Caderno2 C1 %HermesFileInfo:C-1:20130609: DOMINGO, 9 DE JUNHO DE 2013 ANO XXVII – Nº 9122 o t n e m i c s a Ren s e õ ç i l em 57 Obras de Da Vinci, Michelangelo e Rafael ocupam o CCBB de São Paulo em julho, em mostra educativa com outros mestres Antonio Gonçalves Filho O sucesso da mostra dos impressionistas franceses do acervo do Museu d’Orsay, que levou no ano passado 325 mil pessoas ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em São Paulo, incentivou o diretor da instituição, Marcos Mantoan, a dar um passo ainda mais ousado. A partir de 13 de julho, nada menos que 57 peças históricas assinadas por Da Vinci, Michelangelo, Rafael, Bellini, Ticiano, Tintoretto, Giorgione, Veronese, Correggio e outros gigantes ocupam o prédio do CCBB na mostra Mestres do Renascimento: Obras-Primas Italianas. O Estado teve acesso exclusivo à lista das obras, que representam, de fato, 57 lições sobre o maior movimento artístico registrado na história da arte e que, juntas, exigiram dos patrocinadores da mostra (o Banco do Brasil e o grupo Mapfre) um seguro superior a € 600 milhões e ainda três aviões para o transporte. A exposição, que tem como curadora a historiadora de arte italiana Cristina Acidini, do Museu da Cidade de Florença, e como cocurador o estudioso do Renascimento Alessandro Delpriori, é um projeto da empresa brasileira Base 7 com coordenação-geral da italiana Civita e apoio da Brasilprev, BB DTVM e Cielo. Ainda mais complexa que a mostra dos impressionistas franceses, a italiana exigiu a articulação de um exercício logístico sem precedentes, pois as obras são provenientes de diversos museus italianos e coleções privadas. Dividida em cinco núcleos geográficos, que representam o território italiano do período, a exposição, inédita no Brasil, reúne artistas do século 16 atuantes em Florença, Roma, Milão, Veneza, além de Ferrara e Urbino. Os artistas de Florença e Roma ocupam dois dos três andares do CCBB, que promoveu uma ampla reforma em suas instalações para atender às exigências de segurança. Ela será reforçada em julho com o aumento do efetivo de funcionários e uma base móvel da Polícia Militar em frente do prédio. A exemplo da mostra dos impressionistas, a dos italianos também terá uma “Virada Renascentista” no primeiro dia da exposição, funcionando das 15 horas do dia 13 de julho às 21 horas do dia seguinte, sem interrupção. “A experiência da mostra dos impressionistas nos levou a ampliar o programa educativo do evento, que começa agora no subsolo do CCBB, onde o visitante receberá orientações sobre o que vai ver”, adianta a diretor da instituição, o dinâmico Mantoan. Mais informações sobre a mostra ‘Mestres do Renascimento’ na pág. 6 } O ESTADO DE S. PAULO DIVULGAÇÃO Cor dos sentidos. Adoração dos Pastores, de Lorenzo Lotto, representa escola veneziana C6 Caderno 2 %HermesFileInfo:C-6:20130609: O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 9 DE JUNHO DE 2013 Visuais Exposição O grande confronto renascentista Mostra no CCCB vai colocar lado a lado escolas antagônicas, a romana, mais intelectual, e a veneziana, mais sensual Antonio Gonçalves Filho FOTOS DIVULGAÇÃO ● Números 57 A decisão não poderia ser mais acertada. Os cinco curadores da mostra Mestres do Renascimento, que será aberta dia 13 de julho no CCBB de São Paulo, resolveram abrigar os cinco núcleos em três andares diferentes, separando florentinos, romanos e venezianos do resto da turma. Isso significa que o subversivoMichelangelo,contestador do idealismo clássico e atuante em Roma no século 16, vai ficar longe de Rafael, que, emFlorença,deuformadefinitiva ao ideal de harmonia perseguidopeloRenascimento italiano (veja a pintura principal desta página, ‘Cristo Benedicente’, de 1506).Aexposição, queseráprecedida de uma introdução didática ao público logo à entrada, representaassimumaoportunidade única de entender a evolução desse movimento artístico – o mais influente do Ocidente – ao qual estão ligados nomes históricos como Da Vinci, Tintoretto,Lotto,Veronesee Ticiano, entre outros representados na mostra, apresentada em primeira mão pelo Estado. Definir o que foi o Renascimento italiano é tarefa ingrata – dificuldade reconhecida até por historiadores como Fernand Braudel, por suscitar confusão entre o que foi o pré-Renascimento (ainda no século 15), o primeiro Renascimento (em Florença) e o segundo Renascimento (em Roma). No entanto, a exposição foi organizada de modo que o público possa entender como a Europa do século 16 abandonou as formas da Idade Média e da primeira modernidade, marcada pelas grandesnavegações, em troca de um ideal de beleza, equilíbrio e harmonia que, algumas vezes – no caso de Michelangelo, por exemplo – levou artistas ao desespero pela ruptura com estilos e escolas antigas. Doença de estilos. O historiador e crítico Herbert Read dizia do gênio toscano que pintou a Capela Sistina que Michelangelo, ao criar seus titãs no teto do templo, “travou uma luta que sabia ser vã contra a onipotência divina” – daí o corpo atormentado de seus personagens. Read concluiu que, ao contrário da escola romana e florentina, a veneziana foi a única que conservou sua vitalidade – as outras teriam sido afetadas pelo que chamou de “doença de estilos”, espécie de neurose renascentista provocada pelo sentimento de ser “esmagado” pela autoridade dos mestres. Não querepresentantesdaescolaveneziana deixassem de ser igualmente afetados. Tintoretto, que tem na mostra o vigoroso Uccisione di Abele (1550-1552), um óleo com quase dois metros de largura, traduz uma indisfarçável obsessão por Michelangelo, mas seus heróis se contorcem e são vencidos pela força da natureza, tragados pela atração pelo abismo. Michelangelo tinha também obras de artistas como Da Vinci e Michelangelo estarão na mostra € 600 mi é o valor do seguro das peças da exposição 300 mil visitantes são esperados pela organização do evento Gênios. O Cristo de Rafael (acima), a Madalena de Ticiano (E) e a Madona com o Menino Jesus de Pontormo: três visões distintas do fenômeno religioso essa vontade de poder. No entanto, era cristão e exprimia essa contradição em sua obra. Para a mostra não virão desenhos ou esboços de pinturas, mas um estudoalápisebicodepenapertencente à Casa Buonarroti de Florença. Read dizia dele que era o “espírito mais florentino entre os artistas do Renascimento” – e esse estudo sobre a fortificação da Porta al Prato di Ognissanti (1529-1530) revela a razão de a pintura de Michelangelo, que tinha a cabeça de um arquiteto, ser a transposição de volumes para a superfície. Dorival Leonardoda Vincivirá para a mostra um óleo muito popular pertencente ao acervo da Galeria Borghese, de Roma, Leda e o Cisne (1510-1515), talvez o primeiro nu do pintor, que mostra a sensual rainha de Esparta (Leda) apertando o pescoço de um fálico cisne – a transfiguração de Zeus. Esse erotismo não era tão típico dos florentinos, e sim dos mestres que elaboraram a arte veneziana do século 16, como Bellini, Ticiano e Giorgione, os três também presentes na mostra doRenascimento italiano.Bellini e Giorgione, porém, estão representados na exposição do CCBB por cenas sacras (o primeirocom umaAnunciação eTiciano com um retrato de Madalena, pintado entre 1550 e 1555 e reproduzido nesta página). Nãoforam só osrepresentantes da escola veneziana mais inclinados aos prazeres terrenos que ao conhecimento intelectual. O florentino Pontormo, cujo óleo Madonna con Bambino (1510-1519) pode ser visto nesta página (foto menor à direita), ficou conhecido por sua visão heterodoxa de cenas bíblicas, que em suas mãos se transformavam em imagens lisérgicas, como a do Juízo Final. No óleo que está na mostra é possível identificartraçosdaprimeirafase do maneirismo florentino. Houve quem ignorasse o fenômeno maneirista, mas não Paolo Veronese, que está representado na mostra por uma alegoria da batalha de Lepanto (1573), do acervo da Accademia de Veneza. Grande decorador, o pintor de Verona mostra a razão de ter sido perseguido pela Inquisição, que não entendia bem essas suas alegorias em que o profano e sacro se cruzam. A mostra italiana traz ainda obras de Mantegna, Perugino e Crivelli. Imperdível.