CAPÍTULO e52 Medicina Hiperbárica árica e do Mergulho Michael H. Bennett Simon J. Mitchell Figura e52.1 Câmara monoplace (Hospital Prince of Wales, Sydney). cas e clínicas tem sido difícil em um cenário no qual o agente farmacológico sob estudo é abundante, barato e não passível de ser patenteado. Recentemente, contudo, houve sinais de maior apreço sobre a importância potencial da OHB com financiamento expressivo de pesquisas básicas, por parte no National Institutes of Health (NIH), e do exército dos EUA para investigação clínica. MECANISMOS DA OXIGENOTERAPIA HIPERBÁRICA O aumento da pressão hidrostática reduz o volume de quaisquer bolhas presentes no corpo humano (ver “Medicina do Mergulho”) e esta propriedade é parcialmente responsável pelo sucesso da recompressão imediata em casos de DCS e embolia gasosa arterial. A ventilação com oxigênio suplementar produz efeito dose-dependente sobre o transporte de oxigênio, variando desde aumento na saturação de hemoglobina quando alguns litros por minuto são administrados por meio de máscara a 1 ATA, até aumento do oxigênio dissolvido no plasma suficiente para manter a vida sem necessidade de hemoglobina quando o oxigênio é administrado em concentração de 100% a 3 ATA. Em sua maioria, os esquemas de OHB envolvem a administração de oxigênio entre 2 e 2,8 ATA e o aumento resultante na tensão de oxigênio arterial para valores acima de 1.000 mm Hg tem amplas consequências fisiológicas e farmacológicas (Fig. e52.3). Uma consequência direta de tamanha tensão intravascular de oxigênio é aumentar muito o alcance efetivo da difusão de oxigênio entre capilar e tecido de forma a que processos celulares dependentes de oxigênio possam ser retomados em tecidos em hipoxia. Independente de sua importância, o mecanismo de ação não se limita à restauração da oxigenação em tecidos hipoxêmicos. De fato, há efeitos farmacológicos profundos e duradouros. Embora a retirada da câmara hiperbárica resulte em retorno rápido dos tecidos mal vascularizados ao estado anterior de hipoxia, uma única dose de OHB produz alterações nas funções de fibroblastos, leucócitos e na angiogênese e nas defesas antioxidantes que persistem por horas após a tensão de oxigênio ter retornado aos níveis anteriores ao tratamento. É amplamente aceito que o oxigênio em doses elevadas produz efeitos adversos em razão da produção das espécies reativas de oxigênio (ROS) como superóxido (O2–) e peróxido de hidrogênio (H2O2). Na última década foi-se estabelecendo que tanto as ROS quanto as espécies reativas de nitrogênio (RNS), como o óxido nítrico (NO), participam de diversas vias intracelulares de sinalização envolvidas na produção de várias citocinas, fatores de crescimento e outros moduladores dos processos de inflamação e reparo. Esses mecanismos são complexos e algumas vezes paradoxais. Tomando como exemplo o tratamento de feridas crônicas causadas por hipoxia, alguns dos efeitos da OHB são aumentar a depuração de restos celulares e bactérias ao prover o substrato para fagocitose por macrófagos; esti- ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Medicina Hiperbárica e do Mergulho * N. de R.T.: No Brasil a medicina hiperbárica padece do mesmo cenário que tem promovido a redução da oferta do tratamento com OHB particularmente na rede pública. Figura e52.2 Câmara projetada pra tratamento de vários pacientes (Hospital da Universidade Karolinska). CAPÍTULO e52 O QUE É MEDICINA HIPERBÁRICA E DO MERGULHO? Medicina hiperbárica é o tratamento de distúrbios da saúde usando a exposição de todo o corpo a pressões acima da atmosférica (760 mm Hg). Na prática, isso quase sempre significa a administração de oxigenoterapia hiperbárica (OHB). A Undersea and Hyperbaric Society (UHMS) define OHB como: “um tratamento no qual o paciente respira oxigênio a 100%... enquanto dentro de uma câmara com pressão maior do que a pressão em nível do mar (isto é, > 1 atmosfera absoluta ou ATA)”. A câmara de tratamento é um vaso hermeticamente fechado denominado câmara hiperbárica, câmara de recompressão ou câmara de descompressão, dependendo do contexto clínico e histórico. Essas câmaras podem ser capazes de conter um único paciente (câmara monoplace) ou diversos pacientes (câmara multiplace) (Figs. e52.1 e e52.2). Historicamente, essas câmaras de compressão foram empregadas inicialmente para tratamento de mergulhadores e profissionais que trabalhavam com ar comprimido sofrendo a doença descompressiva (DCS). Conquanto a prevenção e o tratamento dos distúrbios originados por descompressão em mergulhadores, aviadores e em voos espaciais tenham se desenvolvido de forma independente em um campo específico, permanecem estreitamente ligados à prática mais ampla da medicina hiperbárica. Independente do conhecimento crescente sobre os mecanismos envolvidos e da ampliação da base de evidências, a medicina hiperbárica vem lutando para obter reconhecimento amplo e para ser “legitimada” como medida terapêutica. Há vários fatores contribuintes, mas o principal é a base insuficiente da fisiologia do oxigênio e de oxigenoterapia nas escolas médicas e a tradição permanente de charlatães defendendo a medicina hiperbárica* (frequentemente usando ar atmosférico) como panaceia. O financiamento de pesquisas bási- 52-1 Oxigênio hiperbárico Compressão hidrostática Aumento do gradiente de difusão de gás inerte entre bolhas, tecidos e pulmões Aumento da PO2 arterial Redução do volume das bolhas Aumento na difusão de O2 Efeito osmótico Restauração de normoxia aos tecidos Redução de edema Aumento da fagocitose, angiogênese e atividade de fibroblastos PARTE XIX Doenças das Altas Altitudes e Doença Descompressiva 52-2 DCS CAGE Cicatrização de feridas, lesão tecidual por radiação Geração de ROS e RNS Vasoconstrição hiperóxica ↓ Função de integrina β2 Fatores de crescimento nas feridas Mobilização de células-tronco Lesão por esmagamento Pré-condicionamento isquêmico p.ex., HIF-1 HO-1 Enxertos/retalhos ameaçados; preservação de órgãos cadavéricos Figura e52.3 Resumo dos mecanismos da oxigenoterapia hiperbárica. Há muitas consequências da ventilação com oxigênio e compressão. Os efeitos na sinalização celular da OHB são os menos entendidos, mas potencialmente os mais importantes. As caixas sombreadas apresentam exemplos de indicações para seu uso. CAGE, embolia gasosa arterial cerebral; DCS, doença descompressiva; HIF-1, fator indutor de hipoxia-1; HO-1, hemoxigenase-1; RNS; espécies reativas de nitrogênio; ROS, espécies reativas de oxigênio. mular a síntese de fator do crescimento em razão de maior produção e estabilização do fator indutor de hipoxia 1 (HIF-1); inibir a ativação leucocitária e a aderência a endotélio danificado; e, por meio da indução da óxido nítrico sintetase-3 (NOS-3) ou eNOS), mobilizar células-tronco da medula óssea permitindo que haja vasculogênese. A interação entre esses mecanismos continua sendo um campo muito ativo de pesquisa. Uma evolução estimulante é o conceito de pré-condicionamento hiperóxido segundo o qual uma exposição breve a OHB é capaz de induzir proteção tecidual contra futuras agressões isquêmicas/hipoxêmicas. Esse fenômeno tem várias implicações em diversas especialidades cirúrgicas, incluindo transplante de órgãos. Concluiu-se um ensaio clínico randomizado e seus resultados sugerem que OHB antes de enxerto de bypass coronariano reduza os marcadores bioquímicos de estresse isquêmico e melhore os resultados neurocognitivos. EFEITOS ADVERSOS DO TRATAMENTO A OHB geralmente é bem tolerada e segura na prática clínica. Os efeitos adversos estão associados a alterações na pressão (barotrauma) e a administração de oxigênio. ■ BAROTRAUMA Ocorre barotrauma quando um espaço não complacente repleto de gás dentro do corpo não sofre equalização com a pressão ambiente durante compressão ou descompressão. Cerca de 10% dos pacientes se queixam de alguma dificuldade para equalizar a pressão da orelha média na fase inicial de compressão e, embora em sua maioria esses problemas sejam menores e possam ser resolvidos com treinamento, 2 a 5% dos pacientes requerem tubos de ventilação na orelha média ou carretel através da membrana timpânica. Os pacientes inconscientes não são capazes de equalizar a pressão e devem ter tubos de ventilação de orelha média instalados antes da compressão. Outros locais menos comuns para ocorrência de barotrauma são seios da face e cáries dentárias. Os pulmões são potencialmente vulneráveis a barotrauma de descompressão, conforme descrito na seção sobre medicina do mergulho, mas a descompressão que se segue à OHB é tão lenta que o sequestro de ar nos pulmões é extremamente raro desde que não haja pneumotórax não drenado ou lesões bolhosas. ■ TOXICIDADE DO OXIGÊNIO O limite prático para a dose de oxigênio que pode ser administrada em uma única sessão de tratamento ou em uma sequência de sessões diárias é a toxicidade do oxigênio. A manifestação aguda mais comum é crise convulsiva, frequentemente precedida por ansiedade e agitação, durante as quais a troca do oxigênio por ar ambiente talvez evite a convulsão. As convulsões hiperóxicas caracteristicamente são tônico-clônica generalizadas seguidas por período pós-ictal variável. A causa é a opressão dos sistemas de defesa antioxidante dentro do encéfalo. Embora claramente dose-dependente, a instalação é muito variável tanto entre indivíduos quanto em um mesmo indivíduo em dias diferentes. Na clínica hiperbárica cotidiana a incidência é em torno de 1:1.500 a 1:2.000 compressões. A intoxicação crônica por oxigênio na maioria das vezes se manifesta na forma de piora de miopia causada por alterações no índice de refração das lentes após lesão oxidativa de proteínas lenticulares, semelhante àquela associada à formação de catarata na senectude. Até 75% dos pacientes apresentam deterioração da acuidade visual após curso de 30 sessões de tratamento com 2 ATA. Quase todos retornam aos valores pré-tratamento 3 a semanas após o final do tratamento. Ocasionalmente, associou-se a OHB a aceleramento na maturação de catarata pré-existente. Embora teoricamente problemático, o desenvolvimento ao longo do tempo de toxicidade pulmonar por oxigênio não parece ser um problema de fato – provavelmente em razão da natureza intermitente da exposição. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. CONTRAINDICAÇÕES PARA OXIGÊNIO HIPERBÁRICO Há poucas contraindicações absolutas à OHB. As mais comuns são pneumotórax não tratado e história de administração de bleomicina. O pneumotórax pode sofrer expansão rápida na fase de descompressão e ficar sob pressão. Antes de qualquer compressão os pacientes com pneumotórax devem ter um dreno instalado com patência comprovada. A presença de outros fatores de risco evidentes para sequestro de ar nos pulmões, como bolhas, deve ensejar uma análise muito cautelosa ponderando os riscos contra os possíveis benefícios do tratamento. A bleomicina está associada a uma pneumonite parcialmente dose-dependente em cerca de 20% dos indivíduos. Este subgrupo apresenta risco específico de deterioração rápida da função ventilatória após exposição a oxigênio em alta pressão. A relação entre toxicidade pulmonar por oxigênio e exposição à bleomicina não foi comprovada, particularmente após longo período entre a exposição à bleomicina e ao oxigênio. Contudo, qualquer paciente com história de tratamento com bleomicina deve ser cuidadosamente orientado antes de ser exposto à OHB. Para aqueles que tenham sido expostos a doses acima de 200 mg e cuja evolução tenha sido complicada por reação pulmonar à bleomicina, a compressão deve ser evitada exceto em situações com risco de morte. 1. Embolia gasosa (incluindo as relacionadas com mergulho, as iatrogênicas e aquelas causadas por acidente) 2. Envenenamento por monóxido de carbono (incluindo a complicada por envenenamento com cianeto) 3. Miosite e mionecrose por clostrídio (gangrena gasosa) 4. Lesão por esmagamento, síndrome do compartimento e isquemias traumáticas agudas 5. Doença descompressiva 6. Melhora da cicatrização em feridas problemáticas selecionadas 7. Perda sanguínea excepcional (quando houver recusa ou impossibilidade de transfusão) 8. Abscesso intracraniano 9. Infecções necrotizantes em tecidos moles (p.ex., síndrome de Fournier) 10. Osteomielite (refratária a outros tratamentos) 11. Lesão tardia por radiação (lesão de tecido mole e necrose óssea) 12. Enxertos e retalhos de pele (comprometidos) 13. Queimaduras térmicas Fonte: Undersea and Hyperbaric Medical Society (2008). 300.000 indivíduos se tornam sobreviventes de câncer a longo prazo tratados com irradiação. Há complicações graves relacionadas com radiação que se desenvolvem meses ou anos após o tratamento [lesão tecidual tardia por radiação (LTTR)] e afetam significativamente entre 5 e 15% dos sobreviventes a longo prazo, embora a incidência varie amplamente com dose, idade e local do tratamento. A LTTR é mais comum nas regiões de cabeça e pescoço, parede torácica, mama e pelve. Patologia e evolução clínica Com o passar do tempo os tecidos sofrem deterioração progressiva caracterizada por redução na densidade dos pequenos vasos sanguíneos (vascularidade reduzida) e substituição de tecido normal por tecido fibroso denso (fibrose). Finalmente, e frequentemente desencadeado por agressão física complementar, como cirurgia ou infecção, a quantidade de oxigênio passa a ser insuficiente para manter o funcionamento normal e o tecido se torna necrótico (necrose por radiação). A LTTR pode ser fatal ou reduzir significativamente a qualidade de vida. Historicamente, a condução dessas lesões tem sido insatisfatória. O tratamento conservador geralmente se restringe ao controle de sintomas, enquanto o definitivo tradicionalmente implica cirurgia para retirada na parte afetada e reparo extensivo. A intervenção cirúrgica em campo irradiado frequentemente é desfigurante e associado a incidência crescente de cicatrização retardada, colapso de feridas operatórias ou infecção. A OHB pode atuar por diversos mecanismos para melhorar a situação, incluindo redução de edema, vasculogênese e aumento da atividade de macrófagos (Fig. e52.3). A aplicação intermitente de OHB é a única intervenção que se mostrou capaz de aumentar a densidade microvascular em tecidos irradiados. Medicina Hiperbárica e do Mergulho ■ LESÃO TECIDUAL TARDIA POR RADIAÇÃO A radioterapia é um tratamento bem estabelecido para determinados tipos de câncer. Apenas nos EUA, a cada ano aproximadamente Lista atual de indicações para oxigenoterapia CAPÍTULO e52 INDICAÇÕES PARA OXIGENOTERAPIA HIPERBÁRICA As indicações para OHB são controversas e estão em evolução. Os profissionais da área estão em posição singular. Diferentemente da maioria das especialidades, a medicina hiperbárica não lida com um conjunto de distúrbios dentro de um sistema orgânico definido (p.ex., cardiologia), nem é especializada em tratamento desenvolvido especificamente para um grupo específico de distúrbios (p.ex., radioterapia). A invasão de outros campos pelos médicos especializados em medicina hiperbárica inevitavelmente gera desconfiança nos praticantes desses campos. Ao mesmo tempo, essa terapêutica relativamente benigna, cuja prescrição e administração não requer licença médica, atrai tanto charlatães quanto proselitistas bem intencionados que apregoam benefícios do oxigênio para diversas doenças crônicas incuráveis. Essa batalha disputada em duas frentes determinou que a principal corrente de médicos especialistas em medicina hiperbárica seja cautelosa em defender sua efetividade apenas para aquelas condições nas quais haja um razoável corpo de evidências. Em 1977, a UHMS examinou de forma sistemática as alegações para uso rotineiro de OHB em mais de 100 distúrbios e encontrou evidências suficientes para indicação rotineira em apenas 12. O comitê para oxigenoterapia hiperbárica (Hyperbaric Oxygen Therapy Committee) criado por essa organização continuou a atualizar essa lista periodicamente com um sistema crescentemente formalizado de avaliação de novas indicações e evidências surgidas (Quadro e52.1). Em todo o mundo, outras organizações médicas importantes tiveram abordagem semelhante, embora as indicações variem consideravelmente – particularmente as recomendações das sociedades de medicina hiperbárica da Rússia e da China, locais onde a OHB logrou obter apoio muito mais amplo do que em EUA, Europa e Austrália. Recentemente, diversas revisões Cochrane investigaram as evidências obtidas com ensaios randomizados para diversas indicações reputadas, além de terem sido feitas tentativas para avaliar a relação custo/efetividade para uma ampla gama de indicações. O Quadro e52.2 apresenta uma síntese dessas duas abordagens e lista o custo estimado para obter resultados na saúde com o uso de OHB. Nessas estimativas não foi considerada a eventual economia obtida com estratégias alternativas de tratamento evitadas com o uso de OHB (p.ex., evitação de amputação de membro inferior em pacientes com úlcera do diabetes). Seguem-se revisões curtas sobre algumas indicações importantes aceitas pela UHMS. QUADRO e52.1 hiperbárica Evidências clínicas Normalmente o curso de OHB é formado por 30 sessões uma vez ao dia entre 2 a 2,4 ATA por 1,5 a 2 horas por sessão. Este curso frequentemente é intercalado com intervenção cirúrgica, quando necessária. Embora a OHB venha sendo usada em casos de LTTR desde 1975, a maioria dos ensaios clínicos limita-se a pequenos estudos de casos ou relatos de casos individuais. Em uma revisão semiquantitativa recente, Feldmeier e Hampson localizaram 71 relatos desse tipo envolvendo um total de 1.193 pacientes com oito questões distintas. Observou-se melhora clínica significativa na maioria dos pacientes e ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 52-3 QUADRO e52.2 Indicações para as quais há eficácia promissora para a aplicação de oxigenoterapia hiperbárica NNT (IC 95%) Custo estimado para produzir um desfecho favorável extra com IC de 95% (dólares americanos) Comentários e recomendações Diagnóstico Resultado (número de sessões) Lesão tecidual por radiação Há necessidade de mais informações sobre os subgrupos com maior probabilidade de serem beneficiados com base em gravidade da doença e tipo de tecido afetado, e sobre o tempo de duração do benefício Proctite resolvida (30) 3 22.392 2 a 11 14.928 a 82.104 Ensaio multicêntrico de grande porte em andamento 4 29.184 Com base em estudo mal relatado 2a8 14.592 a 58.368 3 29.888 2a4 14.592 a 29.184 4 29.184 2a8 14.592 a 58.368 Prevenção de ORN após extração dental (30) 4 29.184 2 a 13 14.592 a 94.848 Prevenção de deiscência (30) 5 36.480 3a8 21.888 a 58.368 Cicatrização de mandíbula (30) Cobertura mucosa em ORN (30) Fixação óssea em ORN (30) Feridas crônicas PARTE XIX PANSSI Úlcera do diabetes curada com 1 ano (30) 2 14.928 1a5 7.464 a 37.320 Úlcera do diabetes, prevenção de amputação maior (30) 4 29.856 3 a 11 22.392 a 82.104 Com base em estudo de pequeno porte. Necessidade de mais pesquisas Três estudos de pequeno porte. Necessidade de avaliação de resultados por maior período Doenças das Altas Altitudes e Doença Descompressiva 5 18.240 3 a 20 10.944 a 72.960 Alguma melhora na audição porém com significância funcional desconhecida 4 4.864 3 a 10 3648 a 12.160 6 7.296 3 a 24 3.648 a 29.184 Com base em estudo de pequeno porte. Necessidade de mais pesquisas Com base em um único estudo com poder de evidência moderado realizado nos anos 1970 Poucas evidências de que a OHB reduza a mortalidade, mas não a morbidade funcional, nos casos de lesão aguda. Não se justifica uso rotineiro. Mortalidade (15) Doença descompressivaa Com base em estudo mal relatado Necessidade de mais informações sobre subgrupos da doença e oportunidade do tratamento com maior chance de benefícios. Dado o potencial da OHB de modificar a lesão por isquemia/reperfusão, deve-se dar atenção à combinação de OHB e trombólise na condução inicial e na prevenção de re-estenose após instalação de stent. Incidência de arritmias significativas (5) Melhores resultados com radioterapia Com base em um único estudo Nenhuma evidência de benefício 2 semanas após a instalação. Há necessidade de mais pesquisas para definir o papel (se houver) da OHB no tratamento de rotina Episódio de MACE (5) Lesão cerebral traumática Com base em estudo mal relatado Há necessidade de mais informações sobre os subgrupos de gravidade ou classificação da doença com maior probabilidade de serem beneficiados, sobre o tempo de duração do benefício e sobre a dose mais adequada de oxigênio. Há necessidade de análise econômica. Melhora de 25% na audição até 2 semanas após a instalação Síndrome coronariana aguda Com base em estudo mal relatado 7 34.104 4 a 22 19.488 a 58.464 Com base em 4 estudos heterogêneos Há algumas evidências de que a OHB melhore o controle local de tumor e reduza a mortalidade para cânceres em região de cabeça e pescoço, assim como reduza a chance de recorrência local do tumor em cânceres de cabeça e pescoço e colo uterino. Câncer de cabeça e pescoço: 5 14.592 Mortalidade em 5 anos (12) 3 a 14 8.755 a 40.858 Com base em ensaios realizados nos anos 1970 e 1980. É possível que haja viés de confusão com esquemas de radioterapia fracionada Recorrência local em 1 ano (12) 5 14.592 4a8 11.674 a 23.347 Talvez não seja mais relevante para o tratamento Câncer de colo uterino: 5 24.320 Como acima Recorrência local em 2 anos (20) 4a8 09.456 a 38.912 Evidências razoáveis para resultados semelhantes com menos número de sessões de OHB quando se acrescenta AINE. Redução de 1 sessão de OHB 5 N/A 3 a 18 a Um único ensaio randomizado com suficiente poder estatístico Utilizando tenoxicam como adjunto à recompressão com oxigênio. Abreviações: IC, intervalo de confiança; OHB, oxigenoterapia hiperbárica; PANSSI, perda auditiva neurossensorial súbita idiopática; MACE, eventos adversos cardíacos maiores; N/A, não apreciável; NNT, número necessário para o tratamento; AINE, anti-inflamatório não esteroide; ORN, osteorradionecrose. Fonte: M Bennett: The evidence-basis of diving and hyperbaric medicine – a synthesis of the high level evidence with meta-analysis, http://unsworks.unsw.edu.au/vital/access/manager/Repository/ unsworks:949. 52-4 ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. em apenas 7 dos 71 relatos houve indicação de resposta insatisfatória à OHB. Em uma revisão sistemática Cochrane com metanálise foram incluídos seis ensaios clínicos randomizados publicados desde 1985 e tendo-se chegado às seguintes conclusões (para o número de sessões necessárias para o tratamento, ver a Tabela e52.2): a OHB melhorou a taxa de cura de proctite por radiação [risco relativo (RR) de cura com OHB 2,7, intervalo de confiança (IV) de 95% – 1,2 a 6] e após hemimandibulectomia e reconstrução da mandíbula (RR 1,4, IC 1,1 a 1,8); a OHB aumentou a probabilidade de se obter cobertura mucosa (RR 1,4, IC 1,2 a 1,6) e de restauração da continuidade óssea em casos de osteorradionecrose (ORN) (RR 1,4, IC 1,1 a 1,8); a OHB preveniu o desenvolvimento de ORN após extração de dente no campo irradiado (RR 1,4, IC 1,08 a 1,7); e reduziu o risco de deiscência de sutura após enxerto e retalho em cabeça e pescoço (RR 4,2, IC 1,1 a 16,8). Por outro lado não se observou evidência de benefício em casos de lesão por radiação estabelecida em plexo braquial ou de lesão cerebral. Esquema para auxiliar no uso de oximetria transcutânea para selecionar pacientes para OHB. Justifica-se o tratamento caso a região da ferida estiver em hipoxia e responder à administração de oxigênio a 1 ATA ou 2,4 ATA. Evidências clínicas O curso normal de OHB é formado por 20 a 30 sessões uma vez ao dia com 2 a 2,4 ATA por 1,5 a 2 horas em cada sessão, mas com alta dependência dos resultados clínicos. Há muitas séries de casos na literatura corroborando o uso de OHB para uma gama ampla de feridas problemáticas. Os estudos de coorte tanto retrospectivos quanto prospectivos sugerem que 6 meses após um curso de tratamento Ferida problemática encaminhada para avaliação Adequada para compressão? Não Contraindicação, doença crítica em vaso maior ou disponibilidade de alternativa cirúrgica Medicina Hiperbárica e do Mergulho Patologia e evolução clínica Por definição, as feridas crônicas têm curso indolente ou progressivo e terão resistido a um amplo conjunto de tratamentos. Conquanto haja muitos fatores contribuintes, na maioria das vezes essas feridas surgem em associação a uma ou mais comorbidades, como diabetes melito, doença venosa ou arterial periférica, ou à pressão prolongada (úlcera de decúbito). A primeira linha de tratamento tem como objetivo a correção da patologia subjacente (p.ex., reconstrução vascular, curativos compressivos, ou normalização da glicemia) e a OHB é um tratamento adjunto que pode ser acrescentado às boas práticas gerais para cuidados de ferida a fim de maximizar as chances de cicatrização. CAPÍTULO e52 ■ FERIDAS COMPLEXAS Denominamos feridas complexas qualquer ulceração cutânea que requeira longo tempo para cicatrização, que não cicatrize ou que sofra recorrência. Em geral, as feridas encaminhadas para tratamento hiperbárico são aquelas que se mantiveram a despeito das tentativas de cura por diversos outros meios. As feridas problemáticas são comuns e representam um grande problema de saúde. Estimou-se que 1% da população dos países industrializados experimentarão uma úlcera de membro inferior em algum momento. Os custos globais com o cuidado de feridas podem chegar a 25 bilhões de dólares por ano. Para a maioria das feridas indolentes a hipoxia é o principal fator contribuinte para a dificuldade de cicatrização. Muitas diretrizes para seleção de pacientes para indicação de OHB incluem a interpretação transcutânea das tensões de oxigênio ao redor da ferida com o paciente sendo ventilado com ar ambiente e com oxigênio sob pressão (Fig. e52.4). A cicatrização de feridas é um processo complexo e não totalmente esclarecido. Conquanto em sua fase aguda a cicatrização da ferida pareça ser estimulada por hipoxia, baixo pH e alta concentração de lactado encontrados inicialmente no tecido recém lesionado, alguns elementos do processo de reparação são extremamente dependentes de oxigênio, por exemplo, síntese de colágeno e deposição de fibroblastos e eliminação de bactérias por macrófagos. Nessa interação complexa entre hipoxia na ferida e oxigenação periferida, a cicatrização bem sucedida baseia-se na oxigenação adequada da região que circunda a ferida recente. Certamente, as feridas que ocorrem em tecidos hipoxêmicos são as que apresentam menor taxa de cicatrização adequada. Algumas causas de hipoxia tecidual serão revertidas com o uso de OHB, enquanto outras, não (p.ex., quando há doença grave em um grande vaso). Para determinar se a hipoxia tecidual pode ser sobrepujada com o uso de alta pressão de oxigênio no sangue arterial, mede-se a pressão parcial de oxigênio tecidual usando um eletrodo implantável ou, mais comumente, um eletrodo transcutâneo de Clarke modificado. A chegada intermitente de oxigênio a esses tecidos em hipoxia facilita a retomada da cicatrização (Fig. e52.3). Como discutimos anteriormente essas exposições breves a altas tensões de oxigênio têm efeitos prolongados (no mínimo por 24 horas) sobre uma ampla gama de processos cicatriciais. O resultado é a melhora gradual na tensão de oxigênio ao redor da ferida que, em estudos experimentais, atinge o platô ao redor de 20 sessões de tratamento ao longo de 4 semanas. A melhora na oxigenação está associada a aumento de 8 a 9 vezes na densidade vascular em comparação com os controles tratados com oxigênio normobárico e ventilando com ar ambiente. Sim Mapeamento transcutâneo da ferida com ar ambiente Não há hipoxia (TtcO2 > 40 mm Hg) PtcO2 < 40 mm Hg* PtcO2 > 100 mm Hg Mapeamento transcutâneo com oxigênio a 100% e 1 ATA PtcO2 sem resposta < 35 mm Hg OHB provavelmente não será efetiva PtcO2 35 a 100 mm Hg Indicação de OHB PtcO2 > 200 mm Hg Mapeamento transcutâneo com oxigênio a 100% e 2,4 ATA PtcO2 < 100 mm Hg PtcO2 > 100 mm Hg mas < 200 mm Hg OHB indicado com base em estudo de caso. Considerar alternativas Figura e52.4 Adequabilidade da oxigenoterapia hiperbárica (OHB) determinada por oximetria transcutânea ao redor da ferida. * Em diabéticos < 50 mmHg talvez seja mais apropriado. PtcO2 pressão de oxigênio transcutânea. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 52-5 cerca de 70% das úlceras indolentes estarão curadas ou próximas disso. Frequentemente essas úlceras estão presentes há muitos meses ou anos, sugerindo que a aplicação de OHB tenha efeito profundo, seja primariamente ou como facilitadora de outras estratégias. Em uma revisão Cochrane foram incluídos cinco ensaios randomizados e controlados (ERC) e concluiu-se que a OHB reduz a taxa de grandes amputações em indivíduos com úlceras crônicas de pé causadas por diabetes [a RR de amputação com OHB foi de 0,31 (95% de IC, 0,13 a 0,71) com indicação de que o número de OHB necessárias para evitar uma amputação maior seja 4 (95% de IC, 3 a 11]. Os dados sobre cicatrização de feridas originados de ensaios randomizados são parcos. Em apenas um ensaio de pequeno porte relatou-se resultados como os descritos e embora fosse possível observar uma tendência a melhor evolução com OHB o resultado final não foi estatisticamente convincente (78% cicatrizadas com OHB contra 44% com simulacro). PARTE XIX ■ INTOXICAÇÃO POR MOXÓXIDO DE CARBONO O monóxido de carbono (CO) é um gás incolor, inodoro formado durante a combustão incompleta de hidrocarboneto. Embora o CO seja um neurotransmissor endógeno essencial ligado ao metabolismo e à ativação do NO, também é a principal causa de morte por envenenamento e, apenas nos EUA, resulta em mais de 50.000 consultas por ano em serviços de emergência e em cerca de 2.000 mortes. Conquanto haja variação ampla entre países, cerca de metade das exposições não letais são autoinfligidas. O envenenamento acidental comumente está associado a problemas na instalação de aquecedores, lareiras e à exposição industrial. Os veículos automotores são destacadamente a fonte mais comum de envenenamento intencional. Doenças das Altas Altitudes e Doença Descompressiva Patologia e evolução clínica A fisiopatologia da exposição ao monóxido de carbono não está totalmente esclarecida. O CO liga-se à hemoglobina com afinidade mais de 200 vezes superior à do oxigênio e isso não apenas reduz diretamente a capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue, como ainda promove hipoxia tecidual deslocando a curva de dissociação da oxiemoglobina à esquerda. O CO é também um agente anestésico capaz de inibir a resposta evocada e, em experimentos com animais, mostrou-se capaz de produzir narcose dose-dependente. Nos casos de envenenamento grave a perda de patência das vias respiratórias associada à redução na capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue pode levar morte por hipoxia arterial aguda. O CO também pode causar lesão por outros mecanismos, incluindo interrupção direta dos processos oxidativos celulares, ligação à mioglobina e aos citocromos celulares e peroxidação de lipídios cerebrais. O encéfalo e o coração são os órgãos-alvo mais sensíveis em razão de seus alto fluxo sanguíneo, baixa tolerância à hipoxia e grande necessidade de oxigênio. As exposições menores podem ser assintomáticas ou o paciente se apresenta com sintomas constitucionais vagos como cefaleia, letargia e náusea, enquanto aqueles submetidos a doses maiores podem se apresentar com redução na concentração e déficit cognitivo, perda de memória de curto prazo, confusão mental, convulsão e perda de consciência. Embora a dosagem de carboxiemoglobina (COHb) à admissão não necessariamente reflita a gravidade do quadro ou o prognóstico do envenenamento por CO, a parada cardiorrespiratória implica prognóstico muito sombrio. A longo prazo, os sobreviventes comumente apresentam sequelas neuropsicológicas que podem surgir dias ou meses após o episódio. Distúrbios motores, neuropatia periférica, disacusia, alterações vestibulares, demência e psicose foram todos relatados. Dentre os fatores de risco para desfechos desfavoráveis estão idade > 35 anos, exposição por > 24 horas, acidose e perda de consciência. Evidências clínicas O tratamento típico com OHB consiste em duas a três sessões de compressão com 1,5 a 2 horas de duração e 2 a 2,4 ATA. É frequente que as duas compressões iniciais sejam administradas nas primeiras 24 horas da exposição. A intoxicação por CO é uma das indicações mais antigas para OHB – com base principalmente na conexão óbvia 52-6 entre exposição, hipoxia tecidual e capacidade da OHB de rapidamente sobrepujar a hipoxemia. O CO é eliminado rapidamente pelos pulmões quando se aplica OHB, com meia-vida de 21 minutos com 2,0 ATA contra 5,5 horas respirando ar ambiente e 71 minutos ventilando com oxigênio na pressão atmosférica. Na prática, entretanto, parece improvável que a OHB possa ser administrada a tempo de evitar morte por hipoxia aguda ou lesão cerebral global irreversível por hipoxia. Se a OHB é benéfica nos casos de envenenamento por CO, ela deve ser capaz de reduzir a probabilidade de déficit neurocognitivo persistente e/ou tardio por outro mecanismo além da simples reversão da hipoxia arterial causada por alta concentração de COHb. A dificuldade para avaliar de forma acurada o déficit cognitivo foi uma das primeiras fontes de controvérsia sobre as evidências clínicas nesse campo. Até o momento foram realizados seis ensaios randomizados e controlados sobre OHB para tratamento de envenenamento por CO, embora apenas quatro tenham sido publicados integralmente. Embora uma revisão Cochrane tenha sugerido que no total os dados disponíveis são insuficientes para confirmar efeito benéfico da OHB sobre a chance de déficit neurocognitivo persistente após envenenamento por CO [34% dos pacientes tratados com oxigênio a 1 atmosfera contra 29% daqueles tratados com OHB, razão de chance (RC) 0,78; IC de 95% 0,54 s 1,1], tais resultados provavelmente estão mais ligados a relatos mal feitos e seguimento inadequado do que a evidências contrárias à efetividade da OHB. A interpretação dos dados da literatura tem muito a ver com o rigor com que se define déficit cognitivo. No ensaio metodologicamente mais rigoroso dentre esses estudos (Weaver e colaboradores), empregou-se uma bateria de testes neuropsicológicos validados administrada por profissional e definição final com base no desvio do escore individual para os valores normais ajustados para a idade; se o paciente se queixasse de dificuldades em memória, concentração ou atenção, a diferença exigida era reduzida. Usando essa abordagem, 6 semanas após o envenenamento, 46% dos pacientes tratados apenas com oxigênio normobárico apresentaram sequelas cognitivas contra 25% daqueles que receberam OHB [p = 0,007, número (de sessões) necessárias ao tratamento (NNT) 5, IC de 95% 3 a 16]. Ao final de 12 meses as diferenças mantiveram-se significativas (32% contra 18%, p = 0,04, NNT 7, IC de 95% 4 a 124) a despeito de perda considerável no seguimento. Com base nesses dados a OHB continua sendo amplamente defendida como tratamento rotineiro em casos de envenenamento moderado a grave –particularmente naqueles pacientes com mais de 35 anos que se apresentem com acidose metabólica à gasometria arterial, expostos por longos períodos ou com história de perda da consciência. MEDICINA DO MERGULHO ■ INTRODUÇÃO O mergulho subaquático é uma atividade recreativa comum e um meio de subsistência para diversas tarefas desde construções subaquáticas até operações militares. Trata-se de atividade complexa com perigos específicos e complicações médicas associadas principalmente às consequências das mudanças dramáticas de pressão ao submergir e ao emergir por uma coluna de água. A cada 10,13 m de profundidade no mar, a pressão ambiental (Pamb) aumenta em 1 atmosfera padrão (101,3 kPa) de forma que um mergulhador a 20 m de profundidade estará exposto a uma Pamb de aproximadamente 3 atmosferas absolutas (ATA): 1 atm pela pressão atmosférica na superfície e 2 atm geradas pela coluna de água. ■ EQUIPAMENTO DE MERGULHO A maioria dos mergulhos é realizada utilizando aparelhagem para respiração autônoma subaquática formada por um ou mais cilindros de gás comprimido conectados a um regulador redutor de pressão e a uma válvula de demanda ativada por esforço inspiratório. Dentre as fontes alternativas de gás comprimido há os “recicladores” (“rebreathers”) que são circuitos fechados ou semifechados com eliminador de dióxido de carbono e sistemas externos de suprimento (via mangueiras ligadas à superfície), comuns nas atividades profissionais. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Todos esses sistemas devem suprir o mergulhador com gases na Pamb ou a inspiração contra a pressão da água ao redor seria impossível. Na maioria dos mergulhos recreativos o gás fornecido é ar puro. Raramente utiliza-se oxigênio puro considerando a possibilidade de causar convulsão com PO2 inspirada acima de 1,6 ATA em ambiente aquático, o que limitaria o mergulho seguro à profundidade de 6 m. Pelo mesmo motivo, mergulhos muito profundos requer o uso de frações de oxigênio < 0,21 (a 66 m, o ar contém 1,6 ATA de oxigênio). Para os mergulhos em grandes profundidades o ar oferecido frequentemente contém hélio ao invés de nitrogênio para reduzir tanto o efeito narcótico quanto a densidade do ar inspirado resultante da inspiração de nitrogênio sob alta pressão. Portanto, assim como ocorre com a OHB, os problemas médicos associados a mergulhos podem advir das mudanças pressóricas ou das propriedades do próprio gás respirado. A discussão que se segue será limitada a considerações sobre os barotraumas comuns ou significativos e DCS, embora diversos outros problemas sejam relevantes incluindo aspiração de água salgada, envenenamento marinho e síndrome neurológica de alta pressão (SNAP). ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Medicina Hiperbárica e do Mergulho ■ DOENÇA DESCOMPRESSIVA A DCS é causada por formação de bolhas de gás inerte dissolvido (geralmente nitrogênio) durante ou após a subida (descompressão) após mergulho com gás comprimido. A formação de bolhas também é possível após descompressão em atividade extraveicular durante viagem espacial e quando se atingem altitudes extremas em aeronaves não pressurizadas. Nesses últimos cenários a DCS provavelmente é rara em comparação com o mergulho, quando a incidência é de 1:10.000 mergulhos recreacionais. A respiração em Pamb elevada resulta em maior absorção de gás inerte pelo sangue e dele para os tecidos. A taxa com que o gás inerte tecidual se equilibra com a pressão do gás inerte inspirado é diretamente proporcional ao fluxo sanguíneo no tecido a ao coeficiente de partição sangue-tecido para o gás em questão, e inversamente proporcional ao volume do tecido. Fatores semelhantes determinam a cinética da eliminação do gás inerte durante a subida do mergulho. Se a velocidade de eliminação do gás dos tecidos não corresponder à queda na Pamb, a soma das pressões do gás dissolvido nos tecidos excederá a Pamb, condição denominada “supersaturação”. Este é o pré-requisito para a formação de bolhas durante a descompressão, embora outros fatores mal compreendidos estejam envolvidos. Mergulhos mais profundos e duradouros resultam em maior absorção de gás inerte e maior probabilidade de supersaturação tecidual durante a subida. Os mergulhadores controlam sua emersão em função da profundidade atingida e do tempo de mergulho, utilizando um algoritmo que frequentemente inclui períodos pré-determinados de interrupção da emersão a diferentes profundidades para dar tempo para a eliminação do gás (“paradas para descompressão”). Enquanto o descumprimento desses protocolos aumenta o risco de DCS a aderência a eles não é garantia de prevenção. A possibilidade de DCS deve ser considerada em qualquer mergulhador que manifeste sintomas não imediatamente explicáveis por algum mecanismo alternativo. As bolhas podem se formar nos próprios tecidos onde causam sintomas por distúrbio mecânico de estruturas com sensibilidade dolorosa ou funcionalmente importantes. Também surgem na circulação venosa à medida que o sangue drena tecidos supersaturados. Algumas bolhas venosas podem ser toleradas sem sintomas e são eficientemente filtradas da circulação nos capilares pulmonares. Em maior número essas bolhas são capazes de desencadear as cascatas de inflamação e de coagulação, produzir lesão endotelial, ativar elementos sanguíneos como as plaquetas e causar obstrução vascular pulmonar sintomática. Além disso, se houver shunt direito-esquerdo [como forame oval patente (FOP)] as bolhas venosas podem entrar na circulação arterial (25% dos adultos apresentam FOP). O risco de manifestações cerebrais, medulares, na orelha média e cutâneas parece ser maior na presença de shunt significativo, sugerindo que essas bolhas venosas “arterializadas” possam causar danos, talvez interrompendo o fluxo na microcirculação de órgãos-alvo. A Quadro e52.3 lista as manifestações de DCS agrupadas de acordo com o sistema orgânico. A maioria dos casos se apresenta com sintomas leves incluindo dor musculoesquelética, fadiga e manifestações neurológicas menores como parestesia em placa. As apresentações com quadros graves são mais raras. De qualquer forma, as manifestações cardiovasculares podem ser letais e o envolvimento CAPÍTULO e52 ■ BAROTRAUMA (VER TAMBÉM “EFEITOS ADVERSOS DO TRATAMENTO”) As dificuldades para equalizar a pressão na orelha média são amplificadas sob a água em razão da rapidez com que as pressões se alteram à medida que o mergulhador desce ou sobe. A incapacidade de insuflar periodicamente o espaço na orelha média via tuba auditiva durante a descida resulta em dor crescente. À medida que a Pamb aumenta a membrana timpânica (MT) pode sofrer contusão ou mesmo ruptura ao ser empurrada para dentro. A pressão negativa na orelha média resulta em ingurgitamento dos vasos sanguíneos da mucosa levando a derrame ou sangramento, o que pode estar associado a disacusia condutiva. O barotrauma de orelha média é muito menos comum durante a ascensão porque o gás em expansão na orelha média tende a abrir a tuba auditiva fácil e “automaticamente”. O barotrauma também pode atingir os seios da face, embora os óstios sinusais geralmente sejam amplamente patentes e permitam equalização automática da pressão sem necessidade de manobras específicas. Quando não há equalização a dor geralmente resulta em suspensão do mergulho. A dificuldade para equalizar orelha ou seios da face talvez responda ao uso de descongestionantes orais ou nasais. Com frequência muito menor a orelha interna sofre barotrauma. Várias explicações foram propostas, das quais a mais aceita sustenta que as tentativas de insuflar a força o espaço da orelha média durante a fase de descida do mergulho transmite subitamente pressão para a perilinfa via aqueduto coclear e ruptura da janela redonda. O médico é alertado para a possibilidade de barotrauma de orelha interna após mergulho quando há perda auditiva neurossensorial ou vertigem verdadeira (frequentemente acompanhada por náusea, vômitos, nistagmo e ataxia). Essas manifestações também podem ocorrer na DCS vestibulococlear (ver adiante), mas jamais devem ser atribuídas a barotrauma de orelha média. Recomenda-se consulta imediata a um especialista em mergulho e encaminhamento urgente a otorrinolaringologista. Os pulmões também são vulneráveis a barotrauma, mas o maior risco ocorre durante a subida do mergulho. Se o gás em expansão ficar preso nos pulmões à medida que a Pamb cai é possível haver ruptura de alvéolos e do tecido vascular associado. A retenção de gás ocorre se os mergulhadores de forma intencional ou involuntária prendem a respiração durante a subida ou se houver bolhas nos pulmões. A extensão com que a asma predispõe à ocorrência de barotrauma é motivo de debate, mas a presença de broncoconstrição ativa deve aumentar o risco. Os asmáticos que requerem medicamentos broncodilatadores regularmente são desencorajados a mergulhar por esse motivo. Embora as possíveis consequências do barotrauma pulmonar sejam pneumotórax e enfisema mediastinal, a mais temida é a entrada de gás em veias pulmonares levando a embolia gasosa cerebral (CAGE). Dentre as manifestações de CAGE estão perda de consciência, confusão, hemiplegia e distúrbios da fala e da visão surgidas imediatamente ou no prazo de minutos após a chegada à super- fície. A condução é a mesma descrita para a DCS adiante. É notável que a história natural de CAGE frequentemente inclua a resolução substancial ou total dos sintomas logo após o evento. Provavelmente trata-se do correlato clínico da involução e redistribuição das bolhas com consequente restauração do fluxo. Os pacientes que apresentam essas remissões ainda devem ser reavaliados por especialista em medicina do mergulho uma vez que é possível haver deterioração secundária ou re-embolização. Não é surpreendente que esses eventos sejam equivocadamente diagnosticados como AVE ou ataques isquêmicos transitórios (AIT) quando o paciente é examinado por pessoal não familiarizado com medicina do mergulho. Todos os pacientes que se apresentem com sintomas neurológicos após a prática de mergulho devem ter seus sintomas avaliados por especialista em medicina do mergulho para possível indicação de terapia de recompressão. 52-7 QUADRO e52.3 Manifestações da doença descompressiva Sistemas Manifestações Musculoesquelético Dor no membro Nervoso Cerebrais Confusão Distúrbios da visão Distúrbios da fala Medulares Fraqueza muscular Paralisia Sinais do neurônio motor superior Disfunção vesical e esfincteriana Distúrbios sensitivos no dermátomo Dor abdominal Dor na cintura Vestibulococleares Perda auditiva Vertigem e ataxia Náusea e vômitos Periférico Pulmonares Distúrbio sensitivo em placa sem respeitar dermátomo Tosse PARTE XIX Dispneia Edema pulmonar (raro) Cardiovasculares Dor torácica Arritmia Hemoconcentração Coagulopatia Hipotensão Doenças das Altas Altitudes e Doença Descompressiva 52-8 Cutâneos Exantema, prurido Linfáticos Edema de partes moles, relativamente localizado Constitucionais Fadiga e mal estar medular frequentemente resulta em incapacidade permanente. A latência é variável. A DCS grave geralmente se instala minutos após a chegada na superfície, mas manifestações leves podem levar algumas horas. Os sintomas surgidos mais de 24 horas após o mergulho raramente podem ser explicados por DCS. O quadro de apresentação pode ser confuso e inespecífico e não há exames diagnósticos úteis. O diagnóstico é feito com base em integração dos achados sobre o perfil do mergulho, natureza e relação temporal dos sintomas e exame clínico. Alguns quadros de DCS podem ser difíceis de distinguir de CAGE após barotrauma pulmonar, mas tal distinção não é importante considerando que os primeiros socorros e o tratamento definitivo são os mesmos para ambas as condições. TRATAMENTO Medicina do mergulho ou subaquática O primeiro atendimento deve incluir posicionamento horizontal para reduzir a entrada preferencial das bolhas na circulação cerebral (especialmente se houver suspeita de CAGE), reposição hídrica intravenosa, se disponível, e administração de oxigênio a 100%. Esta última medida acelera a eliminação dos gases inertes dos tecidos e promove a resolução das bolhas. O tratamento definitivo de DCS ou CAGE com recompressão e oxigênio hiperbárico justifica-se na maior parte dos casos, embora alguns casos muito leves ou periféricos de DCS possam ser tratados apenas com as estratégias de primeiro atendimento se a transferência for difícil ou perigosa. Para a transferência deve-se evitar estresse descompressivo adicional e, para distâncias maiores, geralmente se utiliza um helicóptero com voo em baixa altitude ou avião ambulância com pressurização fixa em 1 ATA. A recompressão reduz o volume das bolhas de acordo com a lei de Boyle e aumenta a diferença entre a pressão parcial do gás inerte na bolha e nos tecidos circundantes. Ao mesmo tempo, a administração de oxigênio aumenta muito a diferença na pressão parcial do gs inerte entre alvéolos e tecidos. O efeito combinado é redução significativa na velocidade de difusão do gás inerte a partir das bolhas. O oxigênio hiperbárico ajuda a oxigenar tecidos comprometidos e parece minorar alguns dos efeitos pró-inflamatórios das bolhas (Fig. e52.3). É provável que quanto mais cedo for feita a recompressão melhores serão os resultados, especialmente nos casos mais graves de DCS. Diversos protocolos de recompressão foram apresentados, mas não há dados que definam a abordagem ideal. Normalmente a recompressão se inicia com oxigênio administrado a 2,8 ATA, a pressão máxima para que o risco de toxicidade do oxigênio se mantenha em padrão aceitável em uma câmara hiperbárica, seguindo-se descompressão gradual em períodos variáveis com ajuste em função da resposta clínica. O algoritmo mais usado é o U.S Navy Treatment Table 6, cujo menor formato dura 4 horas e 45 minutos. Com frequência essa sessão inicial é seguida por OHB por menores períodos enquanto persistirem sintomas que pareçam responder ao tratamento. Como adjuntos à recompressão utilizam-se reposição hídrica e outros cuidados de suporte que se façam necessários. Com a recuperação total em geral é possível retomar as atividades de mergulho após período de repouso de pelo menos 1 mês. Se houver sintomas residuais, devem-se desencorajar novos mergulhos. Se houver suspeita de CAGE secundária a barotrauma pulmonar, é necessário investigar se há predisposição pulmonar a outros episódios. Há indicação para investigar a presença de FOP após DCS cerebral, medular, de orelha interna ou cutânea, especialmente se o episódio tiver ocorrido a despeito de aderência estrita aos algoritmos de planejamento do mergulho. Não se justifica rastreamento para FOP de todos os candidatos a mergulho considerando a alta prevalência de FOP e a baixa incidência de DCS significativa. A DCS é uma condição variável e potencialmente complexa com muitas possibilidades de erro para diagnóstico e tratamento. Recomenda-se enfaticamente aos médicos sem capacitação para medicina do mergulho, que ao se depararem com um paciente que não esteja bem após mergulho, mesmo apresentando sintomas aparentemente leves, façam contato com equipe capacitada para diagnosticar e tratar precocemente o problema. BIBLIOGRAFIA Bennett MH et al: Hyperbaric oxygen therapy for late radiation tissue injury. 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