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DEUS CRIADOR
Catequese das Missas de quarta-feira – n. 3 (2° ciclo)
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Deus: Criador do Mundo
As criaturas de Deus
O Criador na Bíblia e na Tradição
Esquecimento do Criador: um olhar pagão sobre as criaturas
Deus, Criador do Mundo
Comecemos pelo Salmo 103, todo ele dedicado à criação e a Deus como criador:
“Bendize oh minh’alma ao Senhor, que grande és, te revestes de beleza e
majestade, a luz te envolve como um manto. Assentaste a Terra sob teus
alicerces, e ela não vacilará jamais. A cobristes com o manto do oceano, e as
águas pousaram sobre as montanhas”.
Realmente a contemplação do mundo criado é o fundamento principal da
religiosidade do homem. Como diz São Paulo em Rm 1: “O invisível de Deus, seu
eterno poder e sua divindade, desde a criação do mundo se pode ver captado
pela inteligência graças às criaturas”. A criação nos mostra uma variedade quase
infinita de seres criados e esta imensidão da criação vem a ser como um reflexo
formidável da infinitude do Criador. Há no mundo visível desde o vírus que se
mede em milímetros até a baleia de 30m. Desde uma concha lacrada, fascinante
na sua beleza, até a magnitude alucinante das galáxias, que distam de nós
milhões de anos luz. Quanto mais conhecemos o mundo pelos avanços da ciência,
mais misterioso se nos apresenta. Onde está sua origem o milagre dos seres
viventes? Como explicar a perfeição e a complexidade de um órgão como o olho
humano? No livro de Jó (38-41) se fazem muitas perguntas semelhantes. Como
entender o mistério do homem mesmo? Do homem pastor, músico, navegador,
sacerdote, poeta, engenheiro... do homem que é capaz de chegar à Lua. Diante da
grandeza do Criador que se revela na grandeza das criaturas, o homem não pode
senão emudecer e entregar à adoração.
A criação reflete em si o esplendor inefável do mistério divino.
Sintetizemos em diversas proposições a fé cristã em Deus Criador:
Em primeiro lugar, a fé católica afirma que Deus é o Criador do Céu e da terra, de
todo o invisível e o visível. Todos os seres foram produzidos por Ele do nada, isto
é, foram produzidas segundo sua substância. Portanto, é Deus a causa total do
ser das criaturas, é Ele que criou partindo somente de si mesmo, sem
pressupostos. Em Is 44 diz o Senhor: “Eu sou Iahweh, que fez tudo. Somente eu
fiz os céus e firmei a terra. Quem me ajudou?”
Uma segunda afirmação importante de nossa fé: O Pai e o Filho e o Espírito Santo
são um só princípio de todas as coisas, espirituais e corporais, angélicas e
mundanas. A obra maravilhosa da criação se atribui única e exclusivamente ao
Pai celestial – creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do Céu e da terra. Mas
bem sabemos que as três Pessoas divinas agem na obra da criação, são princípio
único do universo criado. Se lemos, por exemplo, o prólogo do Evangelho de São
João, nele se nos assegura que o Verbo divino estava no princípio em Deus, e que
todas as coisas foram feitas por Ele, e que sem Ele não se fez nada de quanto
existe. A reflexão teológica sobre a função das Pessoas divinas na criação se
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baseia na analogia do homem, que atua por sua inteligência, movido pela sua
vontade. Assim, por exemplo, Santo Tomás, na Suma Teológica, diz que Deus é
causa dos seres por sua inteligência e por sua vontade, como o é um artífice em
relação às suas obras. O artífice opera pela ideia que concebeu sua inteligência, e
pela sua vontade e por seu amor, faz algo. Analogamente, Deus Pai fez a criação
por seu Verbo, que é o Filho, e por seu amor, que é o Espírito Santo.
Uma terceira afirmação de nossa fé: Deus, em um ato totalmente livre, cria o
mundo somente movido pelo amor. O Catecismo Romano (São Pio V), diz que a
única causa que levou Deus a criar foi comunicar sua bondade às criaturas, que
seriam feitas por Ele. Deus não necessitava do universo para completar seu ser,
pois seu ser é infinito e perfeito. Portanto Deus, sem coação de nada nem de
ninguém, criou este mundo e o quis para poder comunicar às criaturas que não
existiam, algo de seu ser, de sua bondade, de sua formosura e de sua vida.
Portanto, Deus não ama as coisas porque elas existem, mas elas existem porque
Deus as ama. Em Sb 11 lemos: “Tu, Senhor, amas tudo quanto existe, e nada
odeias do que fizeste. Como poderia subsistir alguém que tu não quisesse? Ou
como poderia conservar-se sem ti?”. Em Ap 4 se diz: “Senhor, tu criaste todas as
coisas, e por tua vontade existem e foram criadas”.
Uma quarta afirmação de nossa fé: Deus criou o homem no sexto dia, como cume
de toda a sua obra criativa. O Criador parte de algo já criado, seja um tanto de
terra, seja de uma costela, dá no mesmo. Mas a essa criatura pré-existente,
anteriormente criada, o Senhor comunicou seu sopro de vida, e foi assim que o
homem se tornou um ser animado, ou seja, criatura espiritual, imagem de seu
criador (cf. Gn 2). O Credo do Povo de Deus, de Paulo VI (1968), nos declara
explicitamente uma doutrina muito antiga na Igreja: que Deus mesmo é o Criador
em cada homem da alma espiritual e imortal. Portanto, o homem não recebe a
alma de seus pais, mas a recebe diretamente infundida por Deus, que quer que
exista ele, pessoalmente. Essa é a grandiosa condição do ser humano: que o
homem, coroado de glória e dignidade, seja constituído por Deus como senhor de
toda a criação visível. O homem, constituído imagem e semelhança de Deus,
recebe esse glorioso mandamento, a missão de crescer, multiplicar-se e dominar
a terra.
Por fim, uma quinta afirmação: Deus constitui Jesus Cristo como vértice de toda a
criação. São Paulo (Col 1) nos diz que Cristo é a imagem visível do Deus invisível,
o primogênito de toda a criatura”. Por ele foram criadas todas as coisas, celestes
e terrestres, visíveis e invisíveis. Tudo foi criado por Ele e para Ele. N’Ele o
universo tem sua consistência.
Essa visão de fé em Deus como Criador do universo e do mundo como criação de
Deus é o fundamento principal de toda a fé cristã. Por isso, se se prega pouco
sobre Deus como Criador, consequentemente se debilita a devoção a Deus como
criador do mundo; a espiritualidade cristã se torna falsificada e debilitada.
As criaturas de Deus
Depois de falar de Deus como criador, falemos agora do mundo como criação de
Deus. O cristão conhece a bondade do mundo criado, ele sabe que todas as coisas
são puras, são boas (cf. Rm 14) – “Deus viu que tudo o que fez era muito bom”
(Gn 1). Esse sentimento de maravilha e gratidão diante do mundo cristão não é
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frequente na história das religiões. Vemos que o pessimismo ontológico sobre o
mundo foi muito frequente nas filosofias e religiões pagãs. Para o budismo o
mundo é uma ilusão; para outras sabedorias orientais vem a ser uma obra má e
perigosa de um demiurgo. Mas para o cristão o mundo é a obra maravilhosa de
um Deus infinitamente belo e sábio.
O cristão não vê o mundo como uma extensão de Deus, o que se caracterizaria
como panteísmo. Para a fé cristã o mundo é uma obra distinta de Seu Autor, o
Criador; mas sabe também que o mundo manifesta o esplendor do Autor. Um
vínculo profundo une a criação ao Criador: as coisas são criaturas de Deus. Em
Deus as criaturas têm permanente acolhida no ser; n’Ele encontram força para
operar. Sem o Criador, as criaturas não têm ser, pois a criatura não tem em si
mesma a razão de ser, nem pode realizar nada de forma desconectada de seu
Criador – causa universal do mundo criado. A criatura continuamente está
continuamente sustentada no ser e no agir a partir da força do Criador. Por isso,
a criatura tem como fim a glória do Criador. Não poderia ser diferente! São Paulo
(Rm 11): “Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas”. Em Ap 1: “O Senhor é o
alfa e o ômega”.
Por outro lado, se compreende que o bem da criatura e a glória de Deus
coincidem infalivelmente, já que a perfeita realização da criatura se dá na
fidelidade perfeita à lei de seu Senhor. Em efeito, Deus é o autor que tem plena
autoridade sobre a criação. Ele é Senhor do Céu e da terra, e Ele faz certas
criaturas participarem de Sua autoridade: o mundo não é um monte informe de
criatura, onde todas são iguais e estão igualmente justapostas. Do contrário: o
mundo é um todo orgânico e unido, com partes que são sempre desiguais e
complementárias que se unem sob o desígnio de seu Criador. Exemplo: o
conjunto das criaturas não é um campo de guerra, no qual cada uma das ervas
tem uma existência autônoma, distinta e justaposta; o mundo é como uma
árvore, onde todas as partes – raiz, tronco, ramos – são distintas, mas essa
distinção das partes favorece a unidade do todo orgânico. Um todo orgânico é o
mundo, que encontra sua harmonia na obediência ao Criador.
Assim como as criaturas não livres obedecem a Deus necessariamente – as águas
seguindo seu curso, os astros suas órbitas, as plantas vegetando – e nessa
obediência ao Criador têm seu próprio bem, do mesmo modo as criaturas livres
têm o seu bem obedecendo em tudo ao Autor divino, ao Criador, e obedecendo
também a todas as autoridades por Deus constituídas – na família, na escola, na
cidade, na comunidade religiosa. Deus permite a participação em Sua autoridade
constituindo no mundo dos seres viventes – tanto entre os seres não livres
quanto entre os seres livres – através da constituição de autoridades necessárias
para o bem comum. Nesse sentido, o igualitarismo moderno é de inspiração
ateia, e não é somente contrário à Revelação, mas é também contrário à natureza.
Se trata de uma ideologia falsa que, somente fazendo violência à realidade das
coisas, pode afirmar-se. Sabemos – inclusive cientificamente – que numa
associação de viventes, domina a confusão e a ineficácia até que nela se
estabeleça uma estruturação hierárquica, na qual uns atuam como chefes; nessa
estruturação hierárquica as relações são desiguais. Pois bem, a autoridade, a
hierarquia, portanto a desigualdade que é natural entre os animais, segue sendo
natural entre os homens. É verdade que nas sociedades humanas se terá que
distinguir desigualdades justas que procedem de Deus e que são conformes à
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natureza, e desigualdades injustas nascidas da maldade dos homens. Portanto,
temos que afirmas as primeiras (as desigualdades que provém de Deus) e
combater as segundas (as desigualdades injustas procedentes do pecado
humano). Em todo caso, o princípio igualitário, enquanto tal, é falso e injusto, é
violente e contrário à natureza.
O Criador na Bíblia e na Tradição
No Antigo Testamento, Israel – o povo eleito – capta Deus fundamentalmente
como Criador e como Salvador. Ele é o Salvador que, pelo ministério dos
Patriarcas e dos Profetas, os formou como Povo e fez com eles uma Aliança de
mútuo amor. Mas antes Deus é para Israel o Criador do Céu, o Deus que formou a
terra (cf. Is 45). Um Deus, portanto, ante o qual todos os outros deuses pagãos
aparecem como ilusórios e ridículos, que não têm ser nem força.
Ao Deus único, majestoso, onipotente, se eleva a oração de Israel. No livro de
Ester (13) se lê: “Tu, que fizeste o Céu e a terra, e todas as maravilhas, és o dono
de tudo, e nada há Senhor que possa resistir a Ti”. Quando o Povo de Israel se vê
em perigo, sitiado na cidade pelos seus inimigos, olha para os montes de onde
pode vir algum exército em seu auxílio; mas por fim põem sua esperança em
Javé, o Senhor. “O nosso auxílio está no nome do Senhor que fez o Céu e a terra”
(Sl 120). Israel confia no Criador que fez o Céu e a terra, e a enriquece
constantemente com amorosa solicitude. A Ele eleva sua admiração e seu louvor.
O Povo Eleito se faz porta-voz do louvor que todas as criaturas inanimadas e
mudas elevam a seu Criador e Senhor. Essa mesma devoção gozosa para com o
Criador, a encontramos no Novo Testamento. Jesus Cristo, em uma ocasião, disse:
“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do Céu e da terra” (Mt 11).
Essa mesma espiritualidade criacional de Cristo vemos nos Apóstolos, que
dirigem ao Criador seus louvores, como vemos em Hb 1: “Tu, Senhor, no
princípio, criaste o Céu e a terra, obras de tuas mãos”. O Deus dos Apóstolos (cf.
Rm 4) é Aquele que chama à existência o que não existe. A esse Deus Criador se
eleva o mais antigo culto cristão que encontra seu eco em Ap 14: “Adorai ao que
fez o Céu e a terra, o mar e as fontes das águas”. É a grandiosa oração criacional
dos primeiros Padres da Igreja.
Na Primeira Carta aos Coríntios, de São Clemente (ano 96), vemos: “Artífice de
todas as coisas, faz que esperemos em Teu nome, Tu que és a origem de todo o
criado. Abre os olhos do nosso coração, para que te conheçamos a Ti, o Altíssimo
nas alturas; Tu que sondas os abismos, que vês todas as nossas ações. Tu que
criastes todos os seres viventes e velas sobre eles. Tu que multiplicas as nações
sobre a terra e eleges entre elas os que te amam por Jesus Cristo, Teu Filho
amado. Te pedimos, Senhor, que sejas nosso auxílio e proteção”.
Nessa oração de São Clemente se expressa uma altíssima devoção ao Criador, e a
Jesus Cristo, o Primogênito de toda a criatura.
Recordemos também Santo Agostinho: “Tu és Deus, o Criador, o Salvador. Tu nos
deste o ser, nos deste a Salvação”.
Também a liturgia da Igreja louva o Senhor pela obra da criação e pela obra da
salvação. A cada dia, na Liturgia das Horas, a Igreja reza “Vinde, adoremos e
prostremo-nos por terra ante o Deus que nos criou” (Sl 94). “Ele mesmo nos fez e
somos seus” (Sl 99). Nas solenes leituras da Vigília Pascal, cada ano a Igreja
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celebra com gozo a criação realizada por Deus com infinita sabedoria e infinito
amor. São numerosos, na Igreja, os hinos antigos louvam o Criador.
Toda a piedade criacional impregna a espiritualidade da liturgia da Igreja!
Esquecimento de Deus: um olhar pagão sobre o mundo
O amor ao Criador é uma característica fundamental da espiritualidade cristã.
Nós amamos o Criador, porque fomos feitos por Ele e n’Ele temos o nosso gozo, e
n’Ele devemos pensar sempre como crianças em relação às suas mães (cf. São
Basílio, Regra 2). A admiração gozosa ante a criação que canta incessantemente a
glória de Deus, encontra na Igreja sua suprema expressão, prolongando e
levando à plenitude a espiritualidade criacional do Povo de Israel.
Mas entre os cristãos pode acontecer que haja uma cegueira para enxergar a
glória de Deus em meio às criaturas, uma espécie de analfabetismo espiritual
para ler o livro da Criação.
Na realidade, a diminuição da devoção ao Criador é uma das enfermidades mais
graves do cristianismo atual. Devemos reconhecer que hoje não é frequente
invocar a Deus como Criador – ao menos não é tão frequente como em outros
séculos. Facilmente os cristãos de hoje vêm as criaturas com olhar de pagãos,
como se elas subsistissem por si mesmas. Não se vê mais nelas a força e o amor
que as sustenta permanentemente na existência. Isto, com o tempo, leva à aridez
espiritual, à angústia. É interessante que os cristãos antigos, conhecendo tão
pouco o mundo criado devido à precariedade da ciência de seu tempo, se
extasiavam diante da obra da Criação, enquanto os cristãos atuais, diante de
tantas maravilhas reveladas pela ciência, não conseguem mais vislumbrar na
obra da Criação os traços de seu Criador.
Por outro lado, a devoção criacional resulta necessária, pois nunca o homem teve
um domínio tão grande sobre o mundo criado; nunca possuiu tantas, tão
preciosas e tão variadas criaturas. Hoje, se não queremos cair na idolatria, é mais
necessário do que nunca a devoção ao Criador. As Sagradas Escrituras, os Santos
Padres, a Tradição da Igreja, a Liturgia devem nos ensinar a contemplar a
presença de Deus a partir de suas criaturas. Tenhamos em conta que enquanto o
homem não percebe Deus a partir do mundo à luz da fé está cego; enquanto não
escuta a voz do Senhor na criação, está surdo!
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