03-13 - PESQUISA DE ACAO E PROBLEMAS DE MINORIA

Propaganda
13
PESQUISA DE AÇÃO E PROBLEMAS
DE MINORIA
(1946)
No ÚLTIMO ano e meio, tive ocasião de manter contato com um grande número de organizações, instituições e
indivíduos,
que vieram pedir assistência no campo das relações de grupo. Incluíam-se nesse número representantes de comunidades,
sistemas escolares, escolas isoladas, organizações minorit&rias de diferentes origens e objetivos; incluíam-se
representantes de operários e administradores, departamentos nacionais e estaduais do govêrno, e assim por diante.
Dois fatos básicos surgiram dêsses contatos: existe uma grande dose de boa vontade, de disposição para enfrentar o
problema com franqueza e fazer realmente alguma coisa a respeito. Se esta dose de séria boa vontade pudesse ser
transformada em ação organizada e eficiente, não haveria perigo nas relações intergrupais nos Estados Unidos. Mas é
exatamente aqui que está a dificuldade. Essas pessoas bem intencionadas sentem-se confusas. Sentem-se confusas por três
razões: 1. Qual é a situação atual? 2. Quais são os perigos? 3. E a mais importante, que vamos fazer?
Dirigimos um levantamento por entrevistas entre assistentes de relações intergrupais no Estado de Connecticut.
Queríamos conhecer sua linha de pensamento, sua linha de ação e as principais barreiras que encontravam. Não poucos
daqueles, cuja tarefa é exatamente a melhoria das relações intergrupais afirmaram que talvez o maior obstáculo ao seu
trabalho seja sua própria falta de
215
compreensão clara do que deveria ser feito. Como se poderá combater a discriminação econômica e social, se pensarmos
não em têrmos de generalidades, mas em têrmos dos habitantes daquela rua principal específica e daquelas ruas adjacentes
que constituem a pequena ou grande cidade em que o assistente tem de realizar o seu trabalho?
Uma das conseqüências desta indefinição é a falta de padrões com que medir o progresso. Quando o assistente de relações
intergrupais, de volta da reunião de boa vontade que ajudou a promover, pensa nos dignatários que conseguiu mobilizar,
dos inflamados apelos que ouviu, na impressionante decoração do palco e na excelência da comida, não se pode impedir
de ficar exultante com a atmosfera geral e com as palavras de elogio dos seus amigos à volta. Contudo, alguns dias depois,
quando se tem notícia do próximo caso de discriminação, êle amiúde se pergunta se tudo não passou de falsa aparência e
se êle procede corretamente ao aceitar o reconhecimento dos amigos como padrão de medida do progresso de seu
trabalho.
Esta falta de padrões objetivos de consecução tem duas graves conseqüências:
1. Priva os assistentes de relações intergrupais de seu legítimo desejo de satisfação em bases realistas. Nessas
circunstâncias, a satisfação ou insatisfação no tocante à própria consecução torna-se sobretudo uma questão de temperamento.
2. Não pode haver aprendizagem num campo onde faltam padrões objetivos de consecução. Quando não podemos. julgar
se uma ação nos fêz avançar ou regredir, quando não temos critério para avaliar a relação entre esfôrço e realização, nada
há que nos impeça de tirar conclusões erradas e de encorajar hábitos errados de trabalho. Condição prévia de qualquer
aprendizagem é a averiguação realista dos fatos e sua avaliação. A pesquisa social deveria ser uma das prioridades
máximas do trabalho prático de aperfeiçoar as relações intergrupais.
CARÁTER E FUNÇÂO DA PESQÚISA PARA A PRÁTICA
DAS RELAÇÕES INTERGRUPAIS
A pesquisa necessária à prática social pode ser melhor caracterizada como pesquisa para administração ou engenharia
social. um tipo de pesquisa de ação, uma pesquisa comparativa acêrca das condições e resultados de diversas formas de
ação social, e pesquisa que leva à ação social. Pesquisa que produza apenas livros não será o bastante.
Isto de maneira alguma implica que a pesquisa requerida seja, sob qualquer aspecto, menos científica ou “inferior” que a
que se exigiria da ciência pura no campo dos eventos sociais. Estou inclinado a sustentar o contrário como verdade. As
instituições interessadas em engenharia, tais como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (M.I.T.), voltaram-se cada
vez mais para o que se chama pesquisa básica. Também no caso da engenharia social, o progresso dependerá grandemente
da medida em que a pesquisa básica em Ciências Sociais possa propiciar uma compreensão mais profunda das leis que
governam a vida social. Esta “pesquisa social básica” terá de incluir problemas matemáticos e conceptuais de análise
teórica. Terá de incluir a gama tôda de averiguação descritiva dos fatos rio tocante a pequenos e grandes corpos sociais,
Acima de tudo, terá de incluir experimentos de laboratório e de campo sôbre a mudança social.
INTEGRAçÃo DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Uma tentativa de melhorar as relações intergrupais deve enfrentar uma grande variedade de tarefas. Ela cuida de
problemas de atitude e estereótipos, com referência a outros grupos e ao próprio grupo visado, de problemas de
desenvolvimento de atitudes e conduta durante a infância e a adolescência, de problemas de alojamento e de mudança de
estrutura legal da comunidade; cuida de problemas de status e casta, de problemas de discriminação econômica, de
liderança política e de liderança em muitos aspectos da vida comunitária. Cuida do pequeno corpo social de uma família,
de um clube ou de um grupo de amigos, do corpo social maior de uma escola ou sistema escolar, de bairros e corpos
sociais do tamanho de uma comunidade, do Estado, da nação e de problemas internacionais.
Começamos a compreender que, sem considerar os demais, é inútil atacar qualquer dêsses aspectos das relações
intergrupais. Isto também é válido para os aspectos práticos e científicos da questão. Por sua vez, a Psicologia, a
Sociologia e a Antropo-
216
217
logia cultural principiaram a dar-se conta de que, sem o auxílio uma da outra, nenhuma conseguiria ir muito longe.
Durante os últimos cinco anos, o desejo de um tratamento integrado se manifestou, timidamente de início, agora muito
claramente. Ainda não se sabe o que significará especificamente tal integração. É possível que signifique uma fusão das
Ciências Sociais numa ciência social única. De outro lado, pode significar apenas a cooperação de diversas ciências com o
objetivo prático de aperfeiçoar a administração social. Todavia, a próxima década testemunhará sem dúvida tentativas
sérias de abordagem integrada da pesquisa social. Sou da opinião de que a Economia terá de ser incluída nessa sinfonia, se
quisermos compreender e manejar de forma mais eficiente as relações intergrupais.
DOIS TIPOS DE OBJETIVOS DE PESQUISA
Ë importante compreender claramente que a pesquisa social se preocupa com dois tipos de problemas assaz diferentes, a
saber, o estudo das leis gerais da vida grupal e o diagnóstico de uma situação específica.
Os problemas de leis gerais tratam da relação entre condições possíveis e resultados possíveis. Exprimem-se em
proposições do tipo “se assim fôr”. O conhecimento das leis pode, em determinadas condições, servir de guia para a
consecução de certos objetivos. Todavia, para agir corretamente, não basta que o engenheiro ou o cirurgião conheça as
leis gerais da Física ou da Fisiologia. carece também de conhecer o caráter específico da situação em aprêço. Ésse caráter
é determinado por uma averiguação científica de fatos denominada diagnóstico. Em todos os campos de ação, ambos os
tipos de pesquisa científica são necessários.
Até pouco tempo, os levantamentos predominavam, em grande parte, na averiguação de fatos das relações intergrupais.
Hoje os vemos com olhos críticos. Embora sejam potencialmente importantes, têm utilizado, via de regra, métodos assaz
superficiais de escrutínio, e nã a pesquisa mais profunda, do tipo de entrevistas, usada por Likert, a qual nos proporciona
certo dis. cernimento das motivações subjacentes aos sentimentos expressos.
A segunda causa de insatisfação é a crescente compreensão de que não basta o simples diagnóstico — e levantamentos cons
titue
uma forma de diagnóstico. Nas relações intergrupais, como nos outros campos da administração social, o diagnóstico tem
de ser complementado por estudos experimentais comparativos da eficiência das diversas técnicas de mudança.
A FUNçÃo E POSIçÃo DA PESQUISA NO
PLANEJAMENTO E NA AçÃO SOCIAL
Para o conteúdo da pesquisa sôbre relações intergrupais, a sua localização adequada dentro da vida social tem pelo menos
igual importância. Quando, onde e por quem deve ser feita a pesquisa social?
Como estamos interessados aqui em administração social, examinemos um pouco mais de perto o processo de
planejamento.
Geralmente, o planejamento parte de algo assim como uma idéia geral. Por qualquer razão, parece conveniente atingir
determinado objetivo. Freqüentemente, não fica muito clara a maneira exata de como definir êsse objetivo, e de como
atingi-lo. O primeiro passo, então, é examinar a idéia cuidadosamente à luz dos meios disponíveis. Amiúde, torna-se
necessária maior averiguação dos fatos. Se êste primeiro período do planejamento é bem sucedido, surgem dois itens: a
saber, um “plano global” de como atingir o objetivo e, em segundo lugar, uma decisão quanto ao primeiro passo da ação.
Geralmente, êste planejamento também tem modificado um pouco a idéia original.
O período seguinte é dedicado a executar o primeiro passo do plano global.
Em campos muito desenvolvidos de administração social, tais como a moderna administração de fábricas ou a execução
de uma guerra, êste segundo passo é seguido de certas averiguações de fatos. Por exemplo, no bombardeamento da
Alemanha, uma determinada fábrica pode ter sido escolhida como o primeiro alvo após cuidadosa consideração das várias
prioridades e dos melhores meios e formas de tratar êsse alvo. A ofensiva é realizada e imediatamente um avião de
reconhecimento segue com o objetivo único de determinar a nova situação tão acurada e objetivamente quanto possível.
Éste reconhecimento ou averiguação de fatos tem quatro funções. Em primeiro lugar, cumpre-lhe avaliar a ação. Êle
218
219
mostra se o que foi atingido está acima ou abaixo da expectativa. Em segundo lugar, proporciona aos
planejadores uma oportunidade de aprender, ou seja, de obter ma nova compreensão geral, por exemplo, do
poder e da fraqueza de certos recursos ou técnicas de ação. Em terceiro lugar, tal averiguação de fatos deve
servir de base para o planejamento correto do próximo passo. Finalmente, vale corno base para a modificação
do “plano global”.
O passo seguinte também se compõe de um ciclo de planejamento, execução e reconhecimento ou
averiguação de fatos, com o fito de avaliar os resultados do segundo passo, para preparar a base racional de
planejamento do terceiro passo e, talvez, para modificar novamente o plano global.
A administração social racional avança, portanto, numa espiral de fases, cada uma das quais se compõe de um
ciclo de planejamento, ação e averiguação de fatos referentes ao resultado da ação.
Com isto em mente, examinemos por um momento a maneira pela qual têm sido tratadas as relações
intergrupais. Não posso deixar de sentir que a pessoa que volta da realização bem sucedida de uma reunião de
boa vontade é como o capitão de navio que sentiu, de alguma forma, que seu barco se desviou demais para a
direita e que, por isso, voltou a roda do leme bruscamente para a esquerda. Certos sinais dão-lhe a certeza de
que o leme acompanhou o movimento da roda do leme. Êle vai jantar, feliz da vida. Enquanto isso,
naturalmente, o barco fica a mover-se em círculos. Com muita freqüência, no campo das relações
intergrupais, a ação se baseia em observações feitas “de dentro do barco” e muito raramente se funda em
critérios objetivos no tocante às relações do movimento do barco com o rumo do objetivo a ser alcançado.
Precisamos de reconhecimento que nos mostre se estamos na direção certa e com que velocidade nos
movemos. Socialmente, não basta que as organizações universitárias propiciem nova compreensão científica.
Será preciso estabelecer processos de averiguação de fatos, olhos e ouvidos sociais, bem no interior dos
corpos de ação social.
Não é nova a idéia de departamentos de pesquisa ou averiguação de fatos em órgãos dedicados à melhoria das
relações intergrupais. Todavia, algumas delas pouco mais fizeram que
não fôsse colecionar recortes de jornais. Os últimos anos viram surgir uma série de progressos muito significativos. Há
cêrca de dois anos atrás, o Congresso Judaico-Americano estabeleceu a Comissão de Inter-Relações Comunitárias. Tratase de uma organização de pesquisa de ação, ideada principalmente para funcionar como uma organização de serviços para
organismos judaicos e não-judaicos no campo das relações intergrupais. Seu principal interêsse está na abordagem de
grupo, comparativamente à abordagem individual, de um lado, e a abordagem de massa, por via do jornal e do rádio, de
outro. Estas duas últimas e importantes linhas constituem o foco de atenção da unidade de pesquisa do Comitê JudaicoAmericano
Diversos programas, tais como o do Conselho Americano de Educação, do Estudo Universitário de Relações Intergrupais
nas escolas normais, do Estudo de Educação Cívica, em Detroit e, de uma forma mais global, o do Centro de Educação
Intercultural, procuram utilizar nosso sistema educacional para melhoria das relações intergrupais. Todos mostram
crescente sensibilidade em prol de um método mais realista, isto é, mais científico, de avaliação e auto-avaliação. Em
diferentes graus, ocorre o mesmo nos empreendimentos especificamente dedicados a relações entre negros e brancos, tais
como o Conselho Americano de Relações Raciais, de Chicago, a Liga Urbana e outros. Ë significativo que a Comissão
Estadual Contra a Discriminação do Estado de Nova Iorque tenha uma subcomissão de cooperação com projetos de
pesquisa e que a Comissão Inter-Racial do Estado de Connecticut esteja ativamente empenhada em pesquisas. A recente
criação de grandes instituições de pesquisa em universidades também ajudou a ampliar as perspectivas de muitas das
organizações de ação existentes, tornando-as mais confiantes nas possibilidades de utilizar técnicas científicas para seus
fins.
Não posso absolutamente tentar, sequer sob a forma de um levantamento, discutir os muitos projetos e resultados que vêm
surgindo désses empreendimentos de pesquisa. Ëles incluem levantamentos dos métodos que foram aplicados até agora,
tais como os registrados em Açâo para a Unidade; 1 estudos do desen1 Goodwjn Watson, Actjo for Unity, Nova
lorque, Harper and Brothers (1946).
.220
221
volvimento de atitudes em crianças; estudos da relação entre atitudes intergrupais e fatôres como a crença política do
indivíduo, sua posição dentro do grupo; experimentos acêrca de como reagir da melhor forma num caso de agressão
verbal em têrmos de preconceito; experimentos de mudança com bandos de delinqüentes e com comunidades; o
desenvolvimento de muitos novos testes de diagnóstico; e por fim, embora não menos importante, o desenvolvimento de
teorias mais precisas de mudança social. Muitos dos resultados dêsses projetos ainda não foram publicados. Estou certo,
porém, de que os próximos anos testemunharão o aparecimento, em número sempre crescente, de estudos significativos e
práticos.
EXEMPLO DE UM EXPERIMENTO DE MUDANÇA DE
PROBLEMAS DE MINORIA
Um exemplo pode ilustrar as possibilidades de cooperação entre clínicos e cientistas sociais. No início dêste ano, o
presidente da Comissão Consultiva de Relações Raciais do Estado de Connecticut, que também é membro dirigente da
Comissão Inter-Racial do Estado de Connecticut, procurou-nos para pedir que dirigíssemos um seminário para cinqüenta assistentes de
comunidade, no campo de relações intergrupais, vindos de todos os rincões do Estado de Connecticut.
Surgiu um projeto em que cooperaram três organizações: a Comissão Consultiva de Relações Raciais do Estado de
Connecticut, a Comissão de Inter-Relações Comunitárias do Congresso Judaico-Americano e o Centro de Pesquisas de
Dinâmica de Grupo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. A Comissão Consultiva Estadual é composta de
membros da Comissão Inter-Racial do Estado de Connecticut, de um membro do Departamento Estadual de Educação do Estado de Connecticut, e da
pessoa encarregada na Região do Vale de Connecticut, da Conferência de Cristãos e Judeus.
Ao qie parece, o Estado de Connecticut é o único a ter uma comissão inter-racial em sua administração regular. Ficou
evidente que todo progresso de técnicas que se pudesse vincular a êste corpo estratégico central teria muito melhor
oportunidade de um amplo e duradouro efeito. Depois de minuciosa discussão
222
das várias possibilidades, foi planejado cooperativamente o seguinte experimento de mudança.
Recentes resultados de pesquisa mostraram que as ideologias e estereótipos que regulam as relações intergrupais não
devem ser considerados como traços individuais de caráter; ao contrário, fundam-se em padrões culturais, sendo que sua
estabilidade e mudança dependem em grande parte de acontecimentos em grupos como grupos. A experiência com o
treinamento para liderança convenceu..flos de que o estabelecimento de seminários está entre os instrumentos mais
poderosos para possibilitar melhoria da capacidade de mancjar relações intergrupais.
Mesmo um bom e bem sucedido seminário entretanto, raramente tem oportunidade de induzir melhoramentos de longo
alcance no campo de relações intergrupais. O indivíduo que volta do seminário para casa cheio de entusiasmo e novas
perspectivas, terá de enfrentar novamente a comunidade, na proporção talvez de um contra 100 000. Evidentemente, são
grandes as Possibilidades de que seu êxito não esteja à altura do seu novo nível de aspiração, e logo as decepções o
forçarão a retroceder de novo. Enfrentamos aqui um problema da maior importância para qualquer mudança social, a
saber, o problema de sua permanência.
Para pôr à prova algumas hipóteses referentes à influência do indivíduo diante de contextos de grupo, introduzjramse as
seguintes variações no seminário experimental. Uma parte dos delegados veio como de costume, um indivíduo de cada
cidade. Todavia, para um certo número de comunidades, decidiu-se tentar conseguir um certo número de delegados e, se
possível, desenvolver no seminário equipes que, uma vez terminado êste, conservariam sua relação de equipe. Isto daria
maior oportunidade de permanência do entusiasmo e produtividade do grupo e deveria também multiplicar o poder dos
participantes de levar a cabo a mudança desejada. Um terceiro grupo de delegados ao seminário receberia certa dose de
assistência especializada, mesmo depois de os delegados voltarem à comunidade.
O primeiro passo para a realização de semelhante plano exige uma ampla averiguação de fatos acêrca dos diferentes tipos
de problemas intergrupais que as diversas comunidades têm de enfrentar. As comunidades e as equipes de assistentes de
grupo
223
nas comunidades teriam de ser selecionadas de maneira que fôsse possível comparar os resultados das três
variações. Em outras palavras, êsse projeto teve de enfrentar os mesmos problemas que mencionamos como
típicos do processo de planejamento em geral.
As experiências dos membros do Conselho Consultivo Estadual da Comissão Inter-Racial do Estado de
Connecticut puderam fornecer com presteza os dados necessários para determinar as cidades que deviam ser
estudadas mais cuidadosamente. Para avaliar o resultado do seminário, seria preciso fazer um diagnóstico
antes dêle, a fim de determinar, entre outras coisas, a linha de pensamento dos assistentes de comunidade, sua
principal linha de ação e as principais barreiras que tinham de enfrentar. Um nôvo diagnóstico semelhante
teria de ser realizado alguns meses após o seminário.
Evidentemente, é preciso registrar cientificamente os acontecimentos essenciais durante o seminário para
compreender por que êle provocou a mudança ou deixou de provocá-la. Sinto que aqui a pesquisa enfrenta
sua tarefa mais difícil. De maneira alguma basta registrar o conteúdo da palestra ou o programa. A descrição
da forma de liderança tem de levar em conta o teor de iniciativa demonstrado por indivíduos e subgrupos, a
divisão em subgrupos dos treinados, as fricções dentro dêsses subgrupos e entre êles, as crises e seu desfecho
e, acima de tudo, o padrão total de administração conforme muda de um dia para outro. Mais do que qualquer
outra coisa, êstes aspectos de larga escala parecem determinar o que um seminário logrará realizar. A tarefa
que os cientistas sociais têm de enfrentar ao registrar objetivamente êsses dados não é muito diferente da do
historiador. Teremos de aprender a haver-nos com estas unidades relativamente grandes de períodos e corpos
sociais sem baixar os padrões de validade e fidedignidade a que nos acostumamos no registro psicológico das
unidades mais microscópicas de ação e de períodos de minutos ou segundos de atividade.
Os métodos de registro dos eventos essenciais do seminário incluíam uma sessão de avaliação ao fim de cada
dia. Os observadores que tinham comparecido às várias sessões de subgrupos registravam (num gravador) o
padrão de liderança que tivessem observado, o progresso ou falta de progresso no desenvolvimento
224
dos grupos, de um conglomerado de indivíduos a um ‘nós” integrado, e assim por diante. Os líderes de grupo davam a sua
opinião acêrca das mesmas sessões e uma série de assistentes em treinamento acrescentavam seus comentários.
Fiquei profundamente impressionado com o extraordinário resultado pedagógico que essas reuniões de avaliação, ideadas
com o propósito de registro científico, tiveram no processo de treinamento A atmosfera de objetividade, a disposição do
corpo docente de discutir abertamente seus erros, longe de prejudicar-lhes a posição, parecia conduzir a um aprofundamento da compreensão e àquela disposição de serena objetividade que
em lugar algum é mais difícil de atingir que no campo das relações inter. grupais, o qual está carregado de emotividade e
rigidez de atitude, mesmo entre os chamados liberais e entre aquêles cuja tarefa é promover relações intergrupais.
Esta experiência e outras similares convenceramme de que nos cumpre considerar a ação, a pesquisa e o treinamento
como um triângulo que deve manter-se uno em benefício de qualquer um de seus ângulos. Sem adestrar o pessoal,
raramente é possível melhorar o padrão de ação. Na realidade hoje, a falta de adestramento competente do pessoal
constitui um dos maiores obstáculos ao progresso do estabelecimento de mais experimentação
O treinamento de grande número de cientistas sociais, que sejam capazes de haver-se com problemas científicos, mas que
estejam também preparados para a delicada tarefa de organizar equipes produtivas de clínicos constitui uma condição
prévia para o progresso da Ciência Social bem como para a administração social de relações intergrupais.
Quando observei, durante o seminário, os delegados vindos de diferentes cidades de todos os rincões de Connecticut se
transformarem, de uma multidão de indivíduos sem ligações, freqüentemente com opiniões e interêsses antagônicos, em
equipes cooperativas, não baseadas na amabilidade, mas na disposição de enfrentar reallsticamente as dificuldades, de
aplicar a averiguação honesta de fatos, e de trabalhar em conjunto para vencê-las; quando vi surgir o padrão de
desempenho de papel, percebi que as principais responsabilidades passavam lentamente, de acôrdo com o plano, do corpo
docente para o discente; quando vi, na sessão final, a Comissão Consultiva Estadual receber o apoio dos
225
delegados para um plano de vincular •as escolas normais do Estado com certos aspectos das reiações dc grupo
dentro das comunidades; quando ouvi os delegados e equipes de delegados das diversas cidades apresentarem
seus planos para seminários municipais e uma série de outros projetos de realização imediata, não pude deixar
de sentir que a estreita integração de ação, treinamento e pesquisa comporta enormes possibilidades no campo
das relações intergrupais. Gostaria de infundir no leitor êste sentimento.
As relações intergrupais constituem sem dúvida um dos aspectos mais decisivos do cenário nacional e
internacional. Sabemos hoje, melhor do que nunca, que são potencialmente explosivas. A estratégia da
pesquisa social precisa levar em conta os perigos envolvidos.
Poderíamos distinguir reveses e barreiras externas para a Ciência Social e os perigos internos dos métodos de
pesquisa. Entre os primeiros, encontramos um grupo de pessoas que parecem subscrever a idéia de que não
precisamos mais da Ciência Social. Entre êstes admiradores do senso comum, encontramos clínicos de todos
os tipos, políticos e reitores de universidade. Infelizmente, existe entre êles um bom número de cientistas
físicos contrários à promoção intensa das Ciências Sociais. Parecem sentir que .estas não produziram nada de
real valor para a prática da administração social e que, por isso, jamais o produzirão. Acho que não haverá
outra maneira de convencer tais pessoas que não seja produzir uma ciência social melhor.
Uma segunda ameaça à Ciência Social vem dos “grupos no poder”. Podem-se encontrar tais pessoas em todos
os níveis da administração, entre lídes trabalhistas e políticos, em alguns setôres do govêrno e entre membros
do Congresso. De uma forma ou outra, parecem todos possuídos do temor de não mais poderem fazer o que
querem, se êles, e os outros, conhecerem realmente os fatos. Acho que os cientistas sociais deviam ter o
cuidado de distinguir entre os elementos legítimos e ilegítimos subjacentes a êsse temor. Por exemplo, seria
sobremaneira danoso que os resultados dos levantamentos da Gallup determinassem automàticamente a
decisão quanto ao que deveria ou no se tornar lei nos Estados Unidos. Teremos de reconhecer a diferença
entre averiguação de fatos e estabelecimento de programas
e estudar cuidadosamente os métodos pelos quais se deve introduzir a averiguação de fatos na máquina social da
legislação, a fim de produzir um resultado democrático.
Jndubitàvelmente, contudo, por trás da hostilidade à pesquisa social manifestada por algumas das pessoas que detêm
cargos de poder, existe boa dose de relutância em enfrentar a realidade.
Um terceiro tipo de ansiedade muito real por parte dos profissionais pode ser ilustrada pelo seguinte exemplo. Os
membros dos conselhos de comunidades aos quais tive ocasião de relatar os resultados da pesquisa sôbre inter-relações de
grupos, reagiram com o sentimento de que os cientistas sociais, na universidade ou no ramo de pesquisa de alguma
organização nacional, mais cedo ou mais tarde estariam em condições de dizer aos assistentes de comunidade locais, em
todos os Estados, exatamente o que fazer e o que não fazer.
Eles ôbviamente contemplavam uma “tecnocracia” da Ciência Social. Esse temor parece ser um mal-entendido muito
comum, baseado na palavra “lei”. Os assistentes de comunidade não alcançaram compreender que na Ciência Social assim
como na Ciência Física, a legalidade significa uma relação do tipo “se assim fôr”, uma conexão entre condições
hipotéticas e resultados hipotéticos. Tais leis não dizem que condições existem local- mente, num dado lugar em dado
mowento. Por outras palavras, as leis não fazem o trabalho de diagnóstico, que deve ser realizado na localidade.
Tampouco preceituam a estratégia para a mudança. Na administração social, como na Medicina, o clínico terá usualmente
de escolher entre diversos métodos de tratamento e precisará de tanta habilidade e engenhosidade quanto o médico, no que
se refere ao diagnóstico e ao tratamento.
Para o progresso da Ciência Social, parece ser decisivo que o clínico compreenda que, através das Ciências Sociais e
znicamente através delas, pode êle ter a esperança de obter o poder necessário para realizar um bom trabalho.
Infelizmente, nada há nas leis e na pesquisa social que constranja o clínico no rumo do bem. A Ciência proporciona mais
liberdade e poder tanto ao médico quanto ao assassino, tanto à democracia quanto ao Fascismo. Também com respeito a
isso, deve o cientista social reconhecer a sua responsabilidade.
22C
227
PESQUISA SÔBRE MAIORIAS E MINORIAS
Não foi intenção dêste artigo discutir resultados pormenorizados da pesquisa social em relações intergrupais.
Todavia, acho que devo mencionar dois pontos que, a meu ver, exemplificam aspectos básicos.
As relações intergrupais constituem uma questão biunívoca. Isto quer dizer que, para melhorar as relações
entre grupos, os dois grupos em interação têm de ser estudados.
Nos últimos anos, começamos a compreender que os chamados problemas de minoria são, de fato, problemas
de maioria, que o problema do negro é o problema do branco, que o problema judeu é o problema do nãojudeu, e assim por diante. E também verdade, claro está, que as relações intergrupais não podem ser
resolvidas sem alterar certos aspectos de conduta e do sentimento do grupo minoritário. Um dos obstáculos
mais sérios ao melhoramento parece ser a notória falta de confiança e de amor próprio da maioria dos grupos
minoritários. Estes tendem a aceitar o julgamento implícito dos que têm status, mesmo quando o jul gament
se volte contra êles próprios. Há muitas fôrças que
tendem a desenvolver nas crianças, nos adolescentes e nos adultos de minorias profundos antagonismos
contra seu próprio grupo. Segue-se um elevado grau de submissão, culpa, emotividade e outras causas e
formas de comportamento ineficaz. Nenhum indivíduo, nenhum grupo em luta contra si mesmo pode viver de
maneira normal ou feliz com outros grupos.
O cientista social deve ter consciência de que é inútil enfrentar êste problema proporcionando suficiente amor
próprio a mem bro individuais dos grupos minoritários. A discriminação que
êstes indivíduos sentem não se volta contra êles como indivíduos, mas como membros do grupo e a questão
só pode ser tratada elevando-se até o nível normal seu amor-próprio, como membros do grupo.
Muitos brancos do Sul dos Estados Unidos parecem compreender que uma condição prévia para o progresso é
o aumento do amor-próprio do negro sulino. De outro lado, parece ser paradoxal para muitos liberais a idéia
de um programa positivo de lealdades crescentes de grupo. Parece que nos habituamos a ligar ao chauvinismo
a questão da lealdade de grupo e o amor-próprio de grupo à xenofobia.
A meu ver, a solução só pode ser encontrada por via de um desenvolvimento que eleve o nível geral do amor-próprio e da
lealdade de grupo, os quais são em si mesmos fenômenos perfeitamente naturais e necessários, ao mesmo nível, para
todos os grupos da sociedade.
Isto significa que se deve fazer todo o esfôrço para reduzir o inflado amor-próprio dos que o têm ao nível de 100 por cento.
Estes deveriam aprender a prece da peça musical Oklahoma:
“Meu Deus, fazei-me ver que não sou melhor que os meus semelhantes.” Todavia, é essencial aprender a segunda parte da
prece, que diz algo assim: “mas, em tudo, sou tão bom quanto êle”. Com base nas experiências de até agora, acho que a
elevação do amor-próprio dos grupos minoritários é um dos meios mais estratégicos para o aperfeiçoamento das relações
intergrupais.
O último ponto que eu gostaria de mencionar refere-se à relação entre os cenários local, nacional e internacional. Ninguém
que trabalhe no campo das relações intergrupais pode deixar de ver que vivemos hoje num mundo só. Quer êle se torne
poilticamente um mundo só ou dois mundos, não há dúvida de que, no que respeita à interdependência dos
acontecimentos, vivemos num mundo só. Quer pensemos nos católicos ou nos judeus, nos gregos ou nos negros, todos os
grupos dentro dos Estados Unidos são profundamente atingidos pelos acontecimentos de outros lugares do globo. Nos
Estados Unidos, as relações intergrupais serão formadas em grande parte pelos fatos do cenário internacional e
particularmente pelo destino dos povos coloniais. Será decisivo o fato de a política dos Estados Unidos seguir ou não o
que Raymond Kennedy chamou de política internacional de Jim Crow dos impérios coloniais. Estaremos prontos a
desistir da política seguida nas Filipinas e, no que se refere às possessões dos Estados Unidos, voltar à política de
exploração que tornou o imperialismo colonial a instituição mais odiada no mundo inteiro? Ou seguiremos a filosofia que
John Colher desenvolveu para com os índios americanos e que o Instituto de Questões Etnicas está propondo para as
possessões dos Estados Unidos? Trata-se de um padrão que conduz gradualmente à independência, à igualdade e à
cooperação. Qualquer que seja o resultado de uma política de exploração permanente no cenário internacional, ela não
pode deixar de ter uma profunda repercussão sôbre
228
229
a situação interna dos Estados Unidos, O Jim-Crowismo no cenário internacional dificultaria enormemente o
progresso das relações intergrupais dentro dos Estados Unidos e tem a probabilidade de pôr em perigo todos
os aspectos da democracia.
O desenvolvimento de relações intergrupais está indubitàvelmente cheio de perigos e, neste campo, o
desenvolvimento da Ciência Social enfrenta muitos obstáculos. O quadro que pude pintar, entretanto, do
progresso da pesquisa e particularmente do progresso que a organização da pesquisa social realizou nos
últimos anos, faz-me sentir que aprendemos muito. Um esfôrço em grande escala de pesquisa social sôbre
relações intergrupais seria indubitàvelmente capaz de ter conseqüências duradouras na história dos Estados
Unidos.
Está igualmente claro, todavia, que êsse trabalho exige dos cientistas sociais a máxima coragem. Ê mister a
coragem que Platão definiu como: “sabedoria diante do perigo”. Ë mister o melhor que possam dar os
melhores de nós, e a ajuda de todos.
230
Download