HISTORICIDADE DA IDEOLOGIA: DE CONCEITO CRÍTICO A CONCEITO ADAPTADO “Ítalo Alessandro Lemes Silva” (Mestrando) [email protected], Veralúcia Pinheiro (Orientadora) [email protected] Universidade Estadual de Goiás, Câmpus Anápolis de Ciências Socio-econômicas e Humanas. Resumo: O levantamento teórico da definição de Ideologia nos mostra que a origem do termo está no materialismo francês do século XVIII, porém sua definição que proporciona condições críticas encontra-se na abordagem epistemológica do Materialismo Histórico Dialético de Marx e Engels. Ideologia passa de representações subjetivas de formações de ideias para o entendimento de que há ideias dominantes e tais ideias não são neutras e tampouco involuntárias, e sim, são formadas e mantidas pelas classes dominantes para imposição do seu poder. O sistema de ideias dominantes é formulado pela materialidade e não são as ideias que criam a condição social. A Ideologia se apresenta como verdade universal fazendo a inversão da realidade, proporcionando a manutenção dos antagonismos sociais. Palavras-chave: Ideias, Materialismo, Idealismo. Introdução Nesta pesquisa investigamos teoricamente a definição do termo Ideologia e como o uso dessa palavra passou do sentido neutro para o seu sentido crítico. É interessante perceber que nos dias atuais a palavra ideologia é colocada em falas cotidianas e até mesmo em abordagens acadêmicas sem uma perspectiva problematizada, e, portanto, sem crítica. No intuído de elucidar os diferentes sentidos empregados na utilização da palavra ideologia e apresentar sua aplicação crítica a presente pesquisa faz a investigação e a análise explicativa da constituição da origem do termo bem como as transformações que a palavra passa até ser encontrada com potencial crítico e problematizada. Mostramos com essa breve pesquisa que é possível e necessário encontrar o sentido (correto) crítico para o vocábulo Ideologia. Pontua-se também que o levantamento teórico crítico de ‘Ideologia’, é ponto de partida para analisarmos nossa realidade social marcada por contradições, violências e segregações, mas, que convive ao mesmo tempo com o discurso de um suposto “estado democrático de direito”. Material e Métodos Para buscar a definição teórica do conceito crítico de consultamos os autores que adotaram o Materialismo Histórico Dialético no esforço de compreender tal conceito. Por meio da pesquisa bibliográfica apreendemos o esclarecimento da definição crítica do uso do termo Ideologia e suas variantes nas abordagens acadêmicas. Adotamos a análise explicativa da construção contextualizada da origem do termo bem como as metamorfoses que a palavra sofreu pelas diversas propostas teóricas ao longo da história. Dado a proposta reflexiva criamos também a expectativa de diferenciar o uso do termo crítico das outras formas de utilizações convencionais. Resultados e Discussão As primeiras formas das definições da Ideologia são apresentadas em um sentido não crítico, e é o significado convencional utilizado pelo senso comum nas falas cotidianas e até mesmo em trabalhos acadêmicos. O sentido de origem e uso da palavra ideologia geralmente aparece sem uma abordagem crítica ou problematizada. A palavra ideologia tem seus fundamentos em Destutt de Tracy, filosofo francês que coloca tal termo como uma busca científica sobre as ideias. A intenção do cunhar do termo, em seu gênesis tem o objetivo de buscar o entendimento do que seria a ideia própria de cada época, grupo ou até mesmo indivíduo. Foi chamado assim em sua origem de “ciência das ideias”. (ALVES, 2000) Ainda em Tracy as ideias seriam variáveis da formação cultural, estrutura de ideias essas que se fundamentaria nos valores subjetivos de períodos históricos e constituições relativas de cada indivíduo ao que se compreende sobre a leitura e atestado do que é a verdade de cada sujeito. Estando distante da ideia de imaginário “trata-se de um conjunto orgânico de Ideias” (MAFFESOLI, 2006). Esse sentido do ponto de partida do autor no materialismo francês do século XVIII, não pode ser compreendido como crítico e apenas apresentaria a representação subjetiva da interpretação relativizada às formações históricas, regionais e culturais. O sentido crítico do termo Ideologia é apresentado na obra “A Ideologia Alemã”, publicado em 1932 por Marx e Engels. Partindo dessa conceituação é que fazemos esse trabalho como o levantamento teórico do sentido crítico de ideologia. Para compreensão do conceito é primeiro preciso a apresentação do que ele vem propor como antítese ao idealismo alemão de Hegel e os escritos por parte dos chamados jovens hegelianos. Segundo Russell (2015) a busca do sistema hegeliano é pelo Idealismo que seria “o Absoluto” e tal Absoluto é a constituição espiritual, ou seja, formação de ideias contraditórias que formam o que nesse sistema filosófico seria a realidade pura. Para Hegel a dialética das ideias na história forma o Espirito Absoluto de cada época e essa concepção é seguida e problematizada pelos Jovens Hegelianos que se utilizaram dela para a compreensão da realidade alemã do período em que estavam escrevendo. Marx e Engels propõem, nas próprias palavras dos mesmos, fazer a interpretação “que estava de cabeça pra baixo, colocando-se de pé.” (MARX E ENGELS, 1932, p. 123). Podemos perceber que se para o Idealismo as ideias formam a realidade no materialismo a realidade forma as ideias. Nessa perspectiva se cunha o sentido crítico-social do termo Ideologia onde ainda se permanece o absoluto, porém não na definição espiritual e sim material-real. Não mais em contradições aspirais de ideias e sim na dialética de classes. A primeira máxima, crítica a ilusão, própria de toda ideologia, a qual consistia justamente em lhe atribuir a criação da história dos homens, tais ideias não possuem existência própria, mas derivada do substrato material da história. (MARX E ENGELS, 1932) Como apresentado a construção da concepção conceitual e epistemológica de Ideologia por parte do Materialismo é colocada em oposição ao sentido que o Idealismo Alemão de Hegel aponta para o entendimento de interpretação filosófica da sociedade. No entendimento filosófico do Idealismo Alemão a mudança da realidade se faz no purificar dialético das ideias. Quanto a isso Marx e Engels (1989 p.37) esclarecem: A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real. E, se, em toda a ideologia, os homens e suas relações aparecem invertidos como numa câmara escura, tal fenômeno decorre de seu processo histórico de vida, do mesmo modo por que a inversão dos objetos na retina decorre de seu processo de vida diretamente físico. A Ideologia para a corrente marxista se põe sob duas perspectivas: primeiro “ou aparece como superestrutura em que os sujeitos são suprimidos pela sua manifestação puramente ideal”, outro ponto “como falsa consciência [...] sob a designação de ‘consciência invertida’, dadas as críticas dirigidas por esse autor a diferentes manifestações teóricas oriundas da Filosofia.” (RANIERI, 2007 p.9) Esse sentido abre margem para a formação da crítica, onde podemos entender que a classe dominante tem interesse que as ideias dominantes se mantenham para conservação do seu posto de dominação. No decorrer da História, fazendo a inversão da realidade, a classe dominante é levada a formular as suas ideias como ideias universais. Mas esse efeito é ligado ao interesse coletivo da classe formadora da condição opressora de formar e manter o seu domínio à classe não dominante. (MARX E ENGELS, 1932 p. 80). Conforme a conclusão histórica de Marx e Engels (1932 p. 78) a classe dominante é produção e distribuição das ideias. Diante da configuração do hábito capitalista, ainda na mesma crítica, o trabalhador não pensa sobre si mesmo e sobre sua condição alienada e acaba por ter como consciência a inversão da realidade, comprando e reproduzindo as ideias feitas pelos seus opressores. O trabalhador não cria ideias e ilusões sobre si mesmo. (MARX E ENGELS, 1932 p. 79). Apropriando-se da condição de submissão das massas, cujas condições objetivas de vida não lhes permitem refletir e por isso apenas reproduzem as ideias dominantes, a arte e os meios de comunicação formulam e divulgam a narrativa do idealismo opressor e desordenador da leitura da realidade. Tais análises foram realizadas pelos intelectuais da Escola de Frankfurt, os quais cunharam o termo “Indústria Cultural”, mostrando que a produção e o consumo cultural na sociedade capitalista constituem-se como mera reprodução da Ideologia. (ADORNO, 2007). Considerações Finais Ressaltamos nessa pesquisa a definição conceitual do termo Ideologia no seu sentido crítico. O embasamento teórico partiu dos clássicos da abordagem epistemológica do Materialismo Histórico Dialético: Marx e Engels. No materialismo francês do século XVIII, percebemos que a palavra Ideologia na origem se faz na intenção de buscar o entendimento do que seria a ideia sobressalente de cada época, grupo ou até mesmo indivíduo. Esse sentido não compreende Ideologia como crítica, mas apenas ressalta os equívocos de modular representações subjetivas de formações históricas, regionais e culturais. Teoricamente, a abordagem crítica se faz em oposição e interpretação invertida ao Idealismo hegeliano. Percebemos com isso que, se para o Idealismo as ideias formam a realidade como ela é, no materialismo a realidade forma as ideias como elas são. Aqui se encontra a noção crítico-social do termo Ideologia onde ainda prevalece o absoluto, porém não na definição espiritual e sim material-real. Ideologia é a ‘consciência invertida’ do idealizado com o real, podemos esclarecer ainda que ideologia é a ‘inversão da realidade’ que se faz presente como ideia dominante. Esse fenômeno não é natural, mas é parte do que temos em uma sociedade dividida em classes. Os interesses daqueles que se encontram no poder (econômico, político e cultural), formam as ideias dominantes e o controle destas ideias ocorre por meio da ideologia que é reproduzida pelo conjunto da sociedade. Ao inverter a realidade, as classes dominantes apresentam suas ideias como universais, porém suas verdades não passam de defesa de seus próprios interesses. Sobretudo, na civilização da imagem em que vivemos, as mídias são ferramentas de produções Ideológicas. Para além da contribuição acadêmica, buscamos com esta pesquisa contribuir com o desenvolvimento de um pensamento crítico, capaz de romper com as verdades prontas e acabadas forjadas no interior da universidade e fora dela. Cabe ao campo das ciências sociais e humanas a participação efetiva no processo de construção de um conhecimento crítico posto a serviço das lutas e, em prol das transformações sociais. Agradecimentos Agradeço a minha orientadora professora Veralúcia Pinheiro que tem creditado e motivado as minhas habilidades enquanto pesquisador. Referências ADORNO, Theodor W. Indústria cultural e sociedade. Paz e Terra, 2007. ALVES FILHO, Aluizio. A ideologia como ferramenta de trabalho e o discurso da mídia. Rio de Janeiro: Comum, v. 5, n. 15, p. 86-118, 2000. MAFFESOLI, Michel. Michel Maffesoli: o imaginário é uma realidade. Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, v. 1, n. 15, 2006. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: teses sobre Feuerbach. Tradução: Editora Martin Claret Ltda., 2005. Título original: Die deustsche Ideologie, 1932. RUSSELL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental. Livro 3: A Filosofia Moderna, Tradução Hugo Langone – 1ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2015.