Moisés do Vale dos Santos A Filosofia de Sócrates Rio de Janeiro Barra Livros 2014 Copyright © 2013 by Moisés do Vale dos Santos Todos os direitos reservados à Barra Livros Proibida a reprodução desta obra, total ou parcialmente, sem autorização por escrito da Editora. Revisão ortográfica e diagramação: Equipe Barra Livros Capa: Leandro Pinheiro Felipe Impressão: Impresso no Brasil O conteúdo desta obra é de responsabilidade exclusiva do autor. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________ BARRA LIVROS E CURSOS EDITORA LTDA Av. das Américas, 500 –Bloco 21 - sala 212 Barra da Tijuca - Rio de Janeiro - RJ CEP 22.640-904 Tel.: (021) 3253-5099 Site: www.barralivros.com Email: [email protected] Sumário APRESENTAÇÃO.............................................................5 INTRODUÇÃO..................................................................7 1 - O objeto material da filosofia socrática e o rompimento com os físicos...................................................................11 2 - A concepção de Aristóteles sobre o método socrático 21 2.1 O raciocínio indutivo e o conceito universal..............21 2.2 Sócrates e a paternidade da ciência............................24 2.3 A definição universal e a invenção das Ideias............27 ..........................................................................................31 3– O método socrático e seus pressupostos históricos, éticos e psicológicos.........................................................31 4 - Os elementos do método socrático..............................37 4.1 O elemento de exortação à pesquisa pelas essências: o tí esti.................................................................................37 4.2 O elemento irônico no método socrático e sua declaração de ignorância..................................................41 4.2.1 Sobre a veracidade da declaração de ignorância proferida por Sócrates......................................................42 4.2.2 O objetivo da ironia socrática..................................44 4.2.3 O duplo ardil da ironia socrática.............................45 4.2.4 O aspecto zombeteiro da ironia socrática................49 4.2.5 A concepção romântica da ironia socrática na perspectiva de Kierkegaard..............................................50 4.3 O elemento da refutação no método socrático: o élenchos............................................................................54 5 - O método de Sócrates.................................................69 5.1 A indução como a essência do método socrático e sua importância ética..............................................................69 5.2 A solução socrática para o impasse epistemológico entre o ceticismo e o dogmatismo pelo critério do conhecimento universal e necessário...............................73 5.3 A busca pela unicidade do conceito............................80 5.4 Breve análise do método socrático no diálogo Platônico Laques..............................................................83 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................95 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................99 APRESENTAÇÃO O Sócrates histórico é, como evidencia o presente livro, a mais emblemática personagem da História da Filosofia. Ainda que não tenha sido pioneiro no enfrentamento das questões que integram o corpus da Filosofia, é não raro propalado como o pai dessa disciplina. Talvez porque Sócrates foi o primeiro a abordar aquelas questões sob um prisma específico, que está na origem e delimita o próprio método de investigação filosófica. De fato, se podemos concordar com Kant em que os filósofos se definem como investigadores de conceitos (Kritik der reinen Vernunft A510-511-B538-539), o título de pai da filosofia é com justiça reservado ao mestre de Platão. Afinal, como sublinha Aristóteles, Sócrates fora o primeiro a situar a investigação sob o prisma da pergunta pelo “τί ἐστιν” – o o que é (Metafísica XIII 4, 1078b17-23) – prisma que, não por acaso, é comumente designado como o “momento exortativo” do método socrático. Como amiúde descrito nos diálogos platônicos, àqueles que, amparados em suas certezas, se punham a tecer discursos inflamados sobre a natureza da justiça, da virtude, do prazer, dentre outras noções fundamentais à vida humana, Sócrates principiava por exortar a precisar os significados dos nomes com que compunham seus discursos. Ao embaraço que a exortação provocava seguia-se naturalmente o segundo momento, o “ἔλεγχος” – a refutação – e a “εἰρωνεία” – ironia – que lhe 5 é constitutiva. Esse segundo momento conduzia ao desfecho inevitável dos diálogos: a confissão de que as certezas de que os discursos se revestiam não resistiam à investigação acurada e se dissolviam na imprecisão e na equivocidade das palavras que os compunham. Os diálogos platônicos conhecidos como socráticos comungam essa estrutura, que, em um único movimento, evidencia a importância da filosofia e realça o lugar eminente de Sócrates na história dessa disciplina. O presente livro explora e articula essas diferentes dimensões do método socrático, tão basilares quanto inaugurais para a Filosofia. Em uma linguagem a um tempo acessível e rigorosa, Moisés do Vale mantém-se fiel à lição de Sócrates, que exorta a preferir a precisão das definições ao ornamento dos discursos. Ter acompanhado a investigação da qual este livro é resultado foi enriquecedor não apenas pela ocasião de assistir o percurso de uma mente seduzida pelo desafio socrático, mas sobretudo pelo aprendizado que essa experiência proporcionou. A honra com que agora o apresento é um coroamento desse aprendizado. Prof.ª Dra. Vivianne de Castilho Moreira1 Curitiba, 04 de maio de 2014 1- Coordenadora do departamento de Filosofia da UFPR. 6 INTRODUÇÃO Este livro tenciona oferecer (a partir do conjunto dos textos que se reportam a Sócrates e sua filosofia, não obstante as abundantes perspectivas que emanam dos diferentes relatos) um núcleo geral de conceitos que seguramente podem ser atribuídos à filosofia e ao método empregado pelo Sócrates histórico. Não obstante as aparentes incongruências entre os diversos relatos a respeito de Sócrates, principalmente entre Platão e Xenofonte, não é possível negar que Sócrates buscava a essência das virtudes, que primeiramente dedicara-se às questões físicas para depois abandoná-las, que instigava seus contemporâneos a darem primazia ao cuidado da alma, que afirmava possuir uma divindade pessoal que o orientava2, ou que se opunha veementemente tanto aos físicos quanto aos sofistas. No capítulo 1 procuro evidenciar de forma sintética o núcleo geral de conceitos 2- Tanto Platão como Xenofonte mencionam o fenômeno chamado “demônio socrático”. Pode-se ver na Defesa de Sócrates 31 d, no Fedro 242 b c; e nos Ditos e feitos memoráveis de Sócrates (de Xenofonte) Livro I capítulo 1:4 e no Livro IV capítulo 8:1. A diferença dos dois relatos reside no fato de que segundo Platão o demônio de Sócrates o proibia de fazer algo, era uma voz negativa, enquanto o demônio do relato xenofôntico, ora proibia Sócrates de fazer determinadas coisas, ora lhe dava instruções. 7 do socratismo arrolado precedentemente, a partir dos relatos exarados por Platão e Xenofonte, e das doxografias de Aristóteles, Cícero e Diógenes Laércio (considerado o primeiro grande historiador e doxógrafo da filosofia grega). O que me propus fazer a partir dos textos da juventude de Platão, dos textos de Xenofonte, e das poucas e sucintas 41 passagens de Aristóteles referentes a Sócrates e a seu método, como também me apoiando nos comentadores mais aquilatados, foi realizar um trabalho de historiador da filosofia, e abstrair à maneira socrática, um conteúdo universal das mais diversas e seguras fontes históricas que chegaram até nós. Por esta razão, ver-se-á uma abundância de passagens e referências, exaradas no corpo do texto, e nas 118 notas de rodapé. Com efeito, optei principalmente pelos diálogos da juventude de Platão, considerados pela maioria dos eruditos como muito próximos da real obra e filosofia de Sócrates. Todavia, não utilizo neste livro todos os textos estimados a pertencer à juventude de Platão 3, que totalizam 10 obras, mas as necessárias para o entendimento do método socrático: Apologia de Sócrates, os diálogos Críton, Eutífron, Fédon, Laques e a A República I. Convém destacar que Xenofonte também é uma importante fonte histórica para a compreensão da filosofia de Sócrates, e neste livro há abundante referência de passagens dos Ditos e feitos memoráveis de Sócrates deste autor. No capítulo 2 deste livro a concepção de Aristóteles sobre o método socrático terá um papel norteador para o 3- Ver nota 69. 8 desenvolvimento de minha hipótese, porquanto, Aristóteles foi o primeiro a apontar para o método de Sócrates e classificá-lo como indutivo. Além disso, Aristóteles ao atribuir a Sócrates a descoberta do raciocínio indutivo e do conceito universal, e ao asseverar que a ciência se caracteriza pela universalidade, honra Sócrates como o pai da filosofia e da ciência, tema que será explorado em 2.2. Ver-se-á também a importantíssima distinção que Aristóteles estabelece entre a concepção de Platão sobre a definição universal (em conexão com o mundo das Ideias), e a de Sócrates, a qual é baseada somente na abstração teórica dos traços comuns pertencentes à multiplicidade dos casos particulares. No que tange aos elementos que compõem o método socrático, segundo a estrutura que apresento no capítulo 4 – o ti estí, ou momento exortativo, caracterizado pela suspensão temporária das certezas; a ironia e a refutação ou élenchos, como elementos responsáveis pela purificação da alma da presunção do saber – deixo de lado deliberadamente a tão conhecida maiêutica socrática4, por considerá-la não pertencente ao método do Sócrates histórico. A maiêutica socrática, como processo de fazer o interlocutor “parir”, a partir de sua própria alma, o conhecimento instigado pelas perspicazes perguntas de Sócrates, é a atividade descrita no diálogo Teeteto de Platão. E como o diálogo Teeteto não pertence ao grupo dos primeiros diálogos de Platão, optei por excluir a 4- Para aprofundar a tese sobre a maiêutica não pertencer ao método do Sócrates histórico ver tópico específico dedicado a este tema por Louis-André Dorion, na sua obra Compreender Sócrates, p. 54. 9 maiêutica da estrutura do método de Sócrates, e em nenhum momento a menciono no corpo do trabalho. Enfim, o capítulo 5 é o cerne deste livro por mostrar que o caminho através do qual Sócrates buscava o conhecimento verdadeiro é a indução, consistente na passagem das representações particulares para o conceito universal e necessário. Nesse capítulo pretendo mostrar também que pela indução são pautadas as ações humanas a partir do paradigma imutável do conceito universal e, a partir daí, é solucionado o impasse epistemológico presente no seu tempo, entre o dogmatismo dos físicos e o ceticismo dos sofistas. Quanto aos comentadores, apoiei-me, como base para a defesa do método socrático como indutivo, principalmente nos que compartilham da concepção de que o método de Sócrates é essencialmente indutivo, dispondo os demais fenômenos da dialética socrática, (explicita ou implicitamente) como a exortação, a ironia e a refutação, como partes constituintes da indução. Estes comentadores são: Francis Wolff, o qual lança uma crítica aos que reduzem o método de Sócrates à ironia, ou à refutação; Antonio Labriola o qual dedica grande parte de sua obra sobre Sócrates a este tema; e Eduard Zeller. Ao me apoiar, em alguns momentos do trabalho, em passagens de outros relevantes autores, como Gregory Vlastos, Rodolfo Mondolfo, Pierre Hadot, Werner Jaeger, Kierkegaard, entre outros, tenciono reforçar a minha interpretação sobre a estrutura do método de Sócrates, sem descartar como de pouca monta as pesquisas específicas destes autores que assumem hipóteses que destoam da estrutura defendida neste livro. 10