ÉTICA SOCIAL CRISTÃ

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ÉTICA
SOCIAL
CRISTÃ
(Doutrina social da Igreja)
" Não há falta de alimento no mundo.
A fome é resultado da pobreza,
desigualdade social e ignorância."
Edouard Saouma (1994),
diretor-geral da ONU (FAO)
ÍNDICE
INTRODUÇÃO......................................................................3
ÉTICA SOCIAL CRISTÃ
CONCEITO, DENOMINAÇÕES E COMPETÊNCIA...........4
OBJETIVO.............................................................................5
QUADRO DOS DOCUMENTOS...........................................9
ÉTICA E MORAL...................................................................
AS FONTES DO DIREITO....................................................6
ORIGENS DA DOUTRINA CRISTÃ....................................
REVOLUÇÕES SOCIAIS E POLÍTICAS
IDEOLOGIA.............................................................................
O PODER ABSOLUTISTA..................................................10
O ILUMINISMO...................................................................10
REVOLUÇÃO FRANCESA..................................................11
REVOLUÇÃO INDUSTRIAL...............................................11
SISTEMAS IDEOLÓGICOS.................................................12
SISTEMAS SOCIO-ECONOMICOS
LIBERALISMO E NEO-LIBERALISMO..................................
CAPITALISMO..........................................................................
SOCIALISMO E NEO SOCIALISMO ........................................
MARXISMO..............................................................................
1º GRUPO DE DOCUMENTOS
RERUM NOVARUM 1891..................................................14
QUADRAGESIMO ANNO 1931.........................................15
RADIOMENSAGENS 1941/54...........................................16
2º GRUPO DE DOCUMENTOS
MATER ET MAGISTRA 1961............................................17
PACEM IN TERRIS 1963...................................................19
GAUDIUM ET SPES 1965........ ..........................................19
POPULORUM PROGRESSIO 1967....................................20
AGRICULTURA
CIDADANIA/ PACEM IN TERRIS/CIDADANIA
DIREITOS CONSTITUCIONAIS E SOCIAIS
AMÉRICA LATINA E BRASIL
D. HELDER CÂMARA - O Bispo da Paz......................
A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)...
MEDELLIN, PUEBLA E SANTO DOMINGO..............
VIDEO: RFORMA AGRÁRIA
DEBATES
PROPRIEDADE PRIVADA...........................................
INTERVENÇÃO DO ESTADO..............................................
2
PRIVATIZAÇÃO............................................................
SINDICATO E SALÁRIO..............................................
3º GRUPO DE DOCUMENTOS
LABOREM EXERCENS 1981.............................................21
SOLLICITUDO REI SOCIALIS 1987...................................21
CENTESIMUS ANNUS 1991...............................................22
O TRABALHO
ECONOMIA DE MERCADO/MERCADO ÉTICO
DOCUMENTOS DA DOUTRINA SOCIAL CRISTÃ
1) RERUM NOVARUM (RN) - LEÃO XIII - 15 DE MAIO DE 1891
2) QUADRAGESIMO ANNO (QA) - PIO XI - 15 DE MAIO DE 1931
3) RADIOMENSAGENS - PIO XII - 1941/1954
4) MATER ET MAGISTRA (MM) - JOÃO XXIII - 15 DE MAIO DE 1961
5) PACEM IN TERRIS (PT) - JOÃO XXIII - 1º DE ABRIL DE 1963
6) GAUDIUM ET SPES (GS) - CONCÍLIO VATICANO II - 7/12/65
7) POPULORUM PROGRESSIO (PP) - PAULO VI - 26 DE MARÇO DE 1967
8) LABOREM EXERCENS (LE) - JOÃO PAULO II - 14/9/81
9) SOLLICITUDO REI SOCIALIS (SRS) - 30 DE DEZEMBRO DE 1987
10) CENTESIMUS ANNUS (CA) - JOÃO PAULO II - 1º DE MAIO DE 1991
DOCUMENTO NA AMÉRICA LATINA
1) MEDELLÍN, 1968;
A SITUAÇÃO E DOS DESFIOS DA IGREJA DA AMÉRICA LATINA
2) PUEBLA, 1979;
A EVANGELIZAÇÃO NO PRESENTE E FUTURO DA AMÉRICA LATINA
3) SANTO DOMINGO, 1992;
NOVA EVANGELIZAÇÃO, PROMOÇÃO HUMANA E CULTURA CRISTÃ.
DOCUMENTOS DA CNBB (CONF. NAC. DOS BISPOS DO BRASIL)
1) EXIGÊNCIA CRISTÃ DE UMA ORDEM POLÍTICA, 1977.
3
2) IGREJA E PROBLEMAS DA TERRA, 1980.
3) NORDESTE, DESAFIO À MISSÃO DA IGREJA NO BRASIL, 1984.
4) POR UMA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL, 1986.
5) EXIGÊNCIAS ÉTICAS DA ORDEM DEMOCRÁTICA, 1989.
6) EDUCAÇÃO, IGREJA E SOCIEDADE, 1992.
7) ÉTICA: PESSOA E SOCIEDADE, 1993.
CONCEITO DE DOUTRINA SOCIAL CRISTÃ
É o conjunto de princípios cristãos que permite a construção de uma economia ética e de um
relacionamento solidário entre os homens. É a Igreja que assume posições concretas e históricas
diante da problemática de cada época.
Para Calvez1 o ensinamento social da Igreja sobre a sociedade econômica tem um modo de ver
muito coerente, sendo um “corpo organizado de critérios, aptos não a fornecer imediatamente a
resposta a todo problema prático, mas a oferecer um quadro de discernimento a todo homem
que deve refletir para agir nesse campo”; no campo econômico onde todos os homens estão
incluídos.
Langlois assim define: “...é a aplicação da regra cristã de fé e costumes às relações sociais. É a
explicitação das conseqüências sociais da fé cristã. Com propriedade é chamada de doutrina
social, mais do que econômica ou política, pois ainda que compreenda os três âmbitos em virtude
da sua interpenetração recíproca, é através do social - âmbito intrinsecamente regulado por
normas morais - que se ocupa do econômico e do político”. 2
“O ensino social da Igreja não é uma ideologia nem contém elementos ideológicos: “não pertence
ao domínio da ideologia, mas ao da teologia e especialmente da teologia moral” (SRS, 41).
...Não propõe um sistema algum em particular, mas à luz dos seus pri ncípios fundamentais,
permite ver em que medida os sistemas existentes são ou não conformes as exigências
da dignidade humana”. (Libertatis cosncientia, 74).” 3
Mas estes princípios fundamentais não são de caráter genérico e sem propostas. Se é verdade
que não existe a pretensão de apresentar-se como uma “terceira via”, é igualmente verdade que
o pensamento social cristão tem muito clara a sua opção evangélica e sua ação concreta.
Como nos lembra Gutierrez 4 João XXIII em 1963 fala de uma sociedade fundamentada na
verdade, na justiça, no amor e na liberdade; o papa Paulo VI, na noite de Natal de 1975 chamou
a humanidade para construir a Civilização do Amor; o documento de Puebla se refere à
1
CALVEZ, Jean-Yves; A Economia, o Homem e a Sociedade, Edições Loyola, 1995, p 17.
LANGLOIS, José Miguel Ibane; Doutrina Social da Igreja, Editora Rei dos Livros, Lisboa, 1989, p 23..
3
Ibid, pp 24-25.
4
Ver GUTIERREZ, Exequiel R.; Cem Anos de Doutrina Social da Igreja, Edições Paulinas, 1995, p 105.
4
2
sociedade da comunhão e da participação; João Paulo II fala da cultura da solidariedade e da
economia da solidariedade.
“Na Civilização do Amor que desejamos construir, a pessoa tem primazia sobre qualquer outra
realidade visível. É o princípio do qual devemos partir, ao que permanentemente devemos nos
referir e que deve iluminar-nos no momento de avaliar o trabalho realizado. A partir da
perspectiva do humanismo cristão, nem a nação nem o Estado, nem a raça nem a classe, nem a
ordem ou a segurança, podem ocupar o lugar da pessoa”. 5
COMPETÊNCIA
A sua autoridade no campo social e econômico vem do fato que a igreja não pode renunciar aos
deveres de interferir em assuntos morais. Assim fundamenta Pio XI: “Não foi é certo confiada à
Igreja, a missão de encaminhar os homens à conquista de uma felicidade apenas transitória. O
que não pode é renunciar de interpor a sua autoridade não em assuntos técnicos, para os quais
lhe faltam competência e meios, mas em tudo o que se refere à moral.”(QA 41).
CARACTERÍSTICAS
1) A identidade própria é o seu aspecto eterno, imutável, são os princípios evangélicos e de
toda a revelação, da filosofia e da moral cristã e do direito natural.
A sua característica de 2) evolução é o seu aspecto mutável, considera, para seu
desenvolvimento e atualização, os fatos, os acontecimento, a época e a cultura de cada povo. A
vida é uma dinâmica de relacionamentos múltiplos, que vão acompanhamento o evolução dos
tempos, a cultura de cada povo e a situação concreta de cada país.
Possui 3) universalidade, pois trata do relacionamento entre as pessoas e entre os povos todos
do universo.
E este relacionamento deverá ser de 4) solidariedade, onde a pessoa humana é o centro da
sociedade e, da economia em particular.
DENOMINAÇÕES
Doutrina Social da Igreja, Pensamento Social Cristão, Ética Cristã, Magistério Social e Ensino
Social são algumas de suas designações. Nos textos oficiais em latim são usadas as expressões
“docere” e “doctrina” que possuem o mesmo significado: ensino. Todas as denominações devem
ser vistas como termos técnic os que englobam uma visão pré-determinada.
5
Ibid, p 107.
5
Ética Social é termo bastante atual e usado em países como a Itália. Ensino Social foi usada pelo
Papa João Paulo II em seus documentos e também em países como a França. A denominação
ÉTICA SOCIAL engloba os documentos, encíclicas e o ensinamento cristão aplicados à
realidade social.
ÉTICA SOCIAL
“Ética é o resumo dos princípios, valores, normas universais, absolutas que regem o
comportamento humano. Esses valores e normas nascem da essência do homem Não vêm de
fora, mas do íntimo dele.” 6
“Moral é a vivência da ética dentro de circunstâncias concretas: cultura, educação, civilização,
religião, povos e nações. A moral é sempre a busca dos padrões éticos na prática e experiência
da vida. Nunca é universal ou absoluta. É mutável.” 7
“Imorais são as ações, práticas, vivências, usos e costumes que contrariam os padrões da ética e
da moral. Amoral é um modo de vida com valores e normas próprias, indiferentes aos valores e
normas da sociedade. A pesso a amoral é a lei de si mesma... seja por falta de senso crítico, de
educação, de formação moral ou ainda por deficiência intelectual ou mental.... reduzem tudo a
interesses e conveniências pessoais.” 8
FONTES DO DIREITO
Como social, como sociedade, deve -se pressupor um complexo de relações entre pessoas e
instituições. Existem os sistemas econômicos (neoliberalista, socialista, etc); os sistemas políticos
(monárquico, parlamentarista, presidencialista); os sistemas jurídicos e os poderes administrativo,
judiciário e legislativo no Estado moderno. O social considera todas estas relações: econômicas,
políticas e jurídicas.
Justiça e legalidade
6
7
8
Ver Vieira, José Antonio Leonel; Revista Revés do Avesso; abril de 1994, pg. 35.
Ibid; pg.35.
Ibid; pg 35.
6
Uma lei é justa ou injusta, na medida em que ou promove o bem comum ou o compromete. A
legalidade tem grande importância, pois define todos os direitos e deveres das pessoas na
sociedade. Contudo, antes da legalidade vem a Justiça, porque todos os atos do homem têm um
aspecto social e, portanto estão submetidos à justiça.
. justiça geral : a justiça só existe quando se preocupa com o bem comum.
Direito Natual e Positivo
“O homem tem direitos naturais, porque Deus o criou como pessoa; por exemplo, o direito à
vida, à inviolabilidade do corpo, à liberdade e à segurança pessoal...Como parte da lei moral
natural, o direito natural tem sua raiz última na “lei eterna” do Criador, razão por que obriga em
consciência.” 9
ORIGENS DA DOUTRINA CRISTÃ
Já no Antigo Testamento temos inúmeras citações a respeito do social. Dos 5 Livros que
compõe a Lei de Moisés, pelos dois, o Levítico e o Deuteronômio são dedicados às normas de
convivência do povo judeu. 10 Os aspectos “trabalhista” tem o seu código no Deuteronômio: “
Não explorarás o assalariado pobre e necessitado, quer seja ele um de seus irmãos, quer
seja um estrangeiro que mora em uma das cidades de tua terra. Dar-lhe-ás o seu salário no
mesmo dia, antes do pôr do sol, porque ele é pobre e espera impacientemente a sua
paga.”(Dt 24,14).
O profeta Isaias clama pelo Deus da justiça: “O Deus Santo mostra a sua santidade pela
justiça” (Is 5,16) e faz um alerta: “Ai dos que juntam casa a casa, dos que acrescentam
campo a campo até que não haja mais espaço disponível...”(Is 5,8). Este alerta é retomado
por Jesus: “Ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação.”(Lc 6,24).
Deus é Deus da justiça e pune a injustiça. A sua punição não se opõe à sua misericórdia, pois
Deus perdoa a todos os arrependidos. Porém a preferência de Jesus pelos pobres é explícita:
“Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus. Bem-aventurados vós,
que agora tendes fome, porque sereis saciados.”(Lc 6,20-21).
Dentre os textos do Novo Testamento são Tiago é o mais duro com os ricos: “Vós ricos, chorai
e gemei por causa das desgraças que sobre vós virão. Vossas riquezas apodreceram e
vossas roupas foram comidas pela traça.”(Tg 5, 1-2) e “Ouvi, meus caríssimos irmãos:
porventura não escolheu Deus os pobres deste mundo para que fossem ricos na fé e
herdeiro do reino prometido por Deus aos que o amam?”(Tg 2,5).
9
HOFFNER,Joseph; Doutrina Social Cristã, Ed. Loyola, 1993, p 39.
10
Ver PIERRE, LAA; Pequena História do Cristianismo, CEPE, 2a. edição, 1995, pp 31-32.
7
Após a era apostólica, um momento forte da consciência social cristã está na Patrística.11
São Basílio foi, dentre os Padres Gregos o que mais se preocupou do social:
“Aquele que despoja um homem de sua própria roupa é um ladrão. O que não veste a
nudez do indigente, quando pode fazê-lo, merecerá outro nome? O pão que guarda em tua
despensa pertence ao faminto, como pertence ao nu o agasalho que escondes em teus
armários.” 12
Dentre os Padres Latinos temos João Crisóstomo que era considerado o defensor dos pobres
sendo dele afirmações contundentes: “Quem pode dar esmolas e não o faz é um assassino de
seus irmãos...vale muito mais alimentar os pobres que têm fome, que ressuscitar os mortos
no nome de Jesus” ou “Deus nunca fez uns ricos e outros pobres. Deu a mesma terra
para todos. A terra é toda do Senhor e os frutos da terra devem ser comuns a todos.”
No século XIII temos na Escolástica e em São Tomás de Aquino 13 o conceito de
justiça social:
. justiça comutativa : o homem tem direito ao preço justo, ao salário justo e participação nos
lucros
. justiça distributiva : os bens devem ser distribuídos não na medida do mercado, mas da
necessidade das pessoas
“A diferença entre ambas reside no fato que a justiça comutativa define o direito de uma pessoa
em relação à outra pessoa, pelo justo salário, justo preço ou pelo lucro justo. A justiça
distributiva define o direito de cada pessoa em relação ao conjunto dos que possuem bens não
necessários.
Um pobre não tem direito sobre os bens de determinado rico. Um rico não tem obrigações com
relação a determinado pobre. Porém a justiça distributiva cria direitos e obrigações tão estritos
como os fundados na justiça comutativa: direitos do conjunto dos pobres com relação ao
conjunto dos ricos; obrigações do conjunto dos ricos em relação ao conjunto dos pobres.” 14
“Santo Tomás de Aquino aplica estes princípios à sociedade. À pergunta: se alguém é permitido
possuir alguma coisa como própria? O Doutor da Igreja não dá apenas uma resposta afirmativa.
Responde com uma distinção fa mosa. Se chama propriedade a faculdade de administrar ou de
dispensar os bens, é permitido a alguém possuir alguma coisa como própria. Porém, se fala do
uso, os bens são comuns e aquele que os possui deve cedê-los facilmente aos que deles
necessitam.”
“Os bens são de uns, mas são para todos. Depois de satisfazer as suas verdadeiras
necessidades, o proprietário deve aos demais os bens que lhe sobram, avaliando sempre as
necessidades dos pobres. O supérfluo é devido aos pobres. O termo, porém é perigoso, de vez
que quase nunca se encontra alguém que julgue supérfluo um bem próprio. Quanto mais se
possui tanto mais necessita. O supérfluo se define, segundo santo Tomás de Aquino, como tudo
aquilo que excede ao verdadeiramente necessário” (sem grifo no original).
11
Ibid., pp 49-55.
PIERRE, Bigo e AVILA, Fernando Bastos; Fé Cristã e Compromisso Social, Ed. Paulinas, 1986, p 167.
13
PIERRE, LAA, op. cit. ;pp 82-86.
14
PIERRE, Bigo, op. cit. ;p 171.
8
12
“Há um direito do pobre, justiça distributiva, e há um direito de propriedade, justiça comutativa,
porém o proprietário não pode usar para si mesmo os bens próprios de que não necessita,
porque os pobres têm direito a eles.” 15
Na metade do século XIX, tantas foram as modificações sociais que deram origem a várias
manifestações, com relevo para Marx e surge a necessidade de leis que regulem as novas
relações de trabalho. Sobre a participação da Igreja temos que em 1838 foi escrita por um Bispo
francês, uma carta pastoral consagrada ao repouso dominical.
Outro Bispo, o de Annecy, enviou ao rei da Sardenha em 1845, um texto que intitulou Memorial
a Questão Operária, onde, após criticar com veemência a situação do proletariado em formação,
ressalta: “A legislação moderna (da época) nada fez pelo proletário. Na verdade, protege sua
vida enquanto homem; mas o desconhece como trabalhador; nada faz por seu futuro, nem por
sua alimentação, nem por seu progresso moral.”
Sobre a atuação do Bispo Ketteler, diz: “foi o responsável pela sugestão enumerativa dos
seguintes direitos que os trabalhadores deveriam reivindicar: aumento de salário correspondente
ao verdadeiro valor do trabalho; diminuição das horas de trabalho; regulamentação das horas de
descanso; proibição do trabalho das crianças nas fábricas durante a época em que são, ainda,
obrigadas a freqüentar a escola; proibição do trabalho das mulheres nas fábricas, principalmente
mães de família; proibição do trabalho de moças nas fábricas”.
“A enumeração poderia prosseguir, relembrando outros nomes importantes do pensamento
social-católico na Alemanha, Áustria, Suíça, França, Inglaterra e Estados Unidos, Holanda e
Bélgica, Itália e Espanha. Como, entretanto, as cartas Encíclicas papais, a partir da Rerum
Novarum de Leão XIII, passaram a sintetizar todo esse pensamento, apenas diremos que este foi
o complemento doutrinário que motivou a legislação paulatinamente constituída para
preservar a dignidade da pessoa humana do trabalhador.” (sem grifo no original). 16
Wilhelm Emmanuel Von Ketteler ( 1811-1877), citado acima, empreendeu grande esforço em
favor de uma ação social da Igreja ainda antes do manifesto comunista; cria organização de
proteção aos artesãos, que foram as primeiras vítimas da industrialização. Em 1851 é sagrado
Bispo e diz: “a questão operária é uma questão moral, mas não será resolvida sem uma vigorosa
atuação no campo econômico, social e político”. Foi deputado no Parlamento alemão em 1873
onde promoveu uma ação política social como responsabilidade do Estado. 17
Na França temos Jean-Paul Villeneuve ( 1784-1850 ), católico e filho de família da velha
nobreza francesa, exerceu cargos administrativos e interessou-se pelos problemas sociais
chegando a fixar a idéia do salário mínimo; propôs a intervenção do Estado nas questões sociais
em plena ascensão do liberalismo e a reforma agrária. É dele a proposição " é melhor produzir
menos para produzir melhor e não sacrificar o social ".
Outro grande idealista e batalhador foi Jean-Baptiste Lacordaire ( 1802-1861 ). É dele a
afirmação: “À liberdade que oprime opõe-se a lei que liberta ", esta era a convicção deste
advogado e religioso da Ordem de São Domingos, que foi o primeiro a lutar por leis trabalhistas
num mundo liberal e capitalista que considerava crime, até mesmo, a sindicalização. Diz Sayão
15
Ibid., p 171.
COSTA, Orlando Teixeira; O Trabalho e a dignidade do Trabalhador, LTr, Revista de Maio de 1995, pp 591594
17
AVILA, Fernando Bastos; Pequena Enciclopédia da Doutrina Social da Igreja, Ed. Loyola, 1991, p 251.
9
16
Romita, Professor Titular de Direito do Trabalho da Universidade do Rio de Janeiro: “Se, num
contrato, a vontade de uma das partes não for livre, desaparece o fundamento do princípio de
autonomia da vontade e a intervenção do Estado se impõe. O Estado deve, com sua tutela,
restabelecer o equilíbrio entre as partes, de acordo com a frase de Lacordaire”. 18
REVOLUÇÕES SOCIAIS E POLÍTICAS
O PODER ABSOLUTISTA
Ao sair do feudalismo onde o poder era exercido pelos vários senhores feudais e, portanto
descentralizado no âmbito da sociedade da época como um todo e, possuindo grande influência
da Igreja, o mundo vê nascer o Absolutismo que se constrói do século XV ao século XVII. É a
afirmação do Estado e da centralização do poder nas mãos dos reis. O confronto entre o rei
Felipe da França e o papa Bonifácio VIII é um exemplo desta nova era. Alimentando-se da idéia
de que a autoridade do rei vem diretamente de Deus sem a intermediação da Igreja ou do papa,
no regime absolutista o rei tem decisão e poder ilimitados, sendo obrigação do povo obedecê-lo
passivamente,
A Reforma Protestante, no século XVI, contribuiu para a situação à medida que favoreceu o
enfraquecimento do papado e aumentou a riqueza dos monarcas com a tomada das terras da
Igreja. O povo que vivia em imensa situação de abandono tinha esperanças de que o poder
concentrado nas mãos de um único homem poderia libertá-lo do regime servil de trabalho que lhe
era imposto pelos senhores feudais.
Com o absolutismo os Estados se afastam definitivamente da unidade representada pelo Papa e
o soberano assume, ele próprio, a responsabilidade pela Igreja de seu país. É um momento de
grande transformação social, política e religiosa. A “fé” generalizada do homem medieval dá lugar
ao nacionalismo e, posteriormente, ao racionalismo.
O ILUMINISMO
18
ROMITA, Arion Sayão; Os direitos Sociais na Constituição e outros estudos, LTr, 1991, pp 390-391.
10
Contra o poder absoluto do Estado e, também contra qualquer religiosidade, levanta-se o
questionamento crítico da razão: o iluminismo. O século XVIII é conhecido na história como
período do iluminismo, criticando o absolutismo e exaltando a razão como único meio alcançar a
verdade. Para os filósofos da época a razão explica até Deus e a fé não serve para nada.
Foi desta época René Descartes a expressão máxima do racionalismo que com sua afirmação:
"penso logo existo", a idéia como prova da existência de Deus. Neste período, com
Motesqueieu, nasce a divisão dos poderes do Estado (executivo, legislativo e judiciário). E com
Jean Jacques Rousseau a idéia do “Contrato Social” que propõe um pacto social para
estabelecer a igualdade e liberdade de todos os cidadãos. O liberalismo de Adam Smith condena
a intervenção do Estado na economia, ficando consumado o fim do período absolutista.
O centro do iluminismo foram as cidades e as universidades e, para a difusão das idéias surge em
1717, na Inglaterra, a associação secreta da maçonaria. Os iluministas eram céticos em relação
ao cristianismo e acreditavam que Deus criou o mundo e o abandonou à mercê das leis da
evolução. Para eles, todas as religiões eram parciais e iguais. A prepotência do iluminismo exerce
um efeito paralizante sobre a Igreja e a evangelização das missões e, a educação cristã sofre
prejuízos incalculáveis com a supressão da Companhia de Jesus, tendo sido os jesuítas expulsos
de quase todos os países europeus e, seus bens, como de grande parte de outras religiosas,
foram apropriados pelo Estado.
No início, foi a valorização do humano dentro de uma sociedade teocrata; depois, a supervalorização do humano em detrimento de Deus; até a decretação da “morte de deus” com o
humanismo absoluto, onde o homem tudo pode e por isso, prescinde de Deus.
REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
A modificação do sistema agrícola, com a utilização de novos meios de cultivo; as inúmeras
invenções, dentre elas a fiação mecânica dando grande impulso à produção inglesa, faz com que
no século XVIII a indústria desenvolvesse de modo extraordinário. O tipo de trabalho na época
era aquele do artesão. Com o uso em larga escala da energia a vapor e das máquinas de fiação e
tecelagem, há um aumento de produção e o trabalho à domicílio passa para às industrias.
Devido aos desenvolvimentos, à divisão do trabalho e o novo sistema de produção, são geradas
formação de estoques. Havia uma maior produção e necessidade de “cortar” operários, pois
fabrica-se mais em menos tempo. A conseqüência é o desemprego e o trabalhador, para poder
comer, passa a aceitar qualquer condição para manter seu emprego. Não se permite a
associação com outros operários para a defesa de seus interesses, o que era considerado crime.
Podemos considerar a revolução industrial desenvolvendo-se em várias fases e traçando
modificações no modo de produção e na relação empregado-empregador até nossos dias. Assim
sendo trataremos deste assunto durante todo o curso através dessas diversas maneiras da
transformação industrial. Nesta primeira fase da revolução industrial a jornada de trabalho era de
14 a 16 horas, não poupando o trabalho infantil. Os camponeses, à procura de trabalho nas
indústrias, transferem-se para a região das zonas de mineração, gerando crescimento
desordenado das cidades fazendo com que as condições de moradia dos operários fossem as
mais degradantes.
REVOLUÇÃO FRANCESA
11
Comentário:
No final do século XVIII, explode a Revolução Francesa e a mudança operada é radical e
profunda. As classes existentes eram: a nobreza, o clero e o terceiro estado (este reunia várias
categorias: os burgueses, os ricos agricultores, os profissionais liberais, bem como os
camponeses e operários). A revolução usou a insurreição camponesa como meio de pressão,
porém os operários e camponeses ficaram marginalizados ser ter vez e sem poder lutar pelos
seus direitos.
A Revolução Francesa de 1789 não se ocupou da questão camponesa e operária. A maior parte
das terras que foram arrebatadas dos nobres e do clero acabou nas mãos de burgueses e
agricultores abastados, sendo estabelecida uma sociedade em que os pobres não têm lugar. "
Liberdade, igualdade, fraternidade" estas três palavras que parecem definir o movimento só foi
inscrita na Constituição francesa em 1848, ou seja, 60 anos depois.
Liberdade: liberdade contra as arbitrariedades do rei, porém a burguesia não obedecia a
liberdade dos outros; a escravidão foi mantida nas colônias. Liberdade diante das leis, leis estas
elaboradas pela burguesia para favorecê-los, como acontece até hoje. Igualdade: ser igual
porque todos poderiam chegar ao poder, porém os pobres sempre foram mantidos longe do
poder; as desigualdades econômicas permanecem e os pobres aumentam e, na época de
Napoleão, serão mais pobres que antes de 1789.
A igualdade não questiona as diferenças econômicas e consagra o direito de propriedade sem
cogitar a situação da maioria da população que não têm nada. Fraternidade: participação da
burguesia e não do povo, operários e camponeses. A revolução assume os hospitais, asilos,
escolas, etc, antes mantidos pelos cristãos. É criada a Beneficência Nacional, que, porém não foi
colocada em pratica e a história nos dá conta que a situação social não teve a vivência deste
aspecto.
Quais as mudanças operadas? No campo social: É decretado o desaparecimento de uma classe
privilegiada por direito de família, a nobreza, nascendo outra, a burguesia que se torna
privilegiada explorando o pobre.No campo econômico: O feudalismo é substituído por um
sistema econômico liberalista. A nova economia é baseada na iniciativa privada, livre de produzir
e comercializar o que deseja. o campo político: O sistema da monarquia absoluta é substituída
pela democracia burguesa. Os poderes são divididos em Executivo, Judiciário e Legislativo e os
cidadãos podem eleger seus representantes, que se submetem à Lei Suprema, a Constituição.
SISTEMAS IDEOLÓGICOS
Ideologia 19 é uma visão geral da vida humana em relação ao ordenamento social., pode ser
considerada como uma ciência da formação de idéias. Contudo como lembra João XXIII :
“consideram apenas alguns aspectos do homem...e não tomam em conta as imperfeições
humanas inevitáveis, como a doença e o sofrimento, que não podem eliminar nem sequer os
sistemas econômicos e sociais mais avançados”.(MM 210).
Para o papa Paulo VI a visão da ideologia é muito clara: “Também para o cristão é válido que,
se ele viver a sua fé numa ação política, concebida como um serviço, não pode sem se
contradizer a si mesmo, aderir a sistemas ideológicos ou políticos que se oponham radicalmente,
ou então em pontos essenciais, à sua mesma fé e à sua concepção do homem: nem a ideologia
19
ANTONCICH, Ricardo e SANS, J.M.M; Ensino Social da Igreja, Vozes, 1987, pp 225-263.
12
marxista, ou ao seu materialismo ateu, ou à sua dialética da violência, ou ainda, àquela maneira
como ele absorve a liberdade individual na coletividade, negando, simultaneamente, toda e
qualquer transcendência ao homem e à sua história, pessoal e coletiva; nem à ideologia liberal,
que crê exaltar a liberdade individual, subtraindo-a a toda limitação, estimulando-a com a busca
exclusiva do interesse e do poderio e considerando, por outro lado, as solidariedades sociais
como conseqüências, mais ou menos automáticas,das iniciativas individuais, e não já como um
fim e um critério mais alto do valor e da organização social.”(QA27-28)
Não há neutralidade, não existe ninguém sem uma formação anterior que lhe dê
parâmetros para escolha. Pode haver imparcialidade, ou seja, mesmo você possuindo uma
posição, não poderá exercê-la, como e o caso dos juízes, por exemplo, que deve julgar segundo
as leis e os fatos constantes do processo e não de acordo com sua ideologia.
Da Revolução Francesa nasce como ideologia o individualismo burguês e liberal. O
liberalismo alimenta o capitalismo como sistema econômico. Como reação nasce o socialismo e o
mundo, aos poucos, se divide em dois blocos: o liberalista e o socialista. Tanto o liberalismo
como o socialismo, radicalizados, são conceitos extremistas e prejudiciais à liberdade e à justiça.
O Liberalismo concebe o homem com um indivíduo que se basta a si mesmo, prescindindo de
tudo e de todos; é ele o sujeito do próprio destino e sua própria lei. É o individualismo, a razão,
o egocentrismo elevado ao grau máximo. É a liberdade sem limites. O poder público não pode
intervir no campo da produção ou em defesa do cidadão, vale a livre concorrência e a economia
de mercado: . individualismo - nega o social, o homem basta a si mesmo
. naturalismo - bondade natural e . racionalismo - supremacia da razão
. liberdade sem limites - o mercado é o limite, a concorrência como lei suprema da economia
.sem regras - há uma acomodação natural
Neoliberalismo é um abrandamento teórico, dando mais espaço ao social, prometendo menor
rejeição ao Estado, contudo o mercado continua o mito intocável. Ao que tudo indica o
neoliberalismo não conseguiu resolver o problema socio-econômico em nenhum país do planeta.
A recessão, o desemprego, a injustiça social são suas marcas mias temidas.
O Capitalismo é alimentado pelo pensamento liberal. É a força do capital como elemento de
distinção e de conquista do poder. É a expressão econômica organizada a partir do liberalismo.
. não aceita a intervenção do Estado
. o direito de propriedade não possui limites e sem obrigações sociais
. o lucro é do capital, sendo o motor essencial do progresso econômico
. o mercado como ética
Aceitando a supremacia do capital sobre o trabalho e o mercado como definidor da estrutura de
preços, o capitalismo relega o homem e a justiça social ao último plano de suas ações. A
economia é realizada pela própria economia em nome do crescimento. Não é uma economia que
pensa no homem e num crescimento necessário para beneficiar a todos os homens; beneficia
apenas uma camada de privilegiados.
13
Personalismo Social nasce com a influência dos cristãos que discordavam das posições
anteriores e afirmava a supremacia da dignidade humana, a valorização da solidariedade e da
fraternidade e a justiça social
O Socialismo coloca o homem como peça de uma engrenagem, que é o Estado absoluto;
primeiro a sociedade depois o homem. Na relação industrial não vê possibilidade de um acordo
entre patrões e operários, mas somente a luta de classes. O coletivismo socialista reivindica a
igualdade econômica ao preço do sacrifício da liberdade social. É o homem social; o Estado
como centro da sociedade e o primado do trabalho sobre o capital.
Comunismo é o socialismo radical com total intervenção do Estado, sem liberdade política e
social.
a) o modelo político é o Estado órgão de um partido único
b) o modelo econômico é a total coletivização dos meios de produção com limitação da
propriedade dos bens de consumo, com absoluto intervencionismo estatal
c) a ação é obra da ditadura dos burocratas do partido e não do proletariado como prega a
teoria
Marxismo
Karl Marx (1818-1883) foi o elaborador das linhas do pensamento comunista, juntamente com
Engels e suas teses foram apresentadas no Manifesto Comunista de 1848 e posteriormente
desenvolvidas na sua obra O Capital.
Para Marx a origem do cosmos é a matéria e a origem do homem é a evolução da matéria.
Sendo o homem resultado da evolução da matéria não possui nenhuma razão de ser e nenhum
destino além do material. Nascendo da matéria ele volta à matéria e se desintegra nada restando
da pessoa humana. Assim sendo o único sentido da vida é sua inserção na História para preparar
o advento da sociedade futura.
Com o determinismo histórico o marxismo anuncia o socialismo coletivista como a inevitável
passagem do feudalismo para uma nova forma de vida econômica. O capitalismo com as
contradições por ele criticadas estava fadado ao fracasso como resposta para a justiça social, a
solução seria o comunismo.
Evolução do socialismo 20 a primeira etapa do socialismo europeu vai até 1914 que entre o
anarquismo e o socialismo moderado, vence a corrente marxista que se encarna na social
democracia. A segunda etapa é aquela da Revolução Russa que teve sua queda política em
1989. A terceira etapa é de 1945 com o agravamento da tensão entre socialistas e comunistas. A
partir dos anos sessenta se fala da quarta etapa e a URSS perde o monopólio de constituir o
único marxismo.
20
CAMACHO,Ildefonso e outros;Práxis Cristã,Vol. III.Opção pela justiça e pela liberdade,Ed.Paulinas,1988,pp
452-457
14
Hoje a tendência do socialismo é acatar o pluralismo democrático, aceitar um sistema misto de
propriedade, aderir a alianças com o ocidente e abandono da propriedade pública dos meios de
produção.
RERUM NOVARUM
A condição dos trabalhadores.
A Rerum Novarum a encíclica que inaugura oficialmente a Doutrina Social da Igreja foi editada
em 15 de maio de 1891 pelo Papa Leão XIII. Este foi, aos 81 anos, um ato corajoso de um
pontífice jesuíta eleito com 68 anos. Propõem num documento da Igreja temas inéditos:
propriedade privada, relação capital/trabalho, salário justo, jornada de trabalho, sindicalismo.
Num ambiente liberalista, a encíclica, mesmo criticando o comunismo, propõe duas soluções
socialistas: a) a intervenção do Estado (parcial e não total) e b) a criação de sindicatos (misto de
empregados e patrões).
O documento tem o reconhecimento universal de seu valor em busca de uma real ordem e paz
social. Os princípios da Rerum Novarum influenciaram a legislação social de muitos países entre
eles o Brasil; serviram de fonte para a elaboração das leis trabalhistas em todo o mundo, bem
como para as leis internacionais do Trabalho no Tratado de Versalhes (1919) e na orientação da
criação da OIT - a Organização Internacional do Trabalho.
Contexto Histórico
O documento foi publicado um século após o início da Revolução Industrial e da Revolução
Francesa e 5 décadas depois do Manifesto de Marx. O mundo se deparava com o liberalismo
mantendo os trabalhadores sem qualquer proteção e o perigo de um comunismo ateu que não
dava mostras de resolver a questão. As coisas novas que agitam a todos, passam da esfera
política para a economia social. O progresso industrial alterara a relação entre operários e
patrões e resulta num temível conflito, que seria denominado de questão social. O problema não
é fácil de resolver, é difícil precisar com exatidão os direitos e deveres do capital e do trabalho.
Três são as propostas da Rerum Novarum para e equilíbrio social: a aplicação da Doutrina
Cristã; a intervenção do Estado para possibilitar a justiça social e a ação organizada dos
trabalhadores em sindicatos e associações. Na tentativa de conhecer um pouco este histórico
documento extraímos alguns trechos que passamos a transcrever
4. “De fato, como é fácil compreender, a razão intrínseca do trabalho compreendido por quem
exerce uma arte lucrativa, o fim imediato visado pelo trabalhador, é conquistar um bem que
possuirá como próprio e como pertencendo-lhe; porque, se põe à disposição de outrem as suas
forças e à sua indústria, não é evidentemente, por outro motivo senão para conseguir com que
possa prover à sua sustentação e às necessidades da vida, e espera do seu trabalho, não só o
direito ao salário, mas ainda um direito estrito, e rigoroso para usar dele como entender.
Portanto, se, reduzindo as suas despesas, chegou a fazer algumas economias, e se para assegurar
a sua conservação, as empregam, por exemplo, num campo, o campo é seu salário
transformado".
15
O uso comum e a propriedade particular
O uso comum não autoriza o domínio confuso dos bens. Embora particular, a propriedade deve
servir a todos e todos devem se alimentar dos frutos da terra. Da mesma forma que o fruto do
trabalho pertence ao trabalhador; a terra "dominada" deve pertencer a quem a cultivou.
Posse e uso das riquezas
14. “Sobre o uso das riquezas, já a pura filosofia pode delinear alguns ensinamentos de suma
excelência e extrema importância; mas só a Igreja no -los pode dar na sua perfeição, e fá -los
descer do conhecimento à prática. O fundamento dessa doutrina está na distinção entre a justa
posse das rique zas e o seu legítimo uso. A propriedade particular, já o dissemos acima, é de
direito natural para o homem: o exercício deste direito é coisa não só permitida, sobretudo a
quem vive em sociedade, mas ainda absolutamente necessária (Santo Tomás, Sum. Teológica).
Agora, se pergunta em que é necessário fazer consistir o uso dos bens, a igreja responderá sem
hesitação: “A esse respeito o homem não deve ter essas coisas exteriores por particulares, mas
sim por comuns, de tal sorte que facilmente de parte delas aos outros nas suas necessidades. E
por isso que o Apóstolo disse: “Ordena aos ricos do século... dar facilmente, comunicar as suas
riquezas” (Santo Tomás, Sun. Teol.)”.
Proteção do trabalho operário das mulheres e das crianças
27. “Assim, o número de horas de trabalho diário não deve exceder a força dos trabalhadores, e
a quantidade do repouso deve ser proporcionada à qualidade do trabalho, às circunstâncias do
tempo e do lugar, à compleição e saúde dos operários. O trabalho, por exemplo, de extrair
pedra, ferro, chumbo e outros materiais escondidos, debaixo da terra, sendo mais pesado e
nocivo à saúde, deve ser compensado com uma duração mais curta”.
Salário
O salário deve ser suficiente para a manutenção da família do trabalhador e ainda permitir uma
poupança para que ele possa adquirir sua propriedade.
“Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções que lhe aprouver, cheguem inclusive a
acordar na cifra do salário; acima da sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais
elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a
subsistência do operário sóbrio e honrado. Mas se, constrangido pela necessidade ou forçado
pelo receio dum mal maior, aceita condições duras que por outro lado lhe não seria permitido
recusar, porque lhe são impostas pelo patrão ou por quem faz oferta do trabalho, então é isto
sofrer uma violência contra a qual a justiça protesta”.
A economia como meio de conciliação das classes
16
30. “O Operário que receber um salário para ocorrer com desafogo às suas necessidades e às
da sua família, se for avisado, seguirá o conselho que parece dar-lhe a própria natureza: aplicarse-á a ser parcimonioso e obrará de forma que, com prudentes economias, vá juntando pequeno
pecúlio, que lhe permita chegar um dia a adquirir um modesto patrimônio”.
Disciplina e fim das associações
35. “Precisam evidentemente estas corporações, para que nelas haja de ação e acordo de
vontades, duma sábia e prudente disciplina. Se, pois, como é certo, os cidadãos são livres para
se associarem, devem sê-lo igualmente para se dotarem com os estatutos e regulamentos que
lhes pareçam mais apropriados ao fim a que visam”.
Convite para os operários se associar
36. “E necessário ainda prover de modo especial a que em nenhum tempo falte trabalho ao
operário; e que haja um fundo de reserva destinado a fazer face, não somente aos acidentes
súbitos e fortuitos inseparáveis do trabalho industrial, mas ainda à doença, à velhice e aos reveses
da fortuna”.
QUADRAGESIMO ANNO - 15 DE MAIO DE 1931
Instauração de uma nova ordem social.
Este documento foi publicado em 15 de maio de 1931, pelo Papa Pio XI, em comemoração do
40º aniversário da Rerum Novarum. Além de um balanço dos 40 anos que separam os dois
documentos, a QA. aponta para a necessidade da Restauração da ordem social através da
organização profissional e interprofissionais e a Renovação dos costumes.
O socialismo troca o indivíduo pelo Estado. São povos, sem povo, como dizia Sartre analisando
a sociedade dos anos 70: "não há mais povo atualmente, porque não se pode chamar de povo,
homens completamente individualizados pela divisão do trabalho, sem outra relação com outros
homens que a profissional". Quando o Papa Leão XIII publicou a Rerum Novarum, o socialismo
era visto como o grande mal da sociedade. Passados 40 anos, a Quadragésimo Anno de Pio XI,
ressalta que o capitalismo, com sua livre concorrência sem limites, foi uma fonte envenenada da
qual derivaram grandes erros da economia.
Os capitalistas controlavam o Estado para obterem vantagens sem medidas e aos operários,
negam o direito ao lucro. O Estado, porém, não servia de proteção ao indivíduo, sujeito
unicamente à livre concorrência. Nesta época o capitalismo já é reconhecido como portador de
uma filosofia que favorecem poucos que destrói a harmonia da sociedade e onde a lei é o
individualismo sem lei. O mundo acabava de sair das ruínas da 1ª Guerra Mundial e uma outra
grande tragédia, não menos grave, caía sobre a sociedade: a crise econômica com a
desocupação em massa.
O capitalismo entrava em uma nova fase, da concentração do capital nas mãos de grupos
financeiros de tendência monopolizadora. O socialismo dividiu-se em duas correntes
fundamentais: O Socialismo Moderado e o Marxismo. As situações de mudanças. Não tínhamos
somente o confronto capital e trabalho: a questão social torna -se mais ampla, motivando
confronto entre nações pelo predomínio econômico.
Dentre os temas tratados estão aqueles já abordados pela RN, dando ênfa se ao perigo do
capitalismo; ao duplo caráter da propriedade privada e da colaboração de todos os membros da
17
sociedade para permitir ao Estado intervenção supletiva. O documento é dividido em 3 partes e
147 parágrafos, sendo que 40 para a 1ª parte, 50 para a 2ª parte da qual extraímos alguns
trechos e reportamos a seguir e, os últimos parágrafos são dedicados à uma análise da situação
economico-social da época.
Propostas da Quadragésima Anno:
1º) Reconstrução de corpos intermediários com finalidade econômico-profissional.
2º) Autoridade do Estado para a atuação do bem comum.
3º) A colaboração em esfera mundial entre as comunidades políticas, também no campo
econômico.
A QA condena o liberalismo econômico e contesta o mercado livre; alerta para os limites da
propriedade e propõe a co-gestão, co-propriedade e participação nos lucros da empresa; define
o direito de intervenção do Estado em caracter subsidiário.
Duas classes existentes na época: uma pequena e rica outra grande e pobre; a propostas dos
ricos era de resolver o problema com a "caridade" para socorrer os pobres, sem mudar a relação
de trabalho. A Finalidade da Quadragesimo Anno é a reforma cristã dos Costumes/Leis
Trabalhistas/ Formação dos Cristãos.
Transcrição de trechos da QA:
Direito de propriedade: relembra as críticas feitas ao Papa Leão XIII como se fosse defensor
dos ricos. Porém alerta que ele jamais colocou em dúvida a dupla espécie de domínio: individual
e social, que os proprietários não usem do que é seu, senão honestamente.
44. “ E a fim de por termo às controvérsias que, acerca do domínio e deveres a ele inerentes,
começaram a agitar-se, note-se, em primeiro lugar, o fundamento assente por Leão XIII, de que
o direito de propriedade é distinto do seu uso . Com efeito, a chamada justiça comutativa obriga
a conservar inviolável a divisão dos bens e a não invadir o direito alheio excedendo os limites do
próprio domínio que porém os proprietários não usem do que é seu, senão honestamente.”
Restauração da ordem social
78. “Ao falarmos na reforma das instituições temos em vista o Estado, não porque dele se deva
esperar-se todo o remédio, mas porque o vício do já referido individualismo levou as coisas a tal
extremo, que enfraquecida e quase extinta aquela vida social antes rica e harmônicamente
manifestada em diversos gêneros de agremiações, quase só restam os indivíduos e o Estado.”
Organizações intermediárias
83. “Mas a cura só então será perfeita, quando a estas classes opostas, se substituírem
organismos bem constituídos, ordens ou profissões, que agrupem os indivíduos, não segundo a
sua categoria no mercado do trabalho, mas segundo as funções sociais que desemprenham. “
87. “E como os habitantes de um município costumam formar associações autônomas para fins
muito diversos, às quais cada um é livre de dar ou não o seu nome, assim os que exercem a
mesma profissão, conservam a liberdade de se associarem para fins de algum modo relacionados
com o exercício de sua arte.”
18
Associações operárias: lutar pelos interesses da classe.
Associações não operárias: agricultores e corporações
Sindicatos
92.”O Estado reconheceu juridicamente o “sindicato”, dando-lhe, porém, caráter de um
monopólio, já que só ele, assim reconhecido, pode representar respectivamente operários e
patrões, só ele concluir contratos e pactos de trabalho. A inscrição no sindicato é facultativa, e só
neste sentido se pode que a organização sindical é livre.”
RADIOMENSAGENS DE 1941-1954
Durante a II Grande Guerra (1939/1945) o papa foi Pio XII que ficou na história como
testemunho de vitalidade e transcendência e durante seus 19 anos de pontificado produziu
inúmeros pronunciamentos radiofônicos que ressaltavam:
.A dignidade do homem, devendo ser considerado como sujeito e não objeto do Direito
.Que todos devem ser proprietários e não proletários
.Recomendação para a democratização do capital e organização profissional
.a humanidade deve ser considerada como povo pensante e não como massa submissa
.a autoridade deve ser responsável, com valorização da família.
MATER ET MAGISTRA
A evolução da vida social à luz dos princípios cristãos.
Este documento foi de autoria de João XXIII, sem dúvida uma das maiores personalidades do
nosso século. Eleito Papa com 77 anos revolucionou a Igreja e convocou o Concílio Vaticano II
que trouxe aos cristãos uma nova orientação no sentido de resgatar as origens e os ensinamentos
de Jesus.
A Mater et Magistra foi publicada em 15 de maio de 1961, na comemoração dos 70 anos da
RN, num ambiente pós II Grande Guerra onde o mundo vive o fenômeno do
subdesenvolvimento. É tempo também dos reformadores Kennedy e Chruschov e da
internacionalização da economia.
Há um crescimento do fenômeno do subdesenvolvimento não obstante a evolução no campo da
ciência, da técnica e da economia com o descobrimento da energia nuclear e início da conquista
espacial progresso da química e uso de produtos sintéticos. Com o rádio e a televisão há uma
diminuição das distâncias entre os vários povos.
Na sua estrutura, de início fala do ambiente da RN e seus princípios, relembra a Quadragesimo
Anno e as Radiomensagens de Pio XII. A segunda parte aborda atualizações conceituais e
doutrinárias sobre a intervenção do Estado, salário, organização da empresa e direito de
propriedade. Na terceira parte apresenta os novos aspectos da questão social: a relação entre a
agricultura e outros setores; trata o tema agricultura como o êxodo rural, o regime fiscal e de
crédito para o campo; a situação demográfica e desenvolvimento econômico; a cooperação
19
internacional para a relação entre os vários setores da economia; regiões desiguais dentro do
país; países ricos e países pobres.
Aspectos enfatizados pela encíclica:
a) socialização com intervenção do Estado e respeito à propriedade privada
b) precariedade da situação salarial no 3º Mundo
c) o desigualdade entre os povos gera a miséria de mais da metade da população mundial
d) necessidade da participação do empregado na vida da empresa como gestão, lucro e
propriedade
e) integração das associações no governo e a reforma agrária
Equilíbrio entre as regiões do mesmo país
150. “Ocorre, freqüentemente, que, num mesmo país, os cidadãos gozem, em grau diferente, do
progresso econômico e social, pelo fato, principalmente, de viverem e exercerem as suas
atividades em áre as de desenvolvimento econômico desigual. Onde isso ocorrer, exige a justiça e
a equidade que os poderes públicos tudo façam para suprimir ou, ao menos, para reduzir esses
desequilíbrios.”
Desequilíbrio entre a terra e população
153. “Convém, aqui, atender para o fato de que existe em numerosas nações, um sério
desequilíbrio entre terra e população. Em alguns países, há escassez de população e abundância
de terras cultiváveis; em outros, ao contrário, a população é excessiva e a terra exígua.”
Exigências da Justiça entre as Nações de diferente desenvolvimento econômico
157. “O problema mais importante da nossa época é, talvez, o das relações que devem existir
entre os países economicamente desenvolvidos e os países em fase de desenvolvimento.
Enquanto uns gozam de um alto padrão de vida, outros suportam os horrores da miséria. Ora,
onde quer que se encontrem, os homens se vêem, hoje, ligados por tais vínculos, que é como se
habitassem todos a mesma casa. Por isso mesmo,as nações que gozam de saturação e
superabundância de bens não podem permanecer indiferentes ante a situação daquelas, cujos
habitantes se acham mergulhados em tais crises domésticas, que se vêem condenadas à miséria e
á fome e a não desfrutar, sequer, dos direitos fundamentais do homem.”
Ajuda e cooperação para o desenvolvimento
163. “...O remédio, será a utilização de todos os meios disponíveis para que, de um lado, os
cidadãos possam adquirir uma excelente formação técnica e profissional, e de outro, tenham à
sua disposição os capitais necessários para que eles mesmos se incorporem ao processo
econômico, segundo normas e métodos adequados à nossa época.”
Justa repartição
168. “Uma produção mais copiosa de bens, através dos processos mais adequados, é, não só
um ato de inteligência, como uma imprescindível necessidade. Mas, é, igualmente, necessário e
de justiça que as riquezas produzidas sejam, eqüitativamente, distribuídas entre todos os
cidadãos.”
20
Respeito pela personalidade de cada povo
169. “E, Outrossim, um fa to inegável que os países em processo de desenvolvimento, não raro,
ostentam certas características próprias que lhes advêm do ambiente, das tradições ancestrais,
ricas de conteúdo humano, ou da índole peculiar dos seus habitantes.”
170.“Ao oferecer-lhes ajuda, as nações mais prósperas não só devem levar em consideração
essas características e manifestar-lhes o seu respeito, como devem ter o maior escrúpulo em não
procurar impor-lhes a sua maneira de vida, ao amparo da ajuda que lhes prestam.”
Desinteresse político
171. “Cuidem, igualmente, os países que proporcionam ajuda às nações mais pobres em não
prevalecer-se disso para tirar proveito da política interna dessas nações ou para realizar planos
de domínio.”
Hierarquia dos valores
175. “Sem dúvida alguma, onde o progresso das ciências, da técnica, da economia e do bem-estar
do povo se realiza de maneira simultânea, uma importante contribuição é dada à civilização e à
cultura. Mas, é preciso que todos tenham em mente que esses não são bens supremos, mas,
unicamente, meios para atingi-los.”
176. “Por isso, vemos com profunda tristeza que, nos países desenvolvidos se encontram não
poucos homens para os quais a reta hierarquia dos bens não tem a menor importância; desprezam
os valores do espírito ou os esquecem ou chegam mesmo a negar-lhes a existência, ao mesmo
tempo que falam com todo o entusiasmo do progresso das ciências, da técnica e da economia,
fazendo, não raro, do bem estar material, o fim supremo de suas vidas...”
Progresso demográfico e desenvolvimento econômico: O problema no plano mundial
188. “A bem da verdade, a proporção, no plano mundial, entre o aumento demográfico e os
meios de subsistência não oferece graves ameaças, nem o momento, nem num futuro próximo.”
O problema nos países menos favorecidos
192. “É nosso parecer que esse problema encontra uma solução adequada somente se o
progresso econômico e social, tanto dos indivíduos quanto da inteira sociedade humana,
preservar os verdadeiros valores. Ora, em matéria de valores a absoluta primazia cabe a tudo o
que respeita à dignidade do homem em geral e, em particular, à vida de cada ser humano, que é
mais precioso de todos os bens. A solução desse problema depende, também, da mútua
colaboração de todos os povos, através de um intercâmbio regular de conhecimentos, de capitais
e, mesmo, de homens, entre as várias nações, o que será de evidente proveito para todos”
Cooperação Internacional : Todo problema hoje é internacional
200. “Nestes últimos tempos, o progresso das ciências e da técnica ampliou, de tal modo, as relações entre os
vários países, em todos os setores da vida social, que, em conseqüência, os povos se vêem cada vez mais
dependentes, uns dos outros. Segue -se daí, que nenhum país, por mais avançado que seja o seu nível de
civilização e de cultura, por maior que seja o número e a capacidade dos seus habitantes, por grandes que
sejam o progresso da sua economia, a largueza dos seus recursos, a extensão de seu território, poderá,
isoladamente, resolver de forma adequada os seus problemas básicos. Forçados, assim, a completarem -se e a
aperfeiçoarem-se mutuamente, os povos não consultarão bem os seus interesses, se não levarem, igualmente,
em conta os interesses dos outros. Desse modo, nada mais necessário do que o entendimento e a colaboração
entre as nações.”
21
PACEM IN TERRIS
O respeito dos direitos humanos como condição para a paz.
Embora não possa ser considerada como um documento essencialmente social, reveste-se de
grande importância por tratar do maior problema social: o relacionamento. É uma encíclica que
aborda temas políticos, sendo que na primeira parte faz uma reflexão sobre os direitos e deveres
da pessoa humana e reforça os direitos fundamentais do homem já levantados por Pio XII em
1942 e consagrados pela sociedade mundial em 1948 pelo documento da ONU.
A segunda parte estuda as relações entre os indivíduos com o poder público, alertando da
necessidade dos poderes se adaptarem “a natureza e complexidade dos problemas que deverão
enfrentar na presente conjuntura histórica”. Temos aqui o retorno do uso do termo bíblico “Sinais
dos Tempos”, com uma metodologia própria de analise da realidade conhecida como: Ver,
Julgar e Agir.
A relação entre as comunidades políticas é o tema da terceira parte, com a afirmação da
existência de direitos e deveres internacionais. Propõe para a solução dos conflitos: verdade,
justiça, solidariedade e liberdade, sendo que é preciso recorrer ao diálogo e às negociações, não
às armas.
Por fim temos a relevância dada à competência técnica aliada à experiência profissional e o
realce para a cooperação entre católicos e não católicos no campo social, econômico e político.
GAUDIUM ET SPES
A alegria e a esperança do homem de hoje
Alegria e esperança são as palavras iniciais desta Constituição Pastoral publicada em 7 de
dezembro de 1965 no curso do Concílio Vaticano II. Com o objetivo de promover a
solidariedade humana com a família universal, a Gaudium et Spes determina a alegria e esperança
com que a Igreja deve abraçar a modernidade na busca do positivo e na defesa da dignidade da
pessoa humana.
O Concílio Vaticano II foi o momento histórico onde a Igreja buscou a sua reconciliação com o
mundo e a Gaudium et Spes é a grande expressão deste desejo. Poder-se-ia dizer que a GS
retrata o pensamento motivador de João XXIII para convocar o Concílio. Penso que podemos
resumir em três palavras a sua intenção: abrir as janelas da Igreja para o mundo; analisar os sinais
dos tempos e buscar o positivo na sociedade atual.
Estrutura do documento: Introdução: a condição do homem no mundo de hoje
1ª parte: a vocação do homem e a sua dignidade - 2ª parte: alguns problemas mais urgentes
como a conveniente promoção do progresso cultural; economia e política com a paz mundial.
Destaques: a pessoa humana como autora e fim da atividade econômica. O trabalho como
atividade superior a qualquer outro aspecto da economia.
22
POPULORUM PROGRESSIO
O desenvolvimento humano integral do homem todo, de todos os homens e de todos os
povos.
A encíclica sobre o progresso dos povos é do Papa Paulo VI, o Cardeal Montini, eleito em
1963 com 61 anos de idade, tendo governado por 15 anos. Homem de grande cultura é autor da
conhecida frase sobre a paz: "Desenvolvimento é o novo nome da paz".
A Populorum Progressio publicada em 26 de março de 1965 atingiu seus objetivos que era
defender os pobres, porém conseguiu receber muitas críticas da direita. O jornal The Wall Street
Journal principal diário financeiro americano na época, qualifica o documento como sendo de
expressão marxista. Paulo VI condena a discriminação imposta ao Terceiro Mundo; reforça a
condenação ao capitalismo liberalista e diz que o desenvolvimento verdadeiro é aquele a serviço
da solidariedade entre os povos da terra.
Estrutura do documento: A temática principal é que a questão social abrange o mundo inteiro. Na
1ª parte fala sobre o desenvolvimento integral do homem ao que chama de humanismo total. Na
2ª parte propõe o desenvolvimento solidário da humanidade.
SOBRE O TRABALHO HUMANO
A dignidade do trabalho e do trabalhador.
Este tratado sobre o trabalho humano foi escrito pelo papa operário em 1981. Trata dos vários
aspectos do trabalho e, retomando a prioridade do trabalho sobre o capital, formula sua tese
sobre o trabalho como chave da questão social.
“É mediante o trabalho que o homem deve esforça-se por obter o pão cotidiano e contribuir para
o progresso contínuo das ciências e da técnica, e, sobretudo para a incessante elevação cultural e
moral da socie dade, na qual vive em comunidade com os próprios irmãos. O trabalho é uma das
características que distinguem o homem do resto das criaturas, cuja atividade, relacionada com a
manutenção da própria vida, não se pode chamar trabalho; somente o homem tem capacidade
para o trabalho e somente o homem o realiza, preenchendo, ao mesmo tempo, com ele a sua
existência sobre a terra. Assim, o trabalho comporta em si uma marca particular do homem e da
humanidade, a marca de uma pessoa que opera numa comunidade de pessoas; e uma tal marca
determina a qualificação interior do trabalho e, em certo sentido, constitui a sua própria
natureza.”
A SOLICITUDE SOCIAL DA IGREJA
A preocupação social da Igreja
23
“A solicitude Social da Igreja, que tem como fim um desenvolvimento autêntico do homem e da
sociedade, o qual respeite e promova a pessoa humana em todas as suas dimensões, manifestouse sempre das mais diversas maneiras”(SRS 1). Esta introdução se complementa falando dos
documentos sociais a partir da Rerum Novarum e, em especial, da Populorum Progressio, cujo
vinte anos são comemorados. A encíclica trata do panorama do mundo contemporâneo e do
desenvolvimento humano autêntico, fazendo uma leitura teológica dos problemas modernos e
dando orientações particulares.
Quanto ao panorama social do mundo da época, salienta que as esperanças de desenvolvimento
bem vivas em 1967, “aparecem hoje muito longe de sua realização” (SRS 11). Os problemas se
agravaram; as responsabilidades dos países do Norte para com os países do Sul não foram
satisfeitas. A nossa consciência deve possuir uma dimensão moral para distinguir as várias
concepções de desenvolvimento
“A solidariedade ajuda-nos a ver o outro - pessoa, povo ou nação - não como um instrumento
qualquer, de que se explora, a baixo preço, a capacidade de trabalho e a resistência física, para
o abandonar quando já não serve: mas, sim, como um nosso semelhante, um auxílio (cf. Gn
2,18.20), que se há de tornar participante, como nós, no banquete da vida, para o qual os
homens são igualmente convidados por Deus. Daqui a importância de despertar a consciência
religiosa dos homens e dos povos”. (SRS 37).
“A Igreja não tem soluções técnicas que possa oferecer para o problema do
subdesenvolvimento...(SRS 41) .Mas a Igreja é perita em humanidade, diz repetindo a
Populorum Progressio. “A exemplo dos meus Predecessores, devo repetir que não se pode
reduzir a um problema técnico aquilo que, como é o caso do desenvolvimento autêntico,
concerne à dignidade do homem e dos povos.” (SRS 41).
O papa recorda a opção preferencial pelos pobres e a responsabilidade social e para isso cita a
passagem do pobre Lázaro do Evangelho de Lucas (Lc 16, 19-31) e conclui dizendo que a
nossa vida cotidiana de ver marcada por estas realidades para decisões em campo político e
econômico (SRS 42).
CENTESIMUS ANNUS
Centenário da Rerum Novarum
Estamos em 1º de maio de 1991 e se comemora os cem anos da Rerum Novarum. O
documento relembra as condições do final do 1º século, palco da RN: as condições precárias
dos operários; a traição da revolução francesa aos pobres; o pequeno número de proprietários.
Este cenário está modificado em parte do mundo, porém continua o mesmo no chamado
Terceiro Mundo. Além de um olhar para trás, a CA convida a olhar ao redor e ver a situação
dramática dos países pobres; o consumismo que ameaça o 1º mundo e o triste final da revolução
de 1917.
Ao mesmo tempo o documento alerta para um olhar para o futuro: com as incógnitas e
promessas do 3º milênio; pela busca de caminho além dos sistemas econômicos e por uma
opção pela moral e pela cultura.
Considerando a importância desta encíclica pelo 1º Centenário da Doutrina Social e tendo em
vista sua abordagem retrospectiva e ao mesmo tempo prospectiva é indispensável leitura de todo
o documento.
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Apresentamos aqui alguns pontos considerados momentos-chaves da encíclica segundo o Frei
Constantino Bombo21:
1. A causa fundamental dos erros e derrocada do regime socialista marxista é o ateísmo e a
queda dos regimes do Leste europeu deve -se, principalmente, à violação dos direitos do
trabalhador e ineficácia do sistema econômico;
2. Necessidade da ajuda por parte dos países ricos, sendo que o auxílio aos países do antigo
bloco comunista não pode ser feito em prejuízo ao Terceiro Mundo. Os países ricos devem
oferecer oportunidade de inserção na vida internacional aos países pobres;
3. A terra pertence a todos e ninguém tem poder absoluto sobre ela e a propriedade privada,
embora legítima, não é direito absoluto;
4. A igreja apóia o mercado livre que respeite o homem e dentro de um regime democrata e o
capitalismo só pode ser aceito num sistema econômico que reconheça o papel da empresa e a
livre criatividade humana no setor da economia;
5. O pagamento da dívida externa não pode ser feito com o dinheiro que serve para alimentar o
povo;
6. A ONU não conseguiu a solução dos conflitos internacionais e nem coibir as guerras
fratricidas de fundo político-econômico;
7. Quando o homem julga-se superior a Deus e senhor do Universo, provoca desordens na
natureza, gerando os problemas ecológicos;
8. A Igreja oferece sua teologia social de libertação humana integral, colocando o homem no
centro da questão social e afirmando que ama verdadeiramente os pobres.
BIBLIOGRAFIA
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