O RESPEITO ÀS DIFERENÇAS SOCIOCULTURAIS NA

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O RESPEITO ÀS DIFERENÇAS SOCIOCULTURAIS NA ESCOLA
CONTEXTUALIZANDO COM A OBRA EUCLIDIANA “OS SERTÕES”
RESUMO
Ádria Jane Abreu de Araújo
Elenize Maria Filgueiras Campos
Marinez Pinheiro dos Santos
Marta Helena Facco Piovesan
O objetivo deste artigo consiste em analisar e refletir as
diferenças socioculturais no âmbito educacional e o lugar da escola
quanto à construção de uma educação mais democrática. A metodologia
deste estudo provém da análise literária da obra Os Sertões de Euclides
da Cunha, abordando questões sociais e culturais, sob o ponto de vista
do referido autor. Utiliza-se de fundamentações valiosas como: PCNS,
Paulo Freire, Maria Helena Pires Martins dentre outras. Questiona a
prática pedagógica atual frente à aceitação das diferenças culturais e
quais transformações ocorrem quanto ao caráter multicultural da
sociedade. Reconhece ainda, a carência de reflexões e ações provindas
da formação de professores, em busca de mais compreensão, respeito
e tolerância no trato com o diferente.
Palavras-chave: escola, diferenças, respeito, cultura.
ABSTRACT
The objective of this article is to analyze and reflect the
sociocultural differences in the educational scope and the place of the
school according to the building of an education more democratic. The
methodology of this study comes of the literary analyze of the work “Os
Sertões” of Euclides da Cunha, approaching social and cultural
questions under the point of view of the author. Use important
informations as: PCN`S, Paulo Freire, Maria Helena Pires Martins
among other. Question the current pedagogical practice in the
acceptance of the cultural differences and what the transformation
happens in the multicultural character of the society. Still recognize the
comprehension, respect and tolerance in the treatment with the different.
Keywords: school, differences, respect, culture.
INTRODUÇÃO
O Brasil reflete um pluralismo cultural muito grande,
pela sua própria formação histórica e quantidade de
imigrantes oriundos de muitas regiões e países. Porém
pouco se trabalha essa questão na educação, assim como
também não há uma busca pelo conhecimento, no que diz
respeito às várias formas de cultura dos imigrantes que
adentram no país.
Euclides da Cunha, em sua obra social “Os Sertões,”
retrata bem as diferenças sociais entre o sertanejo e o
litorâneo, mostrando o desprezo da nação brasileira para
com o sertanejo. No entanto, mostra também a força que
eles tiveram, quando se uniram por um mesmo objetivo,
quando homogeneizaram as diferenças culturais vindas de
várias regiões do Brasil para aquela comunidade de
Canudos.
Tais diferenças culturais, sociais, étnicas e religiosas
com relação ao contexto educacional, estão presentes há
algum tempo na escola, fruto da multiplicidade existente no
Brasil. Porém, hoje se vive num mundo onde é impossível
fechar os olhos a outra diferença. A diferença da igualdade.
Todos têm o mesmo direito de ser diferentes na igualdade.
Isto é, todos são seres humanos, e como tais, iguais.
Contudo, nunca antes se valorizou tanto o direito natural de
cada um se expressar conforme suas características
individuais.
O respeito, a valorização dos costumes de cada
aluno é fundamental para que uma sociedade possa se
desenvolver e crescer culturalmente. Não se pode ignorar o
conhecimento prévio de cada aluno e sua cultura,
sobretudo demonstrar preconceito, ou aceitar qualquer
atitude dessa natureza para com as diversas formas de ser
do estudante. Com esta realidade, acredita-se que a escola
não pode mais ignorar as transformações do Brasil e do
mundo. Ela é um espelho da sociedade, e se esta muda, a
escola tem a obrigação de mudar também.
Considerando inevitável a presença da diferença na
sociedade e nas escolas, cabe questionar: como se tem
lidado, nas salas de aula, com a diferença cultural? Como
se tem buscado compreender o processo de construção
dessas diferenças? Que resposta vem sendo dada ao
caráter multicultural da sociedade? Que propostas vêm
sendo elaboradas para enfrentar os desafios decorrentes
dessa condição?
Vive-se em um mundo onde se almeja ser
simultaneamente iguais e diferentes. Fala-se em uma
cidadania planetária que respeite as diferentes culturas.
Não é um falso universalismo que destrói todas as
diferenças e que impõe culturas que se pretende alcançar,
mas uma maior valorização e aceitação da diversidade
cultural existente.
Pretende-se com este artigo mostrar um pouco do
trabalho de Euclides da Cunha sobre as diferenças sociais
entre o homem sertanejo, o litorâneo e a diversidade
sociocultural na escola. Propondo a valorização e reflexão
dessa questão no processo educativo e, principalmente,
despertar sobre a necessidade de preparar o educador
para lidar com essas diferenças, de forma a promover
atitudes harmoniosas com relação a outras culturas.
2. EUCLIDES DA CUNHA: UM MONUMENTO
HISTÓRICO- CULTURAL BRASILEIRO
Pode-se afirmar que a Literatura Brasileira nas
primeiras décadas do século XX atravessava um período
de transição, já que no Pré-modernismo existiam várias
tendências artísticas que representavam uma mistura de
ideias e formas literárias.
Euclides da Cunha surge em um momento de
grande tensão e instabilidade política, onde a República
ainda se encontrava em caráter de adaptação. É nesse
clima que nasce a obra “Os Sertões”, com o intuito de
interpretar a realidade social brasileira da época, causando
assim um debate sobre as diferenças sociais entre o
interior nordestino e o litoral. A obra deixa, portanto, um
exemplo de reflexão em busca de mais compreensão e
tolerância para com o diferente, visto que não é só uma
obra literária, mas também sociológica que retrata os
problemas sociais da época e que ainda são refletidos na
sociedade atual.
É interessante analisar que, para uma sociedade
evoluir é relevante que haja uma convivência harmoniosa
entre as culturas, para que a mesma possa lutar por uma só
causa, sem separação entre colonizadores e colonizados,
pobres e ricos, litorâneos e sertanejos. O autor busca no
sertanejo um homem resistente que possa trazer ao país o
progresso, e afirma que o desenvolvimento só é possível
através de um projeto civilizatório que englobe todos os
brasileiros. Para tanto, necessita-se de alguém que encare
os fatores externos do meio com resistência. Segundo ele,
os tipos sociais como o sertanejo e o gaúcho, resultam da
interação entre homem e natureza, homem e sociedade.
Partindo do contraste entre o sertanejo e o
“civilizado”, personificado pelo soldado federal, o autor
retrata a selvageria existente nos dois. Porém não
esconde, a sua simpatia pelo primeiro e mostra impiedade
contra aqueles que, a pretexto de destruir um foco de
“rebeldia monárquica”, escreveram uma das mais
sangrentas páginas da história brasileira.
Cunha (1998, p. 246) enfatiza:
O governo baiano afirmou serem mais que suficientes
as medidas tomadas para debelar e extinguir o grupo
de fanáticos e não haver necessidade de reforçar a
força federal para tal diligência, pois as medidas
tomadas pelo comandante do distrito significavam
mais prevenção que receio; e aditava não ser tão
numeroso o grupo de Antonio Conselheiro, indo pouco
além de quinhentos homens etc.
O livro é escrito tendo em vista os problemas sociais
pelos quais a pátria estava passando e que a mesma
estava alheia a todas essas questões que ainda hoje, são
características marcantes nesse país. Cunha testemunhou
uma guerra que ao seu modo de ver foi um crime praticado
pela nação, contra o povo sertanejo que não sobreviveu ao
massacre, mas que apesar disso foi considerado forte.
Com intuito de denunciar esse crime, o autor mistura a arte
literária com a realidade pela qual ele vivenciou e relata
detalhadamente todo acontecido, partindo assim da visão
de mundo que tinha e das influências científicas da época,
denuncia: “Aquela campanha lembra um reflexo para o
passado. E foi na significação integral da palavra um crime.
Denunciemo-lo.” (CUNHA, 1998, p.10)
2.1 Os diferentes tipos humanos na obra euclidiana
Analisando os tipos humanos, o autor traça um
paralelo entre o sertanejo e os litorâneos apontando que o
povo forte dos sertões, resistente aos fatores externos do
meio em que vivem vão-se sobrepor à raça fraca do litoral,
partindo do argumento de que o homem deve ser estudado
a partir do individual para o coletivo, visto que só se pode
entender o coletivo através do individual, ou seja, através
da parte se pode entender o todo.
Cunha (1998, p. 112):
É difícil traçar no fenômeno a linha divisória entre as
tendências pessoais e coletivas: a vida resumida de
um homem é um capítulo instantâneo da vida de sua
sociedade {...}. Acompanhar a primeira é seguir
paralelamente e com mais rapidez a segunda:
acompanhá-las juntas é observar a mais completa
mutualidade de influxos.
O homem é estudado em duas vertentes: o que vive
na cidade e o que vive isolado no sertão, sem nenhum
desenvolvimento e sem perspectiva de evoluir
acompanhando assim a evolução do país. Na verdade, o
que existe é um contraste: os homens desenvolvidos do
litoral que deveriam civilizar os subdesenvolvidos que
vivem isolados no interior, levam na verdade a morte para
homens, mulheres, velhos e crianças.
O narrador relata detalhadamente o meio físico pelo
qual o homem está inserido e em seguida descreve
minuciosamente cada ser humano característico da região,
mostrando as variações dos processos migratórios, as
crenças e os costumes. Nessa descrição o autor faz uma
análise dos personagens principais como: o jagunço, o
gaúcho, o vaqueiro e os sertanejos com suas
características físicas, psicológicas e culturais. Faz
também um estudo da formação do povo brasileiro, como
resultado do cruzamento entre o indígena, o africano e o
português.
Para o escritor, a desigualdade social existente no
país originou-se da mistura de raças, que fez com que as
pessoas nascidas dessa junção não tivessem identidade
própria, sendo que, um filho da escravidão entre um negro
da África e um branco europeu, não era senhor e nem
escravo, não conseguia administrar. Era apenas agregado
em terras alheias; um agregado em meio às culturas
alheias. Como esse povo, os mestiços provenientes muitas
vezes de violência entre senhores e escravos, poderia
ganhar uma guerra sem lutar com as mesmas armas,
principalmente culturais, que a raça considerada forte
lutava?
Cunha (1998, p. 116) evidencia:
Durante o curso deste processo redutor, os mestiços
emergentes, variáveis, com todas as mudanças da cor,
da forma e do caráter sem feições definidas, sem vigor,
e as mais das vezes inviáveis, nada mais são, em
última análise do que os mutilados inevitáveis do
conflito que perdura, imperceptível, pelo correr das
idades. É que neste caso a raça forte não destrói a
fraca pelas armas, esmaga-a pela civilização.
Segundo o autor, o abandono do sertanejo deixa-o
desfigurado, consequência do meio em que vive. Daí a
conclusão de que a geografia determina a cultura de um
povo, inclusive o aspecto físico. Caracteriza o gaúcho do
sul, os seus costumes, as suas vestes, contrapondo com os
do vaqueiro, o primeiro com aparência mais atraente
devido ao próprio clima em que vive e que não convive com
a terra seca e, tampouco com a luta que passa o sertanejo.
Cunha (1998, p. 121):
A luta pela vida não lhe assume o caráter selvagem
dos sertões do norte. Não conhece os horrores da seca
e os combates cruentos com a terra árida e exsicada.
[...] as suas vestes são um traje de festa, ante a
vestimenta rústica do vaqueiro. As amplas
bombachas, adrede talhadas para a movimentação
fácil sobre os baguais.
Além destas características citadas com relação aos
costumes do povo sertanejo, a obra enfatiza bem o fato de
que chegado certo momento, todo tipo de gente se dirige
para Canudos, o que causa um despovoamento das
cidades vizinhas e falta de mão de obra, proporcionando
revolta nos coronéis. Porém ao chegar à comunidade, as
diferenças se tornavam iguais e a comunidade se ajudava
de uma forma coletiva e junta somava força, na solução dos
problemas e na reivindicação dos direitos. Isso causou
preocupação ao governo republicano, pois o mesmo
desejava continuar manipulando toda sociedade brasileira.
Portanto, a organização e respeito às diferenças, que
existiam em Canudos, de certa forma proporcionavam
perigo aos que detinham o poder. Visto que todos que
chegavam lá eram tratados com igualdade e todos lutavam
pelo mesmo objetivo, seguindo os preceitos do
Conselheiro.
3. DIFERENÇAS CULTURAIS
Um grande equívoco hoje é pensar que a questão da
diversidade, a luta pelo reconhecimento da diferença, é um
assunto da atualidade ou até mesmo decorrente do novo
milênio. É fato confirmado que a globalização, as políticas
neoliberais trazem à tona, embora com uma nova
roupagem. Analisar a diversidade cultural significa
entender primeiramente que, no contexto social, agregamse outras realidades tais como: etnia, diferenças etárias, de
gênero, geográficas, religiosas, de visões de mundo,
projetos individuais, desejos, valores, experiências vividas
e outras.
Ela está intimamente ligada à condição de classe
social, portanto não se trata de dimensões que se opõem
ou que possam ser facilmente substituídas uma pela outra.
Deve-se buscar uma visão dialética da relação entre
igualdade e diferença. Não é admissível nos dias atuais
falar em igualdade sem incluir a questão da diversidade,
nem mesmo é possível abordar a questão da diferença
dissociada da afirmação da igualdade. “Temos o direito a
reivindicar a igualdade sempre que a diferença nos
inferioriza e temos direito de reivindicar a diferença sempre
que a igualdade nos descaracteriza”. Boaventura (apud
SANTOS, 2007, p.27).
Reconhecendo as ideias de Boaventura, pode-se
evidenciar a importância de cada cultura, já que ela é um
dos aspectos que mais marca um povo, revela sua
identidade e pode se apresentar de várias formas, dentre
elas através da língua, dos sotaques, da religião, dos
costumes e das tradições, tudo isso em escala nacional e
regional. “É este conjunto complexo que inclui
conhecimento, crença, arte, moral, lei, costumes e várias
outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como
membro de uma sociedade”. (MELLO, 2001, p.40)
Na esteira do pensamento de Mello e da realidade
histórica do povo brasileiro, pode-se dizer que toda essa
mistura aqui existente constitui muitas formas de simbolizar
o universo cultural em que o homem está submerso. A
sociedade brasileira reflete, por sua própria formação
histórica, o pluralismo, portanto pode-se falar em culturas
no plural ou diversidade cultural. O povo brasileiro é
nacionalmente um povo intercultural, não apenas um
mosaico de culturas, como se pode observar nesta
declaração.
Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural,
(UNESCO, 2002, artigo 1º) discorre que:
A cultura adquire formas diversas através do tempo e
do espaço. Essa diversidade se manifesta na
originalidade e na pluralidade de identidades que
caracterizam os grupos e as sociedades que
compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de
inovação e de criatividade, a diversidade cultural é,
para o gênero humano, tão necessária como a
diversidade biológica para a natureza. Nesse sentido,
constitui o patrimônio comum da humanidade e deve
ser reconhecida e consolidada em beneficio das
gerações presentes e futuras.
É de grande valia entender que a originalidade de
cada cultura reside na maneira particular como os grupos
sociais resolvem os seus problemas, ao mesmo tempo que
se aproximam de valores que são próprios de cada um.
Porém, o fato das pessoas possuírem semelhanças, não as
tornam idênticas. No entanto o que deve ser valorizado
nesse contexto é a aceitação à diversidade e a
transformação da mesma em algo mais universal. Este
deve ser o verdadeiro perfil do povo brasileiro. Sabe-se,
contudo, que o diálogo entre culturas supera no final o
relativismo cultural e enriquece valores universais.
Nessa perspectiva é importante mencionar que, a
educação carece de uma prática pedagógica que veja o
educando com suas diferenças e igualdades, evitando
práticas discriminatórias, tanto no aspecto social, como no
ritmo de aprendizagem, pois assim pode-se evitar também
acreditar somente em um modelo padrão de
comportamento. A ideia de padronização das culturas dá
lugar ao entendimento das diferenças como desvio,
patologia e desigualdade. Tudo isso gera desrespeito ao
modo de pensar, agir e aos costumes de determinado povo,
podando assim, a expressão prática das diversidades
culturais. Dessa forma afasta-se da educação defendida ao
longo dos anos.
A escola possui a vantagem de ser uma das
instituições sociais em que é possível o encontro das
diferentes presenças. Sendo ela também um espaço
sociocultural marcado por símbolos, rituais, crenças,
culturas e valores diversos. Esse leque de possibilidades
existente no espaço educativo escolar precisa ser vista na
sua riqueza, no seu fascínio. Nesse aspecto, a questão da
diversidade cultural na escola deveria ser vista no que de
mais fascinante ela pode proporcionar às relações
humanas, sendo essa a grande premissa da pedagogia da
diversidade, como é exemplificado por Santos (2005, p.
50):
Precisamos ter sabedoria para criar estratégia de
enfrentamento à diversidade do mundo atual,
tornando-nos sempre eternos aprendizes; é preciso
criar competências para nos comunicarmos e
interagirmos com todas as pessoas, convivendo com
as diferenças, mas principalmente reconhecendo-as
como espaços abertos para construção de novos
saberes.
A abertura à diversidade torna possível a não
separação dos educandos em blocos e a queda de todas
as barreiras sociais. É urgente a necessidade de colocar
em prática a máxima da Educação, proposta pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), que é: aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e
aprender a ser.
Santos (2005, p. 23) ainda acrescenta:
A escola não pode continuar anulando e
marginalizando as diferenças nos processos através
dos quais, forma e instruí os alunos e muito menos
desconhecer que aprender é errar, ter dúvidas,
expressar dos mais variados modos o que sabemos,
representar o mundo a partir de nossas origens e
sentimentos.
Lançar mão desta abordagem de Santos sobre a
diversidade, implica reconhecer as diferenças e tendo-as
como ponto de partida, administrar a aprendizagem,
usando por base o planejamento político-pedagógico de
uma educação que articula e programa ações educativas
capazes de atender a todos os educandos, pois tem como
princípio básico: a luta pela superação das desigualdades
sociais e valorização das diferenças culturais. No entanto,
não se pode deixar de destacar o valor de todas estas
discussões para uma melhor compreensão destes novos
fundamentos que hoje lutam para serem reconhecidos em
suas singularidades sociais, políticas e culturais,
contribuindo para que as práticas pedagógicas sejam
diferenciadas.
3.1 A escola atual frente ao multiculturalismo
Dentre os muitos desafios na educação atual,
ressalta-se o de encontrar estratégias mais eficazes contra
os vários preconceitos que existem na escola. Não basta a
pregação científica aos alunos, de que não existem raças
ou culturas superiores ou inferiores. Tampouco a teoria
cristã, a qual afirma que para Deus todos são iguais, para
que estes possam deixar de serem preconceituosos.
Como educador é necessário entender que apesar
da lógica racional ser importante no processo informativo e
formativo, ela não muda por si mesmo o pensamento
coletivo dos alunos em relação aos preconceitos. A escola
precisa oferecer uma educação que respeite essas
diferenças, pois ainda há professores acomodados diante
desse aspecto e acabam achando mais fácil trabalhar com
conteúdos voltados para a homogeneidade.
Sacristan (apud CHALUH 2006, p.111):
A comodidade profissional dos professores que
acreditam que é mais fácil trabalhar com uma base
homogênea de estudantes; O controle interno e
externo dos conteúdos, que fazem com que os
professores imponham uma cultura de certa forma
homogeneizada assim como tipos e níveis de
rendimentos padronizados; escassa variedade de
espaços, de estímulos e recursos culturais para a
aprendizagem o que propicia o uso de fontes
uniformizadas de informação.
Conceber o conhecimento sob a visão de Sacristan,
é reconhecer que a escola carece de um ambiente
acolhedor que possibilite a interação de todas as formas de
pensar e agir, respeitando a individualidade de cada
educando, fazendo com que este possa realizar troca de
experiências reais.
Paulo Freire, (1992, p.156) ressalta:
A multiculturalidade não se constitui na justaposição
de culturas, muito menos no poder exarcebado de uma
sobre as outras, mas na liberdade conquistada de
mover-se cada cultura no respeito uma da outra,
correndo o risco livremente de ser diferente, sem medo
de ser diferente, de ser cada uma “para si” somente
como se faz possível crescerem juntas e não na
experiência da tensão permanente, provocada pelo
todo poderosismo de uma sobre as demais, proibidas
de ser.
Nesse aspecto, o educador precisa estar sempre
aberto a novas perspectivas e a novos desafios
apresentados pela realidade, deixando de lado a velha
concepção de que está formado e agora pode formar
outros. Desse modo, faz-se necessário que o professor
evidencie as diferenças presentes em sua sala de aula,
estimulando a construção de conhecimentos para seus
educandos e para a luta a favor da transformação social.
Na escola, o aluno recebe todos os tipos de
informações a todo instante. O que falta é o aspecto
formativo e dialógico que dificulta a interação do aluno com
aquilo que lhe é informado e com os outros, favorecendo
assim só um lado, levando todos a pensarem da mesma
forma e gerando conflitos, desfavorecendo a diversidade.
É evidente que é preciso atenção para com as
atitudes preconceituosas em sala de aula, as quais às
vezes são irracionais, já que a raiz está nas emoções
momentâneas, mas podem levar o aluno a ter problemas
psicológicos no futuro, quando são agredidas verbalmente
por outros alunos, geralmente aqueles com características
diferenciadas é que são as vítimas, como é exemplificado:
“Japa, Gordão, Balofo, Zarolho, Quatro-olhos [...] são
tantos apelidos que apontam exatamente para a diferença,
para aquela característica que distingue alguém do resto
do grupo.” (MARTINS, 2001, p. 21).
Com efeito, a busca por mudanças no ensino hoje,
requer dos estudantes, pais, professores, funcionários e
corpo diretório, engajamento no processo de ensino
aprendizagem no que diz respeito à diversidade de cada
educando. Portanto, espera-se da escola a criação e
abertura de espaços que promovam ações cooperativas,
solidárias onde todos possam participar e interagir.
Santos (2005, p. 57) entende que:
Abrir espaços de cooperação, de construção de
relações solidárias, de participação
deve fazer parte das preocupações dos professores,
administradores, funcionários, alunos e pais, pois, sem
esses valores e atitudes, não só não é possível realizar
as transformações necessárias à escola, como
também não se realizarão o principio da igualdade e o
respeito à diversidade.
De acordo com a autora, a resolução para a inclusão
da diversidade, não se encerra na abertura de espaços
propícios, mas também na importância de investir na
formação permanente e continuada dos professores para
que estes possam estar preparados na superação de
problemas que possam surgir durante o processo de
aprendizagem.
O reconhecimento das diferentes manifestações e
comportamentos culturais pode repercutir no aumento das
auto-estimas dos educandos, gerando confiança e
contribuindo ao alcance de outros objetivos. É importante
que cada profissional de educação acredite nisso, se quiser
contribuir para o sucesso escolar e para a construção de
uma sociedade mais democrática, onde todos possam
estar incluídos.
Sabe-se que, de acordo com os direitos humanos,
todas as pessoas nascem livres, com liberdade de
expressão e participação na sociedade, sem discriminação
de raça, cor ou qualquer outra condição social. Para tanto, a
escola precisa oportunizar um ambiente adequado para o
aperfeiçoamento dessa prática social, numa perspectiva de
formar cidadãos críticos, autônomos e competentes para
atuar em qualquer sociedade que estiverem inseridos. Uma
educação voltada à diversidade humana garante esses
direitos, pois favorece a compreensão entre os indivíduos e
constrói relacionamento de respeito para com o outro.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS)
propõem nos temas transversais, uma alternativa que
busca expor, compreender e valorizar a diversidade étnica
e cultural que faz parte da sociedade brasileira.
PCNS (1997, p. 121) discorrem ainda:
[...] compreender suas relações, marcadas por
desigualdades socioeconômicas e apontar
transformações necessárias, oferecendo elementos
para a compreensão de que valorizar as diferenças
étnicas e culturais não significa aderir aos valores do
outro, mas respeitá-los como expressão da
diversidade, respeito que é, em si, devido
a todo ser humano, por sua dignidade intrínseca, sem
qualquer discriminação. A afirmação da diversidade é traço
fundamental na construção de uma identidade nacional
[...].
Diante dos problemas percebidos e a partir de uma
perspectiva crítica, propõe-se aqui a busca pela superação
de uma atitude meramente condenatória e o resgate do
espaço intra-escolar para viabilizar práticas pedagógicas
imbuídas por expectativas que celebrem a diversidade
cultural, ao invés de sufocá-la. Nesse sentido, um caminho
possível é a luta por uma formação docente que sensibilize
professores e futuros professores à pluralidade cultural e
favoreça práticas pedagógico-curriculares a ela reunidas.
É importante ressaltar que muito se fala a respeito da
formação continuada dos profissionais em exercício do
magistério, porém pouco se faz. Na prática observa-se
quão deficiente é a formação inicial, mesmo sabendo da
importância de se estar em constante reflexão e crítica para
atender a todos os educandos com qualidade.
Os educadores são peças chaves na transformação
da escola. São eles que estão em contato direto com o
aluno, que organizam, planejam, orientam, avaliam e
desenvolvem atividades no cotidiano da sala de aula, mas
se faz necessário entendê-los como seres culturais. Cada
um traz sua história de vida, sua bagagem pessoal que
devem ser levadas em conta sempre que os órgãos
formadores promovem os processos de formação
continuada. “Isso significa que, em todas as ações de
formação continuada, os participantes não estarão
igualmente motivados para a vivência do processo”.
(MONTEIRO E GIOVANNI, 2000: 134)
Almeja-se uma formação que busque um trabalho de
reflexibilidade crítica sobre as práticas e de reconstrução
permanente de uma identidade pessoal e profissional, num
processo de interação mútua; para que estas mudanças
ocorram, precisa-se de uma política educacional que dê o
suporte necessário, caminhando juntos, professores e
sociedade.
Nesse contexto reafirma-se, que o estudo sobre as
diferenças socioculturais, conduz a um repensar do papel
do educador. Acredita-se que é principalmente através da
formação de professores que se pode ajudar a construir
uma escola e uma sociedade melhor para todos. É
necessário abrir caminhos, romper com os discursos até
então dominantes, para realmente encontrar-se com o
diferente numa prática viva de respeito à diversidade
humana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É impossível pensar em escola sem
necessariamente pensar a cultura e as relações existentes
entre elas. A educação deve ter como base o diálogo, a
formação e a transformação, com isso supõe-se não só um
contato, uma transmissão e aquisição de conhecimentos,
mas também um desenvolvimento de competências,
hábitos e valores. Deverá ser, portanto, não só uma
reprodução do saber e das culturas, mas, sobretudo, uma
produção de novos saberes e novas expressões culturais.
No entanto, percebe-se que a escola ainda não
reflete na prática todos esses aspectos e a maioria dos
educadores ainda se sentem despreparados para trabalhar
a diversidade cultural existente nela. Analisar a escola
como espaço sociocultural significa compreendê-la na
ótica da cultura, sob um olhar mais denso, que leva em
consideração a dimensão do dinamismo, do fazer-se
cotidiano, com a participação de seres humanos concretos,
sujeitos sociais e históricos, presentes e atores da própria
história.
Euclides da Cunha retratou bem, através da
literatura, essas questões sociais e pôde-se perceber
também uma grande preocupação com as desigualdades
daquela época no Brasil, já que através da arte literária,
buscava encontrar soluções que conduzissem a um país
melhor. Dessa forma é inegável a contribuição que a obra
Os Sertões trouxe para aquele período e para os dias
atuais, provocando assim esse debate sobre as diferenças
socioculturais na sociedade e na educação.
É evidente que a diversidade cultural precisa ser
considerada no processo educativo, visto que esta é
frequentemente ignorada nas práticas pedagógicocurriculares desenvolvidas pelos professores. Portanto,
urge que se invista na formação de um educador
criticamente comprometido e que possa respeitar o
conhecimento prévio dos seus educandos.
A educação como um processo em construção,
aponta para a necessidade de uma maior reflexão e
abertura de caminhos que levem ao atendimento desta
diversidade, respeitando e valorizando todos os saberes
presentes no cotidiano educacional. Partindo do
pressuposto de que a escola não é a detentora de todos os
males, mas essencial para a reconstrução de uma
sociedade mais justa e igualitária, diferente do modelo
social republicano, apresentado na obra de Euclides da
Cunha.
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