André Cressoni: O conceito dialético de abstração em `O

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O conceito dialético de abstração em ‘O Capital’ de Karl Marx
André Cressoni∗
RESUMO
O intuito deste trabalho consiste em explorar alguns elementos que envolvem o
conceito dialético de abstração. O conceito dialético de abstração deve compreender o
percurso pelo qual se prova o fundamento do real, no caso de Marx, o fundamento do
processo social. Este percurso, porém, não é somente uma passagem em que vão se
incluindo novas determinações como somatórias ou sobreposições. Ao contrário,
trata-se do processo de externalização de uma lógica interna, sem que interior e
exterior se contraponham sem interpenetrarem-se. Por isso, a passagem do abstrato
ao concreto compreende a passagem de condições lógicas de possibilidade para sua
efetivação em níveis distintos de efetividade. Se a abstração aparece como ponto
sempre presente no debate metodológico da dialética de Marx, há uma tendência a
reduzir o método expositivo ao método de abstração, sem atentar para os fatores que
envolvem a já tão debatida transição dialética abstrato-concreto. Essa tendência
resultaria de uma falta de compreensão da natureza expositiva intrínseca à dialética,
presente não somente em O Capital, mas na tradição dialética, como em seus mais
conhecidos expoentes em Platão e Hegel. Para a compreensão, por isso, da natureza
expositiva da dialética de O Capital é mister operar, como indica Lenin, um
contraponto com a Ciência da Lógica de Hegel. É por isso que adentraremos em
peculiaridades da dialética hegeliana para a compreensão daquilo que seria de fato o
conceito dialético de abstração. Nelas exploraremos algumas características principais
do que poderia se chamar de 'abstração' na lógica hegeliana. Diante deste elementos,
avaliaremos como ela podem ser utilizadas ou não numa compreensão do conceito de
abstração tal como se apresenta em O Capital de Marx. Desta forma, a intenção
consiste concluir como o conceito de abstração impõe a necessária fluidez interna
operante no sistema capitalista, daí Marx buscar na dialética essa fluidez lógica que
apresentava-se para ele na lógica hegeliana.
PALAVRAS-CHAVE: Dialética. Abstração. Marx. Hegel. Capitalismo.
O conceito dialético de abstração deve estar compreendido no percurso
através do qual se prova o fundamento do real. Este percurso, porém, não é somente
uma passagem em que vão se incluindo novas determinações como somatórias ou
sobreposições. Ao contrário, trata-se do processo de externalização de uma lógica
interna, onde interior e exterior não se contrapõem, mas interpenetram-se.
∗
UNICAMP – Doutorando; [email protected]
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Apesar da literatura marxista estar esclarecida quanto ao intuito de Marx em
expor as leis internas do sistema capitalista, não levam às últimas consequências a
dialética do conceito de capital que a obra de Marx busca elaborar. Por isso caem no
erro de afirmar que a função da abstração em O Capital proviria tão somente da
dificuldade em compreender a realidade do sistema produtivo como tal. O método
expositivo reduzido à abstração ficaria, deste modo, relegado a uma relação externa e,
por isso, estranha ao desenvolvimento lógico interno das categorias.
Se a abstração aparece como ponto sempre presente no debate metodológico
da dialética de Marx, há uma tendência a reduzir o método expositivo ao método de
abstração, sem atentar para os fatores que envolvem a já tão debatida transição
dialética abstrato-concreto. Essa tendência resultaria de uma falta de compreensão da
natureza expositiva intrínseca à dialética, presente não somente em O Capital, mas na
tradição dialética, como em seus mais conhecidos expoentes em Platão e Hegel.
A abstração, compreendida como processo de purificação dos elementos
perturbadores da análise, não se reduz à dificuldade de apreensão da realidade do
sistema, mas se refere muito mais ao intuito de Marx em desenvolver o conceito
concreto de capital a partir das condições lógicas de possibilidade do mesmo. A
abstração, no interior do método expositivo, deve ser desenvolvida dialeticamente até
ser superada, de modo que a possibilidade lógica dá lugar à efetivação do sistema
como um todo. O método expositivo (Darstellungsweise) deve abranger, por isso, os
níveis de efetividade do conceito de capital, de modo que as leis internas e abstratas
ganham corpo e vida. Somente neste sentido se pode compreender a interpenetração
entre o método expositivo e a lógica interna do sistema, colocando o método de
abstração no seu lugar correto dentro da arquitetônica de O Capital.
No intuito de explorar a passagem dialética abstrato-concreto, são
esclarecedoras as análises operadas por Rosdolsky em sua obra Gênese e Estrutura de
O Capital de Karl Marx, quando atenta para a diferença entre o conceito de capital em
geral e a pluralidade de capitais. Já estando presente nos Grundrisse, esta separação é
fundamental no sentido de colocar uma diferenciação entre as leis imanentes do
sistema capitalista e as formas como as mesmas se manifestam. Por isso, antes de
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“compreender as formas de manifestação, primeiro é necessário investigar o que se
manifesta nelas” (ROSDOLSKY, 2001, p.51). Segundo Marx, nos Grundrisse, nisto
consistiria o erro de grande parte da economia política, principalmente a economia
política vulgar, que, se prendendo às representações imediatas do sistema, não
compreende que a “competição em geral, essa força locomotiva essencial da
economia burguesa, não estabelece suas leis, mas é na verdade seu executor” (MARX,
1993, p.552). Isso se justifica, segundo Marx em O Capital, pelo fato de que “cada
capital particular tem de ser considerado apenas como fração do capital global”
(MARX, 1988, p.160). Esta concepção resulta da busca de Marx em elaborar uma
crítica da economia política de maneira científica. Não basta explorar o sistema
capitalista no movimento dos diversos capitais. Uma teoria crítica científica, isto é, que
revisa de maneira profunda a própria postura epistemológica da economia política,
deve fundamentar-se nos postulados sobre os quais os diversos capitais perfazem seu
movimento, pois estes compõem-se de uma multiplicidade de categorias que ocultam
as leis universais do sistema, de modo que na esfera superficial da “concorrência
aparece, pois, tudo invertido” (Ibid., p.160). É por isso que “uma análise científica da
concorrência só é possível depois de se compreender a natureza interna do capital”
(MARX, 1988, p.240).
Por isso, a passagem do abstrato ao concreto compreende a passagem de
condições lógicas de possibilidade para sua efetivação em níveis distintos de
efetividade. Entretanto, mesmo a análise científica que escrutina, avalia e identifica os
diversos níveis de efetividade do conceito dialético, deve assentar-se numa
determinação histórica.
Para tanto, em primeiro lugar, as abstrações devem caber a um momento
histórico bem definido, pois
até as categorias mais abstratas (…), apesar de sua validade para
todas as épocas, são, contudo, na determinidade desta abstração,
igualmente produto de condições históricas, e não possuem validez
senão para estas condições e dentro dos limites destas (MARX, 1978,
p.120).
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Confundir-se abstração com as determinações que são comuns a todas as
formas históricas seria reduzir o método dialético de O Capital a um antropologia da
raça humana, o que não é o objetivo de Marx, pois “não se trata se uma abstração
arbitrária, mas um abstração que compreende as características específicas que
distingue o capital de todas as outras formas de riqueza” (MARX, 1993, p.449). O
perigo de uma má compreensão do conceito de abstração pode dar origem a falsas
conclusões sobre o método de Marx.
Se, então, a forma específica do capital é abstraída, e somente seu
conteúdo é enfatizado, como aquilo que é um momento necessário
de todo trabalho, então claramente nada é mais fácil que demonstrar
que capital é uma condição necessária de toda produção humana. A
prova disso procede precisamente pela abstração de todos os
aspectos específicos que fazem dele o momento de um estágio
histórico específico de desenvolvimento da produção humana (Ibid.,
p.258).
O método de abstração deve conseguir encontrar os momentos essenciais e
internos de determinado modo de produção, pois o tipo de abstração que “demonstra
que as relações econômicas expressam em todo canto as mesmas determinações
simples” consistem em “uma abstração infantil”, já que, criticando Bastiat,
chegaríamos ao resultado de que
toda relação em seu caráter específico é reduzida a uma abstração e
tudo é reduzido à relação não-desenvolvida da troca de mercadoria
(…). De acordo com isso, todas as categorias econômicas são
somente vários nomes para o que é sempre a mesma relação, e essa
crua inabilidade para compreender as verdadeiras distinções é,
então, suposta a representar o puro senso comum como tal (Ibid.,
p.249).
De fato, o nível da abstração em que Marx trata do capital em geral
demonstra sua posição essencial na medida em que corresponde, também, à chave
metodológica para a análise histórica do desenvolvimento dos modos de produção, já
que se trata, sobretudo, de compreender que o fundamento do movimento histórico
consiste nas relação entre a propriedade dos meios de produção e a força produtiva.
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Mas essa abstração deve ser desenvolvida, não podendo ser 'reduzido à relação nãodesenvolvida'. O que na passagem acima de Marx aparece na ordem histórica é
verdadeiro também no que concerne à ordem lógica. O abstrato não desenvolvido se
reduz a uma compreensão somente representativa do real, contrário ao conhecimento
dialético-conceitual. O abstrato desenvolvido ganha o significado de concreto, onde
suas possibilidades se efetivaram como identidade do interno e do externo. O
concreto, por isso, é um resultado do desenvolvimento a partir do abstrato, que
colocou as relações essenciais do sistema produtivo. Neste sentido, são frutíferos os
apontamentos de Sweezy quando afirma que, seguindo Hegel, o objeto da abstração
em O Capital consiste em “Colocar o essencial em relevo e tornar possível sua análise”
(SWEEZY, 1973, p.41), assim também quando afirma que o essencial é a relação entre
capital e trabalho assalariado, de modo que “todas as relações sociais exceto as
existentes entre capital e trabalho devem ser provisoriamente afastadas, para serem
reintroduzidos, uma de cada vez” (Ibid., p.45). Nisso corresponderia o conceito de
abstração, não no sentido de “se afastar do mundo real, mas isolar certos aspectos
dele para a investigação intensiva” com um “número relativamente pequeno de
aspectos da realidade”, tendo, por isso, “um caráter provisório” (Ibid., p.46).
Mas então temos várias definições da abstração: aspectos isolados, condições
essenciais, assim como a necessidade de ser desenvolvida. A abstração parece,
portanto, ser um conceito difícil de ser compreendido, pelo fato de ter vário sentidos,
de modo que se tem de relacioná-los uns com os outros. É neste sentido que se opera
a análise de Grier, quando analisa o conceito de abstração em Hegel. Grier faz uma
distinção de seis sentidos diferentes de abstração na Ciência da Lógica de Hegel: 1)
abstração teria o sentido de separar, ou seja, “abstrair é separar, colocar aparte, os
elementos daquilo que pertence junto como um tipo de unidade” (GRIER, 1990, p.66);
2) como resultado do primeiro, abstração teria o sentido daquilo que é uma visão
unilateral das coisas; 3) novamente como consequência daquilo que é separado e
unilateral, “abstração nesse sentido seria qualquer coisa concebida meramente como
positiva, faltando a negatividade” (Ibid., p.67), envolvendo claramente as raízes da
dialética antiga no conceito de negatividade no diálogo Sofista de Platão; 4) outro
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sentido da abstração “seria identifica-lo com aquilo que é meramente imediato” (Ibid.,
p.68); 5) um quinto significado do conceito de abstração se encontraria “naquilo que
prende o movimento do pensamento, ou interrompe o auto-desenvolvimento do
conceito, prevenindo-o da transição” (Ibid., ibidem); 6) por último, “abstração como o
sem-conteúdo, o vazio (ou o que é comumente equivalente, o meramente formal)”
(Ibid., p.69);
Porém, como aponta Errol Harris, em artigo de réplica a Grier:
As seis presumíveis definições hegelianas que são colocadas no artigo
de Grier apontam todas para a primeira: abstração é primariamente
definida como 'colocar aparte' algum elemento parcial do todo
concreto (…). As outras definições sugeridas são principalmente
exemplificações, ou aplicações da primeira – corolários ou
consequências (HARRIS, 1990, p.78).
Pensamos que estas indicações sobre o conceito de abstração na dialética
hegeliana nos permite iluminar o movimento essencial do método de abstração tal
qual se apresenta em O Capital. De fato, como vimos na análise de O Capital, os
elementos abstratos consistem naquilo que ainda é vazio (ponto 6), no sentido do que
ainda falta ser desenvolvido (ponto 5), tomado, assim, de modo ainda imediato (ponto
4), pois falta a mediação, isto é, a negatividade (ponto 3), sendo unilateral (ponto 2),
pelo fato de serem elementos ainda separados da unidade (ponto 1). Neste sentido,
parece correto a afirmação de Harris em relação aos apontamentos de Grier.
Entretanto, Harris continua:
(...) cada parte é em si mesmo um todo provisório, apesar de parcial
e provisório, ele tem uma aspiração para desenvolver o que é nele
(an sich) meramente implícito, e se tornar uma exemplificação mais
adequada do princípio ordenador universal (o Conceito) (Ibid., p.80).
Toda categoria na Ciência da Lógica de Hegel é, desta forma, uma definição
provisória do absoluto, de modo que em cada estágio do desenvolvimento lógico
deve-se espelhar o absoluto, refletir, de algum modo em seu próprio isolamento ou
em sua própria particularidade, o princípio da ordem total do conceito como tal. É por
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isso que Harris propõe uma definição menos categórica do conceito de abstração, de
modo que devemos olhar pelo ponto de vista dos estágios do desenvolvimento do
todo concreto. Seguindo a proposta desta linha de análise, abstrato e concreto
tornam-se expressões concomitantes de cada estágio do desenvolvimento, isto é,
“abstrato e concreto emerge em cada estágio”, pois “em nenhum passo do
desenvolvimento do objeto deve uma categoria (…) vir à tona que não tenha
imediatamente emergido daquele estágio e derivado daquele que o precede” (Ibid.,
p.81).
Assim, se cada categoria deve provir de um desenvolvimento lógico daquilo
que o precede, este desenvolvimento posterior é a realização das condições lógicas
possíveis e, por isso, abstratas daquele a partir do qual se originou. Abstrato e
concreto não podem, segundo Harris, serem categorias fixas, delimitadas em si
mesmas, não podendo determinados estágios do desenvolvimento dialético serem
categoricamente abstratas enquanto outras são categoricamente concretas, só
podendo ser
termos indicando o grau de completude e integridade da categoria
em consideração (qualquer que seja ela). É porque elas fazem isso
que figuram repetidamente na exposição do processo dialético, e não
como categorias 'oficiais' na série lógica (Ibid., p.82).:
Deste modo, tudo é “concreto e abstrato em algum grau” (Ibid., p.80). De
fato, este parece ser o procedimento que se apresenta na grande obra marxiana.
Vemos em Marx ocorrer assim: o trabalho excedente deu origem à mais-valia,
expressão mais concreta da exploração, mas de tal modo que a própria mais-valia é, na
esfera da produção, um conceito abstrato, desenvolvendo-se na esfera da circulação a
partir do número de rotações que um determinado capital realiza em determinado
período; e do mesmo modo dando origem, posteriormente, à forma lucro, desta
derivando a forma lucro médio, a partir do que se originam o juro, crédito, renda
comercial e renda fundiária. Assim ocorrem com outras categorias, como o preço de
custo que deriva de mediações que passam do capital constante e variável através do
capital fixo e circulante, até, enfim, chegar ao preço de produção, que sintetiza o
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desenvolvimento da mercadoria e do valor. Vários são os exemplos que podemos citar
quanto a isso.
Surge, no entanto, na análise de O Capital, um problema no que toca este
conceito de abstração proposto por Harris: o próprio Marx, em vários momentos,
como vimos, identifica as leis abstratas com aquelas propostas no Livro I, ou seja, as
leis da exploração e da acumulação. Deste modo, ao que tudo indica, Marx parece dar
um sentido fixo, isto é, categórico à abstração e ao concreto. Isso significa,
consequentemente, que Marx estaria colocando a abstração como categoria, e não
postulando níveis de abstração. Se seguíssemos esta linha, diríamos que as leis da
exploração e da acumulação são, em si, abstratas. Porém, dando continuidade a esta
linha, seríamos obrigado a afirmar que: 1) as leis da exploração e da acumulação estão
colocadas aparte da unidade; 2) elas são uma visão unilateral do sistema capitalista; 3)
ao mesmo tempo, são positivas, isto é, não sofreram o processo de negatividade; 4)
são também o meramente imediato; 5) as leis internas interrompem o autodesenvolvimento do conceito; 6) e, por fim, são vazias de conteúdo.
Seria incorreto, em nosso ponto de vista, afirmar todas essas características
das leis internas da exploração e da acumulação, pois de modo algum as leis internas
do capital são vazias, mas, ao contrário, constituem justamento o conteúdo interno
que vem à tona na superfície da sociedade. E, assim, este conteúdo não é o
meramente imediato na análise científica. Ao mesmo tempo, cremos que seria
incorreto afirmar que o conceito de abstração interrompe o auto-desenvolvimento do
conceito, já que, como vimos, uma abstração que não se eleva ao desenvolvimento
lógico de suas potencialidades internas é definido como uma 'abstração infantil', o
que, ao nosso ver, seria correto não somente para Marx, mas para o método dialético
como tal, devendo-se diferenciar entre abstração no sentido pernicioso da palavra,
daquela abstração dialeticamente correta. Por isso, daqui em diante podemos nos
desvencilhar da 5ª característica da abstração.
Sabemos, também, que seria incorreto afirmar que Marx fixa certas categorias
como absolutamente abstratas, sem consideração do processo no qual ocorrem vários
estágios de abstração e concretude das categorias, como vimos acima nos casos da
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passagem da mais-valia para o lucro, deste para o lucro médio, entre outros. Há, de
fato, vários estágios de colocação das possibilidades lógicas e de suas respectivas
realizações. Assim, a realização de determinadas potencialidades são, ao mesmo
tempo, a colocação de outras novas. O trabalho excedente coloca a possibilidade da
mais-valia, esta a possibilidade do lucro, sem o qual não há lucro médio, e assim em
diante com várias outras categorias. Isso, entretanto, faz surgir uma característica que
passou por alto nas análises da abstração em Harris e Grier: as categorias abstratas
são, ao mesmo tempo, a colocação das condições lógicas de possibilidade dos
desenvolvimentos posteriores. É este o caráter que nos levou a abandonar a
característica número 5. O conceito de abstração não pode ser compreendido sem o
conceito de possibilidade. A exposição no transcurso lógico contém variados níveis de
efetividade, onde a possibilidade se encontra como sua essencialidade, pois cada nível
de efetivação do conceito coloca novos pontos a partir dos quais efetivam-se outros
níveis conceituais.
É verdade, porém, que, se Marx não fixa rigidamente a abstração, diante
destas definições de abstração, excetuada a 5ª, temos de flexibilizar as definições tal
como apresentamos acima, de modo que os vários sentidos que a abstração carrega
no método dialético de O Capital podem ser dirigidas a diferentes determinações do
conceito de capital, e não somente relativo às leis da exploração. Com isso, por
exemplo, apesar de ser incorreto afirma que as leis da exploração e da acumulação são
o imediato, isto seria correto para outro nível da abstração, a saber, a análise da
mercadoria, do mesmo modo com a característica de ser a mercadoria ainda uma
categoria vazia, o que, entretanto, se modificará no decorrer da exposição. Assim,
descartada a 5º característica, as outras cinco são sempre relativas ao nível de
desenvolvimento conceitual, não podendo estarem todas presentes sempre em cada
estágio deste desenvolvimento. Isso, entretanto, não aparece nas análises de Harris e
Grier. Somente Harris parece chegar mais perto disso, na afirmação de que, na ótica
do abstrato e concreto, todas as determinações do conceito são relativas ao grau de
desenvolvimento. Ele não chega, porém, a conceber que também as variadas
características da abstração são relativas, e não estão sempre presentes em conjunto.
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Apesar disso, ao nosso ver, as ponderações de Harris e Grier são frutíferas
para a compreensão de abstração na dialética, mas não sem ponderações. Tendo isso
em mente, cremos que, de fato, postular categorias que são abstratas em si mesmas
seria incorrer em um erro do qual Marx não partilha. De fato, as categorias
econômicas são, antes, definidas em graus de concretude. As afirmações de Marx que
parecem dar a entender uma fixação categórica da abstração seria, assim, um falso
problema. A dificuldade consiste em que Marx em pouquíssimos momentos discute
seu próprio método, e quando isso ocorre, é somente de modo geral, não adentrando
nas profundidades que de fato existem na aplicação do método dialético de O Capital.
Seria ingenuidade admitir que o método dialético aplicado por Marx se resume
somente aos apontamentos que ele mesmo faz. Como afirma Lênin, a única lógica que
Marx nos deixou é a lógica de O Capital, ou seja, não um tratado conceitual puro da
dialética, como o fez Hegel, mas o conceito dialético efetivo, real, como exposição da
própria vida da matéria.
Tendo isso em vista, compete à pesquisa enveredar nos meandros que Marx
nos deixou – o que, claramente, não poderia ser realizado neste curto trabalho. As leis
da exploração e da acumulação não estão fixadas como momentos abstratos no Livro I,
mas, ao contrário, elas surgem constantemente no decorrer da obra. Para vias de
exemplo, a exploração e a acumulação retornam em níveis maiores de efetividade na
análise da concorrência, o que seria impossível se fossem elas determinações
rigidamente abstratas. O ponto nodal da análise de Harris é, por isso, compreender
que fixar rigidamente categorias abstratas em si mesmas seria incorrer no erro do
conhecimento representativo do entendimento. O conhecimento dialético-conceitual
faz o caminho inverso: relativizam-se as determinações rígidas, de modo que as
categorias ganham a fluidez do conceito. Já no Posfácio à segunda edição de O Capital,
Marx cita um autor que não teria senão definido sua obra segundo a dialética. Diz este
autor sobre a obra de Marx: “Para ele, o mais importante é a lei da modificação, e seu
desenvolvimento, isto é, a transição de uma forma para outra, de uma ordem de
relações para outra” (MARX, 1988, p.25).
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Ora, é esta fluidez que faltaria ao método de O Capital caso se concebesse a
abstração e o concreto como categorias fixas em determinadas dimensões. O
importante, portanto, para o método dialético, e que o diferencia em última instância
do método do entendimento, é compreender a interpenetração entre abstrato e
concreto, entre interno e externo, a identidade de ambos que se perfaz em graus de
efetividade do conceito. Por isso é que o foco da análise é 'a transição de uma forma
para outra', ou seja, como os elementos que vão sendo apontados adquirem
determinações diferentes segundo a função que exercem em cada nível de
efetividade.
Referências Blibiográficas
GRIER, Philip T.. Abstract and Concrete on Hegel´s Logic. In: Essays on Hegel's Logic.
George di Giovanni (org.). Albany: State Univ. Of New York, 1990.
HARRIS, Errol E.. A Reply to Philip Grier. in: Essays on Hegel's Logic. George di Giovanni
(org.). Albany: State Univ. Of New York, 1990.
MARX, Karl. O Capital – crítica da economia política. Tradução Regis Barbosa e Flávio R.
Kothe - 3ª ed. - São Paulo: Nova Cultural, 1988 (Coleção Os economistas). Indicando
Livro seguindo do volume em números romanos.
___________. Grundrisse – Foundations of the Critique of Political Economy. Translated
with a Foreword by Martin Nicolaus. London: Penguin Books, 1993.
ROSDOLSKY, Roman. Gênese e estrutura de O Capital de Karl Marx. Tradução César
Benjamin. Rio de Janeiro: EDUERJ; Contraponto, 2001.
SWEEZY, Paul M. Teoria do desenvolvimento capitalista. Tradução de Waltensir Dutra.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
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