1 Insper Instituto de Ensino e Pesquisa Faculdade de Economia e Administração Willy Gregory Campos Alves MONOGRAFIA CRISE EUROPÉIA: QUESTÕES INSTITUCIONAIS E CULTURAIS DA ALEMANHA São Paulo 2013 2 Willy Gregory Campos Alves CRISE EUROPÉIA: QUESTÕES INSTITUCIONAIS E CULTURAIS DA ALEMANHA Monografia apresentada ao curso de Ciências Econômicas, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Furtado de Melo – Insper São Paulo 2013 3 Campos Alves, Willy Gregory Crise Européia: Questões Institucionais e Culturais de Alemanha e Grécia. – São Paulo: Insper, 2013. 63 f. Monografia: Faculdade de Economia e Administração. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Furtado de Melo 1.Crise econômica 2. Cultura 3. Instituições 4 Willy Gregory Campos Alves CRISE EUROPÉIA: QUESTÕES INSTITUCIONAIS E CULTURAIS DA ALEMANHA Monografia apresentada à Faculdade de Economia do Insper, como parte dos requisitos para conclusão do curso de graduação em Economia. Aprovado em Maio de 2013 EXAMINADORES ___________________________________________________________________ ________ Prof. Dr. Carlos Alberto Furtado de Melo Orientador ___________________________________________________________________ ________ Prof. Dr. Fernando Ribeiro Leite Neto Examinador Prof. Dr. Vinícius De Bragança Müller e Oliveira Examinador(a) 5 Agradecimentos Agradeço, em primeiro lugar, aos meus pais, pelo apoio e paciência. Aos meus colegas de faculdade que tornaram o caminho menos árduo. Ao professor Carlos Mello por me orientar e ser uma luz em meu caminho durante toda a graduação. Ao meu amigo Ricardo Borges, sem ele talvez minha curiosidade para com o desconhecido seria menor. Agradeço especialmente a minha irmã Stephany Campos Alves que me fortalece todos os dias. 6 Dedicatória A minha irmã, pois sem ela eu não teria me tornado a pessoa que hoje sou. 7 " Há a história de dois ursos que caíram numa armadilha e foram levados para um circo. Um deles, com certeza mais inteligente que o outro, aprendeu logo a se equilibrar na bola e a andar de monociclo, e seu retrato começou a aparecer em cartazes e todo o mundo batia palmas: “Como é inteligente”. O outro, burro, ficava amuado num canto e, por mais que o treinador fizesse promessas e ameaças, não dava sinais de entender. Chamaram o psicólogo do circo e o diagnóstico veio rápido: “É inútil insistir. O Q.I. é muito baixo...” Ficou abandonado num canto, sem retratos nem aplausos, urso burro, sem serventia... O tempo passou. Veio a crise econômica e o circo foi à falência. Concluíram que a coisa mais caridosa que se poderia fazer aos animais era devolvê-los às florestas de onde haviam sido tirados. E, assim, os dois ursos fizeram a longa viagem de volta. Estranho que em meio à viagem o urso tido por burro parece ter acordado da letargia, como se ele estivesse reconhecendo lugares velhos, odores familiares, enquanto que seu amigo de Q.I. alto brincava tristemente com a bola, último presente. Finalmente, chegaram e foram soltos. O urso burro sorriu, com aquele sorriso que os ursos entendem, deu um urro de prazer e abraçou aquele mundo lindo de que nunca se esquecera. O urso inteligente subiu na sua bola e começou o número que tão bem sabia. Era só o que sabia fazer. Foi então que ele entendeu, em meio às memórias de gritos de crianças, cheiro de pipoca, música de banda, saltos de trapezistas e peixes mortos servidos na boca, que há uma inteligência que é boa pro circo. O problema é que ela não presta para viver.” (Rubem Alves) 8 Resumo ALVES, Willy Gregory Campos. Crise Européia: Questões institucionais e culturais de Alemanha e Grécia. São Paulo, 2013. 67p. Monografia – Faculdade de Economia e Administração. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. No início de 2010 uma crise econômica assolou a Europa, a fragilidade da união entre os países da zona do Euro foi escancarada. Durante a crise as soluções macroeconômicas para ela foram apresentadas, mas com pouco sucesso em suas implementações. Para explicar os porquês de isso ocorrer, invoca-se o economista ganhador do prêmio Nobel Douglass North e sua teoria institucional. Para que uma política econômica seja implantada com sucesso, se faz necessária uma matriz institucional sólida que favoreça a eficiência. Aprofundando-se na questão sabe-se que os valores, a cultura darão os ditames das regras do jogo, das instituições. Dois países ocuparam posições opostas durante a crise, são eles Alemanha e Grécia, com austeridade fiscal e descontrole fiscal respectivamente. Assim sendo, este trabalho pretende criar, a partir da teoria do sociólogo Max Weber, o tipo ideal Alemão e comparar o seu comportamento ao dos gregos. A partir do tipo ideal será construída a matriz institucional e dela se chegará ao discorrer econômico. Palavras-chave: economia, crise, eficiência, Grécia, Alemanha, Instituições, cultura, valores 9 Abstract ALVES, Willy Gregory Campos. European Crisis: Institutional and Cultural Subejects of Germany and Greece. São Paulo, 2013. 67p. Monograph – Faculdade de Economia e Administração. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. On the beginning of 2010 an economic crisis hits Europe; the fragility of the union between the countries of the Eurozone was exposed. Macroeconomic solutions were presented during the crisis, but none was very successful on their implementation. To explain the whys, it´s going to be used the institutional theory of the Nobel prize winner and economist Douglass North. To a successful economic development there is a pre-requisite, a solid and efficient institutional matrix. Getting deeper in the discussion there is an idea that tells that the values, the culture guides the rules of the game, the institutions. Two countries occupied opposite positions in the economic crisis, they are Germany and Greece, with fiscal austerity and lack of fiscal control respectively. Considering that, this work intend to create, having the sociologist Max Weber theory in mind, the German ideal type and then compare their behavior with the greek one. Using the ideal type conclusions the institutional matrix will be built, then the economic development will be explained. Keywords: economy, crisis, efficiency, Greece, Germany, institutions, culture, values 10 Sumário 1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 2 Análise Macroeconômica . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.1 Passo a passo da Análise Macroeconômica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.2 Mercado de Ativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15 2.3 Taxa de Juros Real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 2.4 A Equação de Irving Fisher . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 2.5 Limitações do Mercado de Ativos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 2.6 O Diagrama de Swann. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20 2.7 Explicação Geral do caso Grécia e Alemanha. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22 2.8 Diferenças Econômicas Gerais entre Alemanha e Grécia. . . . . . . . . . . . . . . 27 2.9 Diagrama de Swann para Grécia e Alemanha. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 3 Douglas North e as Instituições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33 3.1 Instituições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 3.1.1 Matriz Institucional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 4 Max Weber e a Cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37 4.1 O Tipo Ideal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37 4.1.1 O Tipo Idea Alemão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .38 4.2 Norbert Elias e o Processo Civilizador. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 4.2.1 Noções Gerais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 4.2.2 Compreendendo o Sujeito do Kultur. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 4.2.3 Explorando a Antítese Kultur X Zivilization. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 4.2.4 A Mudança do Cenário alemão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .48 4.2.5 Costumes Alemães . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49 4.3 A Alemanha e seu medo da Inflação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 4.4 Definindo o Alemão Tìpico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 5 Noções Sobre as Instituições Gregas e Alemãs. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 5.3 Índices comparativos para Alemanha e Grécia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 6 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 11 1-Introdução Em uma faculdade qualquer um professor questiona-se a si mesmo e aos alunos. Porque a austeridade fiscal tarda tanto a ter efeito? Acreditei que iria funcionar, porque não funciona?1 No começo do século XX o economista britânico William Stanley Jevons propôs a matematização da economia2, o que hoje é ainda muito acatado e utilizado, esse viés pode alienar a economia que é por origem uma ciência social. O professor “questionador” sabia que a solução para a crise estava matematicamente explicada, mas o não funcionamento da teoria na prática o perturbava, afinal o que os modelos matemáticos não estavam conseguindo captar? Este trabalho considerará a possibilidade de que a matematização proposta por Jevons pode ter feito com que o estudo social da economia tenha sido relativamente marginalizado, que as instituições são extremamente relevantes para a explanação da crise econômica europeia, certamente o viés do citado professor fictício não permitiu que ele enxergasse isso. A primeira parte do trabalho vislumbrará a teoria macroeconômica, ela será, tanto quanto possível, cuidadosamente explicada e as soluções matemáticas para a crise econômica europeia apresentadas. Feito isso, surgirá uma interrogação, se a solução está em mãos, porque ela não é posta em prática? Para responder a essa pergunta serão invocados o sociólogo Max Weber e o economista Douglass North, os dois nos oferecerão visões humanísticas da economia, ajudando a dar resposta ao questionamento do professor e a explicitar claramente as limitações do uso puro da matemática na economia. Um dia propuseram que a Economia se tornasse como a Física, exata e prática. Mas será que isso é possível? Pode uma ciência social ser simplificada de maneira tão eficiente? O caso desta monografia mostrará um exemplo claro em que as respostas para essas duas perguntas é não. Aqui tentará se conectar a análise humanística da economia com a realidade. Ao se mostrar que isso é possível, o leitor pode passar a utilizá-la em seu dia a dia. Com uma análise econômica mais minuciosa pode se chegar aos questionamentos filosóficos mais importantes da economia, como por exemplo, o que é o bem estar? O objetivo desta monografia é conseguir que o leitor consiga observar a “economia além da conjuntura”3, que ele comece a se aventurar em discutir os porquês do ponto de vista filosófico e sociológico. A economia pode até avançar como instrumento, mas são pensadores como Adam Smith defendendo a liberalização econômica, Keynes tentando olhar para tudo e criando modelos, entre outros que vão além do instrumento e discutem a economia do ponto de vista 1 FRANCE PRESSE, BRUXELAS “A zona do euro dará um ultimato à Grécia na reunião do Eurogrupo (os ministros das Finanças do bloco) desta segunda-feira e pedirá ao país para que confirme o cumprimento de seu programa de ajustes, ou aceite sua saída da união monetária.” 2 O economista Irving Fisher descreveu o livro de Jevons “A General Mathematical Theory of Political Economy (1862)” como o início dos métodos matemáticos na economia. 3 “Voltou-se, então, para uma área da economia que discute se crescimento e riqueza levam à felicidade e ao bem-estar. Depois da crise internacional de 2008, diz Lara Resende, a economia voltou a ser “interessante”. Seus interesses se ampliaram para meio ambiente, filosofia, psicanálise.” 12 filosófico que fazem avanços realmente relevantes e se perpetuam. Se o economista não enxergar o todo, suas contribuições serão sempre muito restritas. Logo após a apresentação da teoria macroeconômica, a teoria institucional de Douglass North será demonstrada, o objetivo é o de começar o questionamento humanístico por sobre a matemática. Por conseguinte, se observará como as instituições funcionam como base e estimulador do desenvolver econômico, como as qualidades das instituições influenciam no discorrer da economia. As instituições não surgem do nada, ao se aprofundar na questão veremos que elas são decorrência da cultura, neste momento Max Weber é indicado para nos dar clareza. Se conectarão valores, instituições e macroeconomia, isso, tentando expor uma visão humanística mais abrangente da economia. Com a teoria do Tipo ideal de Weber será construído o homem social4 Alemão e suas atitudes serão comparadas a dos gregos, a partir disso as regras do jogo serão melhor compreendidas e previsões quanto as ações das organizações poderão ser realizadas com maior precisão. E importante que nos atenhamos ao caso específico dessa monografia, que é analisar e explicar a crise econômica europeia. Depois disso pode-se até se criar paralelos, mas para isso é necessário que se comprovem as teorias aqui expostas. Douglass North ao falar das instituições relaxa uma premissa básica da economia clássica, a de informação completa5. Assim sendo, as análises econômicas passam a ser menos simplificadas e mais próximas da realidade. Teoria e prática melhor coexistem. A economia não é uma ciência rígida como a física, mas também não é flexível como a sociologia. A matemática não precisa estar presente na sociologia, mas como instrumento é essencial para a economia. Os questionamentos sociais não precisam estar presentes na física, mas na economia eles são necessários. O ponto é que a economia é versátil o suficiente para sobreviver em um plano que flutua entre as ciências humanas e exatas6. Este trabalho misturará os dois conceitos mostrando ao leitor as suas dadas utilidades, saber navegar nos dois mares é ser capitão onde quase ninguém o é. 4 Durkheim descreve o ser social que vai tornando-se homem ao viver em sociedade: “, o homem não é humano senão porque vive em sociedade. É difícil, numa só lição, demonstrar com rigor esta proposição tão geral e tão importante, resumo dos trabalhos da sociologia contemporânea. Mas posso afirmar que essa proposição é cada vez menos contestada. 5 C.NORTH, Douglass. THE NEW INSTITUTIONAL ECONOMICS AND DEVELOPMENT. “In fact, we have incomplete information and limited mental capacity by which to process information. Human beings, in consequence, impose constraints on human interaction in order to structure exchange. There is no implication that the consequente institutions are efficient. In such a world ideas and ideologies play a major role in choices and transaction costs result in imperfect markets.” 6 DELFIM NETTO, Antônio. A FOLHAS DE SÃO PAULO (21/03/2012). Delfim expõe a flexibilidade da economia, mas ao mesmo tempo coloca regras mais firmes para ela mostrando como a economia navega entre exatas e humanas “A economia não é uma ciência "dura" como a física, por exemplo... Nas últimas semanas, corrigiu-se um erro de estimativa de 60 milionésimos de segundo na velocidade dos neutrinos, enquanto, no Brasil, discutíamos, sem conclusão, se a "taxa de juros neutra" (mais difícil de detectar do que o neutrino) é alguma coisa entre 4,5 % e 6 %!... A economia esconde uma verdade essencial às vezes não percebida, mas que comparece inexoravelmente na hora da prestação de contas.” 13 A pergunta do professor fictício será respondida com a utilização da análise humanística. Esse trabalho tem a pretensão de que o leitor comece também a se questionar e a responder com questionamentos filosóficos as questões de muitos professores e alunos enviesados pelo instrumento matemático. Para analisar essa versatilidade da economia será invocado o livro “Os Limites do Possível: A Economia além da Conjuntura” do economista André Lara Resende. Nesse livro ele une diversas situações em que a teoria econômica ortodoxa não se basta, a partir disso, a ideia contemporânea de economia é questionada. Essa monografia pretende oferecer um pensamento alternativo às questões econômicas práticas, visando a maior eficiência de proposições sobre economia. 14 2 A análise macroeconômica A análise macroeconômica é essencial para que seja compreendido como a crise se deu. Após o entendimento do processo serão explicitadas as causas da crise econômica. Os questionamentos são: todo esse processo ocorrido tem suas raízes em questões institucionais? As instituições tem como base os valores de uma sociedade? O método utilizado nesta análise macroeconômica focará principalmente em teorias marginalistas e será utilizada uma gama de estudos que vigem até a atualidade. Isso para demonstrar que a solução matemática para a crise existe. O livro base para o estudo é o “Economia Internacional” dos economistas Paul Krugman e Maurice Obsfeld. Depois dessa análise as perguntas feitas serão respondidas. 2.1 Passo a passo da Análise Macroeconômica A primeiro ponto será o de enunciar o mercado de ativos que é a soma do mercado de câmbio mais o mercado monetário. Essa relação permite explorar as variações em oferta/demanda de moeda (M), o preço (P), a taxa de juros nominal (R), o produto/renda (Y), a taxa de juros nominal estrangeira (R*), a taxa nominal de câmbio atual ( - Real/Dólar) e a expectativa da taxa nominal de câmbio ( ). Depois será apresentada a teoria dos juros reais que dará um sentido para a expectativa inflacionaria ( ), para a taxa de juros nominal (R) e para a taxa real de juros (r). O próximo passo será a de incluir a famosa equação de Irving Fisher, dada a premissa da paridade do poder de compra. Essa equação tornará possível a comparação entre Inflação ( ), inflação estrangeira ( ), taxa nominal de câmbio atual ( ) e expectativa da taxa nominal de câmbio ( ). Juntando as equações de Fisher com o mercado de câmbio pode-se mostrar também as relações entre as variáveis em Fisher e as taxas de juros nominal local (R) e estrangeira (R*). Essas noções serão explicadas para que possa ser possível o entendimento do diagrama de Swann, por meio dele a visualização das causas e consequências econômicas é infinitamente mais fácil. 2.2 Mercado de Ativos A primeira equação a ser apresentada será a do mercado monetário, supondo a política monetária como “arma” estatal, desse ponto descobre-se a taxa nominal 15 de juros local (R) dando espaço para a conexão mercado monetário e mercado de câmbio. Segue fórmula do mercado monetário: (1) M = Moeda P = Preço local R = Taxa de juros nominal local Y = Produto L ( R , Y ) = Função de R e Y No mercado monetário, Y tem uma correlação positiva com M, e R tem uma correlação negativa, assim é definida a função L (R , Y) que é desconhecida, mas possui, para existir, as restrições citadas. Agora segue a descrição do mercado de câmbio: (2) R = Taxa de juros nominal local = Taxa de juros nominal estrangeira = Diferença entre as taxas de câmbio nominal futura e presente = Taxa de câmbio nominal hoje Neste caso observa-se a relação entre países, mostrando uma conexão de causa e consequência entre, respectivamente, taxa nominal de juros e taxa nominal de câmbio. Ao unir as duas fórmulas forma-se o mercado de ativos. 16 Mercado (2) de Ativos (1) Quando se fala em “arma” do banco central cria-se um problema de identidade nas fórmulas. Isso pois se a “arma” for a política monetária cria-se a seguinte sequência: MR (3) No caso acima R e são considerados endógenos enquanto todas as outras variáveis são por enquanto exógenas, produto depois será considerado endógeno. RM e R (4) Mesmo com o problema de identidade, pode-se considerar as relações acima corretas, isso ao se olhar para o mundo prático. Ceteris Paribus o modelo acima diria por exemplo que uma redução da oferta monetária faria com que as pessoas, que estariam com menos dinheiro na mão, colocassem menos dinheiros em títulos públicos, o que diminuiria o preço dos títulos e aumentaria seu retorno (R). A partir disso mais estrangeiros começariam a investir em títulos brasileiros, o que apreciaria a taxa de câmbio nominal ( - R$/U$S). 2.3 Taxa de juros real A taxa de juros real tem uma definição clara e intuitiva. (5) Se eu invisto por exemplo em um titulo público que paga 9% de juros ao ano, mas a inflação foi de 6% ao ano, o meu ganho real foi de 3% ao ano. No caso 17 coloca-se a inflação esperada porque sabe-se que o ganho final dependerá da inflação futura e uma proxy para isso seria a inflação esperada. O mais correto seria também utilizar a taxa de juros R esperada, mas para os efeitos desse trabalho esse aprofundamento não se faz necessário. A inflação esperada pode ser diferente da efetiva se houver alguma política governamental que a modifique, mas “Ceteris Paribus”, utilizar a expectativa de inflação futura oferece, geralmente, uma boa proxy para a taxa de juros real. A ideia agora é a de apresentar a equação de Fisher e depois diminuir as limitações dela e da fórmula do mercado de ativos. 2.4 Equação de Irving Fisher Para conseguirmos relacionar as equações de forma efetiva apresenta-se a fórmula de Fisher, para chegarmos nela precisamos primeiro considerar a veracidade da paridade do poder de compra. (6) = Taxa de câmbio nominal hoje Essa equação pressupõe uma equidade de preços entre os países ao se considerar mudanças cambiais, ou seja, ela ignora custos de transação e as teorias de Balassa-Samuelson sobre as falhas da paridade do poder de compra. Pra este estudo grande aprofundamento é desnecessário, as relações a serem descritas pela equação de Fisher realmente ocorrem na realidade, mas em proporções diferentes das que serão descritas, o importante para este estudo é entender os movimentos e não a sua proporção. O poder da paridade de compra considera que a taxa de câmbio real (q) é igual a 1. (7) E como, (6) q=1 18 Essa relação será depois relaxada, isso porque no diagrama de Swann “q” está no eixo horizontal. Agora para se chegar a equação de Fisher é necessário fazer um calculo diferencial por sobre a equação da paridade do poder de compra. (6) = Taxa de câmbio nominal hoje (8) Subtraindo dos dois lados encontra-se (9) O que é a mesma coisa que (10) Ao unir a equação (10) de Fisher com a fórmula do mercado de ativos chega-se a (10) + (2) = (11) 19 Acima já há relacionadas as variáveis do mercado de ativos, taxa de juros real (a partir do tópico 2.3) e inflação local e estrangeira. Já com essas relações estabelecidas suponhamos novamente uma restrição da oferta monetária que pressionaria para cima a taxa de juros nominal. Com R mais alto e tudo o mais constante existe mais gente investindo em títulos públicos, menos gente consumindo e a uma esperança de inflação menor, o que tenderia a manter a taxa de juros real imutável. Consideremos agora a não neutralidade da moeda, ao contrário do que propôs o economista John Maynard Keynes. E também que durante a época de hiperinflação no Brasil, mesmo com a restrição monetária, a expectativa de inflação aumentava. Os pontos desse parágrafo nos leva ao próximo tópico. 2.5 Limitações do mercado de ativos Como pode haver restrição monetária e ao mesmo tempo cenário hiperinflacionário?7 Essa foi a pergunta que muitos economistas fizeram até chegarem a uma conclusão. O economista Petra Gerlach-Kirsten afirmou: “A correção monetária provocava uma indexação quase completa da economia e realimentava a expectativa inflacionária (Kirsten, 1986)” A ideia é que 𝞓M impactaria sim a inflação, mas a mudança em 𝞓(𝞓M/M) também. Isso quer dizer que por mais que se mude a oferta de moeda, se o percentual de variação na oferta de moeda também mudar, a inflação é afetada. 7 DE HOLANDA BARBOSA, Fernando. MUREB SALLUM, Élvia. Hiperinflação: um arcabouço teórico. “O objetivo deste artigo é generalizar o enfoque apresentado por Barbosa (1999), de sorte a gerar não somente um ponto, mas uma trajetória de hiperinflação. O modelo supõe um agente representativo com vida infinita, expectativas racionais e que a moeda seja essencial nas suas preferências. O governo financia o déficit público emitindo moeda e cobrando impostos, mas a crise fiscal obriga-o a expandir de modo gradual a parte do déficit público que é financiado por moeda. A origem da hiperinflação deve-se, basicamente, ao fato de que a restrição intertemporal do governo não é satisfeita, porque é impossível financiar o déficit público de maneira permanente através da emissão de moeda.” 20 Por exemplo se antes eu colocava um estímulo monetário de 5% em relação ao total de oferta de moeda, mas agora coloco 7%. Houve no caso uma expansão da variação de oferta monetária, o que afeta a expectativa inflacionária positivamente, para reequilibrar a equação dos juros reais, a taxa de juros nominal haveria de subir (Em oposição ao que aconteceria com uma mudança somente na oferta de moeda). Para haver então um reequilíbrio no mercado de ativos tem-se um aumento do produto e/ou um salto de preços, com os juros mais altos a taxa de câmbio nominal tenderia a apreciar, mas o impacto da expectativa de mais moeda na economia impacta forçando a depreciação, no final das contas a moeda deprecia. O que acontecia no Brasil hiperinflacionário é que uma contração monetária forçava os juros para cima e o câmbio nominal para apreciação. Considerando a não neutralidade da moeda sabe-se que ela afeta tanto o produto quanto a inflação, a restrição monetária puxa a inflação e produto para baixo. Ao mesmo tempo em que a retração monetária ocorria, havia nas pessoas a expectativa de que a variação da oferta de moeda voltaria a aumentar no futuro (Falta de credibilidade dos órgão econômicos), com isso a inflação subia, e a taxa de câmbio depreciava ao invés de apreciar, o que piorava a balança comercial aumentando ainda mais a pressão inflacionária. A política governamental tentava, em resumo, guiar a economia para um caminho de menos inflação, com isso, suas políticas teoricamente acarretariam em menos moeda, juros nominais mais altos, menor PIB (mais desemprego), câmbio nominal apreciado e inflação mais baixa. Mas a falta de confiança do público fazia com que eles não acreditassem que a retração monetária perduraria, dessa forma as expectativas tinham como seu produto juros nominais mais altos, câmbio depreciado e inflação alta. Expectativas e comportamentos governamentais se sintetizaram e meio social. As expectativas se mostraram muito mais poderosas do que as políticas governamentais, dessa forma o produto foi menos moeda, juros nominais muito altos, menor PIB(desemprego), câmbio nominal depreciado (Expectativas mais fortes) e alta inflação (As políticas governamentais foram extremamente mal sucedidas ao conter as expectativas). Essas são as noções gerais necessária para o entendimento básico da análise que aqui será apresentada. Agora já pode ser apresentado o tópico que tratará do diagrama de Swann. 2.6 O Diagrama de Swann O economista Trevor Swann pensou em uma forma de sintetizar as teorias econômicas, de torna-las de mais fácil compreensão, com isso ele criou um diagrama. 21 Neste diagrama tem-se no eixo vertical câmbio real (q), no eixo horizontal demanda doméstica (Y). A curva negativamente inclinada é o Equilíbrio interno que é representado, considerando o tradicional PIB keynesiano, como: Y=C+I+G Y = Demanda Doméstica local C = Consumo I = Investimento G = Gastos do governo Isso quer dizer que o equilíbrio interno está falando de produto, mas excluindo o balanço de pagamentos. Se um país encontra-se sobre a linha do equilíbrio interno, isso quer dizer que dada a taxa de câmbio real, o país está sobre a situação de pleno emprego. Existe um desemprego natural, se a economia possuir exatamente essa taxa de desemprego, esse país está sobre pleno emprego. Caso o país esteja a direita da curva de equilíbrio interno, diz-se que ele está acima do pleno emprego, internamente superaquecido. Se estiver à esquerda da curva ele se encontra abaixo do pleno emprego, internamente desaquecido. Para se aproximar da curva de equilíbrio interno o país usa artimanhas conectadas a C + I + G, ou seja, políticas monetárias e fiscais. A curva positivamente inclinada representa o equilíbrio externo, quanto ao PIB Keynesiano fala-se agora do balanço externo. 22 BC = X – M BC = Balança Comercial X = Exportações M = Importações Quando se está sobre a curva de equilíbrio externo diz-se que a balança comercial está equilibrada, se à esquerda da curva há superávit na balança comercial e quando à direita há déficit. Para um país se aproximar da curva de equilíbrio externo ele usa de políticas cambiais. A ideia nos próximos tópicos será apresentar os países Alemanha e Grécia quanto as suas situações econômicas, destacando aquecimento interno e externo. O próximo passo será o de analisá-los por meio do Diagrama de Swann. 2.7 Explicação Geral do caso Grécia na Crise Europeia Erros foram cometidos no discorrer econômico europeu, em caso contrário, a situação econômica europeia estaria mais saudável. O professor doutor de Harvard Jeffrey A. Frankel apontou cinco erros para ele mais relevantes e crassos nas políticas econômicas da Eurozona. O primeiro erro seria o de aceitar a Grécia na zona do Euro8. O ex presidente francês Nicolas Sarkosy afirmou: “... a Grécia apresentou números falsos e não estava preparada para entrar na comunidade...” O jornalista Mark Thompson da CNN expõe os seguintes dados: “After Greece adopted the euro in 2001, public spending and government borrowing soared, leaving the country unable to pay its way when the global financial crisis hit. Since 2009, Greece has been kept on life support by two bailouts from the European Union, European Central Bank and International Monetary Fund worth a total of €240 billion ($320 billion).” 8 MANUEL CABRAL, Luís. O GLOBO. A primeira ministra alemã Angela Merkel afirmou “A Grécia nunca deveria ter entrado no euro... não são aqueles que aceitaram a Grécia na zona euro que nos podem agora vir dizer que temos problemas com os gregos” 23 É interessante notar que os números Gregos eram ruins e que aceitar a Grécia na zona do Euro seria um risco alto a se correr. Vale ressaltar também que os números foram falsificados9, fato a ser novamente estudado nas análises culturais e institucionais. Outro erro apontado pelo professor foi o de a zona do Euro “fingir” a rigidez fiscal10. Em 7 de fevereiro de 1992 foi assinado pelos países da eurozona o tratado de Maastricht, nele estava disposto que o déficit fiscal dos países membros deveria estar no máximo na taxa dos 3%, outra regra era a de que as dívidas dos países representariam no máximo 60% do PIB. Durante a existência da zona do Euro a minoria dos países respeitou de maneira firme esse tratado. Segue gráfico sobre a relação entre o tratado de Maastricht e a política fiscal grega. As penas para quem desrespeitasse o tratado eram pouco efetivas, havia incentivos suficientes para que os países desobedecessem as regras. Eles conseguiam continuar se endividando e se mantendo na zona do Euro. A Grécia conseguia se endividar por causa da credibilidade que pediu emprestada a Eurozona, as pessoas passaram a confiar nos números e fundamentos gregos. Esse segundo erro aconteceu pois após aceitar a Grécia, os 9 EICHEL, Hans. "Em retrospectiva, temos que dizer, sim, foi um erro a adesão da Grécia ao Euro, porque provavelmente os dados financeiros não estavam corretos" 10 ALTMAN,Daniel. http://www.foreignpolicy.com “But before any budgets could be constrained or penalties applied, France and Germany got the procedures suspended. The pact lost all credibility, as there could be no incentives of any kind without enforcement... Now, after the Eurozone's bailouts, they and their fellow members have agreed stronger rules, including penaltiesup to 0.5 percent of GDP for excessive deficits or public debt that stays above 60 percent of GDP. Draghi said that new clauses in the member states' constitutions and the Macroeconomic Imbalance Procedure would help to avert future fiscal problems and enforce enalties when they did occur.” 24 governos viram os números dela, mas decidiram “ignorá-los”, a rigidez internacional quanto as políticas governamentais foi baixa. Nota-se no gráfico disposto, na página anterior, que desde de 1988 a dívida da Grécia representa dívida maior que 60% do PIB e que desde 1981 têm-se nesse país um déficit fiscal acima de 3%. Mesmo assim o país foi aceito em 2001 na zona do Euro, o gráfico acima também fortalece o argumento de Frankel quanto ao primeiro erro da eurozona, o de aceitar a Grécia na zona do Euro. O terceiro erro seria o de permitir que o spread presente nos títulos do governo dos países do mediterrâneo ficasse próximo a 0%11. Se há alta demanda por um título público, o seu preço sobe e seu spread cai. Isso quer dizer que o mercado demandava títulos desses países sem conhecer ou ignorando suas raízes numéricas fundamentais, as expectativas guiavam a decisão do mercado e guiavam mal, pois a realidade se mostrou diferente. Quando a realidade é mal interpretada pelo mercado, a maioria dos agentes é pego de surpresa, o que quer dizer neste caso alto prejuízo. Nesse erro o mercado acaba por pagar muito mais caro e a pesada reversão de expectativas deixa a conta caríssima para os países do mediterrâneo. O quarto erro seria o de ao aceitar a Grécia na zona do euro, pregar que ela e os outros países do mediterrâneo estavam saudáveis, o que ajudou a guiar as expectativas do mercado quanto as taxas de juros dos títulos públicos. 11 D.GIBSON, Heather; G.HALL, Stephan; S.TAVLAS, George. THE GREEK FINANCIAL CRISIS: GROWING IMBALANCES AND SOVEREIGN SPREADS; “We find that spreads were significantly below what would be predicted by fundamentals from end-2004 up to the middle of 2005; by contrast, since May 2010, actual spreads have exceded predicted spreads by some 400 basis points.” 25 O Último erro foi o de aceitar os títulos públicos gregos como colaterais em relação as suas dívidas. Quando a crise se tornou realidade a Grécia já estava superendividada, ela não podia pedir mais dinheiro emprestado por falta de credibilidade e também não podia simplesmente criar dinheiro por causa do regime de câmbio fixo determinado pelo banco central europeu. O economista Phillip Bagus que é Professor doutor da universidade de Madrid Rey Juan Carlos disse em seu livro “A tragédia do Euro” a seguinte frase: “Se o BCE não aceitasse títulos gregos como colateral para seus empréstimos, a Grécia teria de pagar juros muito mais altos do que paga hoje. A Grécia já está, portanto, sendo socorrida.” Com essa frase o economista expõe que a zona do Euro correu um risco excessivo com a Grécia, o que descarrilhou em grande prejuízo. Essa aceitação da Eurozona fortalece também o quarto erro, o de dar credibilidade a Grécia sem que seus fundamentos embasassem isso. Os erros acima ajudaram a criar a crise e também fizeram com que a Europa afundasse mais nela. A Grécia se colocou então contra a parede, ou deixava a zona do Euro, o que permitiria a desvalorização de sua moeda e reequilíbrio externo pelo balanço de pagamentos, ou recebia ajuda de outros países, ou dava calote, ou esperava os preços se ajustarem sozinhos (ajuste pela deflação). As opções atuais da Grécia, dados seus erros, ainda serão explicadas no quando utilizado o diagrama de Swann. O economista Nicholas Apergis realizou um estudo sobre o desemprego natural na Grécia, ele afirmou: “The rate increased from 5.0% in 1983 to 7.2% in 2000. The slowdown in productivity, the rising share of female workers with higher unemployment rates, a higher number of illegal foreign workers, and the problem of insider– outsider could be considered as potential contributors to the rising natural rate.” A base da curva do equilíbrio interno grego será baseado nesta curva, que vai de 5% a 7,2% de desemprego natural, o que quer dizer que por exemplo um desemprego acima de 7,2% no ano 2000 demonstra que a economia estava abaixo do pleno emprego. 26 Segue curva de desemprego grego: Nota-se que desde aproximadamente 1983 a Grécia possui um desemprego maior que seu desemprego natural, o que explícita uma posição econômica interna abaixo do pleno emprego. Quanto a balança comercial segue gráfico: Percebe-se que desde 2001, quando a Grécia foi aceita na zona do Euro, seu resultado na balança comercial foi negativo, o que mostra um déficit persistente, um país constantemente à direita da curva de equilíbrio externo. 27 2.8 Diferenças econômicas gerais entre Alemanha e Grécia Após o início da crise, Alemanha e Grécia trocaram “farpas”, o primeiro havia sido um dos únicos países da zona do Euro que respeitou com afinco o tratado de Maastricht, enquanto o segundo praticamente o ignorou como já explicitado. O gráfico acima compara Alemanha e Grecia, mostrando como a Alemanha manteve sempre sua dívida a 60% do PIB, como esperado no tratado de Maastricht, já a Grécia está superendividada dados os padrões europeus de endividamento. Estando “muito” endividada, dificulta-se a possibilidade de se conseguir empréstimos com taxas de juros razoáveis. Isso atualmente, pois após o agravamento da crise, o mercado passou a considerar os fundamentos gregos e precificá-los corretamente. Podemos ver abaixo a comparação entre a dívida grega em relação ao PIB com países considerados saudáveis. 28 A dívida grega é relativamente muito maior. Conseguimos descrever até agora que a Grécia estava já antes da crise com produto abaixo do pleno emprego, balança comercial deficitária e dívida relativamente alta. Quanto a Alemanha já vimos que eles estavam respeitando o tratado de Maastricht em relação ao endividamento. Ao se falar de desemprego segue: Nota-se ao longo do tempo uma relativamente alta taxa de desemprego em um país também possuidor de uma alta taxa natural de desemprego. Em 2010, no início da crise, a taxa de desemprego era de 6% em relação de total de trabalhadores, taxa inferior aos 6,5% de desemprego natural da época. Isso quer dizer que no breve pré crise a Alemanha trabalhava acima do pleno emprego do ponto de vista econômico. 29 Quanto a balança comercial Alemã segue: Valores sempre superavitarios na balança comercial. Quanto ao produto, o Alemão sempre esteve ligeiramente acima do pleno emprego, muito próximo ao equilíbrio interno. Já na balança comercial o superavit é claro, o que explicita uma Alemanha à esquerda do equilíbrio externo (Dado o Diagrama de Swann) Nesse ponto já está definido como serão posicionados Alemanha e Grécia no diagrama de Swann. Mais alguns pontos precisam ser explanados para que a união das políticas faça sentido. O banco central Europeu estabelece uma taxa de câmbio fixa para a zona do Euro. Os dados sobre balança comercial mostraram claramente que essa taxa fixa permitia constante superávit em um páis e deficit no outro. Com a mesma taxa de câmbio Alemã, o grego prefere comprar do Alemão e assim também é com a maioria dos países europeus. No fundo o empobrecimento grego foi alimentado por um constante enriquecimento Alemão. Decide-se então buscar uma solução para a crise, a Alemanha lidera um grupo que prega a chamada austeridade fiscal, os países membros teriam de se adaptar ao tratado de Maastricht, respeitando-o. Neste momento a richa entre Alemanha e Grécia se acirra. O professor de ciências socias e assuntos internacionais na Elliot School of International Affairs, Harvey B. Fengenbaum publicou o seguinte texto: “The election of Francois Hollande signaled a major change in the dynamics of Europe. As the countries of the Eurozone continue to 30 confront their “sovereign debt crisis”, a subset of the financial crisis enveloping the world since 2007, Germany grows increasingly isolated in its preference for rigorous austerity policies. The immediate problem is Greece. The cradle of democracy got into trouble due to its particular brand of democratic politics. In order to solicit votes, the major parties used government debt to create (mostly public sector) jobs as a form of patronage. Lax in collecting taxes, the state’s revenues did not match rising expenses. Successive governments took the easy way out by borrowing to cover the difference. They finally maxed out and became dependent on the kindness of strangers. The Germans viewed the Greeks as profligate and were morally offended when the latter sought financial aid. Led by Angela Merkel, the Germans insisted that the terms of aid be punitive. In Aesop’s fable of the ant and the grasshopper, the Germans saw themselves as the industrious ants. The problem is that most Greeks are not grasshoppers. OECD studies show that Greeks work many more hours a year than Germans. Greeks, quite understandably, saw themselves as innocent victims of irresponsible governments, governments that were unwilling to make the Greek upper classes pay their fair share. Meanwhile companies like Goldman Sachs siphoned off huge fees to help the governments cook the books. These southern Europeans saw the Germans as ungrateful for their many purchases of German products, and most especially saw them as vindictive creditors. Not surprisingly, voters opted for politicians who championed the average Greek’s innocence. This caused fear outside Greece that a new government would default on Greek debt, sending the entire European continent into uncharted territory.” Neste texto Harvey sintetiza bem a questão, os alemães estão rancorosos quanto a irresponsabilidade pública grega, chegam a chamar os gregos de sem vergonha e vagabundos, mas a verdade é que, em uma consideração per capita, os gregos trabalham em média mais que os alemães. A resposta grega é ríspida, eles dizem que os alemães são mal agradecidos, pois antes da crise receberam alta quantidade de dinheiro grego por meio da balança comercial. 31 Os gregos se sentem vítimas de seu governo irresponsável, mas será que suas organizações não representam as regras do jogo? Porque o governo chegou a este ponto? Este estudo tentará também responder as estas questões. Harvey também cita que a maioria dos paises está infeliz com a austeridade e então se questiona: “All of this is pretty straightforward. What is less clear is why Germany is pursuing this policy.” A questão de Harvey é que existem atitudes infinitamente mais eficientes que a austeridade, porque não implanta-las é outra questão ainda a ser explorada. O diagrama de Swann demonstrará que a austeridade é uma das soluções, mas não a única, isso era o que Harvey questionava. Mesmo que uma opção seja mais eficiente que a outra, o escopo desta parte do trabalho é o de apenas explicitar que, matematicamente, há soluções para a crise econômica. 2.9 Diagrama de Swann para Grécia e Alemanha Grécia abaixo do pleno emprego, com déficit comercial e alto endividamento. A Grécia está durante a crise no ponto A, o que quer dizer desaquecimento externo e interno, também desemprego e pressão deflacionária. Nesta posição a Grécia poderia esperar a deflação ocorrer, o que faria com que as curvas se deslocassem e o país voltasse ao equilíbrio, essa espera seria longa e dolorosa para o povo, nesse momento costumam surgir os chamados panelaços. Outra opção seria a de a Grécia aquecer a economia gastando dinheiro até que o equilíbrio interno seja alcançado, assim seria evitado o desemprego e se esperaria a deflação. O problema é que a Grécia não poderia simplesmente imprimir 32 moeda mexendo no câmbio, isso porque na zona do Euro o câmbio é fixo, também não conseguiria pedir empréstimos para gastar na própria economia já que o seu endividamento relativo era alto. Uma diferente opção seria a de deixar a zona do Euro, o que permitiria a Grécia ter maiores gastos e ver sua moeda desvalorizar. Dessa forma ela provavelmente se reequilibraria interna e externamente, mas perderia o suporte e a credibilidade que é o de se estar na zona do Euro. Já a Alemanha estava ligeiramente acima do pleno emprego, com superávit comercial e endividamento controlado. A Alemanha estaria no ponto C e próxima ao equilíbrio interno, o que evitaria alta inflação e ao mesmo tempo têm emprego e superávit comercial. Para a Alemanha os ajustes seriam relativamente desnecessários, pois mesmo após o início da crise manteve-se a saúde econômica. Quando a Europa prega a austeridade fiscal, eles imaginariam a Grécia recebendo ajuda (dinheiro, perdões de dívida, etc...) por agora, mas se tornando “séria” no futuro para evitar novas situações com essa. A Grécia recuperaria aos poucos seus empregos alcançando o equilíbrio interno, negociações e investimentos poderiam aliviar o equilíbrio externo. Se isso parece algo razoável, porque as restrições da Grécia em aceitar a proposta? Será que há questões mais profundas que fazem com que Grécia e Alemanha cheguem ao ponto econômico que estão? Porque a austeridade demora tanto a ser implantada? O objetivo dos próximos tópicos é tentar responder a essas perguntas. 33 3 Douglass North e as instituições Como base desta análise será utilizado o livro structure and change in economic history do economista Douglass North. A análise institucional será feita com o objetivo de explicar o que os modelos econômicos que excluem essa variável estão falhando em explicar, no caso, a pouca eficiência da austeridade fiscal na europa. Alguns países tenta aplicar a austeridade, mas muitos outros resistem a ela. 3.1 Instituições O economista Douglass North demonstra a importância das instituições nas análises econômicas, ele analisa os valores institucionais para definir as “regras do jogo”, assim conseguindo alcançar de maneira aprofundada os porquês das atividades das matrizes institucionais dos países. Ele define instituições: “Institutions are the humanly devised constraints that structure political, economic and social interaction. They consist of both informal constraints (sanctions, taboos, customs, traditions, and codes of conduct), and formal.” A definição passa pela ideia das normas sociais que podem ser formais ou informais. Por exemplo em determinado país o adultério pode ser mal visto em sociedade, mas pela legislação formal não ser considerado um crime, assim, essa norma de não cometer adultério existe e guia as ações sociais mesmo não estando positivada. Um exemplo de norma formal seria a de um país que proíbe o assassinato em sua legislação, isso também guia os ditames sociais e está em lei. Como as normas informais e formais dão os ditames das ações sociais, ambas devem ser consideradas para tornar possível o entendimento dos comportamentos institucionais. Quanto a conexão instituições e desenvolvimento econômico, Engerman & Sokoloff (2003) dão o seu parecer: “O papel das instituições é crucial para o desenvolvimento de uma economia. A existência de acordos formais e informais (e evidências claras de que estes acordos são cumpridos) é fundamental na redução das dificuldades causadas pelas imperfeições do mundo real (informação imperfeita, externalidades, dificuldade na obtenção de cooperação entre os agentes) facilitando as interações humanas e, conseqüentemente, reduzindo os custos de transação, o que aumenta a eficiência econômica. Vale ressaltar mais uma vez, que o elo existente entre instituições e crescimento é que as instituições reduzem os custos de distribuição e produção.” Em parte as instituições funcionam como pré-requisito para um desenvolvimento econômico. Por exemplo há uma constante na obra de North, o 34 direito de propriedade, com ele passa-se a ter maior garantia de que colherá os frutos de seu trabalho, o que o estimula. As instituições são as regras, elas influenciam o comportamento alheio que se demonstram com maior força, em uma sociedade orgânica, por meio das organizações. Douglass North as define como: “groups of individuals bound by some common purpose to achieve objectives.” Se faz necessário que os conceitos instituição e organização sejam o conectados, North o faz: “[o]rganizations and their entrepreneurs engage in purposive activity and in that role are the agents of, and shape the direction of, institutional change. Institutions can be understood as the rules of the game (or a social incentive structure), and organizations as the players.” Dado o exposto, North dividiu jogadores e regras. Nem sempre o jogador precisa jogar conforme as regras, mas geralmente o faz. Douglass oferece tendências de ação que não são inflexíveis, porque é possível que alguém desenvolva individualidade e transforme o meio social. Conectar as teorias do sociólogo Emile Durkheim com as de North pode ajudar a simplificar as explicações. Durkheim fala sobre um meio social externo, geral e coercitivo12. Isso quer dizer que ao nascer, estamos expostos a valores externos a nós, nós os absorvemos querendo ou não (dada a teoria da Tábula rasa de John Locke) e eles tem características gerais. Observemos um bebê que nasce sem nada conhecer, seus pais poderiam pregar a ele que agredir outras crianças é errado, enquanto pregação única sem questionamento, ela se torna verdade. O mundo influenciou e colocou ideias na cabeça do bebê e ele não pode impedir, de forma consciente e inconsciente, informações são todo o tempo absorvidas a força. No caso da agressão às crianças, os pais não explicaram para o filho como reagir em cada situação específica que surgir na vida, ele terá de se adaptar, porque as regras são gerais. 12 Segundo Emile Durkheim, os Fatos Sociais constituem o objeto de estudo da Sociologia pois decorrem da vida em sociedade. O sociólogo francês defende que estes têm três características: Coercitividade - característica relacionada com a força dos padrões culturais do grupo que os indivíduos integram. Estes padrões culturais são fortes de tal maneira que obrigam os indivíduos a cumpri-los. Exterioridade - esta característica transmite o fato desses padrões de cultura serem "exteriores aos indivíduos", ou seja ao fato de virem do exterior e de serem independentes das suas consciências. Generalidade - os fatos sociais existem não para um indivíduo específico, mas para a coletividade. Podemos perceber a generalidade pela propagação das tendências dos grupos pela sociedade, por exemplo. 35 O bebê tende a seguir as regras, mas pode em algum momento questionálas. Nesse ponto surge a individualidade que cria regras próprias e pode transmiti-las ao meio, caso o ambiente as acate, pode haver uma mudança no contexto geral das regras. Concluímos então que há uma tendência de ação que podem ser chamadas de “regras do jogo” e elas são mutáveis dada a individualidade. As instituições que são representadas por atitudes por meio das organizações, que tendem a respeitar as regras, mas nem sempre, dadas as individualidades13. Respeitando essa ideia, Douglass North expõe a existência de uma instituição padrão, que ele vai chamar de matriz institucional, as instituições seguirão esse padrão. Agora será discutida a matriz institucional. 3.1.1 Matriz Institucional O conjunto das instituições forma uma rede que interage, essas relações institucionais criam a matriz institucional que rege como um todo o funcionamento social das “regras do jogo. Douglass North as define explanando com clareza e objetividade quais os pré-requisitos necessários para a consideração de o que é uma matriz institucional. “The institutional matrix consists of an interdependent web of institutions and consequent political and economic organizations that are characterized by massive increasing returns. That is, the organizations owe their existence to the opportunities provided by the institutional framework. Network externalities arise because of the initial setup costs (like the de novo creation of the U.S. Constitution in 1787), the learning effects described above, coordination effects via contracts with other organizations, and adaptive expectations arising from the prevalence of contracting based on the existing institutions.” As instituições são interdependentes, por meio de regras formais ou informais elas interagem, surgem normas que regem essa relação, elas formam a ideia de matriz institucional. Para se entender as ações macroeconômicas de um estado faz-se necessário compreender como um todo as instituições, o objetivo deste estudo é conseguir descrever os funcionamento da matriz institucional grega e alemã, para que se torne possível entender o racional de valores por trás das políticas fiscais. Nota-se que Douglass North coloca a ideia de matriz como uma base institucional, de forma consciente ou inconsciente ele define um padrão de valores. 13 C. NORTH, Douglass. FIVE PROPOSITIONS ABOUT INSTITUTIONAL CHANGE “The continuous interaction between institutions and organizations in the economic setting of scarcity and hence competition is the key to institutional change...The kinds of skills and knowledge individuals and their organizations acquire will shape evolving perceptions about opportunities and hence choices that will incrementally alter institutions.” 36 Muitos criticam a razoabilidade dessa afirmação, mas o ponto é que essa matriz funciona como uma aproximação da realidade. Tratar a teoria com exemplos ajuda a dar clareza para a teoria. No caso dos Estados Unidos por exemplo podemos aproximar a ideia de matriz à constituição norte americana. As “regras do jogo” dispõe sobre o que pende entre ascetismo e consumismo. O estado, a igreja seriam importantes organizações naquele meio. Douglass North, como economista, busca demonstrar a partir da definição institucional que o desenvolver das instituições tem correlação positiva direta com o crescimento econômico de longo prazo e a evolução histórica. Douglass procura mostrar que quando a matriz institucional ajuda a diminuir os custos de transação14 e oferece algumas garantias básicas, a eficiência econômica é consequência. Essa teoria tangencia a ideia Weberiana. A partir dos valores surge a cultura, dela a matriz institucional, as regras do jogo e as organizações, isso guia a economia. Max Weber dispôs que os valores guiavam a economia, Douglass North complementa essa ideia, ele diz que os valores guiam a economia por meio das instituições e suas organizações. Vale considerar que North estudou a eficiência das instituições, um posicionamento capitalista. Para explicar o porquê disso há de se questionar um posicionamento filosófico. A premissa de sua teoria é a de que o ser humano busca o bem estar, por estarmos em meio social busca-se o modo mais justo de encontralo. Na revolução francesa discute-se fraternidade, igualdade e liberdade, os dois últimos se opõe em alguns pontos, pois se somos iguais não temos a liberdade de sermos diferentes e se somos livres não seremos iguais. Com a ascensão burguesa nos séculos XVII e XVIII o conceito de liberdade é o acatado e a meritocracia é vista como a forma mais justa de atitude para se buscar o lucro no ascendente capitalismo. A eficiência é essencial para alcançar o lucro, logo, a partir do citado, busca-se, em North, uma forma de trazer bem estar por meio da eficiência. O ponto é que Douglass tenta criar uma ideia de instituição saudável, no sentido de que ela pode trazer eficiência econômica, e por conseguinte o bem estar. North define quais os valores institucionais que podem guiar a economia ao bem estar. A matriz institucional é uma síntese de tudo isso, ela simboliza o padrão de pensamentos de determinada sociedade, ela pode guiar ou não uma economia à eficiência. Nessa monografia tentará se encontrar os valores alemães médios, disso irá ser construída de maneira aproximada a matriz institucional alemã, nesse ponto se explicará porque a economia da Alemanha tende a ser mais eficiente que as outras economias do mundo. No caso alemão a eficiência guiaria à responsabilidade fiscal, que a ajudará a sobreviver à crise econômica europeia de 2010. Após ter uma noção sobre o que são as instituições, torna-se importante observar quais as suas bases, seus valores. Para isso será invocado o sociólogo Max Weber e sua teoria sobre o tipo ideal. 14 São os custos que os agentes enfrentam quando recorrem ao mercado para adquirir equipamentos, insumos ou serviços, ou quando estabelecem uma “interface” com outro agente. Esses custos envolvem: custos de negociar, redigir e garantir o cumprimento de um contrato (formal ou informal). 37 4. Max Weber e a Cultura Neste estudo pretende-se chegar ao papel das instituições na economia, para isso é essencial observar antes os valores presentes em sociedade, pois eles são a base institucional, a base das “regras do jogo” como denomina o economista Douglass North15. O sociólogo Max Weber se torna neste momento indispensável para a realização da análise, pois ele cria um método de análise das culturas. O livro agora descrito será o Methodology of the Social Sciences em que Max Weber descreve o tipo ideal, ideia básica para a constituição das “regras do jogo” neste trabalho. Se observará Alemanha e Grécia e do primeiro tentará se formar o tipo ideal, deste ponto serão descritas as “regras do jogo” até que se entenda a influência delas no estado, por conseguinte vêm a análise das ações macroeconômicas estatais. Max Weber é considerado o pai da sociologia e traz por meio de sua bibliografia grandes adendos a teoria sociológica. O economista Karl Marx dispôs em seu livro “O capital” que a economia dá os ditames da sociedade. Weber em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” rompe com essa ideia demonstrando que os valores guiam a economia e não o contrário. Isso é importante já que nesta monografia tentará se explicar como os valores guiam as ações sociais. Do ponto de vista Marxista esse tipo de análise seria errônea, pois não consideraria a economia como base das coisas. Por conseguinte, conclui-se que a teoria de Weber é uma das premissas desse trabalho. Max Weber analisa a Inglaterra protestante e a compara com o resto da Europa. Em seu livro, que foi eleito por alguns como o mais importante do século XX16, North demonstra que os valores protestantes criaram na Inglaterra uma matriz institucional que favorecia a eficiência econômica e o capitalismo, isso em detrimento ao catolicismo que outros países acatavam. Nesse caso a religião era de extrema importância para explicar a matriz institucional, mas nem sempre é assim. Na próxima análise o que é relevante para explicar as “regras do jogo alemãs” serão definidas e explicadas pelo escritor Norbert Elias. 4.1 O Tipo ideal Em seu livro Methodology of the social sciences Weber logo no início vai descrevendo o conceito de tipo ideal. Ele primeiro dispõe que: “... it is useful for both heuristic and expository purposes “ideal” in logical sense to be distinguished from “ideal” in ethical sense...” 15 16 North’s(1990,3) define instituições as “rules of the game . . . or . . . humanly devised constraints” "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" foi escolhido como o mais importante escrito teórico publicado no século 20 por dez intelectuais convidados pela Folha para elaborar a lista dos cem melhores livros de não-ficção ou ensaios do século. 38 Então ele define o que vai considerar tipo ideal: “An ideal type is formed by the one-sided accentuation of one or more points of view and by the synthesis of a great many diffuse, discrete more or less present and ocasionally absent concrete individual phenomena, which are arranged according to those one-sidely emphasized viewpoints into a unified analytical construction. In it’s conceptual purity, his mental construction.” Observa-se como os indivíduos interagem em meio social, disso tenta-se retirar padrões acentuados. Esses padrões não têm o poder de explicar um ser individualmente, mas podem resumir, se bem realizados, as porquês das ações sociais17 como um todo. O objetivo é observar como a ação do todo faz a sociedade se arranjar. Do arranjo que será encontrado, tentará se compreender ao máximo as características da realidade, o que permitirá, com alguma razoabilidade, até a realização de projeções de ações. “The ideal type is an abstract model created by Max Weber that, when used as a standard of comparison, enables us to see aspects of the real world in a clearer, more systematic way. It is a constructed ideal used to approximate reality by selecting and accentuating certain elements. Weber used it as an analytic took for his historical studies. Problems in using the ideal type include its tendency to focus attention on extreme, or polar, phenomena while overlooking the connections between them, and the difficulty of showing how the types and their elements fit into a conception of a total social system.” O objetivo é o de olhar pra história de modo analítico, utilizando uma metodologia razoável que ajude a sistematizar as atitudes humanas. Claro que isso é apenas uma simplificação, mas em algum ponto ela serve de aproximação da realidade. Agora serão demonstradas quais as bases para que se forme o tipo ideal alemão. O objetivo é a partir do tipo ideal entender as instituições, as matrizes institucionais e, por conseguinte, seu desenvolver econômico e políticas macroeconômicas governamentais. 17 São atitudes em sociedade realizadas por terceiros. Max weber as divide em quatro partes, a racional instrumental, racional para com valores, afetiva e tradicional. 39 4.1.2 O tipo ideal alemão A construção do tipo ideal é projeto de uma vida que pode sempre ser aprimorado. Uma leitura completa dos clássicos do país e um trabalho de campo são pré-requisitos para uma construção completa do tipo ideal, mas dado o nível de graduação e as reconhecidas limitações do método a ser utilizado, como base serão utilizados textos e livros de comentadores. O livro base do caso alemão será o The Civilizing Process: Sociogenetic and Psychogenetic investigations do sociólogo Alemão Norbert Elias. Neste livro Norbert disserta sobre o meio social que nem sempre foi civilizado, ele observa a história e analisa minuciosamente o sentido de diversos costumes que vão sendo implantados em sociedade. Este trabalho tentará, dado o nível de graduação, conectar causas e consequências traçando tipicismos razoáveis do Alemão, e depois comparar os desenvolvimentos econômicos alemão e grego. Nem sempre as pessoas pediram licença ao passar por alguém, ou demonstraram bons modos a mesa. O livro analisa a construção desses costumes tentando entender o sentido de porquê, por exemplo, os bons modos a mesa vão variar entre os países, quais as características de cada região que levaram a maneira de agir hoje presente. O livro foi escrito em 1939, mas se tornou mais reconhecido atualmente, a leitura surpreende porque a análise tem aplicação atual. A sensação de contemporaneidade vem da ideia de que o livro buscou entender os valores, a cultura das regiões estudadas, essa raiz de valores tende a ter longas durações. Esta monografia citará as visões e conclusões de Norbert, e outros autores sobre os alemães, a ideia é a de ter como base as conclusões de grandes pensadores. Uma dificuldade do livro seria a de correlacionar positivamente os costumes aos valores e as relações sociais, mas Elias consegue a proeza. Ele consegue por meio do uso da psicologia e da sociologia, estruturar uma teoria convincente de que os valores influenciavam nos costumes e nas relações sociais, além de demonstrar que estudar os costumes seriam representativos dos valores mais gerais da sociedade. Douglass North se baseia na teoria Weberina e mais tarde vem a criar teoria institucional, dizendo que esses valores representavam as “regras do jogo”. Nesse estudo de costumes, Norbert Elias estuda Alemanha, França e Inglaterra. Ele parte dos costumes, chega a ideias como apreço alemão por superficialidades e ordem, e de franceses pelo desenvolvimento da nação. Elias chega até a palpitar com propriedade por sobre as tendências de expansionismo armado dos três países, ele parte da análise micro e alcança a macro. Os traços psicológicos e sócias são a todo momento citados no texto, o uso da comparação entre países permite a observação menos enviesada sobre o que, provavelmente, era natural e do que era influência social. 40 Para melhor explicar como funciona a análise sociogenética e psicogenética Bernardo Caprara e Janine Prandini Silveira18 comentam um exemplo que Elias expõe em seu livro, mostrando exatamente a ideia de análise que Norbert tentou fazer. No caso ele exemplifica o fato de que a relação com as crianças mudou ao longo do tempo, Elias fala das mudanças de costumes desde a idade média até o começo do século XX, quando foi escrito. “Se, na Idade Média, as crianças participavam da mesma esfera social que adultos e o que era exigido dos adultos não divergia muito daquilo que as crianças faziam; no início do século XX (época da elaboração deste livro), as crianças “[...] têm no espaço de alguns anos que atingir o nível avançado de vergonha e nojo que demorou séculos para se desenvolver” (p. 145). Portanto a educação, a socialização das crianças é o próprio processo sócio-histórico (sociogênese) de séculos acontecendo na vida de cada ser humano individual (psicogênese). Nesse excerto fica claro que Norbert divide os costumes entre épocas, uma mais e outra menos civilizada. Além de citar que isso demorou séculos para se desenvolver, logo, a análise da história há de ser feita para que se entenda o processo. Nesta monografia pretende-se comparar Alemanha e Grécia, mas o autor compara, em seu livro, a Alemanha com França e Inglaterra. Isso não se torna um problema na hora do estudo porque a descrição da Alemanha é minuciosa. A discussão principal fica entre a ideia de hábitos do dia a dia serem ou não um bom parâmetro para medir os ditames sociais. Quando Elias analisa os modos a mesa, fica clara a discrepância entre a idade média e a modernidade. As pessoas a mesa vão cada vez sendo menos impulsivas e selvagens, e passam a ser cada vez mais controladas e civilizadas. O processo civilizador é lento, mas é claramente exposto, mostrando também diferenças entre países. Norbert busca a raiz, falando em uma sociedade que vai criando um novo superego, uma ordem que antes não existia. Ninguém desenhou as mudanças que ocorreram e elas não tinham objetivo claro. O livro tenta colocar um ponto compartilhado por Max Weber, de que a construção depende da atitudes de todos, as atividade singulares agregadas são importantes para definir como uma sociedade se estabelecerá, é observado um padrão, algo próximo ao tipo ideal. “... não há uma intenção deliberada de cada sujeito que produz a civilização, mas são os atos dos sujeitos singulares agregados uns aos outros que a tornam universal e produzem ou não a civilização. Dito de outra forma, as demandas sociais de cada tempo histórico possibilitam transformações nos hábitos e costumes socialmente aceitos. Essas transformações sucessivas na civilidade humana 18 Site Sociologia Popular; Página Sociologia & Opinião (ano 5); O Processo Civilizador, de Norbert Elias. 2012 41 permitiram o atual grau de civilização e o desenvolvimento de nossa época, no entanto, esse processo não seria obra de planejamento de uma única pessoa ou grupo de pessoas. Foi a somatória dessas transformações que permitiu a constituição da atual civilização.” Pode ser que haja convergência entre as ações da maioria da população e as organizações ou não. Como a Alemanha é um país com um governo democrático de direito, considerar-se-á que há uma relação no mínimo razoável entre o tipo ideal alemão e as atitudes das organizações. Em outras palavras a matriz institucional reflete em seus valores o tipo ideal analisado. 4.2 Norbert Elias e o Processo Civilizador 4.2.1 Noções Gerais O livro será analisado passo a passo, a sua ordem será respeitada. Após a análise serão sintetizadas a teoria. Logo na introdução do livro é definida há a seguinte ideia: “O conceito de civilização refere-se a uma grande variedade de fatos: ao nível de tecnologia, ao tipo de maneiras, ao desenvolvimento dos conhecimentos científicos, às ideias religiosas e aos costumes... Mas se examinamos o que realmente constitui a função geral do conceito de civilização, e que qualidade comum leva todas essas várias atitudes e atividades humanas a serem descritas como civilizadas, partimos de uma descoberta muito simples: este conceito expressa a consciência que o ocidente tem de si mesmo. Poderíamos até dizer: a consciência nacional.” Analisando as premissas citadas será construída a personalidade do típico alemão. Norbert procura o que é comum ao homem social e disso busca criar uma consciência nacional, essa teoria encaixa com a ideia deste trabalho de construir os valores e, após isso, a respectiva matriz institucional. Comecemos com a definição de civilização, o dicionário descreve a palavra como: “Estado de adiantamento cultural e social. Ato de civilizar. Resultado de civilizar. Processo de aquisição de valores culturais, sociais e tecnológicos.” Considera-se, dada a definição, que a noção de civilização é para cada um relativa, isso sendo que a palavra adiantamento tem definição relativa, o alemão possui uma ideia típica sobre isso. Norbert coloca que o Alemão observa a palavra 42 civilização, Zivilisation, como algo útil que passa uma impressão razoável sobre alguém, mas é uma noção superficial. Para se identificar os Alemães utilizam uma definição mais profunda: “A palavra pela qual os alemães se interpretam, que mais do que qualquer outra expressa-lhes o orgulho em suas próprias realizações e no próprio ser, é Kultur.” Nesse ponto já começa a ser descrito uma característica do alemão, o orgulho de raça, uma noção de sua superioridade a partir das suas realizações. A palavra Kultur deriva da palavra alemã Kulturell que alude ao que a pessoa é, mas não de forma intrínseca. Por exemplo alguém com o intelecto bem desenvolvido e delineado se encaixa na palavra, ela não se dirige diretamente a valores, mas sim ao que o diferencia em meio social do ponto de vista das realizações sociais. “O conceito alemão de Kultur, no emprego corrente, implica uma relação diferente com o movimento. Reporta-se a produtos humanos que são semelhantes a “flores do campo”, a obras de arte, livros, sistemas religiosos ou filosóficos, nos quais se expressa a individualidade, nos quais se expressa a individualidade de um povo.” Esse orgulho do alemão é por sobre suas realizações, suas noções de progresso. O orgulho dos feitos cria um orgulho de raça considerável, no progresso é observada uma noção de superioridade, quanto mais desenvolvidos os aprofundamentos intelectuais, mais “civilizada” a sociedade. Para o progresso é necessário se dividir com clareza o pensamento racional do emocional, quem não o faz torna-se mal sucedido em meio social. O alemão não fala tanto sobre o seu orgulho de civilização, mas sim do seu orgulho constante pelos progressos que todo dia alcançam, a capacidade de se desenvolver, de progredir é demonstração de superioridade. A ideia de Zivilization é para o alemão apenas consideração de segunda classe. O orgulho de raça tem referência histórica principalmente em sua unificação tardia e em suas constantes separações territoriais, esse orgulho dificultou por muito tempo a união dos povos. Existiam sim padrões de atitude, mas noções de superioridade que dificultaram a convivência unida. A ideia de Kultur ecoa em sociedade, o sucesso intelectual é uma pressão social que favorece o coletivo quanto ao progresso. Dar por exemplo uma contribuição artística e aprofundada para a sociedade é sinal de sucesso individual, esse indivíduo é considerado positivamente diferenciado. No fim das contas as conquistas individuais fortalecem o coletivo quanto a eficiência, se o progresso intelectual é o objetivo, nada mais natural do que haver um desenvolvimento econômico sério e saudável. 43 4.2.2 Compreendendo o surgimento do Kultur Para entender a Alemanha atual há de se observar as variações ocorridas no século XVIII. Norbert Elias elucida a situação sobre essa época. “ Não é fácil falar sobre a Alemanha em termos gerais, uma vez que nessa época notam-se características especiais em cada um de seus muitos estados. Mas apenas algumas serão, finalmente, decisivas para o desenvolvimento do todo. Delas o resto se segue naturalmente. Além disso, certos fenômenos gerais apresentam-se mais ou menos claramente em toda parte. Para começar, há o despovoamento e a pavorosa devastação econômica do país após a guerra dos trinta anos. No século XVII, e ainda mesmo no século XVIII, a Alemanha e, em particular, a burguesia alemã são pobres em comparação com os padrões francês e Inglês. O comércio, em especial o comércio externo que fora altamente desenvolvido em partes do país no século XVI, está em ruínas. Desmoronou a imensa riqueza das grandes casas mercantis, parcialmente devido à mudança nas rotas de comércio devido a descoberta de novas terras no ultramar e, até certo ponto, em consequência do longo caos da guerra. O que sobra é uma burguesia de pequenas cidades, de horizontes estreitos, vivendo basicamente do atendimento de necessidades locais É pouco o dinheiro disponível para luxos tais como literatura e arte. Nas cortes, nos casos em que há recursos suficientes, as pessoas imitam insatisfatoriamente a conduta da corte de Luís XVI e falam francês. O alemão, a língua das classes baixa e média, é pesadão e incômodo. Leibniz, o único filósofo cortesão alemão, o único grande alemão dessa época cujo nome desperta aplausos em círculos cortesãos mais amplos, escreve e fala em francês ou latim, raramente o idioma nativo. E o problema da língua, o problema do que pode ser feito com este desengonçado idioma, ocupa-o também, como ocupou tantos outros. O francês espalha-se das cortes para a camada superior da burguesia. Todas as honnêtes gens(gente de bem), todas as pessoas de consequência o falam. Falar francês é o símbolo de status de toda a classe superior. Em 1730, anoiva de Gottsched escreve a seu prometido: “Nada é mais plebeu do que escrever cartas em alemão.” A população Alemã era extremamente pobre e praticamente não possuía trabalhos no ramo da ciência e das artes, isso provavelmente pelo histórico de guerras e baixo desenvolvimento burguês no pós idade média. Não se fala em grandes alemães até a segunda metade do século XVIII, época em que começa a haver maior estabilidade política e social. Goethe foi um dos primeiros e dos poucos que conseguiram ser aceitos e respeitados na corte alemã, vale ressaltar que o seu primeiro livro de destaque Iphigenie foi lançado apenas em 1787, o que vai 44 mostrando que mesmo no início do século XIX a mobilidade social ainda era baixíssima. Mesmo com o começo do desenvolvimento científico, os talentos eram pouco reconhecidos e a mobilidade social era praticamente nula, para ser cortesão era praticamente necessário haver correspondente consanguíneo que o justificasse. Os alemães admiravam as aparências, a veneração pelo decoro francês explicita isso. Ao longo do tempo essa situação mudará. Emannuel Kant falou sobre a população alemã em 1784 no livro “As ideias sobre uma história universal, do ponto e vista de um cidadão do mundo”: “Cultivados a um alto grau pela arte e pela ciência, somos civilizados a tal ponto que estamos sobrecarregados por todos os tipos de decoro e decência social...” Nesse excerto Kant fala da corte tratando-a com sarcasmo e a tradução de civilizado é, nesse caso, Zivilization. A presença da ideia de status era muito forte, os decoros eram extremamente presentes. O ponto é que só nessa época começa a se fortalecer a ideia de Kultur, mas o que ainda predominava era o Zivilization (A conexão entre os dois termos será ainda melhor explorada nesse trabalho). Vale ressaltar que características como ordem e atitudes sociais formais já eram absolutamente presentes. Na segunda metade do século XVIII surgem expoentes como Klopstock, Herder, Lessing, Goethe, Schiller e muitos outros. Todos eles começarão uma “revolução cultural” que acompanhará o desenvolvimento burguês que tem como consequência o enriquecimento alemão, o que oferece mais possibilidade de desenvolvimento intelectual. O termo Kultur ganha força por meio desses expoentes. Norbert expõe que antes do desenvolvimento ocorrido no século XIX e da relativa paz do meio do século XVIII, os alemães agiam como selvagens. Esse cenário muda com a diminuição das guerras no século XVIII, nessa época houve espaço para haver competição social pacífica entre os alemães, foi considerado superior quem possuía mais status, o que foi diretamente conectado com superficialidades, sendo copiadas as atitudes da corte francesa. O alemão partiu da selvageria às superficialidades. Com o advento dos intelectuais o selvagem vai sumindo, mas algumas superficialidades se mantém, o que pareceria, à primeira vista, inviável, pois superficialidade e profundidade são opostos. A realidade é que essas duas antíteses se sintetizaram em meio social. No próximo tópico essa relação será explorada. 4.2.3 Explorando a Antítese Kultur X Zivilization O conceito de Zivilization vai se abraçar as tradições, uma específica civilização pode ser muito orgulhosa do que já fez, o que não quer dizer que necessariamente ela continuará a fazê-lo. Nesse conceito um povo pode se apegar 45 as aparências, mas no Kultur o alemão expressará seriedade e uma possível profundidade intelectual com ações em sociedade. No caso dos alemães a pressão é muito mais constante sobre as atitudes do presente, o Kultur se torna para eles natural, há sempre a necessidade de se melhorar intelectualmente. Norbert Elias coloca os dois conceitos em pauta como antíteses, a oposição segmentada é entre superficialidade e profundidade. Por exemplo as tradições (superficialidades) não se bastariam porque elas são baseadas em sentimentos para eles quase irracionais, afinal não há porque morrer de orgulhos por algo realizado por outro, eles o congratulam, mas não veneram. De nada adianta nascer em um povo com história rica se a pessoa não alcançar, do ponto de vista individual, profundidade intelectual. “Se a antítese é expressa por este ou outros conceitos, uma coisa fica sempre clara: o contraste de características humanas particulares, que mais tarde servem principalmente para patentear uma antítese nacional, surge aqui principalmente como manifestação de uma antítese social. Como experiência subjacente à formulação de pares de opostos tais como “profundeza” e “superficialidade”, “honestidade” e “falsidade”, “polidez de fachada” e “autêntica virtude, e dos quais, entre outras coisas, brota a antítese entre Zivilization e Kultur...” É também improvável que todos os cidadãos consigam o aprofundamento intelectual desejado. Antes da primeira guerra mundial já existia uma elite, uma nobreza política que era respeitada não pelos seus feitos políticos, mas sim intelectuais. Além dessa elite formou-se uma classe média com uma grande quantidade de pessoas frustradas pelo seu não aprofundamento, decência e decoro passam a ser essenciais para que a tão desejada intelectualidade seja transmitida, mesmo não sendo real. Para Norbert a decência e o decoro se aplicam tanto na elite quanto na classe média. Na primeira há, já no século XX, a intelectualidade como questão profunda, mas ao mesmo tempo a pressão de Zivilization os incentiva a demonstrar por meio de decoros e superficialidades essa “superioridade”. Na segunda há uma busca pela racionalidade, pelo seu insucesso cria-se uma máscara de decoros que disfarça o “insucesso”. A capacidade intelectual é definida pelo alemão como intelligentsia, é no contraste desse conceito que fica clara a situação da sociedade alemã. Todos querem ter o Kultur, mas alguns não o conseguem, se limitando então às superficialidades de Zivizilation, o Kultur carrega consigo a ordem, e os que não conseguem encontrar a devida profundidade se apegam ao Zivilization para disfarçar sua posição consequentemente desprivilegiada na sociedade. Nesse ambiente há a busca pelo profundo, mas ao mesmo tempo uma necessidade superficial de demonstrar isso, assim se sintetizam Kultur e Zivilization. Elias dispõe sobre os desejos alemães e no discorrer do livro vai concluindo que a maioria absoluta das pessoas disfarça por não atingir os altos padrões sócias, por isso a decência e o decoro começam a funcionar em geral como máscara, essa 46 situação fica mais clara a partir de um texto de 1736 chamado “Hof, Hoflichkeit e Hofmann (Corte, Cortesia e Cortesão). O texto é muito extenso para ser disposto na íntegra, mas as passagens de alguns disertos podem por si só elucidar bastante o ponto. “A cortesia indubitavelmente deriva seu nome da corte e da vida cortesã. As cortes dos grandes senhores são teatros em que todos querem fazer sua fortuna. Isto pode ser feito conquistando-se o favor do príncipe e dos membros mais importantes de sua corte. O indivíduo, por conseguinte, não poupa esforços para ser agradável a eles. E nada realiza isso melhor do que fazer o outro acreditar que estamos pronto para servi-lo até o máximo de nossa capacidade e em todas condições. Não obstante, nem sempre estamos em condições de assim proceder e talvez, por boas razões, não queiramos assim agir. A cortesia serve como substituto de tudo isto. Através delas damos aos outros tantas garantias, através de nossa conduta visível, que ele forma uma expectativa favorável e nossa disposição de servi-lo. Isto lhe desperta a confiança, da qual se desenvolve imperceptivelmente uma afeição por nós, com o resultado de que se torne ansioso para nos fazer o bem. Isto é tão comum no caso de cortesia que confere uma vantagem especial àqueles que a possuem. Sem dúvida deveriam ser a habilidade e a virtude os fatores que nos conquistassem a estima da pessoa. Mas como são poucos os juízes corretos das duas! E quantos menos os consideram dignas de honra! As pessoas preocupadas demais com exterioridades, são muito mais influenciadas pelo que atinge externamente seus sentidos, especialmente quando as circunstâncias concomitantes são de ordem a afetar-lhe especialmente a vontade. Isto funciona com toda a precisão no caso do cortesão.” Esse trecho é base de toda a teoria de Norbert Elias, não se faz necessário um aprofundamento filosófico sobre o texto, mas sim uma análise interpretativa. O texto coloca que sem dúvida as habilidades e as virtudes deveriam ajudar a conquistar a estima de alguém. Está exposta nesse ponto que o alemão crê que o profundo é que deveria ser apreciado, mas nem sempre isso ocorre. Explicita-se no excerto que o indivíduo de classe mais baixa alimenta o ego, a superficialidade do de classe mais alta para conquistar sua estima. No caso o de classe mais baixa está mascarando sua falta de habilidades intelectuais e o de classe mais alta está com o ego inflado mostrando sua necessidade superficial de demonstrar sua superioridade. Nessa época a elite ainda não era elite por causa da intelectualidade, essa situação muda ao longo do tempo. Explicitando o quão forte ainda era o Zivilization no século XVIII, Goethe diz: “As pessoas com quem vivi não tinham ideia do que seja erudição. Eram cortesãos alemães e essa classe não possui nenhuma kultur.” 47 Ele continua a fala comentando sobre Andre-Marie Ampére, físico francês que aos 20 anos já produzia grandes trabalhos e ainda sobre a falta de unidade alemã. “Na Alemanha não podemos ter a esperança de produzir obra tão madura em idade tão jovem. Isto não é culpa do indivíduo, mas do estado cultural da nação e da grande dificuldade que todos experimentamos em, sozinhos, abrir caminho... Na França, os membros da intelligentsia são mantidos juntos (no caso em Paris) em uma “boa sociedade” mais ou menos unificada e central. Na Alemanha com suas numerosas e relativamente pequenas capitais, não há essa “boa sociedade” central e unificada.” É importante ressaltar que Goethe fala sobre “abrir caminho”, para Norbert essa é a perfeita definição sobre como os intelectuais coexistiam naquela a época quanto a avanços na ciência e nas artes. Goethe também fala do povo comum, excluindo os cortesãos. “Na França, até os jovens vivem em um ambiente de rica e estimulante intelectualidade, mas o jovem membro da classe média alemã tem que subir a muito custo em relativa solidão e isolamento.” Goethe, como grande escritor, simbolizou o começo da ascensão burguesa que trazia consigo os primeiros grandes intelectuais de uma nação. Eles são desbravadores de uma sociedade em geral superficial e pouco produtiva dos ponto de vista científico e das artes. A partir dessa época começa-se a se construir o Kultur, o que mais tarde culminará em intelectuais tendo o poder político. O cenário do século XVIII se modifica ao longo do tempo. Por agora demonstrar-se-a que o Zivilization e o Kultur se fortaleceram, sendo que o segundo mais que o primeiro. No início imperava o Zivilization, o Kultur depois ganha força, mas não toma o lugar do primeiro, os dois coexistem. A ideia é mostrar como a sociedade se desenvolveu até chegar ao ponto em que os intelectuais se tornaram a elite. Norbert descreve o surgimento de uma antítese nacional com clareza em seu livro. “Com a lenta ascensão da burguesia alemã, de classe de segunda categoria para depositária da consciência nacional, e finalmente – muito tarde e com reservas – para classe governante, de uma classe que, no início, foi obrigada a se ver ou legitimar principalmente se contrastando com a classe superior aristocrática da corte, e em seguida definindo-se contra nações concorrentes, a antítese entre Kultur e Zivilization, com todos os seus significados correlatos, muda em significação e função: de antítese primariamente social torna-se primariamente nacional.” 48 A Alemanha começa a criar uma identidade a partir do desenvolvimento burguês, mas persistem em sociedade resquícios da aristocracia. 4.2.4 Mudança do cenário alemão Em meados do século XIX muitos pensadores alemães já haviam surgido, o desenvolvimento na ciência e nas artes já era considerável. A estabilidade econômica e política permitiu a ascensão burguesa, com ela surgiram pré-requisitos razoáveis para o desenvolvimento intelectual. Em 1852 o francês Fontane opinou sobre a Inglaterra e a comparou com a Alemanha, nas falas dele já se pode observar as mudanças no antigo paradigma alemão. “A Inglaterra e a Alemanha se relacionam da mesma maneira que forma e conteúdo, aparência e realidade. Ao contrário das coisas, que em nenhum outro país do mundo exibem a mesma solidez que na Inglaterra, as pessoas se distinguem pela forma, pela aparência mais visível. O indivíduo não precisa ser um cavalheiro, precisa apenas ter razão, precisa apenas colocar-se dentro das formas de razoabilidade, e terá razão... Por toda a parte, aparência. Em nenhum lugar inclina-se mais o homem a abandonar-se cegamente ao mero brilho de um nome. O alemão vive para viver, o inglês para representar. O alemão vive para si mesmo, o inglês vive para os outros.” Nesse texto nota-se a parcialidade do autor que está criticando negativamente a Inglaterra e enaltecendo a Alemanha, Norbert acaba por discordar dele em partes, pois ele crê que mesmo que, no caso alemão, o objetivo seja o intelecto, muitos não o alcançam satisfatoriamente, o que discorreria em decoro que funciona como “máscara social”. Percebe-se também que o alemão realmente intelectual já não mais possui a necessidade do decoro para conseguir aprovação social, os não intelectuais buscam sim aprovação, mas de forma individual. As relações formais se mantêm, mas o objetivo muda, ele é agora uma busca individual por melhorias de erudição. O Zivilization se enfraquece, agora o alemão continua a ter decoro, mas o mais importante é ter talento para se melhorar do ponto de vista individual. Outra característica também muito presente no alemão médio é apresentada, a sinceridade. No caso descrito o conceito de “civilização” não é mencionado. Mas ao juntarmos o exemplo e todas as reflexões realizadas, vê-se que a antítese alemã entre Zivilization e Kultur não se sustenta sozinha, é parte de um conceito mais amplo que expressa a autoimagem alemã. No início esse antítese estava presente entre as classes sociais, mas agora ela já representa a nação alemã. No século XVIII a corte alemã imitava a corte francesa, com a ascensão da burguesia alemã, que se desenvolveu na ciência e nas artes, a atitude cortesã começa a ser vista como de segunda linha. Muitos autores criticaram pesadamente 49 a posição cortesã que imitava a França, então naturalmente a nova alta classe toma um caminho diferente, a Alemanha torna-se diferente de França e Inglaterra, a corte antes cheia de superficialidades acaba por, no século XIX, incorporar o pensamento alemão burguês. Antes citamos que a mobilidade social na Alemanha era praticamente nula, surge então um aparente paradoxo, afinal como a ideologia burguesa penetrou nas cortes? A falta de burgueses nas cortes evitaram que eles incorporassem para si a superficialidade e o viés político delas. O capitalismo ganha força e com ele a burguesia. A aristocracia torna-se decadente, aos poucos os novos capitalistas vão, por meio do dinheiro, tomando as rédeas, a corte então começa a absorver os valores burgueses e não o contrário. Quando a corte impede no século XVIII a mobilidade social dos burgueses, ela cava sua própria cova, pois com a ascensão deles os valores cortesãos praticamente não sobrevivem. A burguesia começa a aparecer no poder representando o valor do alemão médio que repugnava as superficialidades, os cortesãos então se adaptam incorporando o pensamento burguês. De acordo com Norbert, a oposição Kultur e Civilization formam os valores alemães que prevalecem até o seu tempo. Atualmente a obra ainda é considerada contemporânea e representativa da cultura alemã, claro que após seu livro houve um refinamento da teoria, algo que não será explorado neste trabalho que possui finalidades de graduação. 4.2.5 Costumes Alemães Os costumes hão de ser observados para fortalecer o que até agora foi dito. Diversos valores já foram expostos, agora as atitudes serão. A ideia é a de que haja convergência entre os dois. Norbert explica a mudança de diversos hábitos em sociedade. Os principais são modos à mesa, funções corporais, os gestos, o comportamento no quarto, o hábito de assoar-se, o de escarrar, a relação entre os sexos e a agressividade. O costume a ser explorado aqui será o de modos a mesa, pois ele acaba por explicitar de maneira razoável as características alemãs já exploradas. Para falar dos comportamentos a mesa Norbert mostra textos que davam regras de etiqueta em épocas diferente, esses exemplos serão aqui expostos e as diferenças ficam claras. Há primeiro um livro de etiquetas do século XV, época em que, segundo Norbert, a “selvageria” estava mais presente. Século XV “Aprende estas regras. Toma o cuidado de limpar e cortar as unhas. Sujeira sobre as unhas torna-se perigoso quando a pessoa se coça. Lava as mãos quando te levantas e antes de todas as refeições. 50 Não seja o primeiro a se servir de um prato. Não reponhas em seu prato o que esteve em sua boca. Não ofereças a ninguém um pedaço que já mordeste. Não mastigue nada que vais ter que cuspir novamente. É má educação salgar comida no saleiro. À mesa, mantém-se tranquilo, calado e cortês. Se partiste pão dentro do seu copo de vinho, bebe o vinho ou joga-o fora. Não te empanzines ou serás obrigado a cometer uma quebra de boas maneiras. Não se coces à mesa com as mãos ou com a toalha.” Nota-se por esse regramento de etiquetas para os nobres da época, que o que antes era decoro, hoje seria considerado na maioria das civilizações comportamento básico. A etiqueta da idade média exigia que as pessoas mantivessem uma higiene que evitasse doenças e que durante a alimentação não houvesse flatulências ou escarros à mesa. Desses pontos de vista chegamos a conexão com “selvageria” feita por Norbert Elias. Elias também conecta os maus modos à mesa a incerteza presente na idade média, ele cita Luchaire que diz: “Para a sociedade da época, a guerra era o estado normal... A forma crônica que a guerra costumava assumir, a perturbação contínua de cidade e campo por todos os tipos de maltas perigosas, a ameaça permanente de sentenças duras e imprevisíveis nos tribunais... alimentavam um sentimento geral de incerteza.” Em alguns versos do Distiche Catonis, que foram transmitidos de uma geração a outra durante toda a idade média expõe-se as seguintes palavras: “A todos nós uma dura e incerta vida é dada... Sabemos bem que a morte virá e que nosso futuro é desconhecido: sorrateira como um ladrão ela virá e corpo e alma separará. Assim, tem fé e confiança: não temas demais a morte, pois se assim o fizeres, a alegria nunca mais será tua consorte.” E sobre esses excertos, Norbert comenta: “Viver era somente sobreviver” Parece razoável que na situação descrita haja pouca preocupação com decoros a mesa. Os que naquela época viviam estavam mais preocupados em sobreviver do que em melhorar as aparências para agradar ao próximo. Pode-se agora fazer um paralelo da situação acima com a teoria institucional de North. É exposto em teoria que uma sociedade necessita de instituições fortes 51 que oferecem pré-requisitos básicos à sobrevivência, isso, para que haja tempo para o desenvolvimento econômico. Um exemplo disso seria o de oferecer direitos de propriedade a população e que tudo isso fosse garantido por tribunais que sempre respeitassem algo maior, como uma constituição. Sem essas garantias não sobra tempo para desenvolvimento intelectual e puro lazer, os custos de transação são extremamente altos e a instituições não são fortes, o que dificulta o crescimento econômico. Pouca garantia de propriedade e altos custos de transação são constantes para os alemães até a segunda metade do século XVIII, pois eles estavam constantemente em guerra e ainda eram territorialmente divididos. A Alemanha em comparação aos outros países europeus tem, por esses motivos, um processo civilizador tardio. Era esperado que suas maneiras à mesa só começariam a mudar na segunda metade do século XVIII, isso pelo histórico já descrito nesta monografia em capítulos anteriores. É disposto que os países começam a mudar seus modos a mesa com o fim da idade média. Norbert vai mostrando a dificuldade da implementação de etiquetas mais rígidas durante o renascimento, a resistência das pessoas ao uso de talheres, pratos individuais, guardanapos, entre outros. Como já citado, na Alemanha os bons modos a mesa demoram mais a se estabelecer do que nos outros países europeus. No pós idade média pode-se pegar como exemplo uma canção escrita entre 1640 e 1680, época em que a etiqueta não era a francesa, mas também não era a medieval. “No passado, as pessoas comiam em um prato comum e enfiavam o pão e os dedos no molho. Hoje todos comem com colher e garfo em seu próprio prato e um criado lava de vez em quando os talheres no buffet.” Só em meados do século XVIII as regras à mesa começam realmente a mudar na Alemanha. Na época as guerras cessaram e a superficialidade começou a prevalecer, imitar os decoros da corte francesa era o padrão social. Com isso o desenho já era completamente outro. Os direitos de propriedade estavam mais garantidos, os custos de transação eram menores. O alvorecer do desenvolvimento intelectual e econômico começa nesse momento, no século XVIII ainda de forma embrionária, o que faz sentido de acordo com a superficialidade cortesã primeiro acatada. Segue uma conversa entre o poeta Delille e o abade Cosson em 1786 que demonstra o excesso do decoro da corte francesa que era acatado na Alemanha. ““Há pouco tempo, o abade Cosson, professor de Belas-Letras do Collége Mazarin, falou-me a respeito de um jantar a que comparecerá alguns dias antes com algumas pessoas da corte em Versalhes. “Aposto”, disse eu a ele, “que você cometeu uma centena de gafes.” “O que é que você quer dizer com isso?”, respondeu imediatamente o abade Cosson, muito perturbado. “Acho que fiz tudo da mesma maneira que todo mundo” 52 “Que presunção! Aposto que não fez nada da mesma maneira que todo mundo. Mas vou me limitar ao jantar. Em primeiro lugar, o que fez com o guardanapo quando se sentou?” “Com o guardanapo? Fiz o que todo mundo fez. Abri-o, desdobreio e prendi-o por um canto na casa de um botão.” “Bem, meu querido amigo, você foi o único que fez isso. A gente não abre todo o guardanapo, coloca-o sobre os joelhos. E como foi que tomou a sopa?” “Como todo mundo, acho. Peguei a colher com uma mão e o garfo com a outra...” “O garfo? Deus do céu! Ninguém usa garfo para tomar sopa... Mas diga como foi que comeu o pão.” “Certamente, igual a todo mundo. Cortei-o bem certinho com a faca.” “Ó, Deus do céu, a gente parte o pão com a mão, não com a faca... vamos continuar. O café... como foi que tomou?” “Como todo mundo, para dizer a verdade. Estava fervendo, de modo que derramei-o, um pouquinho de cada vez no pires.” “Bem, você de maneira alguma tomou-o como todo mundo. Todos bebem o café na xícara, nunca no pires...”” Nota-se na conversa um decoro muito maior do que os até agora explorados, a Alemanha imitava a corte francesa e a superficialidade reinava nas cortes alemãs. Saber se portar de modo cortês era demonstração social de superioridade. A situação mudará no século XIX por meio da ascensão burguesa e desenvolvimento intelectual profundo alemão. Os decoros ainda existirão, mas a superficialidade de Zivilization se tornará secundário, não será mais prioridade como no século XVIII. O leitor pode então questionar como o aparecimento do Kultur é demonstrado no comportamento à mesa. Norbert diz: ““Juntamente com uma situaçao social muito específica, os sentimentos e emoções começam a ser transformados... Courtin não diz como se diria mais tarde, que algumas pessoas acham “antihigiênico” ou “prejudicial à saúde” tomar sopa na mesma sopeira que outras pessoas.”” O alemão parte da selvageria à superficialidade da corte, após isso começam a surgir questionamentos profundos sobre o porquê de se ter bons modos à mesa. Pesquisas científicas aparecem demonstrando as vantagens da higiene à mesa. Exatamente como na sociedade alemã, surge a superficialidade a partir do século XVIII que é parcialmente substituída no século XIX. O alemão mantém muitos dos seus decoros, mas a motivação não é mais superficial e sim profunda, ele questiona os porquês dos decoros. Nesse ponto é possível observar as antíteses Kultur e Zivilization se sintetizando nos comportamentos à mesa. O alemão do século XIX tem modos à mesa, mas os questiona continuamente sempre buscando os porquês, o que mostra sinais do alemão intelectual que surgira. 53 4.3 A Alemanha e seu medo da inflação Um último ponto relevante para explicar as atuais políticas econômicas alemãs seria o medo da inflação que eles desenvolveram. Em um cenário de inflação descontrolada é natural que haja maior dificuldade e menos tempo para se preocupar com questões intelectuais e satisfação pessoal. O alemão que viveu tantas guerras no séculos antes do XVIII e durante o século XX viu nesses momentos uma perda da sua capacidade de se desenvolver. A sensação de superioridade sempre foi presente, mas após a perda de duas guerras mundiais surgem dúvidas, ainda mais quando cria-se também um cenário hiperinflacionário. O orgulhoso alemão não conseguiu no século XX demonstrar sua superioridade nas guerras e nem na economia, o que cria uma frustração para quem entende seu intelecto como chave para a civilidade superior. É relevante explicar o medo da hiperinflação porque uma política fiscal conservadora a combate, exatamente o que faz a Alemanha. A curva de Phillips expõe o trade off desemprego baixo ou inflação alta e o alemão escolhe a segunda como objetivo. A história e a teoria econômica mostram que é mais cuidadoso se preocupar com a inflação, o crescimento e menor no curto prazo, mas é mais sustentável. O alemão pensa em prazos longos valorizando sua racionalidade e tendo como objetivo o sucesso econômico do seu país, assim ele conseguirá sua tão almejada satisfação pessoal. As principais causas da hiperinflação alemã de 1923 foram os imensos gastos para o financiamento da primeira guerra mundial e as restrições impostas pelos outros países após a perda dela19. De repente o alemão vivia uma fase terrível, havia a destruição da guerra, a diminuição do salário real por meio da inflação e a incapacidade de o governo combatê-la dadas as restrições de outros países e o desconhecimento teórico sobre combate à inflação. O orgulhoso alemão que havia conseguido no século XIX grande desenvolvimento intelectual e econômico, e a união do seu território em 1871 via sua árdua evolução ruir. Afinal como poderia um povo, que preza pelo desenvolvimento intelectual individual profundo e que consegue passar essas ideias para uma matriz institucional que se torna forte, perder tudo isso de repente, Norbert expõe em seu livro que os alemães tendem a se superestimar, o novo superego alemão tem ambições infinitas que fazem com que ele aceite mal suas limitações. Quanto ao caso, o Ph.D em economia e presidente do Foundation for Economic Education Lawrence W. Reed comentou: “Imediatamente após a guerra, o governo alemão, sob a liderança do Partido Socialista, iniciou uma política de pesados gastos com saúde, educação e assistencialismo. As demandas sobre o Tesouro já eram extremamente intensas por causa dos gastos com a desmobilização militar, das exigências do Armistício, das 19 O. Braga. WORLDPRESS. “O que as elites portuguesas, vendidas à estranja e à utopia europeísta, não dizem, é que essa hiper-inflação existiu na Alemanha na década de 1920 porque este país teve que pagar altas indemnizações de guerra, por ter causado e perdido a I Guerra Mundial.” 54 desordens oriundas da revolução e dos atordoantes déficits das indústrias que foram nacionalizadas, principalmente as ferrovias, os serviços postais, a telefonia e os telégrafos. A administração pública conduzida pelos novos homens alçados ao poder pela revolução era, todavia, extravagante, uma vez que os recursos disponibilizados pela possibilidade de se criar dinheiro eram aparentemente ilimitados.” Pode-se dizer que as políticas macroeconômicas da época foram irresponsáveis por parte dos alemães, mas há de se considerar que a inflação era ainda assunto relativamente novo, não se sabia como lidar com ela. Por isso alegar irresponsabilidade pode ser precipitação sendo que as soluções inflacionárias só foram apresentadas nos últimos 40 anos. A questão é que o alemão sofreu pesados danos sociais com a inflação e isso criou um trauma em sua mente, vale ressaltar que outros países também sofreram o mesmo problema, mas não reagiram com tanto medo. A partir do que já foi observado do alemão, era esperado que assim eles reagissem, o não lidar bem com o fracasso e os seus objetivos de superioridade criam um ambiente em que não é permitida a repetição do erro. A grande auto cobrança do alemão faz com que eles tenham trauma de uma hiperinflação ocorrida em 1920, enquanto os brasileiros, por exemplo, praticamente já se esqueceram de uma hiperinflação nos anos de 1980. A austeridade alemã do ponto de vista individual, ecoa nas realizações coletivas. 4.4 Definindo o alemão típico Depois do que foi exposto podemos descrever o alemão falando das antíteses Kultur e Zivilization, profundidade e superficialidade. Pra chegar até esse ponto um longo caminho foi percorrido. Durante a idade média o alemão era um povo guerreiro, eram os bárbaros que lutavam por propriedades e pela sua sobrevivência. Com o acalmar das guerras eles mantiveram seu orgulho de raça e começaram a se apoiar na superficialidade das cortes francesas. O desenvolvimento intelectual começou a aparecer na classe burguesa que ascendeu, não foram esquecidos os decoros, mas a profundidade intelectual do ponto de vista individual virou objetivo. O desenvolvimento na ciência e nas artes foi consequência. Com alto desenvolvimento científico, vem a inovação tecnológica, o aumento de produtividade e o crescimento econômico do coletivo. Instituições fortes, cheias de decoro e sérias foram estabelecidas, elas representavam o alemão médio. A unificação territorial adiantou ainda mais esse fortalecimento. Na Alemanha foram criados o conceito por exemplo de burocracia, que representam a forma, o decoro (Max Weber) e ao mesmo tempo livros de extrema sensibilidade e profundidade como “Os sofrimentos do jovem Werther” de Goethe foram criados. O alemão vive a antítese Kultur e Zivilization. Tudo isso é acompanhado principalmente por forte orgulho de raça, necessidade de sucesso individual, 55 profundidade e decoros. Dessa forma é esperado que o desenvolvimento econômico coletivo se sobressaia a partir das demandas individuais do alemão. Também vale a pena citar o medo da inflação que é consequência da necessidade de sucesso e superioridade alemã. O orgulho cria esse medo, o que acarretará mais à frente em políticas monetárias e fiscais cautelosas em relação a outros países. A ideia agora é a de apresentar algumas características do grego. Iremos então comparar as suas matrizes institucionais, comportamentos organizacionais e políticas econômicas com os alemães. É importante pelo menos citar o caso grego, pois eles tendem a agir de maneira oposta aos alemães, isso pode deixar mais claro o posicionamento econômico da Alemanha. 56 5 Noções sobre as instituições gregas e alemãs Nessa análise será utilizado o livro “Pós-Guerra: Uma História da Europa desde 1945” do historiador Tony Judt. O livro explora um cenário europeu mais recente e em certo ponto disserta sobre os países do mediterrâneo expondo padrões sobre eles. Judt fala sobre o isolamento econômico dos países do mediterrâneo, enquanto os outros países da Europa ocidental possuíam bases sólidas, esses viviam de remessas do exterior e turismo. Para falar da atual Grécia é importante observá-la a partir dos anos 80. Época em que houve, no país, uma conversão pacífica para a democracia. Uma nova geração moderna crescia com novos ideais, deixando para trás a memória das ditaduras. A Grécia atual estava nascendo. Esses jovens carregavam consigo um pensamento cético e apolítico. A quebra das e a conseguinte ascensão dos governos que prometiam, mas não cumpriam, criou nos jovens gregos a descrença com a política. O governo era cercado por corrupção e falsas promessas dos mais velhos, o jovem fica desencantado e se afasta da política. Judt chega a chamar a Grécia e os outros países do mediterrâneo de institucionalmente anacrônicos, os mesmos governantes se mantiveram no poder e o jovem não tentou toma-lo com o intuito de modifica-lo. Os países do mediterrâneo são rapidamente aceitos pela OTAN, devido a guerra fria, assim feito, há nos anos 80 a abertura dessas economias para o mundo capitalista. Grécia, Espanha e Portugal começam a gozar das benesses da troca internacional, as instituições mantiveram a mesma “cara”, mas a riqueza os alcançou, mesmo que temporariamente, já que as bases institucionais eram frágeis e os custos de transação altos. Judt escreve a seguinte frase: “A impressão era a de que a Geografia vencera a história” A abertura econômica criou a impressão de que os países do mediterrâneo vingariam como economia desenvolvida. Eles eram pobres, agrários e logo abasteceram a agricultura europeia ocidental. A Grécia recebeu ajuda europeia e muito lucrou, a bonança parecia certa, como na atual Europa, eles já recebiam ajuda dos outros países. Diversas organizações se formaram para lidar com ajuda europeia, nelas a baixa supervisão das gestões deu espaço para muita burocracia e corrupção. A Grécia começava a sofrer o “moral hazard”. A Grécia manteve até hoje suas instituições anacrônicas decorrentes dos governos corruptos, o “moral hazard” ajudou a fomentar isso, o governo se tornou, ao longo do tempo, ainda mais burocrático e corrupto. O esperado ocorreu, mesmo com a existência prévia do tratado de Maastricht, a Grécia incorreu em alto endividamento e irresponsabilidade fiscal. A matriz institucional visava ao ganho privado em detrimento do público, havia ineficiência. Assim a Grécia persistiu até ser aceita na zona do Euro em 2001, o que, como já apontado por Jeffrey A. Frankel foi um erro. Seguem alguns índices sobre Grécia e Alemanha. 57 5.1 Definindo o alemão típico Nesse caso serão apresentados índices que buscam replicar a qualidade institucional, isso, para efeitos de comparação. As instituições gregas e alemãs serão assim avaliadas e analisadas. O primeiro índice é o de percepção de corrupção, ele é todo ano apresentado pelo órgão de transparência internacional. A pontuação pode variar de 0 a 10, quanto maior a nota mais confiável o país, e ela quantifica o quanto a população percebe de corrupção em funcionários públicos e privados, isso, considerando que corrupção está definida como abuso de poder para fins privados. A ideia é a de observar a Grécia logo antes da crise, porque a partir da crise é natural que haja um viés que piore os indicadores. Nesse índice a Grécia, em 2010, se localizava na posição 78 com a nota de 3,5 enquanto a Alemanha está na posição 15 com nota 7,9. Para se ter uma noção de quão ruim é a nota grega, eles estão atrás do Brasil que está na posição 69 com a nota 3,7. Comparado aos países da união europeia, a Grécia ocupa a última posição. Medir a qualidade institucional é, de acordo com North, entender os porquês do desenvolvimento econômico. Um alto nível de corrupção tira credibilidade da matriz institucional prejudicando-a quanto a efetividade de suas atitudes, além de que se há a preocupação privada do público, nem sempre as organizações visam ao eficiente. Outro índice seria o de qualidade educacional, mensurado pela WEF e liberado anualmente. Nesse estudo a Grécia se localiza na posição 55, enquanto a Alemanha está em sexto lugar. A Grécia está duas posições a frente do Brasil que se localiza em quinquagésimo sétimo. Uma má educação quer dizer pouco investimento efetivo por parte do governo. O setor público dos países ocidentais tem para si a ideia de suportar um tripé que envolve educação, saúde e segurança. O índice de corrupção já revela alguma insegurança enquanto o de educação mostra ineficiência do governo grego. Uma outra ideia a ser citada seria a de número de homicídios em relação a quantidade de habitantes. A Grécia possui ao ano, em média, 1,5 homícidios para cada 100 mil habitantes, a Alemanha atingiu seu recorde que é de 0,8 homicídios para cada 100 mil habitantes. No caso brasileiro esse número sobe para 25,8. Um último ponto pode ser o de IDH (Índice de desenvolvimento humano) da população. Uma alta qualidade institucional incorreria em alto IDH, nesse ranking mundial a Grécia está em vigésimo nono enquanto a Alemanha está em quinto. Desses dados podemos inferir que o estado grego é considerado corrupto, mas isso não se desencadeia em crimes violentos como homicídios. Além de que a qualidade dos investimentos público é discutível. A Alemanha possui bons níveis de educação e baixa criminalidade, com isso menores custos de transação e instituições mais eficientes. Os índices 58 demonstrados explicitaram claramente que seus direitos estão mais protegidos na Alemanha, que lá as decisões possuem menores custos e que o estado tende a investir eficientemente. North descreveria essas características como as de instituições fortes, que favorecem o crescimento econômico. A partir de tudo o que foi discutido conclui-se que os valores corroboraram para as ações atuais dos governos. O alemão com seu apreço pela profundidade e pelo intelecto criou instituições sérias enquanto o destino dos gregos foi o oposto. A matriz institucional firme e focada em desenvolvimento intelectual ofereceu bases para a Alemanha se desenvolver economicamente de forma sustentável. As políticas macroeconômicas e a reação das pessoas a elas são consequência disso. O desenvolvimento intelectual cria inovações, o que é essencial para o aumento de produtividade, isso tudo quer dizer crescimento econômico. O alemão ao desenvolver seu entendimento sobre as teorias econômicas entendeu que a responsabilidade fiscal ajudaria a segurar a inflação e daria suporte ao desenvolvimento social, o que do ponto de vista individual traria satisfação. Os gregos apresentaram altas dívidas e pouca responsabilidade fiscal durante a crise, enquanto alemães controlaram dívida e política fiscal. Dadas as qualidades institucionais esse seria o resultado esperado, um mais eficiente e o outro menos. Citar os dois países é importante pois eles se contrastam, das ruins instituições gregas saíram políticas duvidosas que afundaram a Grécia na crise e na Alemanha ocorreu o oposto. Hoje a Alemanha pressiona os gregos para que eles tenham responsabilidade fiscal, mas essas medidas, por mais que viessem a corrigir o problema, são renegadas. O que era esperado dados os ineficientes investimentos públicos do grego, dada a sua má qualidade institucional. Tomar atitudes fiscais responsáveis seria atuar de forma firme em meio a instituições capengas, o que é custoso e não usual. 59 6. Conclusão Juntar as teorias é difícil, mas realizável. Utilizar a teoria institucional de Douglass North e um trabalho chamado A Contribution to the Empirics of Economic Growth cujo autores são Nicholas Gregory Mankiw, David Romer e David N. Weil é uma ideia razoável e praticável. Mankiw, Romer e Weil utilizam o teorema de Solow e acrescentam a ele variáveis institucionais. O ganho de explicação do modelo se demonstra relevante, dando força as teorias de Weber e North. Para melhor analisar os resultados o livro base será o Os limites do Possível – Economia além da Conjuntura de André Lara Resende. Ele demonstra um ponto de vista atualizado de economia que não se prende apenas a uma escola econômica, ele tem expertise nas diversas escolas presentes de economia e sabe como misturalas transformando-as em algo inovador e com conteúdo. A austeridade fiscal poderia resolver os problemas europeus por meio da recessão, é uma solução dolorosa, mas é uma solução. Mesmo assim diversos países não se sujeitam a ela enquanto a primeira ministra alemã Angela Merkel disse em um discurso em Berlin: “It’s just about not spending more than you collect. It’s astonishing that this simple fact leads to such debates.” Para os valores alemães seria óbvio solucionar o problema por meio da diminuição dos gastos, mas por exemplo, os gregos ainda não adotaram a medida de austeridade e chegaram a criar um plebiscito para o povo decidir se esse era o caminho, o povo como esperado decidiu pela não recessão e a austeridade não foi acatada. O encontrado neste estudo é que os países que renegam a austeridade não a estejam aceitando porque os valores institucionais os levam a isso. O sentido é o de que há diferenças entre oferecer corte de gastos para um alemão e para um grego, para um japonês e para um brasileiro. Cada povo dependendo de sua cultura aceitará ou não determinada imposição econômica e a aceitação ou falta dela pode levar a decisões ineficientes. O governo grego por exemplo pode em algum momento não visar a eficiência, mas sim em ganhos privados, dessa forma eles podem vir a gastar dinheiro público só para benefício próprio de curto prazo, mesmo que não se tenha de onde tirar dinheiro. O índice de percepção de corrupção mostrou-se alto na Grécia, nesse caso um governante pode decidir gastar mais agora criando uma sensação de bem estar no curto prazo, só para se eleger no próximo ano, o ganho privado sobrepõe o bem público. O livro Os limites do Possível – Economia além da Conjuntura de Lara Resende nos oferece relevantes reflexões, pois ele acaba por mostrar as limitações da macroeconomia moderna excessivamente matematizada. Surge a concepção de que excluir as ciências sociais da economia, sendo que a mesma é uma ciência social, é perder a eficiência dos modelos. O estado grego, no caso, deveria gastar menos, mas não o faz porque a questão é mais profunda do que a teoria macroeconômica clássica propõe. André lara diz em seu livro: 60 “O olhar humanístico introduz questões que, embora me pareçam fundamentais, continuam ignoradas tanto pela teoria como pela política econômica.” Esse ponto contrasta com o pensamento de William Stanley Jevons, vale a pena citar-lo novamente: “Jevons utilizou a matemática para alcançar seu objetivo de igualar a Economia às Ciências Naturais. No começo da década de 1870, simultaneamente aos trabalhos de Walras e Menger, publicou uma síntese elaborada das teorias do consumo, da troca e da distribuição, assentando assim as bases para a "revolução marginalista" que lhe seguiu.” Em seu livro “Investigations in Currency and finance (1884)” Jevons da suporte a matematização da economia, ele busca dar a economia uma cara de ciência exata, aproximá-la da física, evitar viés político. A tentativa de Jevons é valida e é uma das origens da atual escola marginalista. Com essa posição de Jevons três problemas tendem a ocorrer. Um primeiro seria o de a pessoa se especializar tanto em matemática que o que Max Weber chamou de desencantamento do mundo20 acontece, é esquecido que cada modelo matemático de economia tem premissa em uma teoria de base humanística, neste momento o tecnocrata pode se perder em seu instrumento, é o econometrista que não sabe olhar para o mundo e escolher bem as variáveis em meio a sociedade. Uma segunda ideia vem se opor diretamente a Jevons. A matemática começa a ser vista como um mal alienador21, neste ponto são ignorados os marginalistas22. Há quem só estudará as teorias em seu conceito, surge o “economista” que sabe 20 Max Weber fala sobre a especialização dos tempos modernos: “Esse ‘desencantamento do mundo’ que desvela tanto o mundo natural quanto a condição existencial humana e crava de objetividade a realidade quotidiana, torna o mundo vazio de sentido. O homem civilizado que avança continuamente no conhecimento e na experiência fica repleto de coisas à sua volta, mas apropria-se muito pouco dessa realidade, o homem moderno é cansado da vida e não pleno dela. A intelectualização do religioso, a falta de um contato direto com o divino causado pelo esvaziamento dos símbolos e pelo domínio da objetividade científica gera um mundo sem significação, sem sentido, desencantado. A busca desse sentido no mundo pela eticização da vida é o que marca a formação da modernidade e de seu espírito, a cultura capitalista.” 21 Segue definição jurídica: Alienação tem diversos significados, pode ser umacessão de bens, transferência de domínio de algo ou uma perturbação mental. A alienação é a diminuição da capacidade dos indivíduos em pensar ou agir por si próprios. Os indivíduos alienados não têm interesse em ouvir opiniões alheias, e apenas se preocupam com o que lhe interessa, por isso são pessoas alienadas. Um indivíduo alienado pode ser também alguém que perdeu a razão, está louco. Em psicologia, o termo "alienação" designa os conteúdos reprimidos da consciência e também os estados de despersonalização em que o sentimento e a consciência da realidade se encontram fortemente diminuídos. Alienação é também o ato ou efeito de alienar uma propriedade ou um bem, ou seja, ceder para outrem a posse. 22 WOOD, Ellen. “...desde Marx, perdeu de vista esse projeto teórico e seu caráter quintessencialmente político. Isso é particularmente verdade na medida em que os marxistas têm, de diversas formas, perpetuado a rígida separação conceitual entre o “econômico” e o “político” que tão bem tem servido à ideologia burguesa desde que os economistas clássicos descobriram a “economia” em abstrato e começaram a esvaziar o capitalismo de seu conteúdo social e político.” Esse ponto é complementar ao da alienação. Muitos podem ter o posicionamento como o de Woods e nesse ponto o a parte instrumental da economia pode ser esquecida, nesse caso a luta pela não alienação quanto a política cria a alienação quanto ao instrumento (criado de maneira objetivo pela realidade pura). 61 discutir, mas não aplicar, ele se mantêm no campo da subjetividade e tem pouca ou nenhuma prova empírica de suas teorias. Ele restringe as possibilidades da economia. Uma última ideia seria a de até compreender a presença da matemática, mas ao estudar a parte humanística sobra grande viés político. Se alguém por exemplo tem ideias mais relacionadas a esquerda política, essa pessoa tende a estudar Keynes e renegar os marginalistas, o que deixa sua formação incompleta. Voltamos então a André Lara Resende que observa os três problemas citados e prega uma utilização conjunta de toda a teoria econômica, pois elas são relevantes para explicar a realidade. Em entrevista ao valor foi disposto por ele que: “A dimensão social da realidade econômica, deixada de lado pelos economistas; a estrutura física da Terra, abusada pela sanha produtiva da humanidade; o bem-estar que não se deixa medir pelas variáveis do crescimento da renda.” André se chama de ex economista, isso, porque ele acredita que a economia puramente matematizada está vencendo, perde-se ao longo do tempo noção sobre a realidade econômica. Ele diz que era do tempo em que o purismo quanto aos conhecimentos não era tão grande, partes relevantes do estudo econômico não eram simplesmente deixados de lado. Os marginalistas tendem a buscar eficiência, os Keynesianistas equidade e ambos dizem que essas buscas visam ao bem estar. A questão colocada por este estudo e por Andre Lara Resende é, será que essas políticas econômicas levam ao bem estar? Afinal o que é o bem estar? Esses questionamentos estão presentes no livro de Resende, ele se questiona se a economia não perdeu se objetivo, se ela simplesmente não se conecta mais com a realidade. Quando se analisa a crise europeia do ponto de vista de valores, de instituições, pensa-se fora da caixa. Demonstra-se que se aprofundar em questões de filosofia econômica pode trazer respostas que a teoria macroeconômica clássica, por si só, não da. Esse trabalho foi um exemplo em que ficou claro que a visão humanística pode sim ser relevante para a explicação da realidade econômica. A partir dos valores tornou-se até previsível o fato de que Alemanha seria responsável para com suas políticas fiscais, e é até possível apostar em um crescimento sustentável para esse país, dada a sua gama de valores e sua qualidade institucional. Quando se demonstra conexão entre valores e políticas macroeconômicas, está se dizendo que o estudo humanístico pode oferecer bases para uma análise prática econômica minuciosa. Com essa ideia o economista pode ir mais fundo e voltar a se questionar sobre os assuntos filosóficos mais importantes da economia, como por exemplo, o que compõe o bem estar. Quando o professor questiona na sala de aula o porquê de a austeridade não dar certo, esquece-se ele de observar com mais rigidez a realidade. Pode ser que a 62 austeridade fosse uma forma economicamente correta de lidar com a crise, mas ela não se aplica porque a realidade não é tão simples, ao falar de economia, fala-se em uma ciência humana, que nunca foi e nunca será modelada com a exatidão da física. 63 Referências RESENDE, André Lara. Os Limites do Possível: A economia além da conjuntura. São Paulo: Portfólio-Penguin, 2013. 287 p. ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador; Volume 1: Uma História dos Costumes Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 2011. 262 p. KRUGMAN, Paul R; OBSTFELD, Maurice. Economia Internacional; 8 ª edição, São Paulo: Pearson, 2013. 576p NORTH, Douglass C. Institutions: The Journal of Economic Perspective. Campbridge University Press, 1991. 186 p. _________________. Structure and Change in Economic History. Norton, 1981. 325 p. WEBER, Max. Methodology of the Social Sciences. Illinois, The Free Press of Glencoe 1949. 188 p. JUDT, Tony. Pós-Guerra: Uma História da Europa desde 1945. Rio de Janeiro, Editora Objetiva Ltda 2008. 815 p. DURKHEIM, Emile. As Regras do Método Sociológico. Rio de Janeiro, Livraria Martins Fontes Editora Ltda 2009. 322 p.