. A maioria deles, entretanto, fazia uso irregular desse tipo de medicação. As características dos três grupos de pacientes que concluíram o protocolo são apresentadas na tabela I. Todos os pacientes eram brancos ou pardos. Os valores iniciais de pressão sistólica e diastólica na posição sentada foram similares nos três grupos, o mesmo observando-se em relação média de idade, peso corporal e índice de massa corporal. A figura 1 mostra a evolução temporal dos valores das pressões sistólica e diastólica nos três grupos ao longo dos 10 meses de tratamento. A redução dos níveis pressóricos foi significante e similar nos três grupos até o 7º mês, quando a pressão sistólica nos grupos tratados com enalapril, losartan ou a associação enalapril + losartan era, respectivamente, 146±1,9mmHg, 146±2,1mmHg e 143±1,9mmHg (P>0,05). Ao final do período de tratamento os níveis pressóricos do grupo tratado com losartan foram ligeiramente superiores aos dos outros dois grupos. Ao final dos 10 meses de tratamento, praticamente todos os pacientes exibiam níveis pressóricos dentro dos níveis de normalidade, isto é, pressão sistólica menor do que 140mmHg e pressão diastólica menor do que 90mmHg, o que não aconteceu com cinco pacientes do grupo losartan que apresentaram ao final do tratamento pressão sistólica compeendida entre 140 e 150mmHg. Um desses pacientes também não normalizou a pressão diastólica, que se situava em 95mmHg. As médias das pressões sistólica e diastólica calculadas para Tabela I - Caracterização dos pacientes que constituíram os três grupos submetidos ao tratamento com enalapril, losartan ou a associação enalapril + losartan durante 10 meses Tratamento Enalapril Losartan Sexo (M/F) Idade (anos) Peso corporal (kg) IMC (kg/m2) PAS (mmHg) PAD (mmHg) 10/5 53±3 76±4 27±1,2 173±2,9 104±1,8 8/7 55±4 75±5 26±1,6 170±1,9 103±1,7 Enalapril + Losartan 9/7 54±4 74±6 27±1,3 173±2,8 104±1,5 M- masculino; F- feminino; IMC- índice de massa corporal; PAS- pressão arterial sistólica; PAD- pressão arterial diastólica. As medidas de pressão arterial (PA) foram feitas com os pacientes sentados. Os valores são fornecidos como média ± desvio padrão. 105 Arq Bras Cardiol volume 74, (nº 2), 2000 Avanza Jr. e cols. Enalapril e losartan na hipertrofia ventricular esquerda PRESSÃO ARTERIAL (mmHg) PRESSÃO SISTÓLICA PRESSÃO DIASTÓLICA Tempo (meses) Fig. 1 - Evolução dos valores da pressão arterial sistólica e diastólica ao longo dos 10 meses de tratamento com enalapril (círculos), losartan (triângulos) ou enalapril + losartan (quadrados). Os dados são fornecidos como média ± epm. Ocorreu queda significativa da pressão arterial, tanto sistólica como diastólica, a partir do 1o mês de tratamento em todos os grupos. Só ocorreu diferença estatisticamente significante (P<0,05) entre os grupos nas medidas realizadas no 10o mês de tratamento, em que a pressão arterial do grupo sob losartan foi maior que nos dois outros grupos. os 10 meses de tratamento, a partir dos valores pressóricos obtidos em cada visita médica (área sob a curva), foram similares nos três grupos. Assim, a pressão sistólica média dos 10 meses foi de 145±8mmHg no grupo tratado com enalapril, 148±7mmHg no tratado com losartan e 144±9mmHg no grupo tratado com enalapril + losartan (P>0,05). Também não ocorreu diferença significativa na pressão diastólica média. Estes cálculos permitem concluir que, visto sob tempo mais longo, pode-se considerar os três tratamentos como igualmente eficazes na redução dos níveis pressóricos. Tabela II - Comportamento de variáveis metabólicas no plasma de pacientes dos três grupos na condição controle (antes de se iniciar o tratamento) e após 10 meses de tratamento Grupos Enalapril (N = 15) Losartan (N = 15) Enalapril + Losartan (N = 16) Na+ K+ Uréia Creatinina Glicose Na+ K+ Uréia Creatinina Glicose Na+ K+ Uréia Creatinina Glicose Controle Final do tratamento 141±1 4,4±0,1 32±3 1,2±0,2 90±4 140±1 4,3±0,1 32±3 1,1±0,3 93±4 142±1 4,2±0,1 30±3 1,2±0,3 91±4 140±1 4,2±0,1 32±3 1,2±0,3 90±4 139±1 4,2±0,1 31±3 1,2±0,3 94±4 142±1 4,2±0,1 30±1 1,3±0,3 91±4 As concentrações de Na+ e K+ são fornecidas em mEq/litro e as demais em mg%. Todos os valores, antes e após o tratamento, encontram-se dentro dos limites de normalidade. 106 A tabela II mostra os valores da concentração plasmática de glicose, uréia, creatinina, Na+ e K+ na condição controle e ao final dos 10 meses de tratamento. Todos os pacientes tinham estas variáveis dentro dos níveis normais em ambas as condições. Os valores médios do índice de massa do ventrículo esquerdo em cada grupo, medidos antes e após o tratamento, encontram- se na tabela III. A figura 2 mostra os resultados deste índice coletado nos dois momentos em cada paciente. Na condição controle, não houve diferença estatística para o índice de massa do ventrículo esquerdo entre grupos. Observou-se redução significativa deste parâmetro nos três grupos com os diferentes tratamentos. A redução da hipertrofia ventricular esquerda entretanto, foi diferenciada entre grupos, pois o índice de massa do ventrículo esquerdo medido ao final do tratamento com a associação enalapril + losartan (116±4,0g/m 2) foi significativamente menor (P=0,011) do que nos grupos que receberam tratamento isolado com enalapril (123±2,8g/m2) ou losartan (133±2,8g/m2). Esses dados sugerem que a administração de enalapril associado ao losartan, determinou maior regressão da hipertrofia ventricular esquerda. Esse achado fica mais claro ao se analisar a figura 3 onde é apresentada a regressão percentual do índice de massa do ventrículo esquerdo nos três grupos. No grupo tratado com enalapril + losartan ocorreu decréscimo de 20,5±5,0% do índice de massa do ventrículo esquerdo, valor esse significativamente maior (P<0,01) do que o observado nos grupos tratados apenas com enalapril (12,4±3,2%) ou losartan (9,1±2,1%). Do ponto de vista estatístico, a redução do índice de massa do ventrículo esquerdo no grupo tratado apenas com losartan foi também menor (P<0,05) do que no grupo tratado com enalapril. Analisando-se os dados individualmente (fig. 2) verificou-se redução de hipertrofia cardíaca em todos os pacientes. Também aqui se observou a melhor eficácia da associação enalapril + losartan, pois ocorreu normalização do índice de massa do ventrículo esquerdo em 10 dos 16 pacientes submetidos à terapia combinada, em 6 dos 15 pacientes tratados com enalapril e em apenas 4 dos 15 pacientes tratados com losartan. Não observamos correlação significante entre a redução da pressão arterial e a diminuição do índice de massa do ventrículo esquerdo em qualquer um dos três tratamentos. Tabela III - Valores do índice de massa do ventrículo esquerdo (IMVE, g/m2) antes de iniciado o tratamento (controle) e 10 meses após os diferentes tratamentos Enalapril (N=15) Losartan (N=15) Enalapril + losartan (N=16) P Controle Após tratamento 141±3,9 147±3,8 146±3,0 0,471 123±3,6+ 133±2,8+ 116±4,0+ 0,011 Os valores são fornecidos como média ± desvio padrão. (+)P<0,05 em comparação com a situação controle. O IMVE era similar nos três grupos na condição controle. Ao final do tratamento, o IMVE do grupo tratado com enalapril + losartan foi significativamente menor que no grupo tratado apenas com losartan. Avanza Jr. e cols. Enalapril e losartan na hipertrofia ventricular esquerda Arq Bras Cardiol volume 74, (nº 2), 2000 ENALAPRIL ENALAPRIL + LOSARTAN Índice de massa de VE (g/m2) LOSARTAN Con Con Trat Trat Con Trat Fig. 2 -Variação individual do índice de massa do ventrículo esquerdo em todos os pacientes na condição controle e após 10 meses de tratamento. Redução do IMVE (%) 30 20 10 0 Ena Los Ena + Los Fig. 3 - Redução percentual do índice de massa do ventrículo esquerdo (IMVE) nos grupos submetidos ao tratamento com enalapril (Ena), losartan (Los) ou a associação de enalapril + losartan (Ena+Los). Os dados são fornecidos como média ± desvio padrão. (XX)P<0,05 vs Ena ou Los; (+)P<0,05 vs Ena. Discussão Vários estudos confirmam que os bloqueadores da enzima conversora de angiotensina e os bloqueadores dos receptores AT1, quando usados em doses apropriadas, são igualmente eficazes na redução da pressão arterial de pacientes com hipertensão essencial 12,24,25. Estes achados também foram observados no presente estudo, uma vez que o enalapril e losartan, quando usados nas doses de 35mg/dia e 175mg/dia, respectivamente, produziram reduções similares nas pressões sistólica e diastólica de pacientes com hipertensão arterial moderada. O uso desta mesma proporção de doses (1:5) em indivíduos normotensos produziu queda similar da pressão arterial 19,26. Considerando que se observa efeito hipotensor aditivo com o uso de losartan, mesmo quando doses máximas de bloqueadores da enzima conversora de angiotensina são empregados 27, fez-se a substituição de 20mg de enalapril por 100mg de losartan no grupo onde as duas drogas foram testadas conjuntamente. Os resultados confirmaram que os três esquemas terapêuticos foram igualmente eficazes em reduzir a pressão arterial, tanto sistólica como diastólica, possibilitando normalização da pressão arterial em praticamente todos os pacientes. Uma pequena diferenciação ocorreu no grupo tratado isoladamente com losartan, onde cerca de 1/3 dos pacientes permaneceu com valores pressóricos ligeiramente elevados ao final de 10 meses de tratamento. Essa diferença, entretanto, deve-se principalmente em relação às medidas pressóricas feitas no 10º mês de tratamento. Nas medidas anteriores a média das pressões sistólica e diastólica não se diferenciou, do ponto de vista estatístico, entre os grupos, apesar de ter se mantido sempre em patamar ligeiramente maior no grupo tratado com losartan. Não temos uma explicação razoável para a diferenciação mais evidente dos níveis pressóricos ocorrida apenas na última avaliação clínica dos pacientes, mas não se pode descartar a hipótese de um “escape” ao efeito ocorrido em usos mais prolongados deste grupo de drogas. Analisando-se os resultados em seu conjunto, entretanto, pode-se considerar que os três tratamentos tiveram eficácia muito similar em reduzir os níveis pressóricos na hipertensão arterial moderada, o que entretanto, não ocorreu em relação à regressão da hipertrofia cardíaca onde encontramos resultados diferenciados entre grupos. O fato de não ter sido detectada uma correlação positiva entre a redução da pressão arterial sistólica ou diastólica e a redução do índice de massa do ventrículo esquerdo pode sugerir que o efeito anti-hipertrófico seja, majoritariamente, dependente de ação direta destas drogas no miocárdio e não secundário à redução da pós-carga 3,4,7. Por razão, ainda desconhecida, este efeito direto estaria potenciado no caso da associação do bloqueador da enzima conversora de angiotensina com o antagonista AT1. Entretanto, esta conclusão é prejudicada pelo fato de que as drogas foram empregadas em doses muito próximas às máximas e, na maior parte dos pacientes, a pressão arterial já se situava nitidamente em seu platô inferior após seis meses de tratamento. Como 107 Avanza Jr. e cols. Enalapril e losartan na hipertrofia ventricular esquerda todos os pacientes partiram de valores pressóricos similares, o intervalo de variação da variável independente (queda da pressão arterial durante o tratamento) foi muito pequeno, dificultando o encontro de uma possível correlação com a redução do índice de massa do ventrículo esquerdo. Não obstante estas dificuldades metodológicas, os valores das médias de grupos indicam claramente potenciação da regressão da hipertrofia ventricular quando as duas drogas são usadas de forma associada. Do ponto de vista fisiológico, o mecanismo geral de ação, tanto dos bloqueadores da enzima de conversão da angiotensina, como dos antagonistas da angiotensina II, é o mesmo, ou seja, a inibição do sistema renina-angiotensina. Entretanto, o sítio de ação dos fármacos pertencentes a estes dois grupos é diferente havendo, portanto, diferenças nos mecanismos intrínsecos de ação destes grupos de drogas. A inibição da enzima de conversão da angiotensina reduz a geração de angiotensina II ao mesmo tempo que aumenta a vida média da bradicinina e de outros peptídeos que são metabolizados pela enzima de conversão da angiotensina ou cininase II 14. Como as cininas são substâncias de vida média muito curta, os efeitos globais (níveis de pressão arterial, por exemplo) tendem a ser semelhantes quando se compara um inibidor da enzima de conversão da angiotensina com um antagonista de angiotensina. Por outro lado, os efeitos em órgãos específicos (hipertrofia e hiperplasia) poderiam se diferenciar porque os efeitos locais, tanto da angiotensina II e bradicinina, seriam mais dependentes da geração local desses peptídeos, particularmente em relação à bradicinina. Outro fator a ser levado em consideração é que a transformação da angiotensina I para angiotensina II é catalizada não só pela enzima de conversão da angiotensina, como também por outras peptidases, como a quimase, tonina e catepsina G 18. Isso explica por que são ainda encontrados níveis relativamente elevados de angiotensina II no plasma de pacientes com hipertensão arterial ou insuficiência cardíaca submetidos a doses máximas dos bloqueadores da enzima de conversão da angiotensina 27. Um fato que complica nosso entendimento sobre os efeitos endócrinos e parácrinos do SRA é que não foi ainda estabelecido com precisão a quantidade de angiotensina I que, em cada órgão, é transformada em angiotensina II através da enzima de conversão da angiotensina ou através das assim chamadas vias alternativas, das quais a via da quimase é que tem merecido maior destaque, notadamente em pacientes com insuficiência cardíaca 18. Estes dados têm levado alguns autores a propor que o uso da associação de um inibidor da enzima de conversão da angiotensina com um antagonista AT1 poderia representar uma vantagem terapêutica quando uma inibição mais completa do sistema renina-angiotensina aldosterona fosse desejável 26. A necessidade de produzir quedas mais rápidas da pressão arterial ou de regredir mais intensamente quadros de hipertrofia cardíaca, são possibilidades que se abrem neste campo 26. Nossos resultados apóiam apenas em parte esta interpretação, uma vez que a redução da pressão 108 Arq Bras Cardiol volume 74, (nº 2), 2000 arterial com os três esquemas terapêuticos foi muito similar, o que não ocorreu, entretanto, em relação à massa ventricular esquerda. Tendo em vista que este era o ponto básico do estudo, usamos como critério de seleção para entrada no protocolo apenas pacientes que já tivessem crescimento nítido da massa ventricular esquerda determinada pelo ecocardiograma, ou seja, um índice de massa do ventrículo esquerdo maior do que 130g/m2 para homens e 110g/m2 para mulheres. A realização do exame ecocardiográfico foi sempre feita pelo mesmo investigador que desconhecia tanto o diagnóstico como o tratamento a que cada paciente estava sendo submetido. O tempo de duração da hipertensão arterial de cada indivíduo não foi sistematicamente computado pela dificuldade de se precisar o início da doença. A maior parte dos pacientes, entretanto, relatava conhecimento de hipertensão arterial por período superior a dois anos. Em nossos resultados, o tratamento com a associação enalapril + losartan foi nitidamente mais eficiente em reduzir a hipertrofia cardíaca em relação às duas monoterapias, repetindo um achado recente em ratos com hipertensão arterial espontânea (cepa SHR). Nesse estudo 28, entretanto, as doses de enalapril e losartan foram simplesmente somadas, havendo também queda maior da pressão arterial dos ratos tratados com a combinação da drogas em relação às monoterapias e imputando-se a este fato a maior regressão da hipertrofia ventricular esquerda. Nossos resultados não confirmam essa interpretação. Ao associarmos o losartan com o enalapril, reduzimos a dose de ambas as drogas visando obtenção de efeito hipotensor uniforme nos três grupos, possibilitando comparar a regressão de hipertrofia em situações similares de redução de pós-carga. Este objetivo foi plenamente atingido nos grupos I e II, pois, enquanto a redução da pressão arterial nos grupos tratados com enalapril ou enalapril + losartan foi praticamente idêntica, o mesmo não ocorreu com a redução do índice de massa do ventrículo esquerdo, sugerindo que a presença do antagonista AT1 no esquema terapêutico seria importante no caso de se ter como objetivo adicional do tratamento da hipertensão uma regressão mais significativa da hipertrofia ventricular esquerda. A explicação para os efeitos diferenciados observados em relação à hipertrofia miocárdica devem ser pesquisados, levando-se em consideração diferenças no padrão de regulação da pressão arterial no intervalo entre doses ou nos efeitos específicos das drogas testadas em órgãos alvo, como o rim, coração e vasos. A associação de enalapril (10mg) + losartan (50mg) em voluntários normais produziu redução similar da pressão arterial em relação a 20mg de enalapril. Entretanto, a área sob a curva pressórica, que avalia mais a duração do efeito hipotensor, foi maior com a associação das duas drogas 26. Isso pode decorrer do fato de que o losartan, apesar de ter uma meia-vida relativamente curta, gera um metabólito com meia vida bem mais longa e que ainda retém uma alta capacidade de bloquear os receptores AT1 29. Um comportamento similar poderia ter ocorrido no presente estudo, ou seja, a associação das duas drogas pode ter determinado uma redução mais estável dos níveis pressóricos ao longo das 24h e, desta for- Avanza Jr. e cols. Enalapril e losartan na hipertrofia ventricular esquerda Arq Bras Cardiol volume 74, (nº 2), 2000 ma, produzido uma redução mais intensa da hipertrofia ventricular, uma vez que esta se relaciona mais estreitamente com a média pressórica das 24h, do que com as medidas casuais da pressão arterial 30. Não parece ter sido esse o caso, pois a pressão arterial medida pela monitorização ambulatorial da pressão arterial no final do período de tratamento apresentou padrão similar aos outros dois grupos. Outra hipótese que poderia explicar os nossos resultados, dependeria dos efeitos específicos destas drogas no coração. Um aumento da expressão gênica da enzima de conversão da angiotensina e do angiotensinogênio tem sido observada tanto no miocárdio como na parede vascular de animais com hipertensão arterial 31. Nessas condições, tanto a geração de angiotensina II como a inativação da bradicinina estariam potencializadas no coração. Estudos experimentais demonstram que parte do efeito anti-hipertrófico sobre o miocárdio e o músculo liso vascular obtidos em ratos submetidos a tratamento com baixas doses dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina podem ser revertidos com o uso concomitante de bloqueador dos receptores da bradicinina 14. Há que levar em consideração também que os bloqueadores da enzima de conversão da angiotensina determinam aumento na produção de renina e nos níveis circulantes de angiotensina II. Nessas condições, a geração de angiotensina II por vias alternativas à enzima de conversão da angiotensina deve aumentar pelo próprio aumento do substrato (angiotensinogênio), o que facilitaria o “escape” do efeito hipotensor e, possivelmente, do efeito anti-hipertrófico dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina 17. A associação do inibidor da enzima de conversão da angiotensina com um inibidor dos receptores AT1 impediria o aparecimento de efeitos decorrentes da estimulação dos receptores angiotensinérgicos ao mesmo tempo em que os possíveis efeitos anti-hipertróficos dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina, conseqüentes ao aumento da concentração local de bradicinina no coração, seriam preservados. Em conclusão nossos resultados sugerem que a associação de um bloqueador da enzima de conversão da angiotensina com um antagonista de receptores AT1, usado no tratamento da hipertensão arterial moderada, não determina efeito hipotensor adicional ao que seria obtido com uma dose adequada de cada droga isoladamente. Entretanto, é capaz de reduzir de modo significativamente maior a hipertrofia ventricular esquerda determinando uma maior proteção frente às lesões impostas ao coração pela elevação persistente da pressão arterial sistêmica. Além disso, a associação das drogas não aumentou a freqüência de efeitos colaterais. Ao contrário, a possibilidade de se usar menor dose do bloqueador da enzima de conversão da angiotensina, quando associado ao bloqueador AT1, tenderia a reduzir o efeito colateral que mais dificulta o uso dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina no tratamento da hipertensão arterial: a tosse persistente. Assim, a associação do inibidor da enzima de conversão da angiotensina com um antagonista AT1 poderia ser preconizada como alternativa terapêutica para os casos onde se precisa reduzir a dose do inibidor da enzima de conversão da angiotensina, mantendo-se o efeito anti-hipertensivo, ou ainda para os casos onde a redução da hipertrofia ventricular esquerda constitui objetivo fundamental da terapia anti-hipertensiva. Agradecimentos À Merck Sharp & Dhome pelo fornecimento de Renitec® e Cozaar® utilizados neste estudo. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Levy D, Garrinson RJ, Savage DD, et al. Prognostic implications of echocardiographically determined left ventricular mass in the Framingham Heart Study. N Engl J Med 1990; 322: 1561-6. Messerli FH, Aristizabel D, Soria F. Reduction of left ventricular hypertrophy: How beneficial? Am Heart J 1993; 125: 1520-4. Morgan HE, Baker KM. Cardiac hypertrophy: mechanical, neural and endocrine dependence. Circulation 1991; 83: 13-25. 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