UM OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO DA CULTURA VISUAL Patrícia Janssen de Freitas Magalhãesi Programa de Pós-Graduação em Arte Universidade Brasília [email protected] Resumo Este artigo expõe uma visão geral acerca da cultura visual e da educação da cultura visual. Nesse contexto é apresentado um breve histórico sobre as modificações sofridas, ao longo dos anos, pela nomenclatura relacionada ao ensino de artes, começando no surgimento das Academias de Arte e chegando aos dias de hoje, bem como, questões relevantes a esses campos de estudos. Da mesma forma, discute a importância de se introduzir a educação da cultura visual nos meios formais de ensino, como uma forma de instigar e facilitar uma análise crítica, por parte dos estudantes, sobre as imagens que são apresentadas em seu cotidiano. São expostos, ainda, aspectos da multiculturalidade e da transdisciplinaridade que caracterizam tanto a cultura visual como a educação da cultura visual. A metodologia utilizada foi à revisão de literatura baseada, principalmente, em textos dos seguintes autores: Raimundo Martins, Fernando Hernández e Belidson Dias. Palavras-chave: Cultura visual. Educação. Visualidades. Abstract This paper exposes a general vision about visual culture and visual culture education. A brief history of arte education changing names trough the years is presented starting from the Art Academies beginnings until today as well as its relevant issues. Following this path it discusses the importance of introducing visual culture education in formal schooling as a way to instigate and facilitate the students to analyze critically their daily images. It discusses also some aspects of multiculturalism and transdiciplinarity which are characteristics of visual culture as well as visual culture education. This research was based on the writings of Raimundo Martins, Fernando Hernandez and Belidson Dias. Keywords: Visual culture. Education. Visuality. SOBRE A CULTURA VISUAL E A EDUCAÇÃO DA CULTURA VISUAL No transcorrer da história da arte/educação várias nomenclaturas foram utilizadas para designar o ensino da arte. Para se chegar até o termo educação da cultura visual, será percorrido um breve histórico dos vocábulos começando com Belas-Artes. 40 O termo Belas-Artes aparece na Europa Ocidental com o surgimento das Academias de Arte, ou escolas de Belas-Artes, no período da Renascença Italiana, onde se configurou como sinônimo da arte acadêmica. Foi também nesse período que houve a separação entre artista e artesão, e das Artes em Artes maiores e Artes menores. As Artes maiores estavam ligadas ao conceito de belo, originando assim o termo Belas- Artes, e seriam as realizadas pelos artistas sendo elas a pintura, a escultura e o desenho. Já as Artes menores eram realizadas pelos artesãos e estavam ligadas à produção de objetos para uso cotidiano, por isso foram chamadas de Artes Aplicadas sendo, as de maior destaque a gravura, a tapeçaria e a cerâmica (DIAS, 2011). Posteriormente, aproximadamente na metade do século XIX, o termo começa a perder força devido à nova aproximação entre artistas e artesãos proporcionada, principalmente, pelo Movimento de Artes e Ofícios, o Art Nouveau e a Bauhaus, em Países do Norte Europeu como a Inglaterra, Alemanha e Bélgica. No início do mesmo século, com a chegada da Missão Artística Francesa ao Brasil, iniciou formalmente o ensino acadêmico da arte no país. Com isso, foi criada no Rio de Janeiro a Academia Imperial de Belas-Artes, que com o advento da República tem seu nome alterado para Escola Nacional de Belas-Artes (DIAS, 2011; NASCIMENTO, 2005). No entanto, o termo permaneceu em uso até o surgimento do vocábulo Artes Plásticas. Este está associado tanto à Estética – estudo das condições e dos efeitos da criação artística - quanto à maleabilidade dos materiais. O termo também está ligado diretamente à Arte Moderna, movimento artístico que discutia questões relacionadas com o fazer, e sobre os materiais e suas qualidades físicas. Além disso, a ideia de belo é questionada pelos movimentos artísticos modernistas abrindo espaço para novos conceitos e experiências. As Artes Plásticas acabariam por englobar não só a pintura, a escultura e o desenho, mas também, através da própria maleabilidade que o termo propõem, abarcar a arte conceitual, happenings, performances e outras tantas expressões que ficavam de fora das Belas-Artes (DIAS, 2011). No Brasil, o termo chega em meados do século XX. Nessa época, a educação brasileira ainda era muito influenciada pela educação francesa e, assim, o Brasil, como a França já havia feito, cria cursos universitários utilizando o conceito de Artes Plásticas. Este conceito trouxe a liberdade da arte em relação à busca constante do questionamento sobre o Belo, e também da obrigatoriedade de seguir modelos, padrões, escolas ou movimentos cujo conceito é fechado e rígido (DIAS, 2011). Com o avanço tecnológico na produção, distribuição e utilização de imagens surge, na metade do século XX nos Estados Unidos (EUA) e na década de 1990 no Brasil, o termo Artes Visuais que está diretamente ligado à visão. Desse modo, as artes visuais ampliaram mais uma vez o espaço artístico englobando agora, também, territórios como o da visualidade, do design, da comunicação visual, do cinema e da arte tecnológica digital. 41 Com isso, muitas universidades passaram a adotar o termo no lugar de artesplásticas, uma vez que o mesmo permitia maiores possibilidades de expressão artísticas. O termo também aponta a mudança no foco das artes que passa do material para a percepção e do tátil para o visual (DIAS, 2011). Na sequencia, temos o termo cultura visual que é usado atualmente para designar o mundo das imagens que influenciam o indivíduo, sua forma de pensar e de viver, e que “[...] vai bem além das categorias da história da arte tradicional e que já não pode ser estudado com os mesmos conceitos que antes eram utilizados, como por exemplo, para a pintura, escultura, e arquitetura” (DIAS, 2011, p.50). A expressão foi criada nos anos 80 nos Estados Unidos e seu campo de estudo foi ampliado desde então. Contudo, experiências preliminares já haviam sido feitas, no mesmo país, em meados dos anos 60. A cultura visual não é exclusiva das artes, sendo um campo de estudos multidisciplinar, teóricos de outras áreas, como da sociologia, da psicologia e do cinema, tem se utilizado do conceito de forma a incluir todas as imagens que estão presentes e que de alguma forma influenciam na vida cotidiana (DIAS, 2011). Partindo da cultura visual, surge uma nova concepção pedagógica a educação da cultura visual, onde a ênfase está nas “múltiplas representações visuais do cotidiano como os elementos centrais que estimulam práticas de produção, apreciação e crítica de artes e que desenvolvem cognição, imaginação, consciência social e sentimento de justiça” (DIAS, 2011, p. 54). Para Hernández (2007), Martins (2005, 2008) e Dias (2008, 2011) a cultura visual é uma forma de discurso, um espaço que vai além das disciplinas e se constitui num lugar de investigação sobre diversos aspectos da visualidade, levando em conta não apenas questões sobre o que se vê, mas também dos sujeitos que veem. A cultura visual se constitui, assim, um campo de estudos sobre a construção do visual tanto nas artes, como na mídia e na vida cotidiana. Seu foco de investigação são os processos que levam a produção de significados a partir de imagens visuais em seus contextos culturais. Assim, ao analisar o caráter mutável dos objetos artísticos e posicioná-los como artefatos sociais, a cultura visual coloca os limites e as práticas educacionais relacionadas às chamadas belas artes em xeque (HERNÁNDEZ, 2007, MARTINS, 2008). Desse modo, a cultura visual discute e aborda as imagens além de sua perspectiva estética, buscando, também, entender o seu papel social na vida da cultura. As imagens provocam uma multiplicidade de sentidos, interpretações e experiências subjetivas que variam em função da diversidade dos meios, das culturas e das regiões em que foram criadas e, igualmente, de onde são apresentadas. Os significados originados desse processo dependem da relação concreta com o contexto no qual são vivenciados, e são baseados em um diálogo entre o sujeito, a imagem, o meio e a conjuntura no qual estão inseridos. Logo, a proposta da cultura visual é a de instigar um conhecimento mais profundo a cerca das representações visuais e das 42 práticas culturais que resultam na construção de sentidos e de subjetividades. E, igualmente, de ressaltar a importância não somente da compreensão, mas também da interpretação crítica da arte e da imagem como artefatos culturais (MARTINS, 2008). Ainda neste contexto, Tavin (2008) argumenta que os “arte educadores deveriam se deslocar para além das estreitas fronteiras da ‘arte erudita’ e da produção artística em busca do pensamento crítico e de uma compreensão cultural” (TAVIN, 2008). Ele afirma ainda que o aprendizado dos estudantes deve ir além do que é visto nas escolas e salas de aulas, de forma a construir uma cidadania esclarecida que promova uma sociedade democrática. Ademais, a cultura visual muitas vezes se encontra em espaços de fronteira e à margem das culturas acadêmicas e práticas institucionais. Desse modo, a cultura visual perturba visões curriculares tradicionais baseadas nas belas artes, e gera instabilidades acadêmicas e institucionais, pois instiga os alunos a construírem um olhar crítico com relação ao poder das imagens, e de como elas são utilizadas na manutenção do poder da cultura dominante. Além disso, ao diluir as fronteiras entre as artes populares e as artes ditas de elite, a cultura visual tem seu foco de interesse voltado para todos os artefatos, tecnologias e instituições da representação visual. No entanto, o posicionamento crítico perante as imagens apresentadas não ocorre de modo natural. Freedman, partindo da constatação de que a tecnologia e as fronteiras culturais pouco definidas, no mundo atual, tornaram a cultura de massa mais pedagógica e política, desenvolveu um estudo junto com Beach sobre a apropriação das representações da propaganda em relação a gênero, onde constatou que, apesar de os alunos se colocarem conceitualmente nos comerciais, eles não veem essas imagens criticamente, a não ser que sejam ensinados a fazê-lo (FREEDMAN, 2005). A arte/educação atual necessita mudar para poder lidar com as visualidades e complexidades imagéticas da contemporaneidade (DUNCUM, 2011; HERNÁNDEZ, 2011; TOURINHO E MARTINS, 2011; AGUIRRE, 2011; CHARRÉU, 2011; TAVIN, 2011). No entanto, essa mudança não significa abandonar a imagética ou a produção artística do passado, e sim encontrar um meio de conectá-las e/ou relacioná-las com o que é produzido, visto, criado e sentido na atualidade. As mudanças na arte/educação devem ir além desta perspectiva, pois o seu currículo deve estar pautado na cultura visual (DUNCUM, 2011; HERNÁNDEZ, 2011; TOURINHO E MARTINS, 2011; AGUIRRE, 2011; CHARRÉU, 2011; TAVIN, 2011) uma vez que esta se constitui um campo de estudo transdisciplinar que “[...] além do interesse de pesquisa pela produção artística do passado, concentra atenção especial nos fenômenos visuais que estão acontecendo hoje, no uso social, afetivo e políticoideológico das imagens e nas práticas culturais que emergem do uso dessas imagens” (TOURINHO E MARTINS, 2011, p. 53). Assim, uma educação da cultura visual possibilitará aos estudantes e professores a 43 construção de referenciais e conceitos, bem como a desenvolver uma atitude crítica acerca da cultura visual. Ao trabalhar dentro de uma perspectiva crítica, está lidando com problemas históricos como a desigualdade social e os processos que geram essa desigualdade (TOURINHO E MARTINS, 2011), bem como com questões a respeito de preconceitos, discriminação e outros problemas sociais. Também está introduzindo um processo de mudanças de paradigmas e de conteúdos referentes à educação através da arte (AGUIRRE, 2011; CHARRÉU, 2011). Como consequência desse processo de transformação e reestruturação de pensamentos e posicionamentos perante a sociedade, a educação da cultura visual está favorecendo uma educação multicultural, uma vez que apresenta oportunidades de trabalhar pela cidadania crítica. Além disso, a educação da cultura visual busca compreender as imagens a partir de seus significados culturais e práticas sociais que estão ligados a relações de poder, economia e política. Também procura entender e analisar os contextos em que são produzidas e consumidas, bem como ponderar sobre as relações de interpretação e ressignificação que delas derivam (MARTINS, Alice de Fátima, 2009). Desse modo, a educação da cultura visual se aproxima do multiculturalismo, uma vez que, como afirma Paul Duncum As imagens sempre desempenham um papel no âmbito de lutas pelo significado, seja legitimando noções existentes e as estruturas de poder que apoiam, seja contestando tais noções ou incorporando ambivalência e contradição. Ademais, ao apelarem para os sentidos e as emoções, as imagens exercem profunda influência. Ao mesmo tempo, os espectadores detêm o poder de negociar e/ou de resistir a significados dominantes, bem como de criar seus próprios significados (DUNCUM, 2011, p. 21). Assim, ao utilizar a cultura visual para discutir questões relativas a problemas sociais, explorar as imagens de origens diversas e propor reflexões críticas acerca de como as visualidades influenciam nas relações de poder e no modo como o indivíduo se vê e é visto (HERNÁNDEZ, 2011), a educação da cultura visual estimula mudanças sociais que objetivam uma sociedade mais igualitária e o respeito à diversidade, seja ela religiosa, étnica ou outra qualquer. Da mesma forma, ao incentivar novas percepções que geram novas interpretações e produção de novos significados sobre os fenômenos visuais, sejam contemporâneos ou de épocas passadas, da cultura erudita ou da cultura popular, a educação da cultura visual impacta de forma direta a arte/educação (TOURINHO E MARTINS, 2011) e, consequentemente, a maneira como são vistas e sentidas as formas visuais de diversas culturas. Deste modo, novamente a educação da cultura visual se relaciona com o multiculturalismo, pois estimula a análise sobre as relações de poder e das significações desses fenômenos. Outro ponto de conciliação entre o multiculturalismo e a educação da cultura visual é o fato de esta última propor um olhar não acomodado para as visualidades 44 cotidianas, mas sim aconselha que este olhar tenha um enfoque questionador e não de simples aceitação do que está sendo apresentado. Nas palavras de Tourinho e Martins: “Esse olhar diferenciado, que foge ao conforto e a estabilidade das rotinas visuais, é o que consideramos ‘olhar crítico’. Ele nos ajuda/orienta a desenvolver uma visão crítica do mundo e da realidade” (TOURINHO E MARTINS, 2011, p. 61). Outra ligação entre o multiculturalismo e a educação da cultura visual ocorre por meio da diluição das fronteiras culturais proporcionada pelas novas tecnologias. Atualmente, é possível comunicar-se instantaneamente não só por intermédio da voz, mas com imagens, com qualquer parte de mundo que tenha acesso à internet (DUNCUM, 2011). Com isso, há uma proliferação de imagens de diversas culturas sendo veiculadas, interpretadas, ressignificadas e reelaboradas, em um espaço de tempo muito curto. Além disso, outras mídias como a televisão, o cinema e outras mídias digitais promovem a exposição e a interação entre culturas. Nesse contexto, Hernández afirma que “[...] vivemos e produzimos um novo regime de visualidade” (HERNÁNDEZ, 2009, p. 208), e este regime exige uma habilidade aguçada de interpretação e negociação com as imagens (TOURINHO E MARTINS, 2011). Isso se deve à quantidade de visualidades que estão sendo acessadas, distribuídas e consumidas em um espaço curto de tempo. Assim, não é mais possível conceber uma arte/educação voltada apenas para a repetição de conteúdos referentes à história da arte, uma vez que esta deixa de fora todo o contexto imagético e de visualidades do mundo contemporâneo. É necessário pensar uma arte/educação que ocorra por meio da educação da cultura visual, e que incentive, promova e busque visões críticas sobre o que é visto e sentido, bem como promova uma educação multicultural. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIRRE, Imanol. Cultura visual, política da estética e educação emancipadora. In.: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (Org.). Educação da Cultura Visual: conceitos e contextos. Santa Maria: Editora UFSM, 2011, p. 69 – 111. DIAS, Belidson. O I/Mundo da educação em Cultura Visual. Brasília: Editora da pósgraduação em arte da Universidade de Brasília, 2011. . Pré-acoitamentos: os locais da arte/educação e da cultura visual. In: Visualidade e educação, Raimundo Martins (org.). Coleção Desenrêdos. 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