Análise informático-linguística de três versões do conto

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Análise informático-linguística de três versões
do conto As Três Cidras do Amor
José Barbosa Machado
Universida de Trás-os-Montes e Alto Douro
1. Introdução
Uma das características dos contos de tradição oral é a sua variabilidade no tempo
e, principalmente, no espaço. Conhecem-se versões diferentes do mesmo conto, não só
em vários países, próximos ou distantes entre si, com uma base mítica comum, mas
também dentro do mesmo país, podendo a variabilidade ser de aldeia para aldeia e de
contador para contador. A análise da multiplicidade de versões só é possível ao
investigador depois da recolha do material através da transcrição e, caso seja possível,
da gravação áudio. Das histórias que se contavam há cem ou cento e cinquenta anos
atrás é impossível proceder a gravações e o investigador terá de cingir-se às recolhas
heterogéneas, mais ou menos científicas, mais ou menos literárias, feitas por autores
como, no caso português, Adolfo Coelho, Teófilo Braga e Consiglieri Pedroso. Das
histórias que hoje ainda se contam nalguns contextos sociais, especialmente rurais e de
interioridade geográfica, onde a arte de contar, em vias de extinção, é ainda um meio
de os velhos distraírem os mais novos, poderá proceder-se à gravação em áudio e à
posterior transcrição.
Através de software específico de análise estatístico-lexical de textos, de
construção de bases de dados e de concordâncias, o investigador poderá ter, por um
lado, uma visão de pormenor, baseada em dados fidedignos, das alterações que surgem
em versões do mesmo conto tradicional, e por outro uma visão mais alargada do
tratamento de uma determinada temática pela literatura de tradição oral.
António José Saraiva, num capítulo sobre a literatura tradicional portuguesa da
obra A Cultura em Portugal, refere que «seria possível encontrar características
próprias de um todo cultural diferenciado se pudéssemos saber quais são as estórias
mais frequentes numa determinada região, as variantes das estórias em relação às
análogas nas outras regiões e o impacte delas numa determinada população» (Saraiva
1985: 170). Reconhece, todavia, que «esse trabalho supõe o conhecimento completo de
todas as estórias tradicionais em todas as partes do mundo e a possibilidade de as
comparar», duas condições que «provavelmente nunca existiram» (Ibidem).
Face a esta dificuldade, o que resta ao investigador é pegar num corpus reduzido
e tentar, através da análise comparativa, chegar a algumas conclusões, certamente
parciais, que poderão lançar alguma luz acerca das questões que se levantam sobre esta
espécie de literatura.
No nosso trabalho, faremos o confronto entre três versões do conto genericamente
conhecido como As Três Cidras do Amor. Verificaremos o vocabulário utilizado e a
sua variabilidade; os campos lexicais comuns às várias versões; a simbologia de
objectos, eventos e personagens; as personagens e o seu papel na diegese da história; a
construção narrativa, o estilo e a estrutura sintáctica.
2. O conto As Três Cidras do Amor
Fernão Soropita, em finais do século XVI, é um dos primeiros autores a aludir a
1
este conto. Diz ele em Poesias e Prosas Inéditas, obra publicada por Camilo Castelo
Branco: «Apareceram por prosa as Três Cidras do Amor» (Soropita 1868: 103).
Adolfo Coelho, na introdução aos Contos Populares Portugueses (1879), fala da
existência de cinco versões conhecidas em Portugal (cfr. Coelho 2005: 4).
Teófilo Braga, na colectânea dos Contos Tradicionais do Povo Português,
publicada em 1883, com segunda edição actualizada em 1914, apresenta três versões
deste conto: Bola-Bola, As Nozes e As Três Cidras do Amor. Segundo Teófilo Braga, As
Três Cidras do Amor é um conto universal que surge «modificado segundo os frutos
predilectos de cada terra, cidras, laranjas ou nozes» (Braga 2005: 132). Refere o mesmo
autor que é um conto bastante vulgar em Espanha. Classifica as três versões que
recolheu como contos míticos da aurora, do sol e da noite. Entende que a maior parte
dos contos baseados em mitos primitivos relativos aos fenómenos solares e
meteorológicos «pode ser reduzida ao tipo geral em que os personagens se identificam
com os mitos do Sol, da Aurora e da Noite, da Primavera e do Inverno» (Ibidem: 23).
Consiglieri Pedroso, na colectactânea dos Contos Populares Portugueses
publicada em 1910, recolhe várias versões, todas diferentes, do mesmo conto. Segundo
este autor, a história encontra-se «até na Índia, como pode verificar-se no livro de Maive
Stokes, Indian Fairy Tales (nºXXI – The Belprincess)» (Pedroso 2005: 9). As versões
que este autor recolhe são as seguintes: A Princesa Encantada, A Menina e a Preta, A
Pomba e as duas versões intituladas As Três Cidras do Amor.
Para Consiglieri Pedroso, os contos de fadas «são todas as narrações em que o
maravilhoso entra como um dos elementos mais importantes. Não se propõem
demonstrar nenhuma tese, sendo por vezes incongruentes no desfecho, que não pode
rigorosamente chamar-se conclusão. O carácter destes contos é sem dúvida alguma
mítico, ou quando a sua acção não pode directamente filiar-se no desdobramento de um
mito, apresentam-se impregnados ainda assim de elementos mitológicos mais ou menos
puros» (Pedroso 2005: 7). O conto As três cidras do amor, como A Bela e a Fera e O
gigante encantado, pertence a esta classe de contos. «O herói principal», diz o autor, «é
sempre um príncipe ou uma princesa encantada ou perseguida, que depois de várias
peripécias, trabalhos e perigos, consegue quebrar o encanto ou escapar à perseguição.
Este tema, que se repete constantemente com uma não interrompida monotonia, diversifica-se contudo nos diversos contos, pela variedade dos episódios de que se reveste,
constituindo assim a série indefinida das diferentes narrações, e para cada tipo de
narração, a série interminável de versões e variantes» (Ibidem).
Italo Calvino refere-se a este conto na sua obra Sobre os Contos de Fadas,
dizendo: «É-o certamente um dos raros contos – ou talvez o único? – sobre o qual se
pronuncia um veredicto de "provável origem italiana": o do amor das três laranjas
(como em Gozzi) ou das três cidras (como em Basile) ou das três romãs (como na
minha versão)» (Calvino 1999: 45). Este conto é «uma fonte de metamorfoses de gosto
barroco (ou persa?), que mereceria ser todo invenção de Basile ou de um visionário
tecelão de tapetes, uma série de metáforas que se tornaram conto» (Ibidem). E enumeraas, sendo que algumas delas não estão presentes nas versões portuguesas: «o requeijão e
o sangue, o fruto e a donzela, a moura que se reflecte no poço, a donzela no alto da
árvore que se transforma em pomba, as gotas de sangue de pomba das quais surge de
repente uma árvore, e do fruto – e aqui encerra-se o círculo – sai a donzela» (Ibidem).
Baseando-se na obra The Folktale de Thompson, Calvino informa que o conto «está
muito difundido em Itália, Espanha, Portugal, Grécia, e também na Hungria e Turquia,
mas nunca foi recolhido nos países do Norte [...]. Foi encontrado na Pérsia e na Índia
mas com demasiada escassa frequência para se poder considerar provável uma origem
oriental» (Ibidem: 59).
2
Alexandre Parafita publicou duas variantes do conto As Três Cidras do Amor no
volume I da sua Antologia dos Contos Populares (2001), uma intitulada O Príncipe e a
Pomba Branca, recolhida em Vinhais, e outra intitulada As Três Nozes Mágicas (pp.
119-120), recolhida em Macedo de Cavaleiros (p. 154).
No nosso estudo, analisámos duas versões de Consiglieri Pedroso, ambas
intituladas As Três Cidras do Amor (C1 e C2), e uma de Teófilo Braga, com o mesmo
título (T).
3. Análise estatística
Com a ajuda do Lexicon, um programa de análise estatística de textos, e do MS
Access, recolhemos os seguintes dados estatísticos relativos às clases gramaticais
presentes nas três versões do conto que nos propusemos analisar:
C1
Classe gramatical
Substantivos
Adjectivos
Verbos
Outras classes1
Totais
Ocor.
257
31
303
679
1270
Form.
84
17
168
106
375
C2
Freq.
22,40%
4,53%
44,80%
28,27%
100%
Ocor.
103
10
138
300
551
Form.
44
7
87
69
207
T
Freq.
21,26%
3,38%
42,03%
33,33%
100%
Ocor.
140
19
157
319
635
Form.
55
14
115
72
256
Freq.
21,48%
5,47%
44,92%
28,13%
100%
Olhando para os dados, a primeira coisa que salta à vista, e apesar da diferença de
extensão das três versões, é a quase coincidência dos valores percentuais na utilização das
diferentes classes gramaticais a nível das formas diferentes (Form.).
A maior percentagem no que diz respeito aos verbos compreende-se, uma vez que esta
classe gramatical, pelo facto de ser o motor da frase, é geralmente a mais frequente em textos
de língua portuguesa.
Poderemos verificar a variação vocabular através da frequência média (Freq.), que é
auferida dividindo o total de ocorrências (Ocor.) pelo total de formas diferentes (Form.). Em
C1 (1270 ocorrências / 375 formas) obtemos o valor de 3,386; em C2 (551 / 207) o valor de
2,661; e em T (635 / 256) o valor de 2,480.
Se verificarmos a variação vocabular através da frequência média auferida dividindo o
total de ocorrências pelo total de lemas, os resultados são ligeiramente superiores. Em C1
(1270 ocorrências / 264 lemas) obtemos o valor de 4,810; em C2 (551 / 157) o valor de 3,509;
e em T (635 / 194) o valor de 3,273.
Estes resultados indicam que C1 é, a nível vocabular, mais variado do que as outras duas
versões, o que pode levar a desconfiar se esta versão não teve no texto uma intervenção mais
activa do compilador. A versão T, embora não sendo a menos extensa, é todavia a que tem um
valor inferior na variação vocabular.
Passamos a analisar os substantivos, os adjectivos e os verbos nas três versões.
3. 1. Substantivos
O Programa Lexicon identificou os substantivos que ocorrem nas três versões e
contabilizou o número de vezes em que cada um aparece.
Em C1 por ordem de frequência temos: príncipe (27), menina (27), preta (22),
pomba (12), água (10), laço (10), Hortelão (10), fonte (8), pé (8), dia (7), vez (6),
árvore (6), cidras (4), instante (3), velha (3), cara (3), medo (3), alfinete (2), cabeça
(2), caminho (2), festas (2), cidra (2), fim (2), cântaro (2), pancada (2), palácio (2),
1
Em outras classes, contabilizámos os artigos, os pronomes, os advérbios, as preposições, as conjunções,
as interjeições e os numerais.
3
cantarinho (2), pena (2), prata (2), velhinha (2), palavras (2), fita (2), vida (2),
gargalhada (2), horta (2), bocado (2), cachorra (2), ouro (2), rei (1), filho (1), amigo
(1), caça (1), campos (1), concha (1), dinheiro (1), desejos (1), reconhecimento (1),
sinal (1), carruagem (1), criados (1), maneira (1), gratidão (1), fome (1), doente (1),
vontade (1), pardineiro (1), Alteza (1), coisa (1), lado (1), manhã (1), pombinha (1),
dó (1), caldo (1), mão (1), pele (1), tambor (1), ossos (1), escada (1), brilhantes (1),
bruxa (1), senhor (1), cobre (1), lados (1), cama (1), jardim (1), espera (1), tempo (1),
cabecinha (1), perguntas (1), respeito (1), verdade (1), lugar (1), fado (1), festa (1).
Em C1 por ordem alfabética temos: água (10), alfinete (2), Alteza (1), amigo (1),
árvore (6), bocado (2), brilhantes (1), bruxa (1), cabeça (2), cabecinha (1), caça (1),
cachorra (2), caldo (1), cama (1), caminho (2), campos (1), cantarinho (2), cântaro
(2), cara (3), carruagem (1), cidra (2), cidras (4), cobre (1), coisa (1), concha (1),
criados (1), desejos (1), dia (7), dinheiro (1), dó (1), doente (1), escada (1), espera (1),
fado (1), festa (1), festas (2), filho (1), fim (2), fita (2), fome (1), fonte (8), gargalhada
(2), gratidão (1), horta (2), Hortelão (10), instante (3), jardim (1), laço (10), lado (1),
lados (1), lugar (1), maneira (1), manhã (1), mão (1), medo (3), menina (27), ossos
(1), ouro (2), palácio (2), palavras (2), pancada (2), pardineiro (1), pé (8), pele (1),
pena (2), perguntas (1), pomba (12), pombinha (1), prata (2), preta (22), príncipe (27),
reconhecimento (1), rei (1), respeito (1), senhor (1), sinal (1), tambor (1), tempo (1),
velha (3), velhinha (2), verdade (1), vez (6), vida (2), vontade (1).
Em C2 por ordem de frequência temos: cidras (6), água (6), mãe (6), fonte (5),
castelo (5), vento (5), príncipe (4), princesa (4), pé (4), boca (4), cinza (4), bocado (4),
velha (3), filho (3), amor (3), lume (2), mancheia (2), cabaninha (2), leões (2), olhos
(2), chave (2), gaveta (2), cidra (2), porta (1), palácio (1), menina (1), retratos (1),
banda (1), dia (1), retrato (1), caminho (1), pai (1), dinheiro (1), coisa (1), monte (1),
cabelo (1), mulher (1), nevoeiro (1), cama (1), vez (1), carruagem (1), tolo (1), lenha
(1), fita (1).
Em C2 por ordem alfabética temos: água (6), amor (3), banda (1), boca (4),
bocado (4), cabaninha (2), cabelo (1), cama (1), caminho (1), carruagem (1), castelo
(5), chave (2), cidra (2), cidras (6), cinza (4), coisa (1), dia (1), dinheiro (1), filho (3),
fita (1), fonte (5), gaveta (2), lenha (1), leões (2), lume (2), mãe (6), mancheia (2),
menina (1), monte (1), mulher (1), nevoeiro (1), olhos (2), pai (1), palácio (1), pé (4),
porta (1), princesa (4), príncipe (4), retrato (1), retratos (1), tolo (1), velha (3), vento
(5), vez (1).
Em T por ordem de frequência temos: príncipe (14), menina (13), água (8), preta
(8), laço (6), hortelão (6), pombinha (6), vez (4), jardim (4), alfinete (3), cantarinha (3),
palácio (3), pé (3), cidra (3), cabeça (3), pomba (3), ouvido (3), fonte (3), cara (2), rei
(2), vida (2), fita (2), corte (2), prata (2), sede (2), palavra (1), roupas (1), pessoa (1),
riso (1), palavras (1), encanto (1), cidras (1), caça (1), ramos (1), conta (1), ossos (1),
rua (1), tambor (1), pele (1), mulher (1), desgraça (1), instante (1), mão (1), vestidos
(1), sucedido (1), sol (1), pergunta (1), dia (1), parte (1), hortelaria (1), flores (1),
vergonha (1), escada (1), escolha (1), ouro (1).
Em T por ordem alfabética temos: água (8), alfinete (3), cabeça (3), caça (1),
cantarinha (3), cara (2), cidra (3), cidras (1), conta (1), corte (2), desgraça (1), dia (1),
encanto (1), escada (1), escolha (1), fita (2), flores (1), fonte (3), hortelão (6),
hortelaria (1), instante (1), jardim (4), laço (6), mão (1), menina (13), mulher (1), ossos
(1), ouro (1), ouvido (3), palácio (3), palavra (1), palavras (1), parte (1), pé (3), pele
(1), pergunta (1), pessoa (1), pomba (3), pombinha (6), prata (2), preta (8), príncipe
(14), ramos (1), rei (2), riso (1), roupas (1), rua (1), sede (2), sol (1), sucedido (1),
tambor (1), vergonha (1), vestidos (1), vez (4), vida (2).
4
Destes substantivos, são comuns às três versões: água, cidra, cidras, dia, fita,
fonte, menina, palácio, pé, príncipe e vez. São comuns a C1 e C2: bocado, cama,
caminho, carruagem, coisa, dinheiro e filho. São comuns a C1 e T: alfinete, cabeça,
caça, cara, escada, hortelão, jardim, instante, laço, mão, ossos, ouro, palavras, pele,
pomba, pombinha, prata, preta, rei, tambor e vida. Apenas um substantivo é comum a
C2 e T: mulher. Desta análise, podemos concluir que os textos mais próximos são o C1
e o T. Sabemos que Teófilo Braga recolheu o dele no Porto, não tendo dados quanto à
recolha das duas versões de Consiglieri Pedroso.
Os substantivos são simples e remetem para o fundo popular. A única excepção é
a palavra reconhecimento que ocorre em C1, provavelmente da responsabilidade do
compilador.
Através do MS Access e do programa Tropes, agrupámos os substantivos nos
seguintes campos lexicais:
– acções: escolha, espera, gargalhada, sucedido
– agricultura e jardinagem: hortelão, horta, hortelaria, campos, jardim, flores
– alimentação: caldo, cidras
– animais: pomba, pombinha, leões, cachorra.
– habitação: cabaninha, pardineiro, porta, cama, escada, gaveta, chave, lume,
lenha
– ideias abstactas: amor, desgraça, vida, gratidão, reconhecimento, verdade,
vontade, vergonha, maneira, fado, desejos, encanto, respeito
– meio-ambiente: sol, vento, nevoeiro, água, monte, árvore, ramos
– metais: cobre, prata e ouro
– objectos do quotidiano: cantarinha, cantarinho, cântaro
– partes do corpo humano: cara, cabeça, cabecinha, cabelo, olhos, boca, pé, mão,
pele, ossos, ouvido
– realeza: príncipe, princesa, rei, alteza, castelo, palácio, corte, carruagem, criados
– relações sociais e familiares: pai, mãe, filho, velha, velhinha, menina, pessoa,
mulher
– sensações: fome, medo
– seres dos contos de fadas: bruxa
– tempo cronológico: tempo, manhã, instante, bocado
– vestuário: roupas, vestidos, laço, alfinete
– vias: rua, caminho
A simbologia de certos objectos, entidades, seres ou personagens é fundamental
para a compreensão de um conto tradicional. Nas três versão analisadas destacamos os
seguintes:
– água: símbolo da vida, do conhecimento, meio de purificação e de
regenerescência.
– cidra: simboliza a fecundidade e o fruto proibido, tal como a maçã,
relacionando-se com a virgindade (neste caso da menina) e com o pecado
original.
– fonte: é o local de encontro e a pureza da relação.
– laços: que simbolizam a relação. O laço de fita: simboliza a amizade; o laço de
prata: o enamoramento; o laço de ouro: o casamento e a realeza.
– número três (as três cidras e os três laços): simboliza a perfeição, a totalidade, a
virgindade e a fertilidade.
5
– ouro: simboliza o sol e o é princípio activo, masculino e diurno. É o metal
perfeito.
– pomba branca: contrapondo-se à preta, simbolizando a pureza.
– prata: simboliza a lua e é o princípio passivo, feminino e nocturno, por oposição
ao ouro.
– preta: simboliza a impureza e a maldade. Relaciona-se com a noite, inimiga do
sol.
– príncipe: simboliza a promessa da realeza. Relaciona-se com o sol, a luz e o
ouro.
– tambor: instrumento que auxilia na divulgação pública de um acontecimento,
neste caso o casamento do príncipe e da menina.
Identificámos as personagens seguintes:
– o príncipe, herói da história em C1, C2 e T;
– as três meninas encerradas nas três cidras, vítimas de encantamento, em C1, C2
e T;
– uma das três meninas que é salva pelo príncipe em C1, C2 e T;
– a velha, que dá as três cidras (C1) ou ajuda a encontrá-las (C2);
– a preta (Maria), vilã da história em C1 e T;
– o hortelão, coadjuvante em C1 e T;
– o rei, pai do príncipe em C1, C2 e T.
Quer os símbolos, quer as personagens, apontam para o fundo mítico da aurora, do
sol e da noite referido por Teófilo Braga. O príncipe representa o sol, a menina a aurora
e a preta a noite.
3. 2. Adjectivos
O Programa Lexicon igualmente identificou os adjectivos que ocorrem nas três
versões e contabilizou o número de vezes em que cada um aparece.
Em C1: aflita (1), farta (1), comprido (1), formosa (2), linda (3), triste (2),
delicada (1), fraca (1), feia (3), clara (1), bonita (5), grande (2), negra (2), torta (2),
boa (2), coitadinha (1), felizes (1).
Em C2: feias (1), vivo (1), esquerdo (3), vermelha (1), formosa (1), triste (2),
linda (1).
Em T: formosa (1), linda (4), triste (2), última (1), enraivecida (1), meigas (1),
feia (1), suja (1), branca (1), boa (1), pobre (1), real (2), melhor (1), felizes (1).
Os adjectivos comuns às três versões são apenas três: formosa, linda e triste. Os
adjectivos comuns apenas a C1 e T são igualmente três: boa, feia e felizes. Não há
adjectivos comuns a C1 e C2, e a C2 e T.
Costatamos que grande parte dos adjectivos são femininos e referem-se na sua
maioria, em C1 e T, à menina e à preta. Do ponto de vista sintáctico, há geralmente um
adjectivo a qualificar um substantivo com função de atributo ou, menos frequente, com
função de predicativo. A dupla adjectivação é bastante rara.
A pouca frequência da classe dos adjectivos nas três versões do conto deve-se a
exigências de economia narrativa. Os adjectivos costumam ser utilizado em contextos
descritivos, ora de ambientes e de paisagens, ora de personagens, de sentimentos, de
estados ou acções. Os contos de tradição oral, e As Três Cidras do Amor não é
6
excepção, costumam ser parcos em pormenores descritivos, uma vez que estes
contextos, ou não existem, ou são reduzidos ao mínimo.
3. 3. Verbos
Através da lematização das formas verbais elaborada pelo programa Lexicon,
conseguimos verificar quais são os verbos mais frequentes.
Em C1 temos: dizer (31), ir (16), ter (16), ser (15), estar (12), dar (10), olhar
(10), ver (10), fazer (9), começar (8), abrir (7), responder (6), vir (6), andar (5), levar
(5), morrer (5), passar (5), apanhar (4), buscar (4), deixar (4), mandar (4), quebrar (4),
querer (4), rir (4), armar (3), beber (3), descer (3), ficar (3), haver (3), principiar (3),
subir (3), tirar (3), tornar (3), admirar (2), catar (2), chegar (2), comer (2), encontrar
(2), esquecer (2), lembrar (2), matar (2), ordenar (2), poder (2), pôr (2), sair (2),
transformar (2), trazer (2), voltar (2), zangar (2), acabar (1), achar (1), acontecer (1),
acreditar (1), agradecer (1), aparecer (1), atrever (1), casar (1), chamar (1), chorar
(1), consolar (1), contar (1), conter (1), continuar (1), desaparecer (1), despedir (1),
enterrar (1), esperar (1), espetar (1), fingir (1), fugir (1), gostar (1), guardar (1), julgar
(1), levantar (1), mostrar (1), partir (1), passear (1), pedir (1), perder (1), perseguir (1),
pregar (1), procurar (1), recomendar (1), repetir (1), restabelecer (1), saber (1), saltar
(1), soltar (1).
Em C2 temos: ir (12), estar (10), dizer (9), abrir (7), ser (7), comer (5), pedir (5),
fazer (4), haver (4), vir (4), chegar (3), ficar (3), levar (3), mastigar (3), tirar (3),
aparecer (2), dar (2), encantar (2), meter (2), perguntar (2), saber (2), secar (2), ver
(2), achar (1), acontecer (1), acordar (1), agradar (1), andar (1), armar (1), arrastar
(1), atar (1), bater (1), beber (1), buscar (1), caminhar (1), casar (1), cheirar (1), deitar
(1), despejar (1), dormir (1), encontrar (1), entrar (1), escapar (1), fechar (1), fingir
(1), folgar (1), gostar (1), mandar (1), morrer (1), poder (1), pôr (1), puxar (1), querer
(1), sair (1), sentar (1), ter (1), trazer (1).
Em T temos: dizer (9), ir (8), ser (7), ter (7), dar (6), fazer (6), andar (4), deixar
(4), levar (4), passar (4), perguntar (4), ver (4), armar (3), cair (3), começar (3),
morrer (3), partir (3), quebrar (3), querer (3), abrir (2), achar (2), admirar (2),
aparecer (2), catar (2), contar (2), encontrar (2), ficar (2), olhar (2), responder (2), vir
(2), acarretar (1), acontecer (1), afagar (1), apanhar (1), apertar (1), beber (1), buscar
(1), calar (1), casar (1), chamar (1), chegar (1), comer (1), conter (1), cravar (1),
crestar (1), demorar (1), descer (1), descuidar (1), desposar (1), dever (1), encher (1),
enterrar (1), esconder (1), estar (1), expirar (1), faltar (1), figurar (1), fingir (1), julgar
(1), maravilhar (1), meter (1), pasmar (1), passear (1), perder (1), poder (1), prometer
(1), puxar (1), reaparecer (1), regar (1), repetir (1), rir (1), tirar (1), tocar (1), tornar
(1), viver (1), voar (1).
Verbos comuns às três versões: abrir, achar, acontecer, andar, aparecer, armar,
beber, buscar, casar, chegar, comer, dar, dizer, encontrar, estar, fazer, ficar, fingir, ir,
levar, morrer, poder, querer, ser, ter, tirar, ver e vir. Verbos comuns apenas a C1 e C2:
gostar, haver, mandar, pedir, pôr, saber, sair e trazer. Verbos comuns apenas a C1 e T:
admirar, apanhar, catar, chamar, começar, contar, conter, deixar, descer, enterrar,
julgar, olhar, partir, passar, passear, perder, quebrar, repetir, responder, rir e tornar.
Verbos comuns apenas a C2 e T: meter, perguntar e puxar.
Os verbos mais frequentes são comuns às três edições: dizer (C1: 31; C2: 9; T: 9),
ir (C1: 16; C2: 12; T: 8) e ser (C1; 15; C2: 7; T: 7). Alguns verbos são frequentes
apenas em duas das versões: estar (C1: 12; C2: 12; T: 1), ter (C1: 16; C2: 1; T: 7), dar
7
(C1: 10; C2: 2; T: 6), ver (C1: 10; C2: 2; T: 4), fazer (C1: 9; C2: 4; T: 6) e abrir (C1: 7;
C2: 7; T: 2). Ha dois verbos que têm uma frequência significativa em C1, uma
frequência baixa em T e não têm correspondência em C2: olhar (C1: 10; T: 2) e
começar (C1: 8; T: 3).
Os verbos que exprimem acções (verbos factivos) são os mais comuns nas três
versões: abrir, abrir, acontecer, andar, aparecer, apertar, armar, beber, buscar, casar,
catar, chegar, chorar, comer, dar, deixar, descer, despejar, encontrar, fazer, ir, levar,
morrer, mostrar, olhar, partir, passar, passear, pedir, pôr, puxar, quebrar, reaparecer,
soltar, subir, tocar, tornar, trazer, vir, voltar, zangar, etc.
Surgem alguns verbos que exprimem estados ou noções de posse (verbos
estativos): ter, ficar, ser, haver, querer, acreditar, gostar, esperar e poder. Surgem
também alguns verbos declarativos, bastante utilizados em textos narrativos: achar,
chamar, dizer, agradecer, recomendar, esquecer, contar, ordenar, mandar, perguntar e
responder.
O verbo dizer, como verbo declarativo, é fundamental nos contos de tradição oral,
quer para introduzir o diálogo entre personagens e delimitar quem disse o quê, quer para
marcar o discurso indirecto. Daí o facto de ser o verbo mais frequente em C1 (com 31
ocorrências) e T (com 9 ocorrências) e o segundo em C2 (9 ocorrências).
A grande frequência dos verbos estar, ir, ser e ter deve-se ao facto de serem
verbos auxiliares.
4. Construção narrativa
De acordo com o programa Tropes, o estilo dominante nas três versões é o
narrativo e a encenação é dinâmica e activa. Predominam as frases curtas e a sintaxe é
pouco regular, predominando a parataxe sobre a hipotaxe.
O conto tem dois episódios distintos: um em que o príncipe se confronta com as
três cidras e em que, depois de duas tentativas falhadas, salva a menina que estava
encantada; e um outro em que se conta a malvadez da preta e a vingança do príncipe. As
versões C1 e T têm os dois episódios. A versão C2 contém apenas o primeiro, bastante
diferente. Nesta versão, a história termina com o príncipe a pedir para a menina esperar
na fonte enquanto ele ia buscar a carruagem ao palácio.
No episódio 1 há secções narrativas comuns às três versões: um príncipe encontra
três cidras ou são-lhe oferecidas; abre as duas primeiras e a menina que sai de cada uma
delas morre por falta de água; da terceira cidra, aberta junto de uma fonte, sai uma
terceira menina, ainda mais bela do que as anteriores, e salva-se; o príncipe decide levála para o palácio e deixá-la à espera junto da fonte para ir buscar uma carruagem ou
roupas para ela vestir.
No episódio 2 há secções narrativas comuns apenas a C1 e a T: uma preta, com
inveja da beleza da menina, transforma-a numa pomba e, quando o príncipe regressa,
coloca-se em seu lugar; o príncipe leva a preta para o palácio; a menina transformada
em pomba visita o jardim do palácio e pergunta ao hortelão pelo príncipe; o hortelão
conta ao príncipe e este arma-lhe três laços: um de fita, um de prata e outro de ouro; o
príncipe apanha a pomba com o laço de ouro; encontra um alfinete espetado na
cabeça/ouvido da pomba, tirou-o e a menina é desencantada; o príncipe casa com a
menina e manda matar a preta.
Estas secções narrativas têm analogias com a versão intitulada As Três Cidras
coligida em Itália por Giambattista Basile no seu Pentamerone.
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5. Conclusões
As versões C1 e T estão bastante próximas, quer pelo enredo, quer pelos símbolos,
quer pelo vocabulário utilizado, o que pode levar a pressupor-se que foram recolhidas
na mesma região.
A versão C2 é a mais curta das três por não conter o segundo episódio. O primeiro
episódio, embora contenha os mesmos símbolos (o príncipe, as três cidras, a fonte e a
menina salva) e algumas secções narrativas comuns, é bastante diferente das outras
duas.
A versão C1 tem um vocabulário mais variado e menos usual, apontando para uma
possível intervenção mais activa no texto por parte do compilador. A versão T é de
cunho mais popular, estando mais próxima de uma hipotética fonte oral.
Aparte as passagens politicamente incorrectas à luz dos valores actuais, ou seja,
considerar a preta feia e suja, ou mandar matá-la e com a pele fazer um tambor e com
os ossos uma escada para a menina subir para a cama ou descer ao jardim, o conto as
Três Cidras do Amor não deixa de ser uma história maravilhosa que, pelo seu valor
cultural, linguístico e simbólico, pode cumprir o objectivo para o qual foi inventada e
reinventado: educar e divertir.
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Bibliografia
BASILE, Giambattista (1914), Stories from the Pentamerone, London, Macmillan & Co. Ed. de E.
F. Strange, baseada na tradução inglesa de John Edward Taylor, 1847.
BRAGA, Teófilo (2005), Contos Tradicionais do Povo Português, em Literatura Portuguesa de
Tradição Oral, CD-ROM, Projecto Vercial.
CALVINO, Italo (1999), Sobre o Conto de Fadas, Lisboa, Teorema. Tradução de José Colaço
Barreiros.
CHEVALIER, Jean, e Alain GHEERBRANT (1994), Dicionário dos Sìmbolos, Lisboa, Teorema.
Tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra.
COELHO, Adolfo (2005), Contos Populares Portugueses, em Literatura Portuguesa de Tradição
Oral, CD-ROM, Projecto Vercial, 2005.
CONSIGLIERI, Pedroso (2005), Contos Populares Portugueses, em Literatura Portuguesa de
Tradição Oral, CD-ROM, Projecto Vercial.
PARAFITA, Alexandre (2001), Antologia dos Contos Populares, vol. I, Lisboa, Plátano Editora.
SARAIVA, António José (1985), A Cultura em Portugal – Teoria e História, Livro I, 2ª ed.,
Venda Nova, Bertrand Editora.
SOROPITA, Fernão Rodrigues Lobo (1868), Poesias e Prosas Inéditas, Porto, Tipografia
Lusitana. Edição de Camilo Castelo Branco.
STOKES, Maive (1880), Indian Fairy Tales, London, Ellis & White. Introdução de W. R. S.
Ralston.
Software utilizado:
Lexicon, v. 4.8, Projecto Vercial, 2005.
Microsoft Office Access 2003.
Tropes, v. 6.2.2, Acetic, 2004.
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