Texto Histórico Fahrenheit e Black

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PROFIS – Instituto de Física da USP
Termodinâmica > Lei Zero da Termodinâmica > Texto Histórico
Fahrenheit e Black: o desenvolvimento da Lei Zero da Termodinâmica
“... calor é comunicado de corpos mais quentes para corpos mais frios quando os dois em contato,
ou se estão próximos entre si; e a comunicação continua até que os corpos encontram-se a uma
mesma temperatura, indicando o equilíbrio de calor entre os dois ...”
(J.Black, 1760)
“... há também movimentos secretos e invisíveis escondidos na matéria”
(De Rerum Natura, de Lucrécio)
“Se dois corpos estiverem em equilíbrio térmico com um terceiro, estarão em equilíbrio
térmico um com o outro” (Lei Zero da Termodinâmica). Esta lei relaciona fluxo de calor e
temperatura, pois equilíbrio térmico significa a ausência de fluxo de calor. Entretanto, será que nós
sabemos, de fato, o que é temperatura?... e o que é calor? Um pequeno estudo de história mostra
que a separação destes conceitos e termos não foi fácil.
“Qualquer pessoa que reflita sobre as idéias que associamos à palavra calor perceberá que
esta palavra é usada com dois significados, ou para expressar duas coisas diferentes. Ela pode
significar uma sensação estimulada em nossos órgãos, ou uma certa qualidade, ou efeito, ou
condição dos corpos em nosso entorno, através da qual eles provocam em nós uma sensação [de
calor]. A palavra é utilizada com o primeiro significado quando dizemos que sentimos calor; e com o
segundo, quando dizemos que há calor no fogo, ou em uma pedra quente.” Estas palavras de
Black (1728 – 1799), professor de Química da Universidade de Edinburgo, ainda soam atuais.
Dizemos que “está calor” – quando a temperatura está alta, e que “a água está quente”, quando
temos sensação de calor. Assim, Black propõe a existência de duas grandezas, ou a diferença
entre calor e temperatura: o que hoje chamamos de energia interna seria, para Black, o calor do
corpo, mensurável através de sua temperatura; e o que hoje chamamos de fluxo de calor seria a
sensação de calor estimulada em nossos órgãos.
...temperatura?
“A Termometria é a parte da Física que estuda a medição da temperatura por intermédio de
um instrumento denominado Termômetro”. Esta frase é comum nos livros didáticos, mas, afinal de
contas, o que mede o termômetro?
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A palavra termômetro é formada de duas palavras gregas: “termo”, que quer dizer calor, e
“metro”, que significa medir. Na teoria aristotélica da matéria, o calor e o frio eram qualidades
fundamentais, que se combinavam com seco e molhado para constituir, junto com a matéria prima,
os quatro elementos, terra, fogo, ar e água. Os gregos antigos falavam em graus de calor e de frio,
mas não tinham medidas para estes graus, apesar de terem feito algumas experiências com o
calor, ligadas à compressão e à dilatação do ar. Seus conhecimentos eram utilizados
principalmente em templos. Teodoros (séc. VI a.C.) introduziu um sistema de aquecimento central
no templo de Diana, em Éfeso, por intermédio da expansão do ar quente e Heron construiu um
instrumento que liberava libações para ofertar às imagens divinas. Fílon de Bizâncio (por volta de
100 a.C.) chegou a descrever um aparelho que demonstrava a relação entre a expansão do ar e
uma determinada quantidade de calor fornecido ao próprio, sendo assim considerado o primeiro
termoscópio, através do qual se podia observar (scopio) quantidades de calor (termo).
Apesar dos avanços da ciência da Grécia antiga, o termômetro comum que conhecemos,
baseado na dilatação do mercúrio ou de álcool, só foi desenvolvido na Idade Moderna. Com efeito,
um dos primeiros termômetros foi construído pelo físico italiano Galileu Galilei (1564 – 1642), em
1592. Castelli, em 1638, fez a seguinte descrição do que viu nas mãos de Galileu: “Ele pegou um
pequeno frasco de vidro, do tamanho de um ovo de galinha, com um pescoço bem longo e fino
como um talo de trigo, aqueceu o frasco em suas mãos e virou-o de cabeça para baixo em uma
vasilha que também continha água. Quando ele afastou o calor de suas mãos do frasco, a água
imediatamente começou a subir pelo pescoço”, comprimindo o ar no bulbo. Um termômetro a gás
(o ar aprisionado), esse dispositivo apresentava duas limitações: a altura da coluna de água
dependia não só da temperatura, mas também da pressão atmosférica, até então desconhecida;
por outro lado, como Galileu não utilizou nenhuma escala termométrica, o seu aparelho era
simplesmente um termoscópio. Contemporâneo de Galileu, o médico italiano Santorio Santorio
(1561 – 1636) adaptou ao termoscópio galileano uma escala termométrica rudimentar. Inicialmente
registrou os níveis que a coluna de água do tubo atingia quando em contato com gelo fundido, ou
com a chama de uma vela e, em seguida, dividiu o intervalo correspondente em 110 partes iguais.
Como Santorio utilizou este aparelho em seus pacientes, ele é considerado o primeiro termômetro
clínico. Mais tarde, para resolver o problema do efeito da pressão atmosférica sobre o volume do
ar, o Grão-Duque Fernando II de Toscana (1610 – 1670), propôs fechar hermeticamente a haste
longa do termômetro, como é feito até hoje.
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Os termômetros foram se aperfeiçoando, neste início de século XVII, mas não havia uma
escala padrão, e cada cientista usava sua própria divisão de escalas e pontos de referência,
tornando impossível comparar temperaturas de lugares diferentes. Escalas unificadas foram
estabelecidas no século XVIII.
Em 1709, Fahrenheit constituiu um termômetro a álcool, e, em 1714, apresentou sua
escala termométrica, escolhendo como pontos fixos a temperatura na qual uma mistura de
gelo e sal (amoníaco ou do mar) se funde, tomada como zero, e a temperatura do sangue
humano, para o qual adotou o valor 96. A famosa escala Fahrenheit, usada até hoje nos
países anglo-saxões, na qual os pontos fixos são as temperaturas de fusão do gelo (32) e a
da ebulição da água (212), só foi apresentada em 1724. Nessa escala, a temperatura do corpo
humano está em torno de 99.
O primeiro que apresentou a escala em centígrados foi o astrônomo sueco
Anders Celsius (1701 – 1744), em 1742. Celsius foi também o primeiro a calibrar o
termômetro levando em conta que a temperatura de ebulição da água depende da
pressão atmosférica. Assim, Celsius tomou o ponto de fusão do gelo como 100
graus, e o ponto de ebulição da água, a uma determinada pressão do barômetro,
como zero grau. No ano seguinte, von Linné inverteu essa escala e,
em 1745, introduziu as notação °C e °F, utilizadas até hoje.
A busca por uma referência absoluta, que independesse da substância, ou de
alguma de suas transformações, percorreu um longo caminho. Amontons, físico
francês, no início do século XVIII, propôs o seguinte: já que a pressão de uma certa
quantidade de ar é proporcional à quantidade de calor contida no ar, poderia ser
concebido um “zero absoluto” de temperatura em que a pressão do gás fosse nula. A aceitação
desta idéia teve que esperar o desenvolvimento da teoria microscópica para os gases. Mais de um
século depois, Kelvin, em 1856, afirma que o zero absoluto é atingido quando a energia cinética
das moléculas (e não o seu volume) se anula. Mas esta já é outra história.
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... e o calor?
Um dos estopins para o desenvolvimento da medida do calor foi o estudo
da temperatura final de misturas de dois fluidos com temperaturas diferentes. Um
dos primeiros a analisar as misturas de diferentes quantidades de água quente e
água fria, o químico Gabriel Daniel Fahrenheit notou que a temperatura final não
era a média aritmética das temperaturas iniciais. Já o químico inglês nosso
conhecido, Joseph Black, comparou o aquecimento de diferentes materiais. Ao
observar que, fornecendo-se a mesma quantidade de calor, um bloco de ferro parece mais quente
que um bloco de madeira, ele propôs que o ferro tinha mais “capacidade” de armazenar calor do
que a madeira. Concluiu, segundo suas palavras, que “... diferentes corpos, embora de mesmo
tamanho ou do mesmo peso, quando reduzidos à mesma temperatura ou grau de calor, podem
conter diferentes quantidades de “matéria de calor”. Na mesma época, o físico sueco Johan Carl
Wilcke (1732 – 1796), em 1772, demonstrou que “quantidades iguais de
substâncias distintas necessitam de diferentes quantidades de calor para a mesma
elevação de temperatura”. Estes trabalhos levaram à quantificação do calor através
da equação de Black-Wilcke, Q = mc∆T = C∆T; onde Q é o calor, c é o calor
específico, ∆T é a variação de temperatura e C é a capacidade térmica do material.
Black também foi responsável por introduzir a diferença entre o calor que provoca as
mudanças de fase, propondo o conceito de calor latente, e o calor que promove variação de
temperatura de um material, caracterizado pelo seu calor específico.
Os estudos experimentais da época levaram à medida do calor e à definição de várias
grandezas envolvidas no fenômeno do calor. No entanto, a natureza da “substância” do calor ainda
era uma incógnita. Havia dois grandes grupos. Um acreditava que o calor era constituído de um
fluido que era capaz de penetrar todo o espaço e fluir através das substâncias. Lavoisier
denominou este fluido de “calórico” e supôs que sua quantidade total era conservada: um corpo se
aquecia ao receber “partículas” de calor, e se resfriava ao transferi-las para outro corpo. O outro
grupo acreditava que o calor “... pode ser definido como um movimento peculiar dos corpúsculos
dos corpos, provavelmente de vibração, que tende a separá-los [os corpúsculos]...”, nas palavras
do químico inglês Davy (século XVIII), professor de Faraday. A decisão a favor da segunda idéia só
vai ocorrer no final do século XIX e início do século XX.
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