Hipertensão arterial na adolescência: abordagem e tratamento

Propaganda
ARTIGO ORIGINAL
Maria Cristina Caetano
Kuschnir1
Mariangela Gonzaga
Ribeiro2
Hipertensão arterial na adolescência:
abordagem e tratamento
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma
doença multifatorial, caracterizada por aumento
da pressão arterial sistólica (PAS) e/ou diastólica
(PAD), em que vários mecanismos estão implicados e mantêm entre si relações ainda não totalmente esclarecidas, levando ao aumento do débito cardíaco e da resistência vascular periférica.
Para o estabelecimento do diagnóstico de hipertensão arterial na criança e no adolescente, seguimos
as recomendações do National High Blood Pressure
Education Program Working Group on Hipertension
Control in Children and Adolescents(4).
A prevalência da hipertensão arterial na população geral é elevada, estimando-se que 15%
a 20% da população brasileira adulta seja hipertensa. Embora predomine em adultos, a prevalência em crianças e adolescentes não é desprezível,
principalmente quando se consideram hipertensos
adolescentes cujos níveis pressóricos estão na faixa
de distribuição com percentil entre 95º e 99º. De
acordo com o III Consenso Brasileiro de Hipertensão
Arterial (III CBHA)(6), sua prevalência em crianças e
adolescentes pode variar de 2% a 13%.
É importante lembrar que quando se diagnostica e trata precocemente a hipertensão arterial em crianças e adolescentes, previnem-se complicações cardíacas, renais e do sistema nervoso,
que interferem na qualidade de vida, e, na maioria
das vezes, ocorrem em faixas etárias posteriores,
mas não somente nelas.
Um dos principais fatores de risco de morbimortalidade cardiovascular, a hipertensão acarreta alto custo social, uma vez que responde por
cerca de 40% dos casos de aposentadoria precoce
e de absenteísmo no trabalho em nosso meio.
•Hipertrofia ventricular esquerda: insuficiência
cardíaca congestiva (ICC), arritmias e morte súbita. Cabe ressaltar que a hipertrofia ventricular
esquerda é fator preditivo da gravidade da hipertensão e muitas vezes já é encontrada em adolescentes.
RENAIS
• Nefrosclerose: insuficiência renal crônica.
SISTEMA NERVOSO CENTRAL
•Acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico –
mais freqüente.
• AVC hemorrágico.
ALTERAÇÕES OFTALMOLÓGICAS
• Alterações características da hipertensão já observadas em adolescentes.
ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE
HIPERTENSO
• Identificar hipertensão arterial secundária.
• Pesquisar fatores de risco.
• Observar presença de sinais e sintomas da hipertensão.
COMPLICAÇÕES
CARDÍACAS
•Coronariopatias: infarto agudo do miocárdio (IAM).
Adolescência & Saúde
1. Professora-adjunta de Medicina de Adolescentes da Faculdade de Ciências Médicas,
Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (FCM/NESA/UERJ); doutora em Epidemiologia.
2. Nutricionista do NESA/UERJ.
volume 3  nº 3  outubro 2006
HIPERTENSÃO ARTERIAL NA ADOLESCÊNCIA: ABORDAGEM E TRATAMENTO
EXAME FÍSICO
No exame físico deverão constar peso, altura,
estágio de Tanner e medida da circunferência abdominal. A gordura localizada na cintura indica maior
resistência à insulina e, conseqüentemente, mais
possibilidades de complicações clínicas e aumento
de pressão arterial. Também significativos no exame
clínico são pesquisa de pulsos em membros inferiores,
fundoscopia e busca de sinais que revelem doenças de
base causadoras de hipertensão arterial secundária.
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
Alguns autores sugerem protocolos de avaliação laboratorial em crianças. Para adolescentes
entendemos que a investigação laboratorial deverá
ser individualizada, respeitando-se a história e o
exame físico de cada um.
A realização de exames complementares visa
buscar a causa da hipertensão e verificar o estabelecimento de eventuais complicações por ela
originadas, respeitando-se a peculiaridade de cada
caso. Em geral, busca-se estabelecer a presença de
doença crônica subjacente, destacando as principais causas de hipertensão em nosso meio, como
doenças renais e cardíacas. Portanto, inicialmente
devem ser realizados hemograma completo, velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C
reativa (PCR), uréia, creatinina, eletrólitos e sedimento urinário.
Em caso de adolescentes obesos, procedemos à avaliação de colesterol, lipoproteína de alta
densidade (HDL), lipoproteína de baixa densidade
(LDL), triglicérides, ácido úrico, insulina basal e glicemia de jejum.
A avaliação do aparelho cardiovascular deve
ser feita através de ecocardiograma e, quando indicado, devem-se avaliar as artérias renais.
TRATAMENTO E ACOMPANHAMENTO
A hipertensão arterial primária é uma doença
multicausal, originada por fatores intrínsecos ao
indivíduo e exteriores a ele. Logo seu tratamento
deve abordar todos esses possíveis fatores, bem
volume 3  nº 3  outubro 2006
Kuschnir & Ribeiro
como entendê-los para, então, tentar minimizá-los
e/ou eliminá-los. Portanto é necessária a participação de uma equipe multidisciplinar.
Ao tratarmos de adolescentes, esse fato torna-se mais premente, uma vez que a adolescência se caracteriza por mudanças rápidas na vida
do indivíduo. É um período de crescimento, em
que a doença é marca de inferioridade perante os
demais. Para os adolescentes, a saúde é uma das
ferramentas para o sucesso. Assim, o acompanhamento de qualquer doença crônica nessa fase é revestido de grande dificuldade. Quando a doença é
assintomática, torna-se ainda mais difícil para eles
entenderem que é preciso tratá-la para prevenir
complicações na idade adulta.
TRATAMENTO NÃO-FARMACOLÓGICO
O tratamento não-farmacológico é recomendado para todos os pacientes hipertensos e para aqueles que apresentam níveis normais altos. A seguir
alguns exemplos de como esse tratamento pode ser
realizado.
• Atendimento individual
Realizado por médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais e professores
de educação física, de acordo com a necessidade
do adolescente.
• Atividades de grupo
Devem ser realizadas em espaço propício ao desenvolvimento de ações educativas quanto à doença
e outras questões inerentes à saúde do adolescente,
sendo também um local privilegiado para observação
de cada adolescente e sua relação com a doença.
• Atividades na comunidade
Realização de trabalhos educativos em escolas, centros comunitários e igrejas, visando à prevenção e/ou à busca ativa de crianças e adolescentes que exibem fatores de risco para o desenvolvimento de hipertensão arterial primária.
• Atendimento à família
É fundamental que a família seja informada
sobre todos os aspectos da hipertensão do adolesAdolescência & Saúde
Kuschnir & Ribeiro
HIPERTENSÃO ARTERIAL NA ADOLESCÊNCIA: ABORDAGEM E TRATAMENTO
cente. A parceria da família é fator determinante no
sucesso do controle da doença.
Essas ações coordenadas têm por objetivo
propor alternativas ao estilo de vida inadequado
à manutenção da saúde dos adolescentes e suas
famílias.
• aumentar a ingesta de alimentos pobres em sódio e ricos em potássio (feijões, ervilhas, vegetais
verdes escuros, bananas, melões, cenouras, beterrabas, frutas secas, tomates, batatas-inglesas,
laranja, etc.);
• utilizar alimentos ricos em fibras (grãos, frutas,
cereais integrais, hortaliças e legumes, principalmente crus) para melhorar o funcionamento intestinal e diminuir a absorção de carboidratos.
ORIENTAÇÃO ALIMENTAR
Na orientação alimentar ao adolescente portador de hipertensão arterial primária é fundamental seguirmos três princípios básicos:
• manutenção do peso;
• mudança de hábitos alimentares;
• restrição de ingesta de alimentos ricos em sódio.
A correlação entre aumento de peso e pressão arterial elevada é agravada na adolescência.
Distribuição inapropriada do tempo, excesso de atividades escolares e preço dos alimentos propiciam um
consumo exagerado de alimentos de preparo rápido
e de baixo custo, levando ao consumo excessivo de
gorduras saturadas, hidratos de carbono simples, calorias em geral e alimentos com alto teor de sódio.
Podemos citar como orientações gerais para
o tratamento nutricional os seguintes itens:
• realizar atendimento individualizado;
• promover educação alimentar de toda a família;
• em caso de sobrepeso/obesidade, iniciar dieta
hipocalórica;
• retirar alimentos ricos em sódio, mantendo o
consumo de sal em menos de 6 gramas/dia (uma
colher das de chá); também evitar carnes salgadas,
enlatados e conservas, embutidos (lingüiça, paio e
mortadela), além de outros produtos industrializados, como molhos, caldos de carne e/ou frango,
comidas e sopas instantâneas;
• restringir o ao consumo de gorduras animais,
dando preferência aos óleos vegetais (mono e poliinsaturados);
• evitar doces, bebidas alcoólicas e açúcar;
• dar preferência aos temperos naturais (alho, cebola, salsa, hortelã, coentro, manjericão, limão, etc.);
• utilizar preparações assadas, cozidas, grelhadas
ou refogadas;
Adolescência & Saúde
ATIVIDADE FÍSICA
É importante orientar o adolescente a fazer
exercícios físicos regulares. Segundo Rocchini(5),
quando a perda de peso é acompanhada de atividade física, a queda da pressão arterial é maior.
Essa atividade deve ser individualizada, respeitando-se as características de cada adolescente e de
sua família. Os exercícios devem ser aeróbicos e
desenvolvidos sob supervisão especializada.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
O tratamento não-farmacológico sempre
deve ser priorizado e, na maioria das vezes, mostra-se eficaz no controle da pressão arterial. No
entanto, algumas vezes torna-se necessária a inclusão de medicamentos anti-hipertensivos. Nesse
caso, são utilizados diuréticos, betabloqueadores,
inibidores da enzima conversora da angiotensina
(IECAs), antagonistas do cálcio, bloqueadores dos
receptores da angiotensina II (BRA II) e alfabloqueadores, entre outros. Deve-se iniciar o tratamento
com apenas uma droga na dose adequada. Caso
não ocorra o controle desejado, acrescenta-se uma
segunda droga.
Não existem estudos em longo prazo sobre o
tratamento farmacológico da hipertensão arterial
primária em crianças e adolescentes. No entanto
algumas considerações podem ser estabelecidas.
Entre os diuréticos, o mais utilizado é a hidroclorotiazida, devido à sua eficácia e ao seu baixo custo,
não devendo ser utilizada em altas doses por levar
ao aumento de triglicérides, da glicemia, do ácido
úrico e de suas conseqüências.
volume 3  nº 3  outubro 2006
10
HIPERTENSÃO ARTERIAL NA ADOLESCÊNCIA: ABORDAGEM E TRATAMENTO
Os betabloqueadores não devem ser utilizados em asmáticos. Nesse grupo de pacientes, o uso
de betaadrenérgicos e corticosteróides sistêmicos
deve ser desencorajado, dando-se preferência às
preparações inalantes.
Os IECAs, por apresentarem efeitos positivos
nas funções miocárdica e renal e nos vasos em
geral, têm se transformado na primeira escolha
para o tratamento da hipertensão. Entretanto esses inibidores produzem efeitos teratogênicos no
segundo e no terceiro trimestres da gravidez, devendo ser usados com cuidado em adolescentes
sexualmente ativas.
Kuschnir & Ribeiro
O profissional da equipe multidisciplinar, ao
abordar adolescentes, deve ter como objetivo cuidar das necessidades imediatas da saúde. No entanto, não pode excluir de seus objetivos prevenir
doenças futuras. A hipertensão arterial primária na
adolescência insere-se nesse contexto. O tratamento não-farmacológico é eficaz na grande maioria
das vezes. Um pequeno número de pacientes necessitará de apenas um fármaco e outro, reduzidíssimo, precisará usar mais de uma droga. Nessa fase
da vida, é fundamental a prevenção de doenças
degenerativas que podem acometer o indivíduo na
idade adulta.
REFERÊNCIAS
1. Kaplan N. Clinical hypertension. 6 ed. Baltimore: Williams & Wilkins 1994.
2. Kilcoyne M. Natural history of hypertension in adolescence. Pediatric Clinics of North America 1978; 25(1): 47-53.
3. National Institutes of Health. National Heart, Lung and Blood Institute: The Sixth Report of the Joint National
Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure. Maryland: US. Department of
Health and Human Services/Public Health Service. 1997.
4. National High Blood Pressure Education Program Working Group. Update on the 1987 Task force on high blood
pressure in children and adolescents. Pediatrics 1996; 98(4): 649-658.
5. Rocchini AP. Adolescent obesity and hypertension. Pediatric Clinics of North America 1993; 40(1): 81-93.
6. III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial. Grupo de Trabalho. São Paulo; fevereiro, 1998.
volume 3  nº 3  outubro 2006
Adolescência & Saúde
Download