filosofia e educação: elementos de estética em adorno

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FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: ELEMENTOS DE ESTÉTICA EM ADORNO
Robson Loureiro1
Resumo:
Este trabalho insere-se dentro da tradição da teoria crítica, em particular da filosofia estética
de Theodor Adorno. O escopo do artigo é refletir sobre a filosofia e a educação em
congruência com a teoria estética de Adorno, bem como responder aos seguintes problemas:
existe algum elo entre as proposições adornianas de filosofia e de estética? Em que medida se
relacionam a filosofia crítica (a filosofia que resiste) e a experiência estética autêntica,
concebida a partir da arte moderna radical? Em que a filosofia crítica precisa da experiência
estética? Por sua vez, em que a experiência filosófica precisa da arte?
Palavras-chave: Filosofia. Educação. Estética.
Este trabalho insere-se dentro da tradição da teoria crítica, em particular da filosofia
estética de Theodor Adorno. O escopo do artigo é refletir sobre a filosofia e a educação em
congruência com a teoria estética de Adorno, bem como responder aos seguintes problemas:
existe algum elo entre as proposições adornianas de filosofia e de estética? Em que medida se
relacionam a filosofia crítica (a filosofia que resiste) e a experiência estética autêntica,
concebida a partir da arte moderna radical? Em que a filosofia crítica precisa da experiência
estética? Por sua vez, em que a experiência filosófica precisa da arte?
Segundo Valls (2002, p.156), Adorno posiciona-se em favor de uma estetização
radical da filosofia, o que significa que a filosofia não só recorre à arte, mas se transforma,
ela mesma, em artística. Longe de oferecer uma resposta absoluta, o argumento de Valls
conduz a novas indagações: haveria, no pensamento de Adorno, uma simetria entre Filosofia e
Estética? Mais precisamente, a Filosofia estaria subsumida à Estética?
Este conjunto de problemas é por demais polêmico. No campo educacional, Severino
(1999) traz implícita, em sua reflexão sobre as perspectivas de abordagem da educação no
Brasil, uma compreensão próxima à de Valls quando afirma que os teóricos da Escola de
Frankfurt inspiram educadores a pensar a prioridade da esteticidade no pedagógico. Ao
1
Doutor em Educação, Prof. Adjunto do Departamento de Fundamentos da Educação e Orientação Educacional
do Centro de Educação da UFES. Graduado em filosofia, mestrado em filosofia da educação. Email:
[email protected] .
2
contrário, Eagleton (1993, p. 261) observa que “Estetizar a filosofia, no sentido de reduzir a
cognição à intuição, está fora de questão para Adorno [...]”.
Buck-Morss (1981, p. 270) lembra que, em seus estudos sobre Kierkegaard de 1933,
Adorno rejeitou toda estetização do procedimento filosófico. Essa posição é ratificada na
Dialética Negativa: “Uma filosofia que imitasse a arte, que aspirasse a definir-se como obra
de arte se eliminaria a si mesma” (Adorno, 1975, p. 23). Conforme Adorno (1975), não há
coincidência entre a forma ou o processo construtivo da arte e da filosofia. Cada qual se
mantém fiel ao seu conteúdo específico. Por isso, em sentido contrário, também se deve evitar
a subsunção da estética à filosofia: “Assim como a estética não deve situar-se na retaguarda
da arte, assim também não deve permanecer atrás da filosofia” (Adorno, 1982, p. 378).
Portanto, a arte não pode fazer dos conceitos o seu tema (Adorno, 2001a, p. 25), ou seja, “[...]
traduzir as idéias filosóficas em imagens sensuais” (Adorno, 2001a, p. 23).
Diante de tal constatação, a meu ver, parece pertinente sinalizar uma interdependência
entre Filosofia e Arte no pensamento adorniano, como menciona Duarte (1993, p.156). Longe
de depreciá-la como o fez grande parte da tradição filosófica, desde Platão até a modernidade,
Adorno considera a arte uma experiência de conhecimento. Essa proposição vincula-se à
tensão dialética entre mimese e racionalidade na obra de arte. Desta forma, Adorno (1982)
considera que o caráter intuicionista da arte é aporético. Se a arte fosse pura intuição, ela
limitar-se-ia à mera empiria, da qual, segundo Adorno, ela procura desviar-se. O mimetismo
da arte só sobrevive pela sua antítese, pelo momento racional. É por isso que “A arte é a
intuição de algo não-intuitivo, é semelhante ao conceito sem conceito” (Adorno, 1982, p.
115). A arte se opõe ao conceito; mas, para isso, necessita dele.
Como lembra Pucci (1999, p.175), a experiência estética oferece “[...] aos nossos
sentidos uma dimensão de conhecimento, e ao nosso entendimento, uma dimensão de
sensibilidade”. Desse modo, Adorno sugere uma nova racionalidade na qual, por um lado, a
intuição não abdique da conceituação, e, por outro, a conceituação não despreze o elemento
intuitivo (Duarte, 1997b, p. 63). A arte implica o conhecimento da realidade: “[...] a arte,
como forma de conhecimento recebe todo seu material e suas formas da realidade – em
especial da sociedade – para transformá-la [...]” (Adorno, 2001b, p. 13). Por isso, tal como a
filosofia, a arte remete para o universal, aqui entendido como a coletividade: “O que aparece,
mediante o qual a obra de arte ultrapassa de longe o puro sujeito, é a irrupção da sua essência
colectiva” (Adorno, 1982, p. 152), que, no entanto, não sacrifica, tampouco reprime o
particular em detrimento de uma ordem gregária. Assim sendo, a relação da obra de arte com
o universal é indireta, pois é pela extrema individualização genuína (de seus materiais, de seus
3
problemas, suas formas de expressar-se) que a arte é portadora do universal (Adorno, 2001a,
p. 24-25).
Portanto, é possível afirmar que, para Adorno, há uma ligação entre a experiência
erótica e a estética, tal como sugerida por Platão, uma vez que ambas buscam a experiência do
conhecer verdadeiro: a união entre Eros e Logos (Gagnebin, 1997, p. 104).
Uma das contribuições da arte à filosofia refere-se ao impulso que o conhecimento
não-conceitual da arte ocasiona ao esforço filosófico conceitual na apreensão da realidade em
sua verdade, em suas contradições e devir. Por essa razão, a arte impulsiona a filosofia a
aspirar o utópico, o estado de reconciliação com a natureza que, porém, preserva a nãoidentidade e por isso não objetiva o controle, o domínio extremo. Assim, a arte pode ser a
mediação entre o estado histórico de horror e desespero “[...] e a construção de uma filosofia,
na qual seja reservado um lugar para a esperança” (Duarte, 1993, p. 118). Em outros termos, a
arte genuína oferece à filosofia uma dimensão política. Se, por um lado, a história é o solo da
produção artística, por outro, não se pode pensar em um determinismo histórico sobre a arte2.
Como registra Duarte (1999), se algo novo ocorre na estética, algo novo pode ocorrer na
história. Ou, quanto mais se impede a utopia, mais a arte deve e pretende ser utópica (Adorno,
1982, p. 45).
Além dessas contribuições da arte para a filosofia, há a chance de o pensamento
conceitual se deixar permear pela estética, sem nela se esvair. Essa possibilidade aparece
quando Adorno discute o ensaio como forma. Para Adorno (2003d), o ensaio não é uma
forma artística; ele aproxima-se da autonomia estética à medida que se preocupa com a tensão
entre o conteúdo que se quer veicular e a sua forma de apresentação; ou seja, no ensaio, o
cuidado com o elemento expressivo se entrelaça com o próprio conteúdo (assim como na arte,
reconhece-se a não-identidade entre a apresentação e a coisa). Preocupar-se com a forma ou o
elemento expressivo da exposição filosófica ou científica não é transformar a ciência ou a
filosofia em arte. O ensaio (seja filosófico ou científico) se diferencia da arte em um duplo
aspecto: ele trabalha com conceitos e seu fim volta-se para a verdade desprovida de aparência
estética (Adorno, 2003d, p. 18).
De acordo com Adorno, o ensaio assume várias características: ele remete para a
liberdade do espírito e para a possibilidade de expressão de uma reflexão séria, mas não
dogmática; põe em xeque o direito incondicional do método; priva-se de qualquer redução a
um fundamento. O ensaio revolta-se, sobretudo, contra a doutrina, segundo a qual tudo que é
2
Como observa Marx (1987, p. 24), “Em relação à arte sabe-se que certas épocas do florescimento artístico não
estão de modo algum em conformidade do desenvolvimento geral da sociedade, nem, por conseguinte, com o da
base material que é, de certo modo, a ossatura da sua organização”.
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transitório não é digno da filosofia; ele rebela-se contra o conceito imutável e intemporal e
contra a verdade absoluta. A historicidade do conceito evocada por Adorno se relaciona à
historicidade da própria existência humana factual à qual o conceito sempre se refere:
Assim como é difícil pensar o meramente factual sem conceito,
porque pensá-lo significa sempre já concebê-lo, tampouco é possível
pensar o mais puro dos conceitos sem alguma referência à facticidade.
Mesmo as criações da fantasia, supostamente liberadas do espaço e do
tempo, remetem à existência individual, ainda que por derivação. É
por isso que o ensaio não se deixa intimidar pelo depravado
pensamento profundo, que contrapõe verdade e história como opostos
irreconciliáveis. Se a verdade tem, de fato, um núcleo temporal, então
o conteúdo histórico torna-se, em sua plenitude, um momento integral
dessa verdade [...] A relação com a experiência – e o ensaio confere à
experiência tanta substância quanto a teoria tradicional às meras
categorias – é uma relação com toda a história (Adorno, 2003d, p. 26).
Se o ensaio está no campo teórico, há que se observar, diante dessas características,
que o exercício teórico propiciado pelo ensaio é auto-reflexivo. Na acepção de Adorno
(2003d, p. 38), “O ensaio continua sendo o que foi desde o início, a forma crítica par
excellence, [...] o ensaio é crítica da ideologia”. Nesse sentido, como lembra Duarte (1997c, p.
80), “O ensaio é a forma de pensamento que garante o necessário elemento reflexivo no
esclarecimento”. Há, no ensaio, a proximidade sugerida por Adorno entre arte, filosofia e
ciência, sem a pretensão de diluir o conhecimento específico de cada área. Por isso, a
expressão filosofia atonal utilizada por Jay (1988), ao referir-se ao pensamento adorniano,
sugere mais que uma simples metáfora. Essa expressão aceita, por exemplo, as analogias
realizadas pelo próprio Adorno entre pensamento crítico e composição musical (Buck-Morss,
1981, p. 269).
Como conhecimento, a arte possui relação com a verdade, assim como a filosofia: “A
filosofia e a arte convergem no seu conteúdo de verdade: a verdade da obra de arte que se
desdobra progressivamente é apenas a do conceito filosófico” (Adorno, 1982, p. 151). Porém,
a verdade da obra de arte não está em seu aparecer imediato, mas na “aparência da nãoaparência” (Adorno, 1982, p. 152). Duarte (1993, p. 153) explica que o aparecer estético é
fundamental, mas insuficiente para revelar o conteúdo de verdade da obra de arte. Neste
ponto, pode-se pensar a contrapartida da filosofia em relação à estética.
Adorno (1982, p. 89) explica que a arte carece da filosofia para dizer o que ela não
consegue dizer, mas que “[...] só pela arte pode ser dito, ao não dizê-lo”. O aparecer artístico
é, portanto, enigmático. No ato de dizer alguma coisa, a obra de arte também desdiz, o que, de
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certa maneira, dá a tonalidade do enigma sob a perspectiva da linguagem. De imediato, no
imaginário social, o conceito de enigma tende a ser confundido com questão e charada (cuja
resposta seria definida a priori), ou mesmo com a noção de algo não-racional e, portanto,
misterioso. Todavia, a condição enigmática das obras de arte não consiste naquilo que é
irracional, mas sim, em sua racionalidade. O enigma não está na intenção do artista, mas
naquilo que a obra expressa: a própria história.
No afã de querer interpretar a obra de arte, o apreciador comporta-se de forma análoga
à aparição de um arco-íris. Adorno observa que, se alguém procura aproximar-se de um arcoíris, de imediato ele desaparece. Daí porque o caráter enigmático das obras de arte é o seu
estar-separado, pois a obra de arte, tal como proposto nas teses adornianas, não pode ser
tomada como evidência do real. Assim, quem se diz satisfeito e afirma compreender algo da
arte, de imediato, transforma-a em uma evidência: tudo o que ela não é. A arte só é
enigmática porque, na condição de não-idêntica à realidade, desmente o que quer ser (Adorno,
1982, p. 147).
O enigma indica o conteúdo de verdade da arte. Contudo, não há um discurso final que
consiga resolvê-lo por completo, uma vez que, de fato, não se resolve o enigma, mas se
decifra a sua estrutura: “Resolver o enigma equivale a denunciar a razão da sua insolubilidade
[...]” (Adorno, 1982, p. 143). Para Adorno (1982, p. 142), essa é a tarefa da filosofia da arte.
Em alusão ao caráter enigmático da arte, Freitas (2003, p. 36) explica: “A rede de conceitos e
preconceitos que usamos para entender a realidade nos desacostuma de admirar o que é
diferente; a arte procura (pela mediação do enigma – gf. meu), desesperada e fugidiamente,
reparar isso”. Nesse ponto, Adorno dá indícios de uma preocupação com a educação estética.
Para ele, indivíduos carentes de formação cultural dificilmente percebem o caráter enigmático
das obras de arte. A tendência, nesse caso, é que o indivíduo com baixa sensibilidade estética
em geral realize uma crítica externa à arte (Adorno, 1982, p. 140-141). Ao não perceber o
caráter enigmático para além de níveis elementares, o indivíduo amúsico concebe a obra de
arte como uma grande confusão. O elemento diferenciador entre o iniciado e o indivíduo
desprovido de formação estética ou semiformado está, conforme Adorno, na possibilidade de
percepção do caráter enigmático da arte:
Quem é totalmente privado de “ouvido musical”, quem não
compreende a “linguagem da música”, percebendo aí apenas a
confusão e interrogando-se o que pode significar tais ruídos, só
elementarmente se dá conta do caráter enigmático. A diferença entre o
que ele ouve e o que ouve o iniciado circunscreve o caráter enigmático
(Adorno, 1982, p. 141).
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O alerta de Adorno, quanto à relação entre o apreciador e à sua não percepção da
natureza enigmática de uma obra de arte, não se refere, de modo algum, apenas à fruição
musical, mas à experiência estética em geral. A crítica, aqui, cabe também aos experts, para
quem, segundo Adorno (1982, p. 142), o conhecimento especializado é compreensão
adequada da arte, mas, na verdade, revela-se como incompreensão do enigma.
Considerando que “A crítica não se acrescenta de fora à experiência estética, mas é-lhe
imanente” (Adorno, 1982, p. 382), a formação sensível envolve, ao mesmo tempo, a educação
da capacidade reflexiva. Por outro lado, levando-se em conta que “Uma ratio sem mimese
nega-se a si mesma” (Adorno, 1982, p. 364), percebe-se que o exercício reflexivo mobiliza a
existência sensível do humano. Eis porque, na arte moderna, diferente dos produtos da
indústria cultural, a mimese refere-se ao que é não-idêntico. No contato com uma obra de arte
moderna, o indivíduo é impelido a imitar o inesperado. Tarefa nada fácil, visto que depende
“[...] de um conjunto de forças subjetivas que normalmente não são colocadas em jogo na
atitude passiva no cotidiano, e que são virtualmente abandonadas na indústria cultural”
(Freitas, 2003, p. 36).
Essa dificuldade de perceber o caráter enigmático da obra de arte tem a ver, em certo
sentido, com a dicotomia entre entendimento e sentimento que expressa uma espécie de “[...]
caricatura do estado de coisas que, no decurso de milênios de divisão do trabalho inscreveu
esta divisão na subjectividade” (Adorno, 1982, p. 364). Na sociedade capitalista, percebe-se
um recrudescimento desta dicotomia. No entanto, a experiência estética funda a possibilidade
de compreender que, na estrutura humana, razão e sensibilidade não diferem em absoluto;
mesmo na sua oposição, permanecem interdependentes (Adorno, 1982, p. 364).
Alguns contrapontos da estética adorniana
Na tradição filosófica, a teoria estética de Adorno possui vários interlocutores. Seu
diálogo percorre desde o platonismo ao marxismo. Entretanto, não se pode esquecer que a
estética adorniana também se delineou como um contraponto à estética nazista. Para Hitler,
arte e política eram uma única e mesma coisa (Lenharo, 1986). O Estado e a arte seriam
produtores de uma força criadora: “a vontade autoritária”, ou “o poder político de criar
formas”. A soberba de Hitler inflava quando ele era aclamado tanto um líder político como
um “grande mestre-de-obras”. Um jornal nazista da época escreveu que havia uma conjunção
endógena e necessária entre os trabalhos (quadros de pintura) artísticos de Hitler e sua obra
política (Lenharo, 1986, p. 36-37). Isso faz lembrar Benjamin (1994, p.195), quando alertou
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que o fascismo teve uma tendência para a estetização da vida política. Porém, ele acrescenta
que “Todos os esforços para estetizar a política convergem para um ponto. Esse ponto é a
guerra”.
Junto com o anseio de construção de uma terceira solução entre o comunismo e o
capitalismo (Hamilton, 1971), o Estado nazista enalteceu a estética neoclássica. Porém, ao
mesmo tempo, os artistas oficiais glorificavam o homem camponês, a paisagem campestre,
suas manifestações folclóricas etc. Concomitante, havia uma compulsão narcisista em
exterminar o não-idêntico. Ao eliminar o Outro – o judeu, o negro, o comunista, o
homossexual, o cigano, os portadores de deficiências físicas e mentais –, de acordo com os
nazistas, podia-se elevar a condição moral e fortalecer os ideais imperialistas do povo alemão.
O projeto eugênico, a compulsão por limpeza e a solução final eram concebidos como ações
necessárias à transformação do povo alemão em uma verdadeira nação de artistas. O Führer,
ele próprio, conduziria, com as mãos de um artista, a batuta mágica para a realização do 3º
Reich (Loureiro, 1996).
O ideal estético do nazismo contrastou com o desenvolvimento dos movimentos
modernistas na Alemanha nas primeiras três décadas do século XX. Por isso, a estética
modernista foi alvo de perseguição não só na Alemanha, como também em diversos Estados
fascistas que se consolidaram em solo Europeu (Espanha, Portugal, Itália), na URSS e
América Latina. No caso alemão, o Estado logo tratou de inseri-los em exposições
denominadas arte degenerada. Evans (2004, p. 413) sublinha que Hitler havia declarado, no
seu livro Minha Luta, que “[...] a arte modernista era o produto de judeus subversivos e a
mórbida excrescência de homens insanos e degenerados”. Por seu turno, o Ponto 25 do
programa do partido nacional-socialista, de 1920, afirmava: “Nós exigimos o banimento legal
de todas as tendências, na arte e na literatura, de um tipo provavelmente desagregador de
nossas vidas como uma nação” (Evans, 2004, p. 413). Em 1937, em Munique, Goebbels
realizou a primeira mostra de arte degenerada. Marc Chagall, Ernst Ludwig Kirchner, Georg
Grosz, Paul Klee, Otto Dix e Oskar Kokoschka foram alguns dos artistas da vanguarda
modernista depreciados nesta exposição; suas telas foram desmolduradas e penduradas, de
forma aleatória, entre pinturas de doentes mentais. Em 1939, inúmeras obras também foram
queimadas em Berlim (Beckett, 1997).
Essa breve rememoração permite cotejar o potencial crítico da teoria estética
adorniana em sua defesa da arte moderna radical a partir do nítido confronto que Adorno
assume contra o nazi-fascismo. Por outro lado, essa mesma radicalidade possibilita
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vislumbrar a atualidade da filosofia de Adorno, assim como questionar algumas de suas
interpretações contemporâneas.
Palavras Finais
A meu ver, a posição de Severino (1999) é ilustrativa. Tendo como foco a filosofia da
educação no Brasil, esse autor afirma que os estudos educacionais, inspirados na Teoria
Crítica priorizam o estético e por isso são precursores de uma concepção pós-moderna
caracterizada pelo questionamento do projeto iluminista da modernidade e do saber fundado
na razão:
Na verdade, o pensamento desconstrutivo em relação à produção
teórica da modernidade começa a se instaurar a partir da reflexão
crítica dos pensadores da Escola de Frankfurt, que inspirados por
Marx, Freud e Nietzsche, lançam as matrizes do questionamento da
hegemonia da racionalidade que dominou a era moderna,
configurando o seu perfil. Assim, a Teoria Crítica está na raiz das
vertentes
filosófico-educacionais
que
designei
como
arqueogenealógicas, representativas do pensamento pós-moderno ou
pós-estruturalista (Severino, 1999, p. 315).
Porém, se realizadas as devidas mediações filosóficas, esse argumento de Severino
(1999) torna-se bastante frágil, para não dizer insustentável. Por mais que haja certas
afinidades temáticas entre alguns intelectuais agrupados sob o rótulo de pós-modernos e o
pensamento de Adorno (DEWS, 1996), por exemplo, a discussão até aqui realizada revela
distanciamentos teóricos intransponíveis que não podem ser desconsiderados. No que se
refere à filosofia adorniana, cuja contribuição é uma das mais significativas da Teoria Crítica,
Dews (1996) considera que estaria longe de ser considerada uma porta-bandeira do
pensamento pós-modernista, pois Adorno não compartilha do “[...] ataque autodestrutivo
indiscriminado e politicamente ambíguo às estruturas da racionalidade e da modernidade in
toto” (Dews, 1996, p. 52).
É fato que a crítica de Adorno à modernidade ocidental e às suas formas de
constituição da individualidade é tão ácida quanto àquela que mais tarde realizaram os pósmodernos. Todavia, a filosofia adorniana não invoca a abolição pós-moderna do princípio
subjetivo (cf. Baudrillard, 1996). Pelo contrário, ela reafirma o ideal de sujeito autônomo e
auto-reflexivo.
O pensamento materialista de Adorno prevê a ancoragem da consciência no mundo
objetivo, “[...] ao mesmo tempo em que resiste a qualquer tentativa de fundir a dialética do
sujeito e do objeto num monismo metafísico” (Dews, 1996, p. 63).
9
Por mais que algumas características da arte moderna radical (fragmento, colagem,
diferença, descontinuidade, caoticidade) sejam defendidas pelos pós-modernos (cf. Harvey,
1992), elas são completamente esvaziadas da significação contestatória que tinham na
modernidade. Esses elementos, orientados por uma perspectiva pós-moderna, além de
perderem a relação com a universalidade e ficarem colados ao mero aparecer estético,
também são destituídos de seu caráter utópico: do devir histórico.
Para os pós-modernistas, tudo passa a ser arte3. Assim, na diluição da arte na vida,
aniquila-se a especificidade do estético como um conhecimento próprio. O relativismo que daí
decorre não aceita o que, para Adorno, é crucial: a autonomia da arte e a existência da
diferença entre uma obra de arte rendida à indústria cultural e aquela que resiste à sua
mercantilização. De forma diversa, o pós-moderno celebra os chamados produtos da indústria
cultural (Silva, 2000, p. 71) sem nenhum pudor.
O que se perde, neste caso, é a tensão dialética entre arte e mercadoria. Mas, é preciso
atentar para o fato de que, se uma obra de arte radical faz parte da indústria cultural, isso não
significa que ela esvazia, de forma plena, seu potencial crítico em face da sociedade
administrada. Mesmo quando produzidas e apreciadas no interior da cultura industrializada,
algumas obras de arte conseguem manter sua aspiração à autonomia. Como lembra Duarte
(2001, p. 41), “[...] a obra de arte ‘autêntica’ diferencia-se do produto da indústria cultural
pelo fato de conter em si a possibilidade de transcender a dialética entre valor de uso e valor
de troca, típica da mercadoria, sem contudo subtrair-se-lhe totalmente”. De forma contrária, a
maioria dos produtos da cultura industrializada busca, forçosamente, garantir a integração
adaptativa do indivíduo ao sistema de consumo. Assim, no que se refere à relação entre arte e
história, os produtos da cultura industrializada não fazem mais do que “[...] esvaziar o
conteúdo histórico do material estético para preenchê-lo com a ideologia que sustenta tal
estrutura” (Fabiano, 1997, p. 176). O pós-moderno rechaça qualquer alusão a conceitos como
autonomia, crítica, utopia, universalidade etc., em relação à arte, à ética e à política (Eagleton,
1998). No entanto, a dimensão estética, para Adorno, não significa “[...] criação artística
como refúgio de determinantes da realidade ou um esquivar-se da práxis política. Muito pelo
contrário, a arte carrega em si as antinomias daquilo que é afirmativo no social ‘como práxis
brutal da sobrevivência’” (Fabiano, 1997, p. 175).
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A estetização da vida pode ser observada na tendência de transformação da realidade em imagens,
diagnosticada por Jameson (1993), na constituição daquilo que Debord (1997) descreveu como “sociedade do
espetáculo”, na não-distinção entre realidade e simulacro (ficção) (Baudrillard, 1996), na definição de todo
conhecimento como uma narrativa sem relação com a objetividade (Lyotard, 2000).
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Em última instância, a concepção pós-modernista, ao abominar a relação entre
filosofia e estética, rompe com o estreito vínculo entre arte, história e filosofia. No projeto de
estetização da vida, estão embutidas a absolutização da arte e a negação da materialidade
histórica da produção artística. Tendo em vista que para o pós-moderno a verdade é uma mera
construção lingüística e a história passa a ser uma narrativa que se constrói, deduz-se daí a
impossibilidade de se chegar à verdade4. Por isso, fica impossibilitado tanto o conhecimento,
como a intervenção ética na realidade. Em outros termos, os elementos articuladores da
experiência ético-estética, que são Eros e Logos, vêem-se debilitados. Em Adorno, estética e
arte são formas de conhecimento e requerem a companhia da filosofia, da auto-reflexão crítica
para desencantar o enigma na busca pelo conteúdo de verdade da obra de arte. Desse modo,
pode-se inferir que aqueles que tentam aproximar perspectivas antitéticas – o pós-modernismo
e a filosofia teórico-crítica de Adorno – afundam-se no pântano da sofística. Apenas a
completa negligência teórica permite estabelecer e aceitar tal aproximação.
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BAUDRILLARD, Jean. O crime perfeito. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1996.
4
Como exemplo desta tendência, consultar Ankersmit (2002). Para sua crítica, conferir Eagleton (1998) e Evans
(1997).
11
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