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Unidade II
5 A QUESTÃO SOCIAL
Netto (2005, p. 17), baseado em Cerqueira Filho (1982), sustenta que a questão social significa “[...]
o conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs no
curso da constituição da sociedade capitalista”.
O autor, ancorado na perspectiva marxista de compreensão da realidade, compreende que a questão
social é inerente ao capitalismo, ou seja, é uma condição para que o capitalismo possa se sustentar
como modo de produção.
De acordo com Netto (2005), supõe-se que o termo “questão social” surgiu há mais ou menos 150
anos como explicação do fenômeno do pauperismo relacionado ao primeiro ciclo de industrialização.
O empobrecimento massivo da população levou os críticos da nova ordem a produzir extensa literatura
sobre o tema. A esse propósito, Netto (2005, p. 153) afirma que
[...] para os mais lúcidos observadores da época, independentemente da sua
posição ideológico-política, tornou-se claro que se tratava de um fenômeno
novo sem precedentes na história anterior conhecida. Com efeito, se não era
inédita a desigualdade entre as várias camadas sociais, se vinha de muito
longe a polarização entre ricos e pobres, se era antiquíssima a diferente
apropriação e fruição dos bens sociais, era radicalmente nova a dinâmica da
pobreza que então se generalizava.
Um fato inédito começa a se registrar na história. Netto (idem) nos informa que “[...] pela primeira
vez na história registrada, a pobreza crescia na medida em que aumentava a capacidade social de
produzir riqueza”. Antigamente, a pobreza estava relacionada com a escassez de alimentos, causada por
colheitas reduzidas em função de intempéries, guerras, mas, com o advento do capitalismo, não é isso
que tem ocorrido. A produção da penúria estava relacionada ao aumento da produção.
O fenômeno do pauperismo foi explicado pelos críticos da nova ordem e também pelos defensores;
esses naturalizavam o empobrecimento, compreendendo-o como obra do destino e vontade de Deus,
justificando a pobreza em razão das dificuldades dos indivíduos.
Por outro lado, a luta dos trabalhadores em um processo revolucionário na França, a partir de 1848,
começa a questionar a expressão “questão social”, pois era vista como uma expressão conservadora. A
classe trabalhadora avança na consciência política e compreende a questão social como um elemento
estrutural.
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Como afirma Netto (ibidem, p. 156): “[...] as vanguardas trabalhadoras acederam no seu processo de
luta à consciência política de que a ‘questão social’ está necessariamente colada à sociedade burguesa:
somente a supressão desta conduz a supressão daquela [...]”.
É por isso que, em nossa literatura, vamos encontrar a expressão “questão social” sempre com a
utilização de aspas. Quando isso ocorre, o autor quer indicar que identifica a utilização da expressão
com um subterfúgio conservador.
Mas não foi somente a consciência política dos trabalhadores que permitiu essa compreensão crítica
sobre a questão social. Netto (idem) ensina que
[...] a consciência política não é o mesmo que compreensão teórica – e o
movimento dos trabalhadores tardaria ainda alguns anos até encontrar
os instrumentos teóricos e metodológicos para apreender a gênese, a
constituição e os processos de reprodução da ‘questão social’.
É com o empreendimento teórico de Karl Marx que houve um avanço nessa compreensão,
especialmente com a publicação do primeiro volume de O capital, em 1867. Ao verificar como o capital
se produz, Marx nos esclarece a dinâmica da questão social (NETTO, 2005).
Ainda de acordo com Netto (ibidem, p. 157), a partir de Marx compreendemos que “[...] a ‘questão
social’ está claramente determinada pelo traço próprio e peculiar da relação capital/trabalho – a
exploração”.
Mas como é que o Capitalismo vem enfrentando seus efeitos ao longo da história?
O estado de bem-estar social que existiu nos países desenvolvidos, principalmente na Europa, mas
que não existiu no Brasil e na América Latina durante o período em que vigorou, suscitava a ilusão de
que a questão social havia sido dominada. Entendia-se que apenas os países periféricos sofriam com
isso por causa do subdesenvolvimento. Netto (2005, p. 159) diz que
[...] apenas os marxistas insistiam em assinalar que as melhorias no conjunto
das condições de vida das massas trabalhadoras não alteravam a essência
exploradora do capitalismo, continuando a revelar-se por intensos processos
de pauperização relativa [...]
A crise estrutural do capital também afeta a discussão acerca da questão social. Alguns autores
começam a falar em “nova” questão social e, em nosso entendimento, cabem as aspas, pois não
entendemos que haja uma “nova” questão social.
Como você já teve oportunidade de estudar, a crise estrutural do capital afeta diretamente a classe
trabalhadora, e o desemprego estrutural causa um grande impacto na realidade social. Netto (2005, p.
160) destaca que
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[...] a tese aqui sustentada – e, evidentemente, oferecida como hipótese
de trabalho – é a de que inexiste qualquer ‘nova questão social’. O que
devemos investigar é para além da permanência de manifestações
‘tradicionais’ da ‘questão social’, a emergência de novas expressões da
“questão social” que é indivisível sem a ordem do capital. A dinâmica
societária específica dessa ordem não só põe e repõe os corolários da
exploração que a constitui medularmente a cada novo estágio de seu
desenvolvimento, como instaura expressões sócio-humanas diferenciadas
e mais complexas correspondentes à intensificação da exploração, que é
a sua razão de ser.
Assim, de acordo com o nosso meio acadêmico, não há uma “nova” questão social, mas sim a velha
questão social com suas novas expressões.
5.1 Questão social como objeto de trabalho do serviço social
O objeto/matéria-prima do serviço social é a questão social. Mas o que é a questão social? Nas
primeiras aulas desse caderno, você viu bases teóricas e conceituais sobre isso.
Antes de tudo, por que a questão social é vista como objeto do serviço social? O processo de seu
conhecimento se constrói com a questão social, objeto genérico dado ao serviço social pela ABEPSS e
referendado pela categoria dos assistentes sociais.
O serviço social, profissão inserida na divisão sociotécnica do trabalho, desenvolve uma tarefa que
tem como objeto específico as múltiplas expressões da questão social. É sobre esse foco que incide
sua ação/intervenção, a qual implica a apropriação de meios e instrumentos de trabalho para efetivar
sua ação profissional e tem como fim o produto desse trabalho. Com um trabalho especializado, o
serviço social apresenta-se por meio de trabalhos que geram produtos, isto é, interferem na produção e
reprodução da vida material, social, política e cultural.
Os autores clássicos de serviço social conceituam a questão social como expressão
[...] do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de
seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento
como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no
cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia,
a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e
repressão (IAMAMOTO; CARVALHO, 2003, p. 77).
Netto (2005, p. 17), diz que a “[...] questão social é o conjunto de problemas políticos, sociais e
econômicos que o surgimento da classe operaria impôs no curso da constituição da sociedade capitalista”.
Resumindo: questão social são as múltiplas expressões, o conjunto de problemas políticos, sociais e
econômicos decorrentes das desigualdades produzidas pelo sistema capitalista.
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Assim, o serviço social tem, na questão social, a base de sua fundação como especialização do
trabalho. Então, podemos dizer que o cenário em que se insere a profissão é a questão social, e cabe ao
assistente social nela intervir.
5.2 A questão social e o serviço social nas décadas de 1960 e 1970
A década de 1960 é de extrema importância para o serviço social, pois ocorreu o Movimento de
Reconceituação, e este questiona as influências externas na profissão. Seu objetivo consistia em construir
um serviço social adequado à realidade latino-americana.
Havia, naquele contexto, um questionamento, como afirma Netto (2005, p. 6)
[...] a prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada, orientada
por uma ética liberal-burguesa, que, de um ponto de vista claramente
funcionalista, visava a enfrentar as incidências psicossociais da ‘questão
social’ [...].
O movimento teve algumas conquistas e a principal foi a “[...] recusa do profissional de Serviço Social
de se situar como um agente técnico puramente executivo [...]” (NETTO, ibidem, p. 12).
Esse movimento ocorreu em pleno regime militar, em abril de 1964, e ele foi sufocado e não se
concluiu, isto é, não pôde avançar (NETTO, 2005).
O processo de renovação do serviço social deflagrado pela Reconceituação se faz em meio à autocracia
burguesa, ou seja, o governo da burguesia brasileira representado pelos militares.
De acordo com Netto (1998, p. 154-155), esse processo de renovação se desenvolveu em três direções:
a perspectiva modernizadora, que consiste em
[...] um esforço no sentido de adequar o Serviço Social enquanto instrumento
de intervenção, o qual é inserido no arsenal de técnicas sociais. O Serviço
Social é operacionalizado no marco de estratégias de desenvolvimento
capitalista perante às exigências dos processos sociopolíticos emergentes no
pós-64. Trata-se de uma linha de desenvolvimento profissional que atinge o
auge de sua formulação exatamente na segunda metade dos anos 60 e seus
grandes monumentos sem dúvida são os textos dos seminários de Araxá e
Teresópolis. [...] Registram-se avanços inequívocos, com aportes extraídos do
background pertinente ao estrutural funcionalismo [...]
Outra perspectiva é a reatualização do conservadorismo, que, de acordo com Netto (ibidem, p. 157),
se trata
[...] de uma vertente que recupera os componentes mais estratificados
da herança histórica e conservadora da profissão nos domínios da
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(auto)representação e da prática e os repõe sobre uma base teórico-metodológica
que se reclama nova, repudiando, simultaneamente, os padrões mais
nitidamente vinculados à tradição positivista e às referências conectadas
ao pensamento crítico-dialético de raiz marxiana. [...] a reatualização do
conservadorismo reclama expressamente uma inspiração fenomenológica.
A terceira perspectiva, afirma Netto (ibidem, p. 159), “[...] é a perspectiva que se propõe como intenção
de ruptura com o Serviço Social ‘tradicional’”. O autor ainda assinala que
Ao contrário das anteriores, esta possui como substrato nuclear
uma crítica sistemática ao desempenho ‘tradicional’ e aos suportes
teóricos, metodológicos e ideológicos. Com efeito, ela manifesta a
pretensão de romper quer com herança teórico-metodológica do
pensamento conservador (a tradição positivista), quer com os seus
paradigmas de intervenção social (o reformismo conservador). Em sua
constituição, é visível o resgate crítico de tendências que, no pré-64,
supunham rupturas político-sociais de porte para adequar as respostas
profissionais às demandas estruturais do desenvolvimento brasileiro
(NETTO, idem).
As direções indicadas por Netto (1998) representam as tendências teórico-metodológicas que
compuseram o serviço social até 1996, período da aprovação das novas diretrizes curriculares, as quais
são: o funcionalismo (modernização conservadora), a fenomenologia (reatualização do conservadorismo)
e a dialética (intenção de ruptura).
Essas três tendências se consolidaram ao longo dos encontros de: Araxá, ocorrido em 1967; de
Teresópolis, em 1970; e o de Sumaré, em 1978, como se verifica no CBCISS — Centro Brasileiro de
Cooperação e Intercâmbios de Serviços Sociais (1984).
Com a Reconceituação, o serviço social estabelece uma aproximação com os referenciais marxistas,
e isso lhe permitirá fazer uma apreensão crítica da questão social.
Mas como se desenvolveram os efeitos da questão social nas décadas de 1960 e 1970? De
acordo com o que estudamos no item anterior, podemos chegar a essa resposta analisando a classe
trabalhadora. No período ditatorial, o que preponderou foi a repressão da luta dos trabalhadores por
direitos sociais.
Por outro lado, o país vivia as consequências de sua entrada no capitalismo monopolista. Netto
(ibidem, p. 26-27) afirma que
O Estado erguido no pós-64 tem por funcionalidade assegurar a
reprodução do desenvolvimento dependente e associado, assumindo,
quando intervém diretamente na economia, o papel de repassador
de renda para os monopólios e, politicamente, mediando os conflitos
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SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
setoriais e intersetoriais em benefício estratégico das corporações
transnacionais na medida em que o capital nativo ou está coordenado
com elas ou com elas não pode competir [...].
Nesse cenário, a classe trabalhadora brasileira teve muitos prejuízos, mas, a partir do final
da década de 1970, com o deflagrado processo de abertura política em função das pressões da
sociedade, ela começa a ter possibilidade de se manifestar. Estudemos, agora, o contexto da década
de 1980.
Saiba mais
Com a reestruturação produtiva, a classe trabalhadora sofreu reveses.
Para saber mais sobre o histórico sobre a luta de classe trabalhadora do
final da década de 1970 para a de 1980, acesse o site: <http://www2.fpa.
org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=1449>.
5.3 A questão social e o serviço social na década de 1980
Inicialmente, é importante que analisemos o cenário político e econômico da década de 1980. O
aumento do endividamento externo a partir de 1979 trouxe sérias consequências para o país. O problema
que não diz respeito somente ao Brasil, mas a toda a América Latina, traz, de acordo com Behring (2003,
p. 131), “[...] um aprofundamento das dificuldades de formulação das políticas econômicas de impacto
nos investimentos e na redistribuição de renda”. Autores como Mandel (1982), denominam essa década
como a “década perdida”, em razão da grande estagnação da economia.
Mas, Behring (2003, p. 142) assinala que a força dos trabalhadores é “[...] oriunda de um movimento
operário e popular que era um ingrediente político decisivo da história recente do país e que ultrapassou
o controle das elites”.
Behring (idem) nos informa, ainda, que
A transição democrática brasileira diferencia-se de outras na América
Latina exatamente a partir de alguns elementos fundamentais, como: as
mudanças estruturais engendradas pela industrialização e a urbanização,
as quais criaram as condições para surgir um movimento operário popular
novo e decisivo para a refundação da esquerda brasileira, inclusive com
uma, mas não única, obviamente, expressão partidária expressiva – o
Partido dos Trabalhadores.
Assim, a classe trabalhadora alcança projeção na década de 1980. Porém, a eleição de Tancredo
Neves pelo Colégio Eleitoral em 1985 representou uma derrota para os trabalhadores.
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O cenário político brasileiro é marcado por uma intensa movimentação. Tivemos, também, nessa
década, o movimento pelas Diretas Já, em 1984, que, embora não tenha sido vitorioso, foi de grande
importância para a redemocratização do país.
Nessa década, Behring (idem) afirma que houve “[...] uma redefinição das regras políticas do jogo no
sentido da retomada do Estado democrático de direito”. A reivindicação dos trabalhadores era de que
essa tarefa fosse cumprida por uma Assembleia Nacional Livre e Soberana, mas acabou sendo feita por
um Congresso Constituinte.
Nesse movimento de disputa, de acordo com Behring (2003, p. 143), a Constituinte significou
[...] um processo duro de mobilizações e contramobilizações de projetos e
interesses mais específicos, configurando campos definidos de forças. O texto
constitucional refletiu a disputa dos direitos sociais, humanos e políticos e
por isso mereceu a caracterização de Constituição Cidadã [...].
Apresentamos o cenário e as conquistas da sociedade civil na década de 1980 e as vitórias que
trouxeram grande impacto ao serviço social. Mas como está o serviço social nessa década? Como está
sua análise da realidade social?
Apesar de a Reconceituação ter aproximado o serviço social da teoria social de Marx, a apropriação
desse referencial não se faz de forma imediata. Netto (2005, p. 17) nos indica que
É somente a partir da segunda metade dos anos setenta, quando a ditadura
começa a experimentar a sua erosão, que se fazem sentir no Brasil as
ressonâncias das tendências que, na Reconceituação, apontavam para uma
crítica radical do tradicionalismo – e essas ressonâncias reverberam tanto
mais quanto avançam as forças democráticas na cena política nacional, com
claríssimas implicações no interior da categoria profissional. A passagem
dos anos 1970 aos 1980, com a reativação do movimento operário sindical
e o protagonismo dos chamados novos sujeitos sociais, abriu novas
perspectivas para os assistentes sociais que pretendiam a ruptura com o
tradicionalismo.
No projeto de formação profissional de 1982, a direção social da profissão já está relacionada com
os interesses da classe trabalhadora. Nesse contexto, houve a necessidade da elaboração de um novo
Código de Ética, o de 1986, como você já teve oportunidade de estudar. Nesse projeto, é dada uma
centralidade à profissão nos seguintes termos: a profissão é analisada em sua historicidade e sua relação
com o Capitalismo. Conforme a ABEPSS (1996, p. 147-148),
[...] foi a partir da análise histórica do significado da profissão, no processo
de reprodução das relações sociais capitalistas, que se desvelaram as
implicações sociais da prática profissional em suas contradições fundantes”.
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Mas, mesmo com esse novo significado, a profissão ainda conviveu com uma proposta de formação
profissional fragmentada do ponto de vista teórico-metodológico expressa em: funcionalismo,
fenomenologia e dialética, o que não lhe permitia apreender criticamente a realidade social.
O documento da ABEPSS (ibidem, p. 151) assinala que
A rigor, a profissão se afastou da dinâmica da sociedade civil privilegiando
o Estado e as políticas sociais, razão pela qual os processos sociais vividos
atualmente [contexto da década de 1990] pela sociedade, produto das
determinações históricas muito precisas, são por vezes pensados como “novas
questões” ou “novas demandas” que não encontram suporte profissional
para o seu enfrentamento.
No processo de discussão que culmina com a elaboração das atuais diretrizes curriculares, de acordo
com a ABEPSS (ibidem, p. 154),
[...] a formação profissional tem na questão social sua base de fundação
sócio-histórica, o que lhe confere um estatuto de elemento central e
constitutivo da relação entre a profissão e a realidade social [...] [pois
o] Serviço Social está inscrito no conjunto de práticas sociais que são
acionadas pelas classes e mediadas pelo Estado em face das sequelas da
“questão social”.
Embora a profissão, em sua produção teórica, aproxime-se da questão social no início da década de
1980, é somente na década de 1990, com o projeto profissional de 1996, que o serviço social trouxe a
questão social para o centro de suas discussões.
Na década de 1980, o serviço social se alia às lutas da classe trabalhadora. Como nos indica Netto
(2004, p. 22),
[...] não é por acaso que no ‘congresso da virada’ (o III CBAS, São Paulo, 1979)
tenha estado presente um jovem e carismático dirigente sindical do ABC
paulista, Lula, até então apenas Luiz Inácio da Silva.
Finalmente, cabe destacar que a aproximação do serviço social com o Partido dos Trabalhadores tem
sido analisada criticamente após a conquista do governo pelos petistas em 2002. Mas há um grande
significado histórico para a profissão, pois indica a sua vinculação com as lutas da classe trabalhadora,
redefine o projeto profissional, consolida o processo de construção de uma nova identidade e estabelece
o rompimento com a identidade atribuída.
Exemplo de Aplicação
De toda a Legislação Social que sustenta a ação profissional do Serviço Social e que foi aprovada
durante a década de 1990, destacamos: a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o Estatuto da Criança
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e do Adolescente (ECA), a Lei Orgânica da Saúde (LOS), que constituem o conjunto de leis resultantes do
capítulo da Ordem Social da Constituição Federal.
Faça uma pesquisa na Constituição, analise essas leis e reflita sobre as possibilidades de
enfrentamento da questão social. Organizem-se em grupo para essa discussão. Bons estudos!
5.4 A década de 1990
Nessa década, de acordo com Gohn (1998), houve uma diminuição das organizações de massas.
Gohn (1998, p. 9) expõe que,
[...] nos anos 90, o tema da organização passou a ser interpretado por vários
analistas como algo já ultrapassado, pertencente à década passada ou
como uma concepção que não daria conta de explicar os problemas atuais
porque seria um conceito ordenador/organizador das relações buscando a
diferenciação e não identidade.
A esse respeito, Gohn (ibidem, p. 10) posiciona-se afirmando que
Discordamos dessas interpretações e consideramos os movimentos
como atores fundamentais no atual [final da década de 1990]
momento político brasileiro. Basta que se abra um dos jornais nacionais
em qualquer dia da semana, que vemos suas presenças registradas,
principalmente no meio rural, na luta do MST ou na cidade, nas lutas
contra a fome [...].
Na análise da pesquisadora, na qual fundamentamos esse estudo, na década de 1990,
[...] estruturam-se ações a partir de redes associativas compostas por atores
coletivos remanescentes de alguns movimentos sociais dos anos 80, ONGs
(Organizações não Governamentais) de variados tipos [...] (GOHN, idem).
A própria Constituição estabeleceu a criação de órgãos colegiados, e havia participações no orçamento
e elas eram utilizadas como instrumentos de gestão em vários governos.
No contexto histórico que estamos estudando, verificamos a chegada de novas formas de
representação popular, embora as formas antigas não tenham desaparecido. Na análise de Gohn (1998),
o Brasil teve um período curto de vivência da prática democrática, e esse período se inicia com a
queda do regime militar. Os anos de 1990 trazem mudanças na estrutura da produção (reestruturação
produtiva), e elas trouxeram impacto na subjetividade da classe trabalhadora.
Os confrontos entre movimentos e Estado, que ocorreram nos primeiros anos da década de 1980,
imperaram até a promulgação da Constituição, mas faltava o aprendizado para atuar “[...] diante da
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nova conjuntura de políticas sociais estatais de parcerias entre Estado e entidades da sociedade civil
organizada” (GOHN, ibidem, p. 11).
Assim, ainda de acordo com Gohn (idem),
O despreparo dos movimentos possibilitou que novas ONGs e outras entidades
associativas do chamado Terceiro Setor ocupassem aqueles espaços. E esse
processo ocorreu tanto em administrações ‘situacionais’, sintonizadas com
as diretrizes do governo federal, como em administrações advindas da
oposição, a exemplo de certos programas do Orçamento Participativo.
Esse contexto traz uma semiparalisação dos movimentos populares urbanos na década que estamos
estudando, pois a atuação dos movimentos se restringia à resistência contra as medidas que extinguem
ou alteram as conquistas obtidas com a Constituição. De acordo com Gohn (idem), “eles [os trabalhadores]
não tiveram tempo, fôlego e nitidez para se reestruturar e assumir o novo papel que lhe é cobrado, de
serem agente propositivo”.
As ONGs que surgem não têm as mesmas características das da década de 1980, que eram
politizadas. As organizações da década de 1990 se constituem como empresas e são as chamadas ONGs
cidadãs devido às mudanças políticas e econômicas. A ação militante fica em segundo plano, pois essas
organizações precisam cuidar de sua sobrevivência e qualificar seu quadro funcional. Para elas, chega
também o imperativo da produtividade, da competência e da eficácia e da efetividade dos projetos
sociais. Essas entidades, em vez de ficar contra o Estado, buscam parcerias.
A participação, nesse cenário, passa a ser regida pela ideia da solidariedade. O pensamento de
identidade de classe social se enfraquece, já que as identificações passam a se constituir por outros fios
mais complexos (etnia, gênero, idade, sexo etc.).
Outro aspecto que destacamos é que os movimentos da década de 1990 se caracterizam por
mobilizações pontuais e não mobilizações de massa. Uma ressalva se faz, entretanto, para o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra — MST, que naquele período se colocava como o maior movimento
da América Latina. Sua posição não se alterou nos dias atuais (GOHN, 1998).
A luta desses trabalhadores é uma das expressões da questão social. Esse movimento tem mantido
a sua organização.
5.5 A questão social e o serviço social na década de 1990
No tópico anterior, vimos que, na década de 1990, o movimento sindical se enfraquece em função
das mudanças ocasionadas pela reestruturação produtiva que afetam a classe trabalhadora em sua
subjetividade (ANTUNES, 2005).
O serviço social entra nessa década com grandes expectativas e tarefas. Após a promulgação da
Constituição, faz-se necessária a regulamentação de direitos por meio de legislação específica.
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No quadro a seguir, apresentamos um resumo da legislação consolidada durante a década de
1990.
Nº da Lei Federal ou
decreto
Data
Tema
Lei n. 8.069
13/07/1990
Estatuto da Criança e do
Adolescente
Lei n. 8.080
19/09/1990
Lei Orgânica da Saúde
Lei n. 8.142
28/12/1990
SUS — Sistema Único de Saúde
Lei n. 8.212
24/07/1991
Organização da Seguridade Social
Lei n. 8.213
24/07/1991
Planos de Benefícios da Previdência
Social
Lei n. 8.742
07/12/1993
Lei Orgânica da Assistência Social
Lei n. 8.842
04/01/1994
Política Nacional do Idoso
Lei n. 9.394
20/12/1996
Lei de Diretrizes e Bases da
Educação
Lei n. 9.790
23/03/1999
Organizações da sociedade civil de
interesse público.
Decreto n. 3.298
20/12/1999
Política Nacional para a Integração
da Pessoa Portadora de Deficiência
Fonte: BRASIL, 2011.
No quadro, apresentamos as leis e o decreto que se consolidaram durante a década de 1990.
Digitando o número da lei e a data em uma página de busca na internet, você poderá acessá-la na
íntegra.
Nesse período, houve mudanças no âmbito da profissão e o projeto profissional de 1982 foi
rediscutido. Dessa discussão, temos algumas mudanças, como:
• a Resolução CFESS n. 273, de 13/3/1993: estabelece o Código de Ética da profissão.
• a Lei n. 8.662, de 7/6/1993: dispõe sobre o exercício profissional que regulamenta a profissão.
• as Diretrizes Curriculares de 1996.
A conjuntura da década de 1990 exige que o serviço social sintonize o projeto profissional com
as novas expressões da questão social. Na análise das diretrizes de 1982 avaliou-se, de acordo com
a ABEPSS (1996, p. 146), “[...] que houve uma incorporação mecânica do método crítico dialético na
apreensão da realidade social [...]. Avaliou-se, também, que seria importante atribuir maior importância
à dimensão técnico-operativa.
Essas diretrizes causaram amplo debate e pesquisas por parte da ABEPSS, pois a questão social
permeia a discussão dos pressupostos da formação profissional.
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SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
A seguir, destacamos dois pressupostos desse documento, conforme a ABEPSS (1996).
• O serviço social se particulariza nas relações sociais de produção e reprodução da vida social
como uma profissão interventiva no âmbito da questão social expressa pelas contradições do
desenvolvimento do capitalismo monopolista.
• A relação do serviço social com a questão social – fundamento básico de sua existência – é
mediada por um conjunto de processos sócio-históricos e teórico-metodológicos constitutivos
de seu processo de trabalho.
Esse entendimento da profissão, já presente no projeto profissional de 1982, ganha maior densidade nas
diretrizes de 1996, a partir do aprofundamento da discussão das relações da profissão com a questão social.
Na década de 1990, as discussões acerca da profissão na literatura passam a se compor. Iamamoto
(2006, p. 27) nos informa que
O serviço social é considerado uma especialização do trabalho e atuação do
assistente social, é uma manifestação do seu trabalho inscrito no âmbito da
produção e reprodução da vida social [...]. O serviço social tem na questão
social a base de sua fundação como especialização do trabalho. A questão
social é apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da
sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social
é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social,
enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada e monopolizada
por uma parte da sociedade.
Em razão dos efeitos da reestruturação produtiva, a discussão da vinculação da profissão com a
categoria trabalho sofre impacto. Fala-se na crise da sociedade do trabalho. Mas analisamos, a partir do
estudo de Antunes (2005), que a categoria trabalho continua tendo a sua centralidade, pois o mundo
de produção continua sendo o do Capitalismo; o que se alterou foi a forma de organização e gestão do
trabalho que transita do taylorismo/fordismo para o toyotismo.
A reestruturação produtiva traz desafios para a ação profissional. A esse respeito, César (1998, p.
143) assevera que
[...] as mudanças engendradas pelo processo de reestruturação afetam as
condições objetivas em que o trabalho do assistente social se realiza. Como
essas mudanças não são alheias à sua prática, provocam inflexões na direção
social, no conteúdo e nos meios objetivos para materialização dos resultados.
A autora finaliza sua análise sobre a questão refletindo que responder crítica e criativamente às
exigências colocadas pela reestruturação produtiva, defender suas condições de trabalho e resistir às
práticas de passividade são, a rigor, os grandes desafios que estão postos para o assistente social e para
os demais trabalhadores “que vivem do seu trabalho” (CÉSAR, ibidem, p. 145).
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Unidade II
O serviço social encerra a década de 1990 e entra no século XXI com o seguinte desafio: construir
estratégias de enfrentamento das novas expressões da questão social desencadeadas pela reestruturação
produtiva, que afetam a população e o assistente social como trabalhador assalariado. Lembre-se de que,
nessa década, ocorre a contrarreforma do Estado. No governo Collor, que inicia seu mandato no ano de 1990,
ocorre a entrada das ideias neoliberais, e com Fernando Henrique, que governou de 1995 a 2003, e com Luiz
Inácio Lula da Silva, de 2003 até 2011, não há recuo. Entramos no século XXI sob a égide do neoliberalismo.
A partir das preocupações profissionais voltadas para desvelar a presença e o enfrentamento, por
parte do Estado e da sociedade civil, da questão social no cenário histórico-cultural da sociedade brasileira
evidenciado principalmente a partir da década de 1990, época em que houve a guinada do Estado brasileiro
para a “mentalidade privatizante,” que as reformas estruturais de cunho neoliberal se promoveram.
5.6 Por que questão social e não políticas sociais como objeto de ação
profissional?
Essa pergunta nos instiga a reflexões diversas, até porque, no começo do curso, você estuda “Contexto
Histórico das Políticas Sociais”. Num determinado momento, parece tudo tão igual; é verdade, pois questão
social e políticas sociais não podem ser tratadas separadamente, têm que ser discutidas em conjunto.
O serviço social tem seu espaço ocupacional “privilegiado” para trabalhar com políticas sociais, sejam
públicas ou privadas, mas nem por isso elas são objetos da profissão e representam uma das respostas de
enfrentamento à questão social aliada às de cunho privado e de outros segmentos da sociedade, como
as organizações da sociedade civil.
Iamamoto, (2001, p. 58-59) afirma que:
A questão social explica a necessidade das políticas sociais no âmbito das
relações entre as classes e o Estado, mas as políticas sociais, por si, não explicam
a questão social. Aquela é, portanto, determinante, devendo traduzir-se
como um dos polos chaves da formação e do trabalho profissional.
Ao “exigir” a implantação ou efetivação de políticas sociais com vistas a minimizar os conflitos e
contradições na sociedade, a questão social é a matéria-prima que os assistentes sociais vão utilizar no
seu exercício profissional: o nosso “chão” é a questão social e suas múltiplas expressões, e as políticas
sociais são uma das formas privilegiadas que utilizamos no enfrentamento às questões que se colocam
em nosso cotidiano profissional. Porém, de quando em quando, as respostas são ações isoladas,
fragmentadas e imediatistas, a menos que os profissionais, os usuários e a sociedade de um modo
geral, lutem para que haja a efetivação de uma política pública para atender determinado segmento da
sociedade ou as necessidades básicas de todos os cidadãos.
5.7 Configurações do objeto: questão social
Observa-se, atualmente, o agravamento da questão social – objeto do serviço social – nas suas
expressões regionais e locais nos mais diversos espaços de exclusão, como violência, desemprego,
discriminação, empobrecimento, negação de acesso a direitos sociais, fome etc.
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SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
Há de se destacar a separação clara de regiões (norte, sul, sudeste) e as particularidades econômicas,
culturais, políticas, educacionais e sociais. A questão social está presente de modo igual ou desigual em
todas elas; não escolhe lugar, hora, nem dia. O que a diferencia é a forma de acesso e o conhecimento
dos sujeitos ou as formas históricas de resistência e de luta que algumas regiões apresentam. Os
protagonistas – segmentos sociais, profissionais, instituições de classe etc. – têm papel fundamental na
conquista e na luta de direitos.
A questão social se configura de diversas formas, porém, atualmente, as mais evidentes são:
• relações de trabalho precárias e sem condições mínimas de proteção; ruptura entre trabalho e proteção;
• desemprego;
• desestabilização dos trabalhadores estáveis;
• uma sociedade de “sobrantes”, pessoas que não têm lugar na comunidade, que não são integradas;
esses indivíduos sequer chegam à condição de excluídos, pois nunca participaram das convenções
da sociedade civil;
• violência urbana.
Desse modo, a questão social não pode ser pensada isoladamente ou tomada sob um único prisma.
É preciso reconhecer os diferentes contextos em que ela se apresenta de modo que se possam pensar
as estratégias de enfrentamento.
As configurações da questão social fazem acirrar a concentração/acumulação de capital/riquezas e a
produção crescente da miséria, da pauperização e das desigualdades. Ela é propulsora de uma sociedade
e articula as engrenagens nos diferentes espaços de produção e reprodução da vida social.
5.8 Questão social ou questões sociais?
Alguns autores, como Vicente Faleiros e Marilda Iamamoto, diziam que não existem “questões
sociais”, e sim um conjunto de expressões. Segundo eles, a questão social é única, visto ser fruto da
relação capital x trabalho. Tal relação é que origina a questão social. Além disso, há apenas expressões
dessa relação, como as desigualdades e as exclusões.
5.9 Como se apresenta e se inscreve a questão social no contexto das
instituições, dos sujeitos e dos profissionais?
5.9.1 Nas instituições
A questão social se apresenta por meio de demandas institucionais, ou seja, a própria instituição cria
condições e serviços sociais específicos para atender determinados segmentos da sociedade. Exemplo: o
Estado cria serviços específicos para atender segmentos “x”, “y”. As organizações do terceiro setor criam
também serviços, de forma mais particular, para atender determinados segmentos da sociedade. E as
empresas também criam serviços para atender seus funcionários.
83
Unidade II
Dessa forma, a configuração do objeto ocorre no espaço institucional. Por exemplo, a instituição “X”
atende crianças em situação de abrigo (problemas intrafamiliares, abandono etc.). Qual será meu objeto
de intervenção do profissional de Serviço Social? Lembre-se: as pessoas não são objetos de intervenção,
pois são sujeitos de direitos, o que é objeto é a expressão que dá visibilidade à questão social, vide a
violência doméstica. Então, a partir dessa identificação, elaboro objetivos e estratégias metodológicas,
constituindo meu plano de intervenção. Em outras disciplinas aprofundaremos a construção do plano
de intervenção para o estágio/prática profissional.
Se o objeto é construído no âmbito institucional, como intervir para que não se caia em rotinas, haja
imediatismos, burocracia, entre tantos outros obstáculos? É importante ressaltar que o profissional
deve olhar para além das rotinas e dos obstáculos de suas ações. Como aponta Iamamoto (2001, p.
22):
Olhar para fora do serviço social é condição para se romper tanto com
uma visão rotineira, reiterativa e burocrática do serviço social que impede
vislumbrar possibilidades inovadoras para a ação, quanto com uma visão
ilusória e desfocada da realidade que conduz a ações inócuas. Ambas têm
um ponto em comum: estão de costas para a história e para os processos
sociais contemporâneos.
Assim, a construção do objeto também aporta, não só o viés institucional – demandas, rotinas,
burocracia –, mas também a postura profissional frente a tais demandas. Ou o profissional fica “tomado”
pela instituição e pela subalternidade frente a outros profissionais ou impõem-se, ou seja, valoriza sua
profissão, mostrando sua importância frente às equipes de trabalho e aos usuários, destacando que sua
atividade é fruto de conhecimentos científicos adquiridos em formação acadêmica.
Observação
Se as instituições criam serviços sociais para atender segmentos
vulneráveis, isso já representa uma resposta ao problema? Como vou
construir meu objeto se já tenho a “resposta” para a expressão que dá
visibilidade à questão social? Então, qual é o meu objeto?
Sim, as políticas são respostas à questão social (por parte do Estado ou de outros segmentos
da sociedade civil e empresarial), mas a complexidade das expressões não pode ser resolvida de
forma pragmática ou por ações imediatistas, burocráticas, ou seja, as ações têm que ser refletidas,
discutidas e planejadas para que não ocorra uma “nova exclusão”. Por exemplo: a assistente social
da instituição “x” repassa recursos financeiros – passagens – para todos os cidadãos que vão pedir
um auxílio. Será que há planejamento ou critérios para isso? Será que os recursos não poderiam ser
empregados em outras ações? Quando um cidadão realmente precisa de um recurso? Em casos de
doença, de desemprego? Esse é um exemplo, entre tantos outros que acontecem em práticas não
planejadas, sistematizadas, discutidas etc.
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SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
Por isso, reiteramos: uma prática profissional não comprometida e sem embasamento crítico,
reflexivo, propositiva, aliada às instituições burocráticas, acaba reforçando mais as desigualdades sociais
e as exclusões.
O não comprometimento com a profissão poderá ser mais excludente que o próprio sistema em que
o indivíduo está inserido. É uma afirmativa forte, mas necessária para que você pense sobre que tipo de
profissional quer ser. Como assistente social, você deve refletir, discutir, ler e não cair no comodismo.
5.9.2 Os usuários como sujeitos de direitos
São usuários do serviço social todos aqueles que têm seus direitos garantidos pela Carta Constitucional.
Porém, existem pessoas que não são usuárias de qualquer serviço, estão à margem da sociedade, muitas
vezes por desconhecerem os seus próprios direitos. Outras conhecem, mas fatores de inacessibilidade,
de organização e de mobilização os impedem de exercê-los.
Os sujeitos de direitos são protagonistas do cenário da questão social e têm papel fundamental na
luta por melhores condições de vida. São aqueles que mobilizam forças, travam lutas e fazem resistências
em prol de direitos.
5.9.3 Os assistentes sociais frente aos desafios da questão social
Esses profissionais atuam como mediadores das relações e são comprometidos com a garantia e a
defesa de direitos sociais. Sua identidade é construída nesse processo de lutas, resistências, confrontos
etc. Esta não é alicerçada de modo neutro (positivismo), mas como defensora das garantias sociais,
articuladores, mediadores, mobilizadores e gestores de políticas públicas.
O assistente social é um profissional inserido nas relações sociais que busca reforçar os sujeitos,
fortalecendo sua autonomia, seu poder e seus saberes. Trabalha na perspectiva da garantia dos direitos
e do acesso a melhores condições de vida. Iamamoto (2001, p. 79) compara o trabalho do assistente
social ao de um educador. Vejamos:
Os assistentes sociais, ao realizar suas ações profissionais, seja no nível
das secretarias de governo, dos bairros, das instâncias de organização e
mobilização da população, das organizações não governamentais (ONGs),
exercem a função de um educador político; um educador comprometido
com uma política democrática ou um educador envolvido com a política
dos “donos do poder”. Mas é nesse campo atravessado por feixes de tensões
que se trabalha e que são abertas inúmeras possibilidades ao exercício
profissional.
As possibilidades de ação profissional são diversas, assim como os confrontos, as mediações, as lutas,
as resistências, ou seja, os desafios profissionais são inúmeros. Cabe aos assistentes sociais ocupar, de
fato, seus espaços de trabalho, sejam estatais, privados ou organizações da sociedade civil.
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Unidade II
Qual o lugar do assistente social nesses processos? É na tensão da produção das desigualdades e
da produção das lutas e resistências que trabalham os assistentes sociais. O trabalho está situado em
cenários distintos que exigem compromisso e competências teórico-metodológicas.
É nesta tensão, entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e
da resistência, que trabalham os assistentes sociais situados nesse terreno
movidos por interesses sociais distintos, dos quais não é possível abstrair ou
fugir porque tecem a vida em sociedade (IAMAMOTO, 2001, p. 28).
Cabe ao assistente social decifrar as novas mediações em jogo nos diferentes cenários e apreender as
novas expressões da questão social, ou seja, conhecer as diferentes formas de expressão das desigualdades
sociais. Ao lançarmos mão da expressão que dá visibilidade à questão social, estaremos construindo nosso
objeto, que é um dos primeiros passos para o processo de conhecimento. É preciso captar as formas de
resistência, de lutas, de oposição, de pressão social, de invenção e reinvenção da vida cotidiana para que
possamos projetar formas de enfrentamento e de defesa da vida por meio de políticas públicas ou de
outras estratégias de empoderamento, de autonomia e de liberdade dos sujeitos de direitos.
6 CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DO OBJETO DO SERVIÇO SOCIAL
A construção do objeto significa a compreensão das mais variadas expressões cotidianas que os
sujeitos vivenciam e que os assistentes sociais trabalham direta ou indiretamente. Expressões que
fazem parte do tecido social de uma sociedade. Todos nós, independentemente de situação econômica,
política, cultural, de credo, de raça, não conseguimos nos furtar delas, pois estas perpassam o cotidiano
de cada um e fazem parte da trama de relações sociais do modo de produção e reprodução do sistema
capitalista. Sobre as expressões cotidianas, Iamamoto (2001, p. 28) afirma que:
Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas
expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho,
na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública etc. A
questão social sendo desigualdade é também rebeldia por envolver sujeitos
que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se opõem.
A matéria-prima do serviço social, portanto, situa-se em espaços contraditórios, conflituosos, de
interesses antagônicos, de rebeldias, de lutas, de resistências por direitos inscritos na agenda pública ou
em discussão para a viabilização de garantias por meio de políticas públicas.
Ao ter uma matéria-prima de intervenção profissional, que tem como ingredientes principais a
luta pela defesa da vida e pela garantia de direitos, o assistente social é um profissional que precisa ter
postura ética, crítica e propositiva e se imbuir de conhecimentos teórico-metodológicos.
6.1 Formas de enfrentamentos da questão social
A seguir, relacionaremos os agentes responsáveis pelo desencadeamento das ações de intervenção
na questão social.
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SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
• Estado: nas políticas públicas;
• Empresariado: por meio de políticas sociais empresariais para a reprodução e gestão da força de
trabalho;
• Outros segmentos da sociedade civil: por meio de organizações não governamentais que têm
atuado no campo das políticas sociais;
• Classes subalternas: são formas de organização e de sobrevivência acionadas por estas classes
como meio de fazer frente às condições crescentes de exclusão social a que são submetidas.
A partir desses indicadores, é possível explicitar a compreensão dos fundamentos teórico-metodológicos
do serviço social assim como sua dimensão técnico-operativa.
Ao identificar o lugar do assistente social nos diferentes espaços e seu papel frente às expressões que
dão visibilidade à questão social e aos mecanismos de enfrentamento, partimos para uma exemplificação
da identificação/construção do objeto/matéria-prima do serviço social.
Unidade/
área de
trabalho
Saúde
Expressão da
questão social
Álcool/drogas
Qual é o meu objeto/
matéria-prima de
trabalho?
Dependência química
Outras fases: estratégias
metodológicas
Entrevistas/encaminhamentos
para grupos de mútua ajuda
ou tratamento em clínicas
especializadas.
Ao identificarmos a expressão que dá visibilidade à questão social, neste caso o alcoolismo, partimos
para o conhecimento teórico-metodológico. Por quê? Antes de qualquer intervenção, precisamos de
embasamento teórico. Como posso fazer uma intervenção se não tenho conhecimento sobre o assunto?
Não temos nada pronto – e nem podemos. Nossa área de atuação é ampla, temos que ser dinâmicos,
propositivos e manter uma rede de contatos e serviços de nossa cidade e região.
Atualmente, os concursos públicos exigem um rol de conhecimentos dos mais diversos para o cargo
de assistente social. Então, ter conhecimento básico em alcoolismo/dependência química é um dos
requisitos para o exercício profissional.
Isso não significa que o profissional fique fazendo diversos cursos em todas as áreas, mas sim
saber diferenciar, por exemplo, alcoolismo de dependência química. Saber identificar se o sujeito é
usuário de drogas ou de álcool, o tempo de uso, abuso, consumo, problemas com polícia e possíveis
encaminhamentos para os serviços sociais de que dispõe a rede.
Em muitas situações, nossa intervenção pode ir além de um simples encaminhamento para
serviços especializados. Sabemos que as condições de trabalho vão variar de local para local.
Em determinada instituição, você poderá ter recursos materiais e humanos para planejar,
desenvolver e avaliar ações interventivas. Em outros locais, você deverá buscar estratégias e
meios alternativos para desenvolver ações interventivas, apesar das dificuldades institucionais.
Em grande parte das organizações, há falta de profissionais especializados para determinados
87
Unidade II
tipos de atendimento, falta de salas/espaços, de recursos materiais etc. Então, o que fazer? Nós,
assistentes sociais, temos uma compromisso com a classe trabalhadora explicitado no código de
ética. Dessa forma, buscamos a primazia do acesso a bens e serviços para as classes subalternas,
apesar das dificuldades e dos entraves impostos pelas políticas e instituições em que estamos
inseridos.
Vamos objetivar/esquematizar:
1° Preciso conhecer a realidade em que vou trabalhar/atuar/intervir.
Perguntas básicas: Como? Quando?
2º Como vou analisar/conhecer?
Você precisa ler e estudar as políticas públicas a que está vinculada a instituição/ organização em
que vai estagiar/trabalhar. Se você estagiar/trabalhar, por exemplo, num hospital, é importante conhecer
a qual política pública ele poderá estar vinculado. Parece claro, à política da saúde. Porém, num hospital
também há assistência.
E agora? Qual é a política de fato? Para essa identificação, você precisará se inteirar de suas
atribuições – veja o plano de trabalho de cada instituição – para poder delimitar/especificar sua
atuação. Com certeza, a política da saúde prevalecerá em hospitais, clínicas e ambulatórios vinculados
ao SUS.
Não pretendemos estudar passo a passo sua rotina de trabalho, até porque, como já observamos, não
há receitas ou modelos fixos. É mister que você possua fundamentos para poder planejar e organizar
seu trabalho.
As ações profissionais são pautadas no que denominamos de plano de intervenção/ação. Essa é uma
das estratégias metodológicas que vamos operacionalizar no campo de estágio e em nossas futuras
ações.
E a desconstrução do objeto profissional? Como e quando desconstruímos nosso objeto de ação
profissional? Ela se inicia quando você percebe que as estratégias utilizadas até então não dão mais
conta da realidade e da dinâmica profissional. Ela também ocorre quando o assistente social busca
ampliar, aprofundar seus conhecimentos e sua forma de intervenção; quando sai dos muros profissionais
e institucionais; e quando almeja ir além do seu cotidiano profissional. A desconstrução ou reelaboração
do objeto também pode partir de demandas institucionais percebidas pelos profissionais ou pelos
usuários.
Seu objeto de intervenção profissional estará em constante mudança devido à dinamicidade das
expressões da questão social.
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SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
O quadro a seguir aponta algumas categorias que perpassarão por toda a formação e todo o exercício
profissional do assistente social. Leia atentamente e procure assimilá-las, pois fazem parte do nosso
cotidiano profissional.
Objeto/matéria-prima do
serviço social
Múltiplas expressões/refrações da questão social.
Questão social
Contradição entre capital e trabalho = desigualdades x resistências/lutas;
exclusões.
Capital
Relações sociais que tomam forma de riqueza/poder monopolizado,
confrontando-se com o trabalho concreto e impondo a produção de trabalho
alienado.
Trabalho
Toda a expressão e produção humana.
Desconstrução ou
reelaboração do objeto
Demanda institucional; identificação pelo profissional; demanda do usuário.
Modos de vida
Significados atribuídos pelos sujeitos ao seu modo de viver (valores, crenças e
práticas sociais).
A construção do objeto profissional não pode ser pensada só de modo teórico e conceitual; é
preciso levar em conta a história, as discussões, os debates dos projetos de sociedade e de intervenção
profissional nos diferentes contextos. Nesse processo, também é preciso considerar a dinâmica local,
regional, institucional, as relações de poder, os saberes, as estratégias e os diferentes atores. Assim,
o objeto de trabalho do assistente social terá especificidades próprias da conjuntura em que ele está
inserido. Portanto, não existem modelos, receitas, e sim construções coletivas de um determinado
contexto sócio-histórico e ideológico-político.
6.2 As principais demandas do serviço social
As demandas para o serviço social podem ser constituídas de forma dirigida ou manifestada,
no entanto, não podemos caracterizá-las somente dessa forma, uma vez que elas extrapolam tais
conceitos.
Estudemos, então, as demandas dirigidas e manifestadas.
No desdobramento do texto, você perceberá que as demandas podem ser caracterizadas de outras
formas, dado o seu contexto profissional, institucional e do usuário, levando em conta a realidade em
que estão inseridas.
Lembrete
Usuário é a terminologia usada pela profissão para identificar as pessoas
ou grupos que utilizam os serviços sociais.
As demandas dirigidas ao serviço social são aquelas instituídas dado o caráter do serviço prestado.
Elas caracterizam-se por rotinas apresentadas pela dinâmica da instituição ou serviço prestado ou pelo
89
Unidade II
próprio profissional. Também podem ser comuns para profissionais de determinada área ou de áreas
específicas, isso depende do setor em que o assistente social está locado. Em uma área, há serviços
setorizados e outros que são comuns a todos os setores e profissionais.
As rotinas fazem parte do exercício profissional do assistente social que se efetiva no cotidiano
da instituição na qual está inserido. A rotina transforma-se continuamente e diferencia-se conforme
as experiências, em função de particularidades, valores, interesses e época histórica. Ela é a vida dos
mesmos gestos, atitudes, ritmos de todos os dias, o que implica o imediatismo, o útil e o funcional.
Cabe ao profissional romper com esses procedimentos. Como? Quando ele gosta do que faz, tem
motivação, paixão, comprometendo-se com o trabalho e com os usuários e ele tem uma ação proativa
em relação a isso.
Citamos como exemplo de rotinas dirigidas do serviço social em uma empresa: entrevista domiciliar,
visita hospitalar, atendimentos individuais para resolução de problemas relacionados a absenteísmo,
financeiros, relacionamentos interpessoais no setor etc.
As demandas dirigidas são explicitadas com clareza pela instituição e pelos profissionais. Pode
ocorrer ou não o reconhecimento do serviço como demanda. Essa é uma questão polêmica, o
profissional e a instituição às vezes não têm meios/instrumentos (sociais e materiais) para realizar
os serviços aliados às políticas públicas que ainda não conseguiram ser efetivadas na sua totalidade.
A efetivação não ocorre devido aos problemas burocráticos, políticos, ideológicos, ou por falta de
profissionais qualificados para assumir a gestão. Se as demandas explícitas às vezes se tornam
complexas (pode ser difícil a sua identificação ou não são priorizadas, pois não são reconhecidas como
serviço pelo profissional ou pela instituição), imagine como são tratadas as demandas manifestadas
e as implícitas.
Faça uma reflexão de um serviço que você conhece problematizando os aspectos levantados no
decorrer do texto. Um serviço público fácil de problematizar é a saúde, tão polêmico e preocupante.
Lembre-se de que as demandas existem e são muitas. Como equacioná-las, levando em conta os meios
de trabalho para os profissionais e para as instituições e as políticas públicas existentes? E qual é a sua
real efetivação?
As demandas manifestadas são aquelas que extrapolam a rotina dos serviços, geralmente são
solicitadas pelos próprios usuários, outras vezes estão implícitas, não sendo identificadas inicialmente
pelo profissional ou pela instituição. Quando solicitadas pelos usuários, o profissional trata o atendimento
como demanda individual/particular, negando o caráter coletivo. Contudo, é preciso compreender
que as demandas “[...] são coletivas não só porque são vivenciadas por todos, mas também porque só
coletivamente poderão ser enfrentadas” (VASCONCELOS, 2002, p. 171).
A manifestação por parte do usuário ocorre quando ele percebe a necessidade de um serviço
complementar a que ele já está recebendo. Isso ocorre quando o indivíduo toma ciência da existência
desse serviço e também por solicitação de um serviço que não existe no bairro ou comunidade do
usuário.
90
SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
A demanda manifestada pode ser explícita ou implícita. Aí complica mais: como pode ser implícita
dentro da manifestada? Vejamos: ao manifestar sua demanda, o usuário poderá apresentar uma
demanda implícita (não identificada dentro de um processo maior). Por detrás da manifestada, o
profissional poderá captar situações implícitas que levaram à primeira, ou seja, o assistente social
está tratando a consequência, o efeito, e a causa não foi observada. Em outras palavras, está tratando
a parte e não o todo, ela é uma ação fragmentada e focalizada no problema e não no ser humano
como um todo.
A demanda implícita poderá ser muito maior que a manifestada, por isso o profissional
precisa possuir alguns meios (conhecimentos para decifrar o problema). O implícito é aquilo não
dito pelo usuário e o não percebido pelo profissional. É o que está nas entrelinhas da fala do
usuário.
6.3 Demanda profissional: aumento da seletividade no âmbito das políticas
sociais
Diante das demandas existentes, é notória a procura por serviços sociais. Entretanto, é preciso
ressaltar o aumento da seletividade no âmbito das políticas sociais, a diminuição de recursos, a redução
dos salários e a imposição de critérios cada vez mais restritivos à população para ter acesso aos direitos
sociais públicos.
Nessa perspectiva de seletividade, o profissional tem de trabalhar pautado nos princípios do Código
de Ética Profissional, defendendo, intransigentemente, o usuário e os direitos que lhes são garantidos
por lei e que “algumas” vezes são repassados como forma de favor, clientelismo e paternalismo. Quando
o indivíduo procura um serviço, geralmente ele é portador de uma necessidade material ou social. Paulo
Netto e Falcão (2000, p. 54) mencionam que
[...] sabemos que o atendimento dessas necessidades é realizado de
forma setorizada, fragmentada, como se o indivíduo fosse um somatório
de necessidades a serem satisfeitas, cada uma delas pela superposição
de instituições específicas. Sabemos igualmente que, no caso brasileiro,
o atendimento a estas necessidades é pulverizado e individualizado,
requerendo sempre uma seleção ou triagem que confirme o mérito ou
validade do pedido de atendimento.
Essa demanda requer mediação por parte do assistente social entre as necessidades básicas e as
possibilidades institucionais. É um trabalho de ligação/ponte entre os grupos em situação de exclusão e
as organizações. É um processo de passagem da situação de excluído para a de inclusão em um serviço
ou acesso a um bem.
A mediação é um processo que implica o engajamento ou compromisso dos assistentes sociais em
um conjunto de atividades com o usuário e objetiva o fortalecimento da sua identidade, da autonomia,
do reconhecimento e do uso de recursos.
91
Unidade II
Segundo Paulo Netto e Falcão (2000), a mediação é um instrumento de que o assistente social se
utiliza no seu fazer profissional, categoria que está inserida tanto nas demandas quanto nas práticas
sociais e ela também é compreendida como um processo de passagem.
Na operacionalização de suas ações, o profissional é “demandado” pela organização/instituição a
desenvolver quase sempre práticas imediatistas e focalistas. Cabe a ele, ao dar respostas às demandas,
superar essa prática de forma crítica e propositiva.
Cabe ao assistente social dar respostas que vão além do imediatismo. O profissional deve estar
comprometido com sua profissão e com o usuário, ter o cuidado de não cair na subalternidade que existe
na profissão em algumas instituições, achar que é tudo natural, normal e cumprir apenas as normas e
rotinas estabelecidas. Sucintamente, podemos definir como “novas demandas” para o serviço social:
a) identificar novas oportunidades de trabalho e demandas sociais: cooperativas, assessoria e
consultoria, terceiro setor, responsabilidade social, turismo social, desenvolvimento sustentável etc.;
b) decodificar expressões da questão social, buscar formas de enfrentamento respeitando suas
especificidades, como: gênero, etnia, raça etc.
Para atender essas demandas e outras questões que surjam nessa profissão, é importante que o
profissional identifique as oportunidades e as diversidades da realidade social. O social não é especificidade
de qualquer profissão: o que existe são formas diferentes de cada profissão no trato do social.
Diante das novas demandas, apresentaremos, a seguir, os desafios postos para a profissão. As demandas
e os desafios não se esgotam em um estudo, é preciso buscar o seu entendimento paulatinamente. Por
isso, a formação é contínua, e o desafio maior é aprender as alterações históricas que os processos
sociais vêm criando.
Detectar as demandas e exigências de reformulações no modo de ser, do fazer profissional,
assegurando sua necessidade social, é buscar aprender o significado social da profissão no contexto das
profundas alterações na divisão internacional do trabalho.
Para tanto, o serviço social, na atual conjuntura, deve estar atento às determinações sócio-históricas
e ideológico-políticas que requalificam as respostas profissionais incidindo em:
• capacitação teórico-metodológica que permita apreensão crítica da realidade;
• capacitação investigativa articulada à intervenção profissional com o intuito de instaurar
habilidades teórico-metodológicas e técnico-políticas, entre outras;
• entendimento de que a instituição não é um limite, mas a possibilidade do exercício profissional;
é nesse espaço que se realiza o trabalho profissional;
• não ter a ilusão que outrora permeou a prática profissional que postulava como objetivo a
transformação radical da sociedade;
92
SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
• reconhecer que, no sistema capitalista, os direitos econômicos, sociais, políticos e culturais são
capazes de reduzir desigualdades, mas não de acabar com elas de modo definitivo;
• o reconhecimento dos limites profissionais não invalida a luta pela efetivação dos direitos pelas
políticas públicas. Os limites sinalizam que existe uma agenda estratégica de luta democrática em
prol da construção de uma sociedade mais justa e igualitária;
• quando o assistente social repensa sua prática, reconstrói seu objeto de intervenção deixando
de ser mero executor, como no passado, para ser um profissional propositivo, criativo, gestor,
formulador de estratégias de intervenção e controlador dos recursos destinados às políticas
públicas.
As respostas apresentadas às demandas nunca são absolutamente novas ou obsoletas. Isso depende
muito da conjuntura em que o assistente social está inserido. Por exemplo: algumas práticas profissionais
nos grandes centros já estão ultrapassadas, porque já foram instauradas há muito tempo, já foram
avaliadas e reavaliadas e estão sendo ampliadas ou substituídas por outras para dar conta da realidade.
Já em lugares mais remotos, algumas práticas ainda nem chegaram e sequer existem profissionais do
serviço social.
O que vai caracterizar as demandas profissionais diante da questão social são as determinações
sócio-históricas e ideológico-políticas da realidade em que você estiver atuando. Portanto, as demandas
profissionais poderão ser distintas nos diversos cantos do Brasil, mas a gênese das desigualdades e
exclusões é uma só: a relação conflituosa entre capital e trabalho. As respostas e a forma de enfrentamento
da questão social serão determinadas pelo profissional na conjuntura em que ele estiver inserido.
Em relação à questão social, Iamamoto (2001, p. 27) nos assevera que
A questão social é apreendida como o conjunto das expressões das
desigualdades da sociedade capitalista madura que tem uma raiz comum:
a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais
amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se
privada e monopolizada por uma parte da sociedade.
É polêmico dizer que a fome, a pobreza, a violência e outras expressões são diferentes no norte e
no sul do país. Também é controverso dizer que a fome no sul é diferente da fome no nordeste, que a
violência nas grandes cidades é diferente da violência das cidades pequenas, bem como mencionar que
as demandas são totalmente diferentes. Existem, sim, especificidades regionais, culturais, econômicas,
políticas e sociais que devem ser levadas em conta no momento de formular ações de enfrentamento
à questão social.
É nesse sentido que, para nós, a questão social é única, mas suas expressões são múltiplas. E o
conhecimento teórico-metodológico que o profissional de Serviço Social possui poderá contribuir para
respostas eficazes. Dissemos “poderá”, pois depende de cada um buscar se aperfeiçoar e se qualificar.
Mas lembre-se: antes de tudo, você está trabalhando com pessoas e não com objetos; pessoas com
diversas carências (recursos, afeto, entre outras necessidades sociais e materiais).
93
Unidade II
É importante gostar do que se faz, pois, do contrário, você não estará contribuindo em nada para uma
sociedade mais justa e igualitária, nem com o trabalho em prol do combate às expressões da questão social.
6.4 Reordenamento dos serviços sociais
A categoria profissional vem discutindo um reordenamento de sua prática, tanto na defesa de direitos
como na prestação de serviços que antes eram executados predominantemente pelo Estado e que agora
são transferidos em etapas por meio de parcerias, convênios etc. para outros setores da sociedade civil
(principalmente para organizações não governamentais).
Os serviços têm caráter voluntário ou não. Caracterizam-se por ações fragmentadas, isoladas,
paliativas e de cunho individualista.
Como nos assevera Iamamoto (ibidem, p. 159)
Cortam-se gastos sociais e transferem-se serviços para o setor empresarial
condizente com a política mais ampla de privatização que é levada a efeito
pelo Estado. O enxugamento e sucateamento dos serviços públicos têm
redundado não apenas na perda de qualidade dos atendimentos, como têm
reforçado a seletividade, o que entra em colisão como uma das principais
conquistas obtidas na Carta Constitucional de 1988, relativa à universalização
dos direitos sociais e dos serviços que lhes atribuem materialidade.
O Estado não tem poder de controle sobre esses serviços e isso os desqualifica, pois seus agentes
fazem o que querem. Muitos desses trabalhos têm “donos”, ou seja, quem os criou não socializa e nem
possibilita a abertura para o ingresso de outros participantes. Algumas ações bem-sucedidas promovem
a cidadania e a emancipação, mas sabemos que a maioria são apenas obras caritativas e assistencialistas
que reforçam a subalternidade dos sujeitos; outras servem de fachada para receber recursos do governo
e de agências internacionais.
6.5 Terceirização da gestão da questão social
O desrespeito à institucionalização da questão social ocorre quando o Estado deixa de atender
serviços básicos e a garantia dos direitos fica à mercê de organizações não governamentais com critérios
próprios, e isso muitas vezes acaba reforçando exclusões.
Os critérios de acesso aos serviços são excludentes, uma vez que não são universais, e os sujeitos que
os solicitam precisam se “enquadrar” em determinados perfis. Essa é uma questão muito discutida, visto
que muitas vezes somos nós (assistentes sociais) que reforçarmos a exclusão ao criar critérios de seleção,
ingresso em programas, projetos e benefícios. Por isso, nossa prática é contraditória e conflituosa. Assim,
surge a questão: como incluir se também estou excluindo?
O Estado, ao terceirizar a gestão da questão social, promove a distribuição de verbas públicas para
entidades privadas exercer ações de caráter público. Esse orçamento se efetiva por meio de convênios,
contratos, parcerias, prestação de serviços, subvenções temporárias ou periódicas etc.
94
SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
Mesmo diante desses impasses de terceirização ou desrespeito à institucionalização, o serviço
social vem trabalhando na gestão de ações para inclusão ou integração dos cidadãos no terceiro setor
de modo que não sejam tão desiguais ou excludentes, embora os critérios de seleção/ingresso sejam
preponderantes nesse processo.
A intervenção do serviço social no terceiro setor tende a se ampliar, tendo em vista os cortes com
gastos sociais e os recursos distribuídos de forma focalizada e fragmentada por parte do Estado.
Ao transferir responsabilidades, o Estado inclina-se a prestar serviços com menos custos e menos
garantias. E o terceiro setor, por sua vez, tende a ações mais individualistas, isto é, a ações cujo público
alvo possui determinados segmentos (idosos, crianças, abrigos, clínicas, casas de apoio) com critérios de
acesso estabelecidos em regimentos ou estatutos.
Como nos afirma Faleiros, (1996, p. 24)
Essa terceirização é uma nova forma de gestão da questão social que, na
linha da “desinstitucionalização”, agora se volta para o empenho da própria
população na participação dos serviços prestados pelo Estado. Esse cenário se
realiza sob múltiplas formas, como pelo fechamento de hospitais, implicando
nos familiares o cuidado aos doentes. O mesmo se passa com o atendimento
a crianças e pessoas idosas, ficando cada região e cada localidade responsável
pela gestão de um fundo para projetos que envolvam, por um lado, os serviços
e, por outro, admitam para trabalhar pessoas envolvidas em programas de
bem-estar social com o dinheiro desse mesmo fundo.
Faleiros (1996) adverte que é nesse processo que o serviço social precisa encontrar as categorias
adequadas para repensar o social e sua gestão. Logo, o assistente social precisa desenvolver sua condição
criativa e reflexiva, bem como contribuir para que os sujeitos desenvolvam mais sua capacidade crítica
frente às instituições e aos serviços prestados.
6.6 Matrizes do processo de trabalho do assistente social
O processo de trabalho do serviço social constitui-se no espaço em que os conhecimentos são processados
e ele se reconstrói a partir da análise da questão social e do conhecimento produzido pelo Serviço Social.
Depois que identificamos nosso objeto de trabalho, partimos para o processo de trabalho propriamente
dito. Ele tem seu início com o processo de conhecimento e prossegue no processo de intervenção. Na
verdade, não há como dizer o que vem primeiro, mas é necessário identificarmos, inicialmente, o objeto
de intervenção, para depois contextualizar o processo de estratégias e atividades de trabalho.
A prática profissional do assistente social é considerada trabalho, pois é orientada para uma finalidade
e possui teleologia. O assistente social, na condição de trabalhador assalariado, “[...] também sofre todas
as injunções decorrentes da divisão social do trabalho, da reestruturação produtiva e das reformas por
que vem passando o Estado” (ABESS/CEDEPESS,1996, p. 163-164).
95
Unidade II
Embora o assistente social esteja sujeito às alterações do mercado de trabalho, ele deve estabelecer
um distanciamento crítico disso no sentido de apreender a dinâmica da sociedade. Essa mediação é
determinante para a sobrevivência do serviço social.
O processo de trabalho do serviço social, como qualquer trabalho no setor
de serviços, gera “valores de uso”, apesar de não “produzir diretamente
mais-valia”. Seu produto não é necessariamente de base corpórea, material,
mas expressa um resultado, um valor de uso. Ele participa do processo
ampliado de produção e reprodução social, exercendo funções mais ou
menos estratégicas à medida que se articula a setores produtivos mais ou
menos importantes (GENTILLI,1997, p. 132).
O processo de exercício do serviço social vê-se sufocado tanto pelas transformações societárias,
como pela globalização e pelo retraimento do Estado em relação às políticas sociais e aos cortes nos
gastos sociais.
A globalização e o desenvolvimento tecnológico, a transferência de serviços do Estado para ONGs
e instituições privadas, entre outras mudanças em curso, são movimentos contraditórios que geram
conflitos, desigualdades, exclusões, lutas e resistências. Essas mudanças incidem nas instituições
prestadoras de serviços sociais e no cotidiano da profissão e sua dinâmica se configura a partir de
enfrentamentos de questões, como: contradições da realidade, conjuntura social, política, ideológica,
econômica e cultural.
O trabalho do assistente social aporta perspectivas diferentes na empresa e no Estado. Na primeira,
o profissional é partícipe na reprodução da força de trabalho. No segundo caso, participar na prestação
de serviços sociais, na redistribuição de riquezas, via políticas públicas, na defesa de direitos sociais, na
gestão de serviços públicos, em especial políticas públicas – programas, projetos; pode reforçar estruturas
e relações de poder; e também pode contribuir para a partilha do poder e sua democratização.
O produto desses dois últimos itens tem apontado as mais diversas práticas sociais. É a partir do
intervir que construímos o objeto de intervenção. A construção desse objeto se realiza por meio do
conhecimento e utilização de estratégias metodológicas que se desdobram em vários instrumentos
técnico-operativos, tais como: análise institucional, plano/projeto de intervenção, documentação
(pareceres sociais, laudos, perícias), abordagens individuais, abordagens grupais, entre tantas outras.
O conhecimento, instigado por estudos, reflexões, debates, pesquisas (exatamente como estamos
fazendo agora) não pode ser pensado isoladamente da prática profissional. Ele tem que ser um meio em
que se possa decifrar a realidade e iluminar o processo de trabalho a ser realizado.
Segundo Iamamoto (2001, p. 63),
As bases teórico-metodológicas são recursos [...] que o assistente social
aciona para exercer seu trabalho: contribuem para iluminar a leitura da
realidade e imprimir rumos à ação, ao mesmo tempo em que a moldam.
96
SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
Assim, o conjunto de conhecimentos e habilidades adquiridos no seu processo formativo é parte de
um acervo intelectual, pessoal e profissional que o acompanhará por toda vida.
Nessa perspectiva, o assistente social detém as condições intelectuais de conhecimento
formativo, mas depende, na organização do seu trabalho, do Estado, da empresa e das entidades
não governamentais que viabilizam aos usuários o acesso aos seus serviços. Os usuários fornecem os
meios e recursos necessários para a realização da atividade em si, estabelecem prioridades e rotinas a
serem cumpridas e também interferem na definição de papéis e atribuições que compõem o cotidiano
do trabalho institucional.
Como nos assevera Iamamoto (idem)
Embora regulamentado como uma profissão liberal na sociedade, o
serviço social não se realiza como tal. Isso significa que o assistente
social não detém todos os meios necessários (financeiros, técnicos e
humanos) para a efetivação de seu trabalho e ao exercício profissional
autônomo.
Entendemos a profissão como dependente das instituições para disponibilizar os recursos necessários
à realização de projetos, programas e atividades desenvolvidas por esse profissional. Dessa forma, o
assistente social tem seu trabalho ligado às entidades empregadoras de seus serviços.
6.7 Os desafios para a atuação profissional
Atualmente, há um processo de minimização das funções sociais do Estado, mediante a privatização
dos serviços públicos básicos, a desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho, o aumento
dos níveis de exploração e desemprego, e isso gera instabilidade profissional. Por sua vez, os assistentes
sociais também sofrem com essas transformações societárias, pois fazem parte do mercado de trabalho
em sua divisão sociotécnica. A desregulamentação e a flexibilização das relações trabalhistas têm
provocado mudanças nas contratações e concursos públicos. O que ainda vem garantindo direitos são
os planos de carreira dos funcionários públicos, mas percebe-se que há árdua luta para assegurar novas
conquistas.
Não há constatação de que o espaço de atuação do serviço social esteja acabando. Há, sim,
modificações em campos tradicionais em função de novos reordenamentos das políticas públicas, como
os programas de renda mínima, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil — PETI, bolsa família etc.,
além daqueles que os estados e municípios criam para atender as demandas sociais.
Se os campos tradicionais passam por transformações, os indivíduos (usuários) também mudam seu
perfil. Os usuários tradicionais, como idosos, crianças, famílias, entre outros, passaram a constituir grupos
e segmentos organizados bem específicos para defender seus interesses individuais (da sua categoria).
Não deixaram de ser usuários dos serviços sociais, mas agora eles atuam em sua categoria e trabalham
coletivamente.
97
Unidade II
Nesse cenário, observam-se campos “emergentes” de categorias específicas, como os negros, os
homossexuais, os índios, os usuários de álcool e outras drogas, que antes estavam organizados, mas não
tinham dimensões organizativas e políticas de atenção especial.
Enquanto há uma retração por parte do Estado na prestação de serviços básicos devido ao
enxugamento de suas responsabilidades por medidas neoliberais, por outro lado há uma expansão do
terceiro setor por meio de organizações não governamentais. Assim, acaba assumindo papéis do Estado,
em oposição ou à margem dele, na prestação de serviços e na garantia de direitos.
O cenário mudou, viveu e ainda vive transformações, e os atores e protagonistas também têm de
mudar em relação à busca de papéis significativos em prol de garantia de direitos e prestação de serviços.
O trabalho muda conforme as necessidades de cada região, município. Percebe-se uma forte tendência
para a área de gestão de programas e projetos e terceirização de serviços. Faleiros (1996, p.13-14) afirma
que
[...] os desafios prático-políticos que se apresentam para a profissão nessa
conjuntura estão inseridos num movimento constante de enfrentamentos
teóricos e mudanças econômicas, políticas e organizacionais, possibilitando
visualizar, nos conflitos presentes, vários cenários de inter-relação entre as
forças em presença.
Com a reestruturação dos processos produtivos, o mercado de trabalho espera de um trabalhador
melhor produtividade para atender seus objetivos. O profissional tem de ser polivalente e comprometido
com a filosofia empresarial e preparado para enfrentar desafios e demandas postas pela agilidade/
rapidez de que as empresas precisam para se manter no mercado.
As modificações no trabalho exigem novas competências e habilidades profissionais. Isso não
se dá só com o serviço social, mas com todas as demais profissões que precisam se atualizar
constantemente, pois correm o risco de ficar fora do mercado de trabalho. Serra (2000, p. 171-172)
diz que
[...] as habilidades devem ser um requisito imprescindível para compor o
tecido de formação profissional em todos os níveis, pois elas ultrapassam o
terreno da profissão e são exigências para respostas mais eficazes e efetivas
às necessidades atuais em todas as áreas profissionais. Necessidades essas
que requisitam um profissional propositivo, formulador, articulador, gestor,
implementador, negociador e equacionador em face dos processos de
alterações na ossatura do Estado e das exigências do mercado por conta das
mudanças no mundo do trabalho.
Alguns dos mais nítidos empecilhos para o assistente social são: a falta de conhecimentos de
informática, a carência de boa redação, além do óbvio, a falta de leituras para apreensão do real. Destaca-se,
ainda, a habilidade relacional, um aspecto de suma importância em qualquer profissão.
98
SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
Quando falamos “falta”, é porque o profissional muitas vezes não possui os conhecimentos mínimos
para o desempenho de atividades rotineiras, como a digitação de documentos, a elaboração de um relatório,
pareceres, laudos etc. A falta de leituras leva à limitação de argumentações ou à repetição de ideias. Isso
resulta no risco de o profissional ser acrítico e imediatista. Um ser crítico não se pode confundir com a
crítica pela crítica, deve possuir fundamentação lógica. Ser um profissional crítico significa argumentar
e propor com propriedade; não aceitar o senso comum; analisar o fenômeno social considerado; e não
aceitar concepções políticas e ideológicas como um único fim. Ser crítico implica saber respeitar a opinião
dos outros, mesmo que ela divirja da nossa. Ele deve se posicionar e considerar a pluralidade de ideias e o
direito do outro, ser um profissional pensante (reflexivo), propositivo e não apenas tarefeiro.
As práticas imediatistas se opõem ao ato de planejar e projetar. É a prática que é realizada sem
um prévio planejamento, é aplicada para atender uma demanda atual, amanhã outra e assim por
diante. Há que se considerar que existem as práticas imediatistas, como no caso de hospitais onde
os profissionais atendem emergências. Porém, sabemos que há condições, mesmo sendo mínimas, de
se fazer planejamento e avaliação das rotinas de atendimento nos hospitais. Portanto, as práticas em
instituições de saúde tendem a ser imediatistas, e nem por isso são equivocadas em suas atribuições,
pelo contrário, há definições de papéis em razão de seu caráter emergencial.
Outro desafio é romper com práticas clientelistas, paternalistas. Você deve estar se perguntando:
“isso já não foi superado na década de 1980?” Superado parcialmente, mas ainda persistem práticas
desse tipo, por condições análogas, seja por parte do próprio profissional ou por parte da instituição que
“tenta” impô-las. Faleiros (1985, p. 51) destaca que
[...] o clientelismo se caracteriza por uma forma de espoliação do
próprio direito do trabalhador de ter acesso aos benefícios pela
intermediação de um distribuidor que se apossa dos recursos ou dos
processos de consegui-los, trocando-os por formas de obrigações,
as quais se tornam débitos da população. Elas são cobradas, por
exemplo, em conjunturas eleitorais ou mesmo por serviços pessoais
aos intermediários. Eliminando-se a igualdade de acesso, característico
do próprio direito burguês, o clientelismo gera a discriminação, a
incompetência e o afilhadismo.
O saber teórico-metodológico é a fundamentação que o profissional tem para poder intervir e
contribuir para acabar com o clientelismo e o paternalismo existentes em algumas instituições. O seu
fazer profissional tem de superar a superficialidade, ir fundo na questão social na defesa do usuário e
na garantia de seus direitos.
O autoritarismo é um mecanismo que cerceia o direito a negociações, questionamentos, divergências,
reivindicações e a elaboração de políticas públicas. Contrapõe-se a projeto coletivo, pois se estabelece
por interesses particulares, criando relações rígidas com a população. Faleiros (1985, p. 51) afirma que
“[...] o clientelismo e o autoritarismo se articulam com formas burocráticas de atribuição dos recursos
[...]”. Essa articulação faz que concentre ou desconcentre recursos, serviços ou decisões, o que implica a
desinformação e o desestímulo dos usuários dos serviços públicos.
99
Unidade II
Outro problema sério é a falta de conhecimento dos gestores não qualificados para a função e
os recursos que não são utilizados e repassados à população por meio de serviços. Um exemplo claro
disso são os recursos federais que estão disponíveis para os estados e municípios. A não utilização dos
recursos acarreta a precariedade de bens e serviços a serem oferecidos à população.
O grande desafio do serviço social está em fazer que seus profissionais atinjam a consciência
necessária ao exercício ético, crítico, propositivo e comprometido da profissão. Para tanto, é necessário
que tal profissional seja intelectual ou operativo para romper com alguns vícios que perseguem a
profissão há muito tempo, como a acomodação, o paternalismo, o desconhecimento do que é a própria
profissão, entre tantos outros. É uma forma de reorientação do cotidiano profissional, levando em conta
a correlação de forças existentes ao propiciar o acesso da população ao saber, aos serviços disponíveis e
ao poder de decisão. Os desafios para a profissão são:
a) defender intransigentemente as conquistas sociais obtidas na Constituição ameaçadas pelas
políticas neoliberais;
b) exercer uma prática profissional reforçadora de direitos sociais. Não em sua normatividade legal,
mas em sua forma de operar os princípios;
c) ser profissionais informados, críticos e propositivos. Ter competências não só de conceito de
teorias. É preciso ter competência no modo de pensar, no modo de explicar e de sugerir;
d) buscar constantemente pesquisar a realidade, produzir conhecimentos que permitam decifrar o
presente e fazer a análise concreta das situações sobre as quais incide o trabalho profissional;
e) buscar a formação continuada para continuar a aprender;
f) saber se relacionar e se comunicar;
g) ter capacidade de análise e síntese (saber dar respostas);
h) ter conhecimento generalista (diversas áreas) e específico (do serviço social e/ou da sua área de
atuação);
i) ver a profissão como prática libertadora;
j) trabalhar em equipes multidisciplinares;
k) dominar novas tecnologias sociais e informacionais.
Portanto, em se tratando de um país com tantas desigualdades e problemas sociais, as possibilidades
de atuação não se esgotam. Em tese, não falta trabalho para um profissional como o assistente social,
dotado de habilidades e competências para atuar no campo das políticas sociais, na defesa e garantia de
direitos sociais da população. Há, ainda, muitos espaços para se conquistar e se reconhecer no mercado
de trabalho.
O desafio maior está em gostar do que faz. Paixão e emoção são alguns ingredientes indispensáveis
ao dia a dia, e é importante evitar a visão heroica e de salvador do mundo.
100
SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
6.8 O objeto
Toda prática profissional implica uma matéria-prima ou objeto, que, por sua vez, requer
meios/instrumentos para ser efetivada. O serviço social tem como objeto ou matéria-prima
de trabalho as expressões da questão social, um conjunto de problemas políticos, sociais e
econômicos decorrentes das desigualdades produzidas pelo sistema capitalista. Iamamoto (2001,
p. 62) afirma que
[...] o objeto de trabalho, aqui considerado, é a questão social. É ela, em suas
múltiplas expressões, que provoca a necessidade da ação profissional junto à
criança e ao adolescente, ao idoso, a situações de violência contra a mulher
e à luta pela terra. Essas expressões da questão social são a matéria-prima
ou objeto do trabalho profissional.
As dimensões fundamentais em que se desdobra a questão social são: a questão indígena, a
racial, a da mulher, a da luta pela terra, entre tantas outras. Para conhecer o objeto do serviço
social, o assistente social deve ser um constante pesquisador e buscar decifrar a realidade social
na qual está inserido para propor alternativas de mudança em uma perspectiva transformadora da
realidade.
Iamamoto (ibidem, p. 59) diz que
[...] o que se persegue é decifrar, em primeiro lugar, a gênese das
desigualdades sociais, em um contexto em que acumulação de capital não
rima com equidade. Desigualdades indissociáveis da concentração de renda,
de propriedade e do poder, que são o verso da violência, da pauperização
e das formas de discriminação ou exclusão sociais. Mas decifrar a questão
social é também demonstrar as particulares formas de luta, de resistência
material e simbólica acionadas pelos indivíduos sociais à questão social
(grifos da autora).
Durante muito tempo, a questão social foi tratada como caso de polícia, pois se criou e se cultivou
uma cultura da violência policial. Uma cultura de que pobreza e pessoas de classes populares não são
cidadãs ou têm “direitos menores” que os outros. Isso gerou e ainda gera muita luta e resistência em prol
de direitos. A pobreza foi ligada à marginalidade, criando-se mecanismos de ocultação dos problemas
sociais. Hoje, pensam-se e criam-se muitas estratégias de enfrentamento desses problemas sociais por
meio de políticas sociais públicas. Pereira (1996, p. 130) diz que
[...] políticas públicas são linhas de ação coletiva que concretiza direitos
sociais declarados e garantidos em lei. É mediante as políticas públicas que
se distribuem ou redistribuem os bens e serviços sociais em resposta às
demandas da sociedade. Por isso, o direito que as fundamenta é um direito
coletivo e não individual. Embora as políticas públicas sejam de competência
do Estado, elas não representam decisões autoritárias do governo para a
101
Unidade II
sociedade, mas envolvem relações de reciprocidade e antagonismo entre
essas duas esferas.
As políticas sociais públicas são ações de enfrentamento das expressões da questão social. São
respostas privilegiadas à questão social por parte da esfera pública (federal, estadual e municipal), entre
outras, dos segmentos da sociedade civil que desenvolvem programas e projetos de atenção às pessoas
de condição social menos privilegiada. Esses segmentos são empresas, organizações não governamentais
e as próprias classes desfavorecidas que se organizam para fazer frente à situação em que se encontram,
buscando alternativas para minimizar seus problemas. Iamamoto (2001, p. 58-59) destaca que
[...] a questão social explica a necessidade das políticas sociais no âmbito das
relações entre as classes e o Estado, mas as políticas sociais, por si, não explicam
a questão social. Aquela é, portanto, determinante, devendo traduzir-se
como um dos polos chaves da formação e do trabalho profissional.
O objetivo de uma política pública é o interesse social e não de grupos ou particulares. Por isso,
não se faz política pública para pessoas (grupos ou indivíduos), nem para partidos políticos, igrejas ou
comunidades.
Um cuidado que o assistente social deve ter no exercício profissional é não se deixar levar pela
burocracia. Sobre isso, Faleiros (1985, p. 61) diz que
[...] o cumprimento das normas burocráticas passa a ser a lógica do trabalho
profissional e o objeto do profissional não é o problema social, mas a
perturbação da ordem institucional [...]. A intervenção profissional passa a
ser enquadrada não em função da problemática real da população, mas em
função da perturbação da ordem institucional.
O foco do objeto muda equivocadamente em razão de burocracia e outros entraves institucionais.
O profissional deve procurar equilibrar a burocracia (elaboração de relatórios, pareceres, papéis etc.) e
contribuir para a resolução dos problemas sociais.
Para entender a prática profissional, é preciso levar em conta as mudanças que se processam no
âmbito das relações econômicas, sociais, políticas e culturais frente a uma realidade dinâmica e permeada
de contradições.
Ao assumir a questão social como objeto de intervenção profissional, faz-se indispensável para a
profissão compreender o que vem a ser a dita questão social. Em primeiro lugar, é necessário compreender
os processos históricos que a originaram, sua indissociabilidade com o processo de acumulação de
riquezas e suas implicações para a sociedade. Implicações que se expressam na exclusão de bens e
serviços e desigualdades sociais, culturais, econômicas etc.
Os grupos e/ou indivíduos nunca serão objeto de estudo ou de trabalho do serviço social, pois eles são
sujeitos de direitos. O objeto de trabalho é o material e o social que fazem parte da vida social dos sujeitos.
102
SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
6.9 Os instrumentos ou os meios
A questão social, que é fruto de desigualdades e exclusões econômicas, políticas, culturais, sociais,
ocasiona múltiplas expressões, e isso implica a ação de vários segmentos e profissionais da sociedade
civil e do Estado.
O assistente social é capacitado do ponto de vista teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo,
ou seja, possuidor de instrumentos/meios. Esses mecanismos do assistente social não se reduzem a um
conjunto de técnicas, nele há o conhecimento da realidade fundamentado na concepção teórica como
um instrumento de trabalho. Sem essa fundamentação, o assistente social não consegue realizar sua
atividade.
A questão social não é objeto exclusivo da categoria dos assistentes sociais, é também de educadores,
sociólogos etc. Uma profissão não dá conta de todas as especificidades da questão social. É preciso
trabalhar de forma multidisciplinar para entender e dar respostas adequadas. Conhecer implica ler,
estudar, dialogar e participar das instâncias pertinentes a sua área de trabalho. Quando se fala em
área, citamos uma rede de relações e de poder. Por isso, o profissional precisa relacionar a teoria com a
prática constantemente para não cair no senso comum. A teoria não pode se sobrepor à prática e nem
a prática à teoria, ou seja, há uma relação sistemática e dialética que propicia o enriquecimento da ação
profissional.
Laville e Dionne (1999, p. 37) afirmam que teoria “[...] é uma compreensão adequada, ainda
que provisória, e se reconhece que outras verificações poderão, mais tarde, assegurar-lhe maior
validade”.
O conhecimento teórico ilumina a leitura da realidade, a qual precisa ser interpretada para que
possamos intervir com profissionalismo, ética, seriedade e comprometimento. Sem esses atributos,
corremos o risco, ou melhor, os usuários correm o risco de ser manipulados e serem joguetes de
profissionais despreparados e sem qualificação. Geralmente, os usuários do serviço social são pessoas
que já passaram por muitas situações constrangedoras, como ter de entrar em filas, passar por cadastros
e entrevistas para seleção dos mais pobres para tentar conseguir um direito que é seu e que, muitas
vezes, é colocado como um favor.
Lembrete
Intervir significa propor mudanças à realidade por meio de projetos,
programas, treinamentos, atividades de geração de renda, entre tantas
outras. A intervenção é uma dimensão de atuação do assistente social,
assim como a investigação (pesquisa e produção de conhecimentos).
O assistente social é considerado um tradutor dos direitos e garantias. Ele interpreta, explica, informa
e encaminha os usuários aos serviços da rede pública e privada. Por isso, mais do que nunca, o profissional
precisa estar dotado de conhecimento. Assim, surgem algumas questões: como ele encaminhará um
103
Unidade II
usuário a um serviço se não sabe como funciona? Como poderá explicar os direitos se não os conhece?
E como poderá propor/intervir se não conhece o perfil dos usuários e a realidade em que está inserido?
Faleiros (1985, p. 65) expõe que
[...] o processo de ação ou intervenção profissional não se mobiliza num
conjunto de passos preestabelecidos (a chamada receita), exigindo uma
profunda capacidade teórica para estabelecer os pressupostos da ação,
uma capacidade analítica para entender e explicar as particularidades das
conjunturas e situações, uma capacidade de propor alternativas com a
participação dos sujeitos na intrincada trama em que se correlacionam as
forças sociais e em que se situa, inclusive, o assistente social.
O trabalho do assistente social não tem receitas, modelos, cartilhas. Ele é construído a partir do ponto
de vista teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo. Conhecimento e outras habilidades
são necessários para que esse profissional possa intervir/atuar. O conhecimento é adquirido ao longo do
processo formativo e do processo de trabalho como assistente social. As experiências culturais, teóricas
e técnicas são muito importantes, mas “[...] para o trato teórico dos objetos elas não são nem suficientes
nem determinantes. Para o trato teórico, é necessária qualificação teórica” (NETTO apud VASCONCELOS,
2002, p. 511).
Lembre-se de que prática profissional exige conhecimentos fundamentados teórica e
metodologicamente. A cultura adquirida durante a vida poderá auxiliá-lo na condução de sua prática. Ser
profissional exige desprendimento e abertura para conhecer e mudar atitudes. A formação profissional
exige mudanças, como tudo na vida, só que você terá de estar disponível, pois é um processo que
implica prioridades para o futuro.
Enquanto o conhecimento é exclusivo do profissional, os demais meios de trabalho – recursos
financeiros, humanos e técnicos –, dependem de recursos previstos em programas e projetos da
organização em que você trabalha.
O profissional tem relativa autonomia no exercício de seu trabalho e depende da organização do
Estado, da empresa, da sociedade civil e das organizações não governamentais. São os gestores que
organizam e definem meios, funções e que viabilizam serviços aos usuários. Cabe ao profissional fazer a
leitura de como executá-los sem que haja prejuízos aos usuários ou equívocos de papéis entre profissionais,
e também deve buscar sempre garantir suas atribuições específicas (ver Lei de Regulamentação da
Profissão n.° 8.662/93). Iamamoto (2001, p. 64) afirma que
[...] a instituição não é um condicionante externo e muito menos um
obstáculo para o exercício profissional. Dada a condição de “trabalhador
livre”, o assistente social detém a sua força de trabalho especializada, força
essa que é mera capacidade. Ela só se transforma em trabalho quando
consumida, acionada ou quando é aliada às condições necessárias para que
o trabalho se efetive aos meios e objetos de trabalho. Em outros termos,
o trabalho é a força de trabalho em ação e, quando não se dispõe dos
104
SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
meios para realizá-lo, aquelas forças ou capacidade não se transformam
em atividade, em trabalho. Como trabalhador assalariado, depende de uma
relação de compra e venda de sua força de trabalho especializada em troca
de um salário com instituições que demandam ou requisitam o trabalho
profissional (grifos da autora).
O assistente social não detém todos os meios de trabalho. Há de se considerar que os meios teóricometodológicos, ético-políticos e técnico-operativos permitem ao profissional a (re)construção do objeto
de trabalho.
Para melhor elucidar, destacamos os meios de trabalho em dois núcleos: fundamentais e operacionais.
Ambos serão analisados nos próximos itens.
6.9.1 Intervenção
Por que a expressão intervenção? Bem, podemos também dizer ações, proposições, mas
intervenção é mais corrente na prática e na teoria do serviço social. Até porque a palavra intervir
tem um sentido mais direto e claro do que agir ou propor. O uso da terminologia fica a critério do
profissional.
[...] particulariza-se o serviço social no conjunto das relações de produção
e reprodução da vida social, como uma profissão de caráter interventivo,
cujo sujeito – o assistente social – intervém no âmbito da questão social.
Considera-se a questão social como fundamento básico da existência do
serviço social, reconhecendo, a partir daí, que o agravamento dessa questão,
em face das particularidades do processo de reestruturação produtiva no
Brasil, determina uma inflexão no campo profissional, provocada por novas
demandas postas pelo reordenamento do capital e do trabalho (CARDOSO,
2000, p. 9).
A intervenção profissional se constrói, nesse processo de produção e reprodução da vida social, na
articulação do poder dos usuários e protagonistas da ação profissional no enfrentamento de questões
cotidianas. Nesse processo, são construídas algumas estratégias para dispor de recursos, poder, agilidade,
criatividade, acesso, organização, informação, mobilização, sensibilização, entre outros.
O assistente social é um profissional que se apropria de matrizes teórico-explicativas de outras áreas
do saber, buscando uma visão de homem e de mundo na perspectiva da totalidade.
A crítica de que aqui se fala é o diálogo com as teorias sociais que permeiam sua formação profissional.
Criticar não é proferir comentários contra tudo e todas as pessoas. Ser crítico implica: ser “leitor da
realidade” com ética, com respeito à diversidade e com conhecimento teórico-metodológico (teoria,
habilidades, valores); analisar as expressões da questão social com os devidos aportes que citamos para
que se possa intervir de forma crítica e propositiva. Que parâmetros devemos utilizar para nossa prática
profissional?
105
Unidade II
O processo de trabalho do assistente social, de acordo com Iamamoto (2001), é pautado
no instrumental técnico-operativo utilizado por esse profissional. Esse dispositivo não é
somente um conjunto de ferramentas e estratégias utilizadas para a efetivação das atividades
profissionais, mas também um conjunto teórico-metodológico. Eles é que vão fundamentar a
leitura da realidade, incidindo na formulação, no desenvolvimento e na avaliação das ações
profissionais.
A ausência de criticidade no fazer profissional leva à aceitação passiva de tarefas, atividades atribuídas
por outros profissionais e também por não profissionais. Muitas vezes, isso implica certa urgência, um
imediatismo. O profissional acrítico, de certa forma, acaba reforçando o poder dominante e o sistema
em que está inserido.
O profissional que não possui uma leitura da realidade está fadado à acomodação, não contribuindo
para o processo de transformação para que as pessoas se emancipem, exerçam sua cidadania e tenham
acesso aos serviços sociais. É preciso criticar algumas posturas profissionais para que você possa refletir
sobre que tipo de profissional deseja ser. Não podemos transformar o mundo, até porque isso é impossível;
queremos, sim, instigá-lo a pensar, a propor, discutir, refletir sem ser um mero espectador, pois em nosso
cenário devemos ser protagonistas.
Sabe-se que as ações profissionais em setores de grande demanda, como na área da saúde, às
vezes se tornam uma prática não reflexiva, haja vista a preocupação em dar respostas, em viabilizar
atendimentos e minimizar a espera e as deficiências do sistema público. Para se ter uma atitude reflexiva,
é preciso que o profissional busque se qualificar, que reflita com os colegas de profissão, que participe
de reuniões, que planeje e que exercite o hábito de leitura e capacitação contínua. No caso da saúde,
é possível pensar na reconstrução do objeto a partir das demandas e rotinas, não deixando o ativismo
crescer.
Às vezes, o próprio profissional reforça esse caráter de imediatismo e ativismo ao não buscar
a atualização e a capacitação ou não efetivando novas ações pela construção/reconstrução
teórico-metodológica de aportes explicativos à área de atuação. Tal planejamento contribui no
processo do trabalho, fortalecendo a atitude reflexiva e crítica. Outro importante elemento de
destaque é o comprometimento profissional, e isso implica no posicionamento ético. O não
comprometimento incide em um não fazer profissional, haja vista que o serviço social tem uma
gama de princípios, estratégias e fundamentos profissionais que fazem parte de seu exercício
profissional. Para exercer o compromisso com os usuários de seus serviços, o assistente social
deve ultrapassar as práticas imediatistas e buscar as resoluções no campo da investigação,
reflexão e proposição.
Resumo
Na unidade II, aprendemos a identificar a questão social como
objeto do serviço social. A questão social e suas configurações são o
nosso objeto e não as políticas sociais. Compreendemos, também, como
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SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
identificar a construção e desconstrução do objeto profissional a partir
das múltiplas expressões cotidianas e das formas de enfrentamento
acionadas.
Apresentamos os desafios e as perspectivas para a profissão do
assistente social frente à questão social. Destacamos o perfil, as demandas,
o reordenamento dos serviços sociais, a terceirização da gestão da questão
social pelo Estado, o repasse da responsabilidade do cumprimento da política
pública para o terceiro setor, e isso gera a seletividade nos atendimentos e
as formas de enfrentamento da questão social.
Apontamos, ainda, alguns aspectos que constituem o processo de
trabalho do assistente social, as perspectivas na empresa e no Estado, a
constituição do conhecimento e da intervenção profissional, o que é ser
crítico e suas consequências para o profissional e para os usuários, bem
como a importância do comprometimento para a ultrapassagem de prática
imediatista.
Definimos conceitos necessários para descrever o objeto, os
instrumentos e os produtos do serviço social. Os instrumentos ou meios
de trabalho dizem respeito à capacidade teórico-metodológica, ético-política e
técnico-operativa do assistente social. Definimos que o produto do trabalho
desse profissional pode ser de natureza material e social. Abordamos,
ainda, o produto do serviço social na atuação do assistente social nos
conselhos de políticas públicas e de direitos. É preciso ficar claro que tal
profissional, para atuar, necessita de uma instituição empregadora, seja
no espaço público ou privado, e que sua atuação, em ambos os espaços,
deve ser norteada pelos princípios do Código de Ética Profissional.
Exercícios
1. A questão social e suas múltiplas expressões constituem o objeto do serviço social. Sobre o
surgimento da questão social, é correto afirmar que:
I. surgiu há cerca de 150 anos;
II. seu surgimento está relacionado com o trabalho escravo;
III. a questão social surgiu há mais ou menos 150 anos, mas com o advento do Estado de Bem-Estar
Social ela desapareceu em alguns países.
Assinale a alternativa correta.
107
Unidade II
a) Apenas a assertiva I está correta.
b) Todas as assertivas estão corretas.
c) Apenas as assertivas II e III estão corretas.
d) Apenas a assertiva III está correta.
e) Nenhuma das assertivas está correta.
Gabarito: (a).
Comentário: A questão social surgiu, de fato, há cerca de 150 anos. O seu surgimento não está
relacionado com o trabalho escravo, mas sim ao trabalho livre, assalariado, que surge com o Capitalismo.
Ela é inerente ao Capitalismo e não desapareceu com o advento do Estado de Bem-Estar Social. Portanto,
a alternativa correta é a letra (a).
2. Analise as sentenças a seguir: sobre o Serviço Social nas décadas de 1960 e 1970, é correto afirmar que:
I. durante a década de 1960 ocorrem os encontros de Araxá, Teresópolis e Sumaré.
II. durante a década de 1960, o Serviço Social já faz uma aproximação com o referencial marxista.
III. na década de 1960, o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) é o marco do início do
processo de ruptura.
IV. funcionalismo, fenomenologia e dialética são perspectivas teórico-metodológicas que se
desenvolveram durante as décadas de 1960 e 1970.
Assinale a alternativa correta.
a) Todas as sentenças estão corretas.
b) Apenas as sentenças I e II estão corretas.
c) Apenas as sentenças II e III estão corretas.
d) Apenas as sentenças II e IV estão corretas.
e) Apenas a sentença IV está correta.
Gabarito: (d).
Comentário: Os encontros de Araxá, Teresópolis e Sumaré ocorreram, respectivamente, em 1967,
1970, 1978. Nesta década, de fato, o Serviço Social já faz uma aproximação com o referencial marxista.
O III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – CBAS é o marco do início do processo de ruptura,
mas ele não ocorre na década de 1960, e sim em 1979. O Funcionalismo, Fenomenologia e Dialética
são perspectivas teórico-metodológicas que se desenvolveram durante as décadas de 1960 e 1970.
Portanto, a alternativa correta é a letra (d).
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SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO
3. Em relação ao trabalho do assistente social, assinale V para as afirmativas corretas e F para as
falsas.
( ) Ao atuar nos conselhos de políticas públicas e de direitos, o assistente social contribui para a
socialização de informações e atua por meio de lutas sociais em prol dos interesses da sociedade
civil, com vistas à garantia do acesso da população aos bens e serviços garantidos por lei.
( ) A profissão de assistente social só beneficia as classes trabalhadoras.
( ) O assistente social é um profissional autônomo e não necessita de instituições empregadoras,
seja na órbita do Estado, organizações não governamentais ou empresas privadas para apresentar
o produto do seu trabalho.
( ) O assistente social, para apresentar resultados/produto do seu trabalho, necessita de instituições
empregadoras, seja na órbita do Estado, organizações não governamentais ou empresas
privadas.
( ) Independente da instituição empregadora, a atuação do assistente social deve ser norteada
pelos princípios éticos do Código de Ética Profissional.
( ) É dever do assistente social na relação com os usuários, conforme estabelece o Código de Ética
profissional, garantir a plena informação e discussão sobre as possibilidades e consequências das
situações apresentadas e, ainda, respeitar democraticamente as decisões dos usuários, mesmo
que sejam contrárias aos seus valores e suas crenças.
Assinale a alternativa correta.
a) V, F, V, F, V, V
b) V, F, V, F, F, V
c) V, F, F, V, V, V
d) F, F, V, F, V, F
e) F, V, F, V, V, F
Gabarito: (c).
Comentário: Nesta atividade, a alternativa correta é a letra (c), com a seguinte sequência V, F, F, V, V,
V. É verdadeiro afirmar que o Assistente Social, ao atuar nos Conselhos de políticas públicas e de direitos,
contribui para a socialização de informações, atua em prol dos interesses da sociedade civil visando
à garantia do acesso da população aos bens e serviços. É falso afirmar que a profissão de Assistente
Social só beneficia as classes trabalhadoras. Ela atende em especial a classe trabalhadora, mas atuação
do Assistente Social deve abranger toda a sociedade. É falso afirmar também que o Assistente Social
é um profissional autônomo e não necessita de instituições empregadoras, seja na órbita do Estado,
organizações não governamentais ou empresas privadas para apresentar o produto do seu trabalho,
pelo contrário, o resultados/produto do seu trabalho necessita de instituições empregadoras. A atuação
do Assistente Social deve ser norteada pelos princípios éticos do Código de Ética Profissional e a relação
109
Unidade II
com os usuários deve garantir a plena informação e discussão sobre as possibilidades e consequências
das situações apresentadas, respeitando, democraticamente, as decisões dos usuários, mesmo que sejam
contrárias aos valores e às crenças.
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