01 UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE - ensino a distância® nia Fundamentos históricos e filosóficos da transparência e do controle popular Oscar d´Alva e Souza Filho ua s a ç r xe da cida E io li eu s e z a Fisc íp unic m A burguesia: classe dirigente da sociedade moderna A modernidade e novas formas de conhecimento A ética protestante e o espírito do capitalismo O pensamento político autoritário A superação do autoritarismo pelo contratualismo O Contrato Social e a Constituição Republicana O Estado burguês e a crise econômica e social A experiência do socialismo soviético O Estado Constitucional brasileiro A democracia direta como aspiração Contradições do sistema e do regime político no Brasil www.controlesocial.fdr.com.br Universidade Aberta do Nordeste e Ensino a Distância são marcas registradas da Fundação Demócrito Rocha. É proibida a duplicação ou reprodução deste fascículo. Cópia não autorizada é Crime. Objetivos • Introduzir noções básicas sobre a emergência do estado moderno e suas dimensões política, social e ética. • Apresentar os principais pensadores que contribuíram para a estruturação do pensamento político no mundo moderno. • Destacar os elementos básicos que propiciaram o Estado Constitucional brasileiro. Introdução Entre os resultados positivos temos a navegação costeira da África e o seu contorno sul, no Cabo das Tormentas que possibilitou a descoberta do Caminho Marítimo para as Índias, com Vasco da Gama; a circunavegação do mundo com Fernando Magalhães; a descoberta da América em 1492, pelo genovês Cristóvão Colombo; o descobrimento do Brasil, por Pedro Álvares Cabral em 1500; para citar os acontecimentos principais. 10 O que significa viver num estado democrático de direito? Como chegamos aos modelos que vigem no século XXI? Apresentar as noções básicas dos processos que forjaram as sociedades democráticas deste século que vivemos é o objetivo deste fascículo. Para isso, retomaremos ao século XVI, momento em que o feudalismo se encontra em sua fase final, com a emergência dos estados-nações e o surgimento de uma nova mentalidade, influenciada pelas descobertas de novas terras, povos, fauna e flora, que abalam a visão eurocêntrica do mundo. Neste contexto de profundas mudanças sociais, econômicas e políticas, novas concepções sobre o Estado abrem campo para a elaboração de doutrinas políticas como a de Maquiavel, Rousseau, Hobbes, Locke e Bacon. Não é possível ignorar as contribuições gregas na definição da política, mas a idéia de contrato social e organização dos poderes – executivo, legislativo e juridiciário – é eminentemente moderna. O ideário de igualdade, liberdade e fraternidade defendido pela Revolução Francesa representa um novo horizonte na construção do Estado moderno. A burguesia: classe dirigente da sociedade moderna A sociedade moderna pode ser apresentada por muitos aspectos que lhe são singulares. Primeiro por uma economia nova, o mercantilismo, fato histórico que impulsionou os novos burgueses para aventuras comerciais singrando mares “nunca d´antes navegados”, em “perigos e em guerras esforçados, mais do que prometia a força humana”, como registrou Luiz Vaz de Camões, na epopéia dos Lusíadas. O resultado desse esforço foi bastante positivo e deve-se frisar, como novidade, a posição ativa de uma nova classe social, a burguesia. A economia comercial desenvolvida pela classe burguesa possibilitou o crescimento geográfico do mundo até então conhecido, em muitas Curso Controle Social das Contas Públicas dimensões. Pode-se dizer que a Geografia e a Cartografia ganharam novo status, ante a realidade física e geopolítica que passaram a representar. A arte da navegação exigiu novos conhecimentos cartográficos e astronômicos do mundo novo, tantas vezes maior e agora explorado em todas as suas dimensões na África, na Ásia e nas Américas. A modernidade e novas formas de conhecimento Pode-se falar da emergência de uma nova ciência, graças aos trabalhos de Isaac Newton (1642 - 1727) na Física, de René Descartes (1596 - 1650) na Matemática, e de Copérnico (1473 - 1543), Kepler (1571 - 1630) e Galileu (1564 - 1642) na astronomia. Uma nova postura científica é elaborada por Francis Bacon (1561 - 1626), que preconizava a necessidade de uma Instauratio Magna (uma grande restauração) nas bases medievais do saber. Essas mudanças operadas pelas grandes navegações e pelas descobertas burguesas (bússola e imprensa) propiciaram modificações nas concepções relativas ao papel do homem na História e quanto ao seu relacionamento com povos desconhecidos e com as autoridades de seu país. Surgiram muitos problemas. A Igreja Católica, poderosa instituição feudal na vida econômica e política, entrou em choque com alguns príncipes que insistiam em associações comerciais com os burgueses. Começou a reagir negando o seu apoio ideológico às monarquias que se associassem com projetos burgueses de exploração de ouro e prata e de povos colonizados e escravizados da África, da Ásia e das Américas. Os burgueses trouxeram a pólvora da China e deram aos príncipes a possibilidade de organizarem suas milícias particulares. O poder político passaria a ser uma expressão da força militar do rei, do seu poder material e de sua vontade, independente da intervenção divina. Nesse contexto de mudanças, com economia e classe social novas, com um mundo novo bem maior, agora descoberto e colonizado, e mais, com reis e príncipes poderosos que se aventuravam em expedições colonizadoras em busca de riquezas e expansões territoriais, o conceito de poder político e de autoridade do soberano, passou por uma mudança estrutural significativa. A ética protestante e o espírito do capitalismo Essa nova postura científica marca o nascimento da ciência moderna, que surge como um conhecimento com caráter público, democrático e colaborativo, ou seja, é constituída por contribuições individuais organizadas sob a forma de um discurso sistemático, oferecidas com vistas a um resultado geral que seja patrimônio de todos. Isso contribui para uma retração da magia, da hermética, da cabala e da alquimia, que estavam embasadas no segredo, na iniciação a mistérios e numa indissociação do homem com a natureza. A nova maneira de pensar exige um método padronizado, universal, possível de ser ensinado a quem se interesse e propõe uma separação radical entre homem e a natureza. Os protestantes Martinho Lutero (1483-1546), Calvino (1509-1564) e Zwiglio (1484-1531) rompem com a Igreja romana de tradição católica e feudal que pregava uma atitude de renúncia à vida mundana e prometia aos homens uma vida feliz após a morte. Ao contrário desta, os protestantes pregam a conquista do mundo terreno como forma de qualificação do homem para merecer o Reino da glória divina. 11 Esse pensamento se desenvolve especialmente na Alemanha, na Bélgica, na Holanda e na Suíça. Tiranicídio: assassínio de um tirano. Regicídio: ato de assassinar um rei ou uma rainha. Gnosiológicas: referente a gnosiologia. Teoria geral do conhecimento humano, voltada para uma reflexão em torno da origem, natureza e limites do ato cognitivo. Gnoseologia, teoria do conhecimento. Frases de Maquiavel Quando os homens não são forçados a lutar por necessidade, lutam por ambição. Não há nada mais difícil de realizar nem mais perigoso de controlar do que o início de uma nova ordem de coisas. É defeito comum dos homens não levar em conta, na prosperidade, a adversidade. Em política, os aliados de hoje são os inimigos de amanhã. Os homens ofendem mais aos que amam do que ao que temem. 12 Desse modo o pensamento protestante favorece o desenvolvimento das atividades da burguesia comercial e se caracteriza pela defesa intransigente do direito do príncipe de submeter ao seu modo, os povos colonizados, inclusive escravizando-os. Os protestantes não admitem o direito de resistência ao tirano e dizem que o bom cristão deve suportar os excessos do Príncipe ou se submeter à sua espada. Os católicos participam também, ao seu modo, das empresas colonizadoras, mas desenvolvem uma ética cristã que dificulta a justificação da escravidão e do autoritarismo absolutista dos príncipes. Nesse sentido os católicos são mais humanistas e assinalam pela primeira vez, com o espanhol Francisco Suárez a pregação do “direito de resistência à lei injusta e ao tirano”, chegando a dizer que qualquer do povo tem o direito de matar o tirano. Suárez contraria assim, com sua obra Corpo Místico, a velha lição de Tomás de Aquino, que no século XIII aceitou o direito de resistência, desde que autorizado pelo Bispo ou pelo Papa, mas não admitiu o tiranicídio ou regicídio, que considerava um pecado inexpiável. Enquanto a América do Norte foi colonizada pelos protestantes, as Américas Central e do Sul foram colonizadas, prioritariamente, pelos espanhóis. O Brasil, neste cenário, se coloca como um caso a parte, sendo colonizado pelos portugueses, graças aos reis católicos Fernando de Aragão e Isabel de Castela. A época moderna é bastante rica em acontecimentos novos e desestruturantes das bases gnosiológicas do passado. Duas grandes preocupações avultam a modernidade: a descoberta de um método científico rigoroso (isso significa dizer não abstrato-dedutivo ou escolástico) e uma nova compreensão do fato político (relação entre o homem e o seu governante). Questiona-se, pois, o poder, a autoridade, a lei e o fundamento destas. Seria Deus ou o Povo? O pensamento político autoritário As primeiras doutrinações políticas da modernidade estão presentes na obra O Príncipe (1513), do florentino Nicolau Maquiavel (1469 1527) escrita em louvor ao Príncipe Piero de Médici e que lança as bases da Política para o novo mundo. Maquiavel escreve a partir do exame dos fatos empíricos da história civil dos antigos e dos exemplos medievais. Observa que a política é uma técnica de persuasão utilizada pelos partidos ou grupos visando à conquista do poder, e depois se converte numa técnica de manutenção do aparelho do Estado. Enquanto não conquista o poder o grupo político ou partido é generoso, humanitário e progressista, tudo promete e tudo admite. Quando assume o poder, converte-se em governo, e assim passa a ser reacionário às mudanças, conservador em seus atos e cruel com seus oponentes. Curso Controle Social das Contas Públicas Maquiavel postula pela separação entre as atitudes éticas, religiosas e políticas. A primeira buscaria o bem, a segunda preocupar-se-ia com o mundo sagrado ou metafísico, enquanto que a política trataria objetiva e rigorosamente das relações com o poder, entre governantes e súditos. O escritor florentino narra as lições que apreendeu da história concreta ou empírica e assim mostra como os homens, chefes de Estado, papas, generais e comandantes militares têm agido. Descreve o modo de ser dos políticos de forma realista e não o dever-ser. Por não tratar do homem político ideal (que deveria agir sempre preocupado com o bem da comunidade humana, como preconizou Aristóteles) e sim com o homem político real, Maquiavel, adotou o chamado “realismo político” em que postulou pela utilização de todos os meios possíveis para que o príncipe mantivesse sempre em suas mãos o controle do poder político. Para isso, tudo é válido e justo. Vale mentir, prometer, comprometer, corromper, roubar e aniquilar vidas, contanto que o poder seja mantido. O fim é o poder, e para tal finalidade, todos os meios empregados serão tidos como justos. “Os fins justificam os meios”. Essa é a síntese do pensamento de Maquiavel. O italiano tem a vantagem de falar com clareza sobre os objetivos do príncipe. Ensina que é melhor ser temido e odiado, do que amado e respeitado. Diz que o príncipe odiado e temido será bem aceito com o pouco que realizar, pois o povo não espera muito de um tirano. Já um príncipe querido e respeitado, por mais que realize deixará no seio do povo a esperança de que realize mais e mais. Maquiavel considerava o Direito Positivo como um instrumento de ordenação da sociedade, conforme os interesses do príncipe. A lei é um decreto da vontade política do soberano. A autoridade legal resulta da força militar do príncipe. Ao povo deve ser dado “pão e circo”, conforme faziam os imperadores romanos. Um pouco de pão e diversão. Assim o povo se manterá cativo e submisso à autoridade. Outro pensamento político moderno, de grande repercussão foi o do francês Jean Bodin (1530 - 1596), autor de uma obra denominada De la Republique. Também fiel a uma vertente autoritária, tal qual a seguida por Maquiavel, Bodin ensinava que o Direito Positivo é uma expressão política do poder e da vontade do soberano. Admitia que o rei é o feitor da lei, mas que a dirige aos súditos que lhe deveriam total obediência. Ensina Bodin que a lei obriga apenas aos súditos e nunca ao rei, pois sendo ela uma expressão de seu humor e de sua vontade, pode ser modificada, alterada e revogada por ele, quando assim o desejar. As doutrinas de Maquiavel e de Bodin consagram o que se denominou de autoritarismo político, em que o poder do governante Direito positivo é o conjunto de princípios e regras que regem a vida social de determinado povo em determinada época. Diretamente ligado ao conceito de vigência, o direito positivo, em vigor para um povo determinado, abrange toda a disciplina da conduta humana e inclui as leis votadas pelo poder competente, os regulamentos e as demais disposições normativas, qualquer que seja a sua espécie. Por definir-se em torno de um lugar e de um tempo, é variável, por oposição ao que os jusnaturalistas entendem ser o direito natural. 13 se justifica pela própria personalidade do príncipe. O poder autoritário se justifica e se limita pela força efetiva do mandante. Essa doutrina se revelou falha por lhe faltar elementos morais, no seio da comunidade governada, capazes de justificar a necessidade da manutenção da autoridade política. Sendo o rei a única fonte de sua força e autoridade, a tendência seria o seu distanciamento do corpo político e o seu isolamento ou aniquilamento. A superação do autoritarismo pelo contratualismo No livro Leviathan, Hobbes coloca as condições de dissolução do Estado. Para ele, somente a concentração de autoridade garante a unidade e a paz social. Suas idéias políticas apoiaram o absolutismo do século XVII. Partidário do absolutismo político, defende-o sem recorrer à noção de “direito divino”. Segundo o filósofo, a primeira lei natural do homem é a da autopreservação, que o induz a imporse sobre os demais - “guerra de todos contra todos”. 14 Foi o inglês Thommas Hobbes (1588 - 1679) quem melhor percebeu a fraqueza doutrinária e ideológica do autoritarismo como doutrina política capaz de persuadir o povo sobre a necessidade da permanência do Governo Civil na comunidade política. Hobbes escreveu várias obras, tais como De Cive, De homine, De Corpore e Leviathan, nas quais tratou das questões relacionadas à cidadania, aos deveres e obrigações políticas do cidadão e de suas relações com o Soberano. Defendeu a existência anterior ao Governo Civil ou Estado de Direito Positivo, de um Estado primitivo de Direito Natural onde não haveria governo formal, lei escrita ou qualquer instância de autoridade. Nesse Estado de Natureza predominavam as vontades sem freios, os instintos e a força física dos indivíduos. Tudo seria permitido, pois o limite das ações era a própria força daquele que a praticava. Por isso, segundo Hobbes, esse estado primitivo se transformou em um Estado de Guerra, onde todos disputavam entre si, com violência e egoísmo os melhores lugares sociais e os melhores bens úteis. Havia, pois, uma “guerra de todos contra todos” e isso gerava insegurança e intranqüilidade geral. O homem se converteu no maior inimigo, o lobo do próprio homem. Foi para sair dessa condição de guerra e de insegurança que os homens, diz Hobbes em Leviathan, resolveram fazer um “pacto social”, mediante o qual renunciaram à liberdade absoluta e aos seus direitos naturais e outorgaram ao Soberano, a quem caberia a responsabilidade de gerir politicamente tais direitos individuais (antes incontroláveis) sob forma civilizada de direito positivo. Hobbes escreve sob a influência da monarquia absoluta inglesa e se converte no seu maior defensor. O poder do soberano é absoluto porque é absoluta a sua responsabilidade. Sua autoridade é legítima, não em razão de sua força econômica ou militar, mas em razão da anuência da sociedade civil. O rei é a fonte do direito que regula a vida dos cidadãos, é administrador e juiz, além de legislador. Mas, mesmo assim, diz que seu poder é legítimo porque tem o consentimento do povo. Curso Controle Social das Contas Públicas A idéia de que o povo é a fonte do poder político já havia sido exaltada em Santo Tomás de Aquino (1225 - 1274), que, todavia, não dispensava a interferência da Igreja católica na condução do corpo político místico (o povo de Deus). A idéia hobbesiana de que o Estado Civil e o Governo Cível advieram de um pacto social recebeu o nome de Contratualismo e foi desenvolvida por diversos pensadores europeus como o holandês Hugo Grotius (1542 - 1645), o alemão Samuel Puffendorf (1632 - 1694), o judeu holandês Baruch Spinoza (1632 - 1677), o alemão Christian Tommasius (1655 - 1728), o inglês John Locke (1632 1704), o suíço Jean-Jacques Rousseau (1712 - 1778) e o alemão Emanuel Kant (1724 - 1804). Todos esses filósofos do Estado e do Direito, partem da premissa de que “o poder político é legítimo porque nasceu de um consenso, de um pacto hipotético celebrado entre os homens”. Fica assim evidente a compreensão de que toda autoridade política exerce seu múnus em virtude do consentimento do corpo político. A finalidade do Estado e do Governo instituídos pelo Contrato é a paz e a segurança de todos, como asseverava Puffendorf. Destacaremos, porém, quanto aos posicionamentos contratualistas, as versões de Locke, nas obras Tratado do Governo Civil, Segundo Tratado do Governo Civil, Tratado de Direito Natural e Cartas Sobre a Tolerância, e por fim, de Rousseau, autor de obras notáveis e influentes em sua época como Tratado sobre a origem das desigualdades dos homens, Emílio ou da Educação e Contrato Social. Locke produziu suas idéias na época da expansão da sociedade burguesa na Inglaterra. Defendeu o parlamento burguês, o voto representativo por mandato certo e a responsabilidade política dos governantes para com os representados, ou seja, o povo. Sua idéia de “pacto ou contrato” sugere que os indivíduos elegeram como seus governantes, não o Rei, mas uma assembléia legisladora representativa de todas as categorias da sociedade existente. Para ele, o Estado de Natureza, antes existente, era diferente do que concebera Hobbes, não era um estado de guerra e sim um estado de razão e de paz naturais. Todavia esse estado de paz desequilibrou-se ecologicamente em razão da ação impensada e egoísta de alguns homens que devastaram a fauna e a flora. Daí resultou a escassez, a fome e a luta de todos pelos poucos bens de subsistência. O Estado natural de paz se converteu, num segundo instante, em um estado de guerra. Por tal motivo os homens, racionalmente resolveram criar um governo civil republicano, representativo e temporário (com mandatos eletivos) cuja finalidade é garantir a paz social e os direitos naturais dos indivíduos, que ele enumera como o direito à vida, à liberdade e à propriedade privada burguesa. Múnus: Funções que um indivíduo tem que exercer; encargos, empregos. Múnus público: O que procede de autoridade pública ou de lei, e obriga o indivíduo a certos encargos em benefício da coletividade ou da ordem social. Fonte: Dicionário Aurélio Frases de John Locke A liberdade de um indivíduo na sociedade não deve estar subordinada a qualquer poder legislativo que não aquele estabelecido pelo consentimento na comunidade nem sob o domínio de qualquer vontade ou restrição de qualquer lei, a não ser aquele promulgado por tal legislativo conforme o crédito que lhe foi confiado. Ler fornece conhecimento à mente. Pensar incorpora o que lemos. Uma coisa é demonstrar a um homem que ele está errado, outra é colocá-lo de posse da verdade. As ações dos homens são as melho-res intérpretes de seus pensamentos. 15 Locke considera que o Governo Civil pode ser derrogado e substituído por outro, caso perca a sua legitimidade, ou seja, deixe de representar os interesses da comunidade governada, fonte original do poder político. Pela primeira vez Locke falou das funções executivas, legislativas e judiciárias do Governo Civil, antes, portanto, de Montesquieu (1689 - 1755). Se é verdade que Locke destacou as idéias modernas de república, de representatividade e de responsabilidade política, e ainda de mandato parlamentar temporário determinado, foi, todavia, com Jean Jacques Rousseau que a idéia de soberania do povo e de democracia mais se desenvolveram, ao acentuar mais as idéias relativas aos direitos pessoais do indivíduo frente à máquina do Estado. Rousseau é um defensor do Estado de Direito Positivo, pois acredita que o Direito produzido pelo Estado resultaria de uma vontade de todos os indivíduos. Para ele, o direito estatal significaria o retorno dos direitos individuais que foram outorgados ao Governo Civil, e que agora os devolve ao povo sob a forma de direitos políticos. A autoridade republicana deriva, inevitavelmente, do consentimento popular. Todos os mandatos representativos, todas as normas legais e todos os atos de governo deverão ser pautados pelo interesse geral da população do Estado Civil. Em Rousseau delineia-se a diferenciação entre legalidade (que significa agir rigidamente em conformidade com as prescrições legais) e legitimidade, valor ainda maior e que significa agir em consonância com as aspirações e os interesses gerais da comunidade. Um poder que se constituiu nos termos da lei é um poder legal, mas se o dirigente do Estado, por qualquer razão se afasta dos parâmetros do Contrato Social, perderá a legitimidade e o próprio poder, pois, em última instância, a razão suprema da soberania é a vontade geral. Patenteia-se, a partir das idéias políticas e jurídicas de Locke e de Rousseau, uma vinculação inafastável entre o Governo Civil e o Povo. O primeiro nasce do consensus populi e só com a contínua ratificação popular adquire dia-a-dia a legitimidade necessária. Diferentemente do que acontecia na monarquia, em que o Governante se confundia com o Estado, na República rousseauniana o governante é um agente do povo, o seu representante maior na administração da coisa (res) do povo (publicae). Por isso, a idéia de que o representante político da comunidade lhe deve contas e que deve ser transparente em seus atos, tudo é uma decorrência dos postulados filosóficos da concepção republicana de Estado. O Contrato Social e a Constituição Republicana Com o advento da Revolução Francesa de 1789, onde se preconizava a substituição da antiga forma de Estado (unitária, autoritária e monárquica) por um novo regime, no qual fosse instituída uma 16 Curso Controle Social das Contas Públicas sociedade produtora de “liberdade, igualdade e fraternidade” (liberté, egalité et fraternité), surgiu como novidade política o instrumento republicano que se denominou de Constituição. Deve-se assinalar a ocorrência de uma gradação, de uma evolução política que se iniciou com o autoritarismo, assumiu a forma do contratualismo e finalizou com a proposta constitucionalista. A sociedade capitalista burguesa, após realizar suas revoluções infra-estruturais (comercial e industrial) passou agora a encetar uma revolução ideológica ou superestrutural que significou a formalização jurídica de suas relações de produção, de livre comércio, de associações em geral, de família, de sucessões, de eleições dos poderes políticos e da forma ou regime e de sua alternância entre os cidadãos. O resultado formal dessa afirmação de vida burguesa desenvolvida e civilizada foi a Constituição. Neste instrumento jurídico e por meio dele o hipotético Contrato Social se converteu em realidade. Aqui um capítulo especial da Carta Magna trata da ordem econômica capitalista, das relações de propriedade, de comércio e de indústria, das relações de trabalho, consagrando, de fato, o sistema econômico da propriedade privada e da não intervenção do Estado na economia liberal burguesa. Garantida a essência capitalista do Estado burguês, a Constituição tratará da forma organizativa do Estado, de seus Poderes Políticos (executivo, legislativo e judiciário) e da investidura dos cidadãos nesses mesmos poderes, sua duração e alternância. Será ainda a Constituição do Estado Nacional, unitário ou federativo, que disporá filosoficamente sobre os valores que animam a ética estatal e sobre a relação política entre o indivíduo e o Estado. Aqui se verificará uma antinomia de difícil solução entre os interesses individuais e os interesses públicos e do Estado, como aparelho político dirigente da sociedade. O Estado será inevitavelmente controlado em sua burocracia administrativa, política e jurídica pelos grupos sócio-econômicos mais fortes e atuantes em cada época determinada. Revelará em cada momento crítico uma postura de tolerância ou de intolerância com relação aos movimentos sociais reivindicadores de um melhor tratamento às classes menos favorecidas no processo produtivo da riqueza social. O contratualismo é uma doutrina cujas origens remontam à filosofia grega, mas que adquiriu importância teórica e política somente no pensamento liberal moderno, que considera a sociedade humana e o Estado originados por um acordo ou contrato estabelecido entre cidadãos autônomos, valorizando desta maneira a liberdade individual, geral em detrimento da autocracia ou dos excessos da ingerência estatal. São teóricos do contrato social: Hobbes, Locke, John Rawls. Antinomia: Contradição real ou aparente entre leis, ou entre disposições de uma mesma lei, o que dificulta sua interpretação. O Estado burguês e a crise econômica e social A pauperização crescente da classe operária trará com o desemprego e a subvida da sociedade fabril, o fenômeno da marginalização e da prostituição, o que obrigará as classes dirigentes do Estado a organizar suas polícias e exércitos recrutando para tais contingentes a mão de obra carente e ociosa então marginalizada. Parte do povo pobre é armada para reprimir a grande massa popular pobre e desarmada. 17 Em meados do século XIX, movimentos sociais de base popular e operária contestam o Estado burguês com pregações sindicalistas, cooperativistas, socialistas, anarquistas e comunistas. As idéias de Proudhon (1809 - 1865) expressas no livro A Propriedade e depois em A Filosofia da Miséria, de Saint Simon (1760 - 1825) em A Indústria, e o Manifesto Comunista, de Marx (1818 – 1883) e Engels (1820 – 1895), demonstram que um espectro de revolta e de fome ronda a Europa. Os marxistas rechaçam as pregações idealistas da filosofia alemã do Estado, enunciadas por Kant (1724 – 1804) e por Hegel (1770 1831) que sacralizavam o Estado, apresentando-o como a realização da idéia do bem, e insistindo que a ordem jurídico-positiva do Estado era uma ordem imparcial e justa baseada na idéia de justiça, e posicionada acima dos interesses das classes sociais em conflito. Para esses filósofos alemães, o Estado burguês havia se constituído como um instrumento burocrático militar e jurídico a serviço da burguesia vitoriosa, que usaria tudo, inclusive o Direito, a Ética e a Religião, além da Polícia e dos exércitos, para subjugar o povo jurisdicionado. Marx e Engels desmascaram as Teorias do Estado e do Direito instituídas pela burguesia vitoriosa (antes humanista e esclarecida que pregava a defesa dos direitos humanos e individuais e da cidadania) e chegam a pugnar pelo fim do Estado através de um processo social revolucionário tão violento como foi o terror da Revolução Francesa. Edificam-se, pois duas propostas. Uma real e efetiva preconizada pela burguesia e seu Estado Constitucional que promete uma sociedade juridicamente organizada pelo Direito Positivo racional e imparcial, baseado na idéia grega de isonomia ou igualdade formal dos cidadãos perante a lei estabelecida. Esse é o ideal burguês pregado a todos como verdade ideológica do Estado. Formalmente todos são iguais, embora materialmente o processo de produção da riqueza (que foi liberal e sem intervenção estatal, baseado na livre iniciativa privada) tenha propiciado a formação de uma sociedade materialmente desigual. Mas tal seria uma contingência da realidade humana, onde os mais aptos vencem a livre concorrência. Seria esse um fato comum a toda história civil. A outra proposta, mais generosa e humanista, preconiza a criação de uma sociedade socialista, em que os meios econômicos de produzir a riqueza sejam estatizados e controlados pela burocracia política governante. O Estado haveria de ser intervencionista definindo técnicas, táticas e estratégias de produção e distribuição da riqueza social e produzindo um Direito Positivo de cunho social, dirigido ao interesse de todos os que compõem a coletividade. 18 Curso Controle Social das Contas Públicas A experiência do socialismo soviético Essa última proposta inspirou a Revolução Russa de 1917 que deu margem ao modelo socialista soviético de administração econômica e política. O leninismo (de Wladimir Lênin - 1870-1924) e o stalinismo (de Josef Stálin - 1879-1953), depois reformados por Nikita Kruschev (1894-1971), Leonid Brejnev (1906-1982), Nicolai Podgorny (1903-1983), Konstantin Chernhenko (1911-1985) e finalmente por Mikhail Gorbachev (1931-). O modelo soviético sobreviveu até 1990, quando tal experiência capitulou por motivos que merecem uma análise mais detalhada em outra oportunidade. O fracasso da experiência anti-capitalista e anti-burguesa propiciou, contudo, o retorno a uma concepção agressiva e autoritária do capitalismo norte-americano (Doutrina Bush) que investe em uma nova era de guerras e de conflagrações. Vivenciamos hoje uma atitude realista e crítica que nos orienta a buscar procedimentos, mesmo parciais e reformistas (antes sequer admitidos como possibilidade teórica) mediante os quais seja possível melhorar o padrão de vida política individual e social nos Estados contemporâneos. A realidade econômica multinacional transcendeu situações geopolíticas concretas e produziu, com isso, novos valores e valorações relativas a cada espaço social e político da comunidade internacional e nacional. O sonho utópico de uma revolução estrutural de uma sociedade humana determinada deu lugar a um propósito menos absolutista, e mais realista, onde as reformas pontuais e as atitudes estratégicas em determinados setores da vida social (econômico, político, educacional ou jurídico) podem propiciar alterações significativas e quantitativas na existência social e histórica de um povo, de um país, ao ponto de, posteriormente, assumir uma mudança qualitativa substancial. A crença no poder local, no exercício militante da cidadania, por associações comunitárias e profissionais, por partidos políticos e por profissionais da educação, da medicina e do direito, por exemplo, pode atingir índices significativos de alteração nas formas sociais de existência. O profissional do Direito pode partir da lei positiva criada pelo Estado burguês como diretriz de seu trabalho, mas cumpre-lhe ter uma atitude crítica, ativa e recriadora da lei legislada, através de uma interpretação (hermenêutica) sociológica e democrática, na qual humanizará os dispositivos legais e os compatibilizará com os interesses sociais do Estado Democrático de Direito. A preocupação com a transparência, com a clareza de atitudes dos agentes públicos pode resultar em práticas revitalizadoras da vida cidadã e dessa forma num processo pontual e quantitativo preparar uma sociedade do futuro, que podemos com toda racionalidade, acreditar que seja mais humana, mais justa e mais feliz. 19 Principiologia: Relativo à lei de caráter geral com papel fundamental no desenvolvimento de uma teoria e da qual outras leis podem ser derivadas. Dentre os exilados que voltavam estavam Luiz Carlos Prestes, Francisco Julião, Miguel Arraes de Alencar, Leonel de Moura Brizola, Fernando Henrique Cardoso e José Serra, dentre outros. 20 O Estado Constitucional brasileiro O Estado Constitucional brasileiro, advindo da Carta Magna de 1988 definiu-se como republicano, representativo, federativo e democrático. É essa, pois, a sua definição ideológica e principiológica. Devemos lembrar que a formulação jurídico-filosófica do Estado Constitucional brasileiro nasceu em momento especial de convulsão sócio-política. Vivenciávamos a transição democrática proposta por Ernesto Geisel e levada a efeito por João Batista Figueiredo em passos cuidadosos ao lado da sociedade civil, então agitada com a chegada dos exilados anistiados a partir de 1979. Com efeito, a volta de personalidades políticas marcantes movimentou um conjunto explosivo de ideologias mudancistas e socializantes, provocando movimentos sociais constantes e cada vez mais organizados em prol da anistia política e da redemocratização. O Congresso Nacional assumiu postura de Assembléia Constituinte e após criar comissões legislativas específicas ligadas aos diversos setores da sociedade civil brasileira, passou a receber as mais arrojadas propostas jurídicas para a elaboração de uma Constituição redentora e cidadã, como proclamava o grande dirigente desse processo, deputado e presidente da Câmara Federal, Ulysses Guimarães (1916-1992). Superficialmente, a sociedade brasileira, através de sua intelectualidade e sua juventude, bem como setores da Igreja Católica (CNBB), da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da combativa Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), introduziram idéias e princípios democráticos e socializantes, que foram assimilados pela classe dirigente, sem que, contudo, mudasse qualquer dos pilares econômicos da sociedade burguesa vigente, e que apenas, naquele instante histórico, acertava socialmente a alteração na forma de governo do Estado. Em outras palavras, como acentua Bruno (2009), em sua obra Raízes Gregas da Teoria Moderna dos Direitos Humanos, o Estado brasileiro apresentou ao mundo um avançado modelo jurídico-político de Estado Democrático (sobretudo no que concerne à consagração principiológica dos direitos fundamentais e dos direitos e garantias individuais), conservando, todavia, incólume a propriedade privada dos meios de produção e a ordem econômica constitucional da Carta Magna anterior, outorgada pelo regime militar. Tem razão a professora, pois as conquistas preconizadas pelo estatuto constitucional de 1988 consagraram, na verdade, uma intencionalidade e uma vontade social de justiça, digamos uma “democracia formal”, permanecendo, outrossim, os mesmos entraves legais da ordem jurídica anterior, no que concerne à efetividade de direitos sociais e individuais. Foi prática comum do legislador constituinte, admitir um direito social e colocá-lo no texto constitucional como um princípio, quase sempre, Curso Controle Social das Contas Públicas sujeito à ratificação de uma lei complementar posterior. Como resultado, tem-se que os princípios dificilmente foram positivados pelas casas legislativas federais, e fizeram com que as conquistas jurídicas e populares, se quedassem no texto da Carta Magna como meras intenções ou recomendações. O que, convenhamos, para a vida burguesa, nada significa. “De boas intenções o inferno anda cheio,” diz o adágio popular. A democracia direta como aspiração Sempre que se fala em democracia vem à tona a discussão do modelo grego, para muitos o exemplo ideal dessa forma de governo. É comum referir-se ao século V antes da era cristã, o século de Péricles, quando a democracia foi caracterizada pelos institutos da isonomia, da isagoria e da isotimia. Na verdade os atenienses apresentaram uma legislação democrática que igualava formalmente todos os cidadãos (era a igualdade perante o nomos ou lei positiva da pólis). Mas essa igualdade não se quedaria numa abstração lógica, pois efetivamente esses mesmos cidadãos poderiam reunir-se na Ágora (praça pública) e ali teriam oportunidades iguais de questionar as medidas políticas e administrativas do governo democrático. Havia sim, um certo controle social com relação aos atos dos governantes, pois estes anunciavam ou publicavam suas medidas, primeiro sob forma oral, comunicando aos cidadãos da pólis que se reunissem na Ágora, uma multidão estimada entre 3.500 a 6.500 pessoas. Qualquer cidadão da pólis democrática poderia, na praça pública, exercer a isagoria, ou seja, pedir a palavra e questionar esta ou aquela medida, que em seguida era submetida a uma votação pela assembléia popular. Foi exatamente em razão dessa prática cidadã que a retórica, a oratória e a dialética passaram a fazer parte da formação intelectual e cívica de cada homem livre de Atenas. Essa igualdade se complementava através do instituto da isotimia, ou seja, a possibilidade jurídica de qualquer dos cidadãos exercer um cargo administrativo na vida da cidade. Os críticos do modelo grego geralmente procedem a partir de valores e conceitos modernos e, por isso, condenam a experiência grega por não admitir escravos e mulheres como cidadãos, além de restringir os direitos políticos dos estrangeiros. Esquecem, contudo, que a liberdade de pensar e de se expressar nas praças e nos mercados públicos possibilitou a pensadores de outras cidades, no caso os sofistas, a trabalhar na pólis ateniense. Sua atuação consistia no ensino do direito, da política e da retórica, e na pregação de idéias progressistas e humanistas que se chocavam até mesmo com os interesses da cidade-estado ateniense. Isonomia: Princípio geral do direito segundo o qual todos são iguais perante a lei, não devendo ser feita nenhuma distinção entre pessoas que se encontrem na mesma situação. isagoria: É um conceito oriundo da democracia grega. Consiste no direito que todos os cidadãos tinham de manifestar sua opinião política na Ágora, a praça onde se reuniam as assembléias do povo. Isotimia: Se traduz no livre acesso ao exercício das funções públicas mediante sorteio, abolindo privilégios de grupos ou classes. Lembremos dos jovens sofistas: Antifonte, Licófron e Alquidam, que, pela primeira vez no Ocidente, condenaram a escravidão, apregoaram a igualdade natural de todos os homens, condenaram o direito positivo (por se revelar a expressão da vontade dos mais fortes) e sob protestos de Aristófanes proclamaram a igualdade de direitos e de dignidade entre homens e mulheres. 21 Em outras palavras, não é correto exigir-se da experiência grega a vivência de valores que somente se concretizaram na história humana a partir do século XIX, como é o caso da escravidão, abolida no Brasil, por exemplo, apenas em 1888. Lembremos que todas as sociedades da época: egípcia, persa, turca, etíope, grega e romana se organizavam economicamente sob a forma escravocrata. Filósofos como Sócrates (470 – 399 a. C.), Pitágoras (580 – 497 a. C.), Platão (428 – 347 a. C.) e Aristóteles (384 – 322 a. C.) acreditaram como natural a existência de homens considerados mais aptos e destinados pela formação e intelecto (aristós) a dirigir os menos capazes e inaptos para tomar decisões (idiothés). Lembremos, com Bruno (2009), que na própria França, após a Declaração Universal dos Direitos do Cidadão de 1786, quando foi elaborado o Novo Código Civil Francês, em 1804, as mulheres foram excluídas civilmente da cidadania e os homens sem propriedade, da mesma forma, ficaram à margem das decisões da República Francesa. Observemos, pois, que somente após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1948, foi reconhecida à mulher a igualdade de direitos civis e políticos. E em nosso país tal igualdade apenas se positivou com a publicação da Carta Magna de 1988. Temos que concluir que as intenções jurídicas resultam de idéias e valores que animam o espírito das nações desde o exemplo grego, mas, para que os princípios e valores sejam convertidos em normas jurídicas, em regras de ação, se revela uma dificuldade prática bem maior. Uma coisa, por exemplo, é a igualdade formal ou abstrata que a Constituição Federal assegura a todos, outra bem diferente é a igualdade material que significa a participação efetiva dos indivíduos nos frutos da produção de bens econômicos e nos processos sociais de educação, trabalho, saúde e habitação digna. Contradições do sistema e do regime político no Brasil Para superar tais antinomias ou contradições a sociedade civil contemporânea tem apostado nos institutos constitucionais da democracia direta, de modo a transpor a crise do nosso sistema representativo, uma vez que deputados e senadores cada vez mais se revelam desacreditados e sem qualquer compromisso efetivo com os interesses do Estado Democrático de Direito. O plebiscito, o referendum e a iniciativa legislativa popular são procedimentos de democracia direta que visam a revitalizar a ordem democrática, e realizar de modo real e efetivo os ideais previstos na Carta Constitucional de 1988. O desenvolvimento das práticas cidadãs, de investigação e de de- 22 Curso Controle Social das Contas Públicas núncias, através da imprensa, de organizações não-governamentais (ONGs), das defensorias públicas e dos Ministérios Públicos estaduais, federais e especiais (ligados aos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios) têm possibilitado um maior controle social dos atos dos governantes de todas as instâncias administrativas. A transparência da isagoria grega tem sido um fantasma que atormenta autoridades corruptas e que escondem suas atitudes ilícitas sob o argumento de “segredo de Estado”. Se é impossível reunir o povo numa Ágora imensa (pela impossibilidade material ou física), é possível, no entanto, que todos os cidadãos e órgãos políticos, administrativos, privados ou públicos, tenham acesso via internet aos contratos, compras, diários oficiais e negócios públicos em geral, e assim efetivem um controle democrático da administração de sua cidade, estado ou da União. Hoje está assentado definitivamente o direito do cidadão de conhecer todos os meandros da vida administrativa, negocial e política do Estado. O governante em qualquer nível é um mandatário do povo, seu procurador e representante. Todo o proceder político há que ser claro, lúcido, transparente, sem segredos. Considerações finais Hodiernamente, em que pesem as decepções históricas das ideologias revolucionárias que pretendiam transformar radicalmente a realidade social, política, econômica e jurídica (sonho ou pesadelo desfeito com a queda do Muro de Berlim e do desmantelamento do bloco Socialista Soviético), a sociedade civil européia e americana tem descoberto, através de movimentos independentes de partidos, formas de participação e de controle da administração política dos governos dos diversos países. Tal se verifica através de ações organizadas pontualmente, em momentos decisivos da história de cada povo, onde se chama a sociedade civil do Estado Democrático de Direito para intervir utilizando mecanismos jurídicos e legais previstos na Constituição, como o referendum, o plebiscito e a iniciativa popular no Brasil, e o recall, na república da Venezuela. O fato das classes ou categorias sociais, dos estudantes, da juventude e da intelectualidade ter encontrado motivos de decepção nos partidos da esquerda tradicional e da direita oficial, não os afastou da vontade de participar da vida política, combater a corrupção, os excessos de autoritarismo de algumas autoridades e crer na possibilidade social de transformação do Estado, modificando-o paulatinamente, até transformá-lo qualitativamente. O sonho de uma mudança radical revolucionária pode ser vivenciado como uma utopia que se afirma sob formas parciais e pontuais de mudanças quantitativas nos mais diversos setores da sociedade civil, em que o cidadão organizado e consciente possa atuar. 23 Síntese • No Brasil, o momento pós-ditadura é marcado por uma nova Carta Constitucional promulgada em 1988, considerado como um avançado modelo jurídico-político do estado democrático de direito, embora somente no plano da intencionalidade. • Nas democracias do século XXI, as formas de participação e de controle da administração política dos governos dos diversos países se verificam através de ações organizadas pontualmente, em momentos decisivos da história de cada povo, nos quais se chama a sociedade civil do Estado Democrático de Direito para intervir utilizando mecanismos jurídicos e legais previstos na Constituição, como o referendum, o plebiscito e a iniciativa popular no Brasil. , • Neste fascículo procurou-se descrever a formação do Estado Moderno desde o século XVI, com a emergência da burguesia, os novos descobrimentos e a revolução científica, que causaram profundos impactos nas estruturas sociais vigentes, e vieram a forjar novos modelos de sociedade. • As primeiras doutrinas políticas da modernidade encontram-se presentes nas obras de Maquiavel, Jean Bodin, Thommas Hobbes, John Locke, e Rousseau. As contribuições desses pensadores mostram uma evolução política que se iniciou com o autoritarismo, assumiu a forma de contratualismo e finalmente chega a proposta constituicionalista. Os questionamentos sobre as bases do Estado burguês têm em Marx e Engels seus baluartes, culminando com a Revolução Russa de 1917. Avaliação 1. Descreva sucintamente, os aspectos que marcam o nascimento da sociedade moderna. 2. Por que a ética protestante é tão importante para a emergência e consolidação do capitalismo? 3. O que vem a ser Direito Positivo e porque Maquiavel o considera um instrumento de ordenação da sociedade? 4. Que contribuições Hobbes, Locke e Rousseau dão a constituição do Estado Moderno? 5. Em que contexto político é elaborada a Constituição brasileira de 1988? 6. O que marca as sociedades e os governos democráticos do século XXI? Referências BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Editora Saraiva. 1971. RUSSEL, Bertrand. História do Pensamento Ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro. 2002. ____________ Teoria do Estado. São Paulo: Editora Saraiva. 1967. SOUZA FILHO, Oscar d´Alva e. A Ideologia do Direito Natural. Fortaleza: Editora ABC. 2ª. Edição. 2008. BRUNO, Luciana Fernandes. Raízes gregas da teoria moderna dos direitos humanos. Fortaleza: Editora ABC. 2009. DURANT, Will. História da Filosofia. São Paulo: Ed. Melhoramentos. 1978. Realização ____________ Tetralogia do Direito Natural. Fortaleza: Ed. ABC. 2008. Apoio