divulgação técnica requeima e pinta preta na cultura da batata

Propaganda
DIVULGAÇÃO
TÉCNICA
Requeima e pinta preta na cultura
da batata: importância,
características e manejo sustentável.
REQUEIMA E PINTA PRETA NA CULTURA DA BATATA:
IMPORTÂNCIA, CARACTERÍSTICAS E MANEJO SUSTENTÁVEL
J.G. Töfoli, P.C.T. Melo, R.J. Domingues, J.T. Ferrari
Instituto Biológico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Vegetal, Av. Cons. Rodrigues Alves,
1252, CEP 04014-002, São Paulo, SP. Brasil. E-mail: [email protected]
1
RESUMO
A requeima, causada pelo oomiceto Phytophthora infestans e a pinta preta, causada pelo fungo
Alternaria spp., estão entre as doenças mais importantes e destrutivas da cultura da batata no Brasil
e no mundo. O conhecimento dos sintomas, etiologia e práticas de manejo são fundamentais em
sistemas integrados que buscam níveis competitivos de produtividade e sustentabilidade.
PALAVRAS-CHAVE: Solanum tuberosum L., Alternaria spp., Phytophthora infestans, controle.
ABSTRACT
POTATO LATE BLIGHT AND EARLY BLIGHT: IMPORTANCY, CHARACTERISTICS AND
SUSTAINABLE MANAGEMENT. Late blight, caused by the oomycete Phytophthora infestans and
early blight, caused by Alternaria spp., are among the most destructive diseases of potato crops in
Brazil and worldwide. Knowledge of the symptoms, etiology, management practices and chemical
control is essential in integrated systems that seek that seek competitive yield and sustainability.
KEY WORDS: Solanum tuberosum L., Alternaria spp., Phytophthora infestans, control.
A batata
Originária dos Andes e introduzida na Europa
pelos espanhóis no século XVI, hoje a batata é considerada o terceiro alimento humano mais importante do mundo, sendo superada apenas pelo arroz
e pelo trigo. Rica em carboidratos, a batata é uma
fonte considerável de fósforo, potássio, vitaminas do
complexo B e C, proteínas de boa qualidade, fibra
alimentar e outros nutrientes. Consumida in natura
ou industrializada nas mais variadas formas, essa
solanácea possui grande importância econômica,
social e cultural graças a sua ampla adaptabilidade
a diferentes agroecossistemas e elevado potencial
produtivo. Atualmente, a batata é considerada um
alimento imprescindível para a humanidade, sendo
um dos mais promissores para suprimir a fome em
países em desenvolvimento (Fig. 1).
Assim como no mundo, a batata possui grande
importância econômica e social também no cenário
agrícola brasileiro, sendo a olerácea que ocupa a
maior área cultivada. Considerada em outros tempos
uma atividade de pequenos produtores, hoje a cadeia
produtiva da batata assume características empresariais bem definidas, com avanços tecnológicos cons-
tantes e gerenciamento avançado de todo processo
produtivo. São Paulo e o Sul de Minas Gerais, no
Sudeste, e Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul,
na região Sul, são os principais estados produtores,
sendo responsáveis por 90% da produção nacional.
Novos empreendimentos têm surgido nos Estados
de Goiás e Bahia, demonstrando o alto potencial da
cultura para conquistar novas fronteiras.
A produção nacional é obtida em três épocas de
cultivo denominadas: safra das águas, da seca e de
inverno. O período de plantio nessas safras pode
variar em função da região, porém são sempre concatenadas, sendo que cada região desenvolve dois
cultivos predominantes. A safra de inverno é típica
da região Sudeste. De maneira geral, quase toda a
produção brasileira de batata chega ao mercado na
forma in natura, porém o mercado de batata processada vem se expandindo nos últimos anos.
A requeima e a pinta preta representam as doenças
mais frequentes e de maior impacto econômico na
cultura da batata em nossas condições de cultivo.
Entre os fatores que contribuem para a ocorrência
de epidemias severas dessas doenças destacamse: o plantio massivo de cultivares suscetíveis; a
predominância de condições climáticas favoráveis
Universidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Departamento de Produção Vegetal,
Piracicaba, SP, Brasil.
2
Biológico, São Paulo, v.75, n.1, p.33-40, jan./jun., 2013
33
34
J.G. Töfoli et al.
no decorrer das principais safras; a alta capacidade
de esporulação dos agentes causais; a presença de
hospedeiros intermediários; a existência de inóculo
no decorrer do ano inteiro e a sua fácil disseminação.
A requeima
A requeima é considerada a mais devastadora
doença de plantas da história da humanidade. A
mesma destruiu a cultura da batata - base da alimentação europeia - em meados do século XIX, causando
fome, mortes e correntes imigratórias.
Causada pelo oomiceto Phytophthora infestans
(Mont.) de Bary, afeta drasticamente folhas, hastes,
pecíolos e tubérculos, podendo causar perdas totais
quando interagem fatores como: cultivar suscetível,
condições favoráveis e equívocos na adoção de medidas de controle.
Nos últimos anos, o controle da requeima tem
apresentado aumentos significativos nos custos
de produção. Raças mais agressivas e destrutivas
demandam a utilização de um número maior de pulverizações. Estima-se que a doença cause prejuízos
anuais próximos a 7 bilhões de dólares.
Os primeiros sintomas nas folhas são caracterizados por manchas de tamanho variável, coloração
verde-clara ou escura e aspecto úmido. Ao evoluírem
estas se tornam pardo-escuras a negras, necróticas
e irregulares (Fig.2). Na face inferior das folhas
observa-se a formação de um anel de esporulação
ao redor das lesões, formado por esporângios e esporangióforos do patógeno. Este apresenta aspecto
aveludado e coloração branco-acinzentada (Fig. 3).
À medida que as lesões coalescem, o tecido foliar
exibe um aspecto de queima generalizada (Fig. 4).
Nos brotos, a doença causa a morte das gemas apicais e interfere diretamente no desenvolvimento das
plantas. Nas hastes e pecíolos, as lesões são marrom-escuras, contínuas e aneladas, podendo causar a
morte das áreas posteriores à lesão. Nos tubérculos,
as lesões são castanhas, superficiais, irregulares e
com bordos definidos. No interior dos mesmos, a
necrose é irregular, de coloração marrom, aparência
granular e mesclada.
A requeima é favorecida por períodos de temperaturas frias a amenas (12 a 25° C) e alta umidade,
ou seja, molhamento foliar superior a 12 horas. Os
esporângios germinam diretamente quando as temperaturas variam de 18 e 25° C, ou podem produzir
zoósporos biflagelados na faixa de 12 a 16º C. Cada
esporângio origina em média 8 zoósporos, que aumenta significativamente a quantidade de inóculo
e, consequentemente, a severidade e potencial destrutivo da doença. Os zoósporos são capazes de se
mover pela água livres e serem atraídos pelos tecidos
da planta onde encistam. A penetração do prómicélio resultante da germinação dos esporângios
ou cistos é direta no tecido vegetal, com a formação
de apressórios. A colonização dos tecidos é rápida,
sendo que o período de incubação pode variar de
48 a 72 horas.
A espécie P. infestans pertencente ao reino
Chromistia, apresenta características morfológicas
semelhantes aos fungos, porém taxonomicamente é
estreitamente relacionado a organismos aquáticos,
como as algas marrons e as diatomáceas. P. infestans é
diploide para a maior parte do seu ciclo de vida e isento de pigmentos fotossintéticos. A sua parede celular
é constituída por celulose e outras glucanas, enquanto
que a dos fungos verdadeiros é composta principalmente por quitina. Outra característica marcante do
gênero Phytophthora é não possuir a capacidade de
sintetizar o próprio esterol e a tiamina, sendo estes
obtidos diretamente da planta hospedeira. Apesar
de possuir um crescimento micelial característico, P.
infestans difere dos fungos superiores por apresentar
micélio cenocítico, isto é, sem septos. A produção
de esporângios ocorre em períodos de umidade
relativa superior a 90% e temperaturas entre 16 e
23o C. Esses esporângios são hialinos, com formato
de limão, papilados e apresentam dimensões que
variam de 21 a 38 X 12 a 23 µm. Os esporangióforos
são desenvolvidos, com ramificação simpodial, e
emergem através dos estômatos em número variável
de 3 a 5. Em condições específicas de temperatura
e umidade formam esporos móveis (zoósporos)
com dois flagelos que os tornam capazes de nadar
indicando uma ancestralidade aquática.
O genoma de P. infestans foi recentemente sequenciado, sendo caracterizado por elementos transposons e regiões hipervariáveis abundantes. Isso explica
em nível genético as grandes variações de fenótipo,
agressividade e adaptabilidade observadas para esse
patógeno no decorrer da sua evolução.
P. infestans pode se reproduzir de forma assexuada
e sexuada. As estruturas assexuadas de propagação
são os esporângios e os zoósporos. Em geral, nos
locais onde ocorre apenas um grupo de compatibilidade, a população é constituída por um ou poucos
grupos de indivíduos geneticamente semelhantes a
um ancestral comum, constituindo uma população
clonal. O processo de reprodução sexuada envolve a
participação de indivíduos geneticamente distintos e
contribui para o aumento da variabilidade genética
da população. Para P. infestans, os indivíduos são
classificados em dois tipos de compatibilidade: A1
e A2. A reprodução sexuada ocorre somente quando
os dois grupos coexistem na mesma área, na mesma
planta ou na mesma lesão, e ocorre a troca de material
genético. Como resultado, formam-se os oósporos,
esporos de parede espessa, adaptados para resistir
a condições adversas do ambiente. Os oósporos são
formados em maior número em hastes do que em
folhas, provavelmente pelo fato dos caules sobre-
Biológico, São Paulo, v.75, n.1, p.33-40, jan./jun., 2013
Requeima e pinta preta na cultura da batata: importância, características e manejo sustentável.
viverem por mais tempo do que as folhas. Quando
os restos de plantas infectadas se decompõem, os
oósporos são liberados no solo.
Inicialmente, os indivíduos A1 e A2 só podiam
ser encontrados no Vale de Toluca, no México. Nas
demais áreas, predominavam indivíduos do grupo
A1 e a reprodução assexuada. No entanto, a partir
de 1986 indivíduos do grupo A2 passaram a ser
observados em vários países, inclusive no Brasil.
Em maior escala, a presença da reprodução sexuada
de P. infestans, em maior escala, contribuiu para o
aumento da variabilidade genética, surgimento de
linhagens mais agressivas e aumento da demanda
de fungicidas para o manejo da requeima. Quanto à
população brasileira de P. infestans, foi observada a
presença dos dois grupos de compatibilidade, sendo
o grupo A1 associado predominantemente ao tomateiro e o grupo A2 à batateira. Naquele momento,
apesar de haver os dois grupos de compatibilidade,
não havia evidências da ocorrência de reprodução
sexuada no país. Todavia, esse panorama tende a
ser alterado. Trabalhos realizados no Rio Grande
do Sul observaram a ocorrência simultânea dos
grupos A1 (43,83% dos isolados) e A2 (56,16% dos
isolados) na cultura da batata. Análises moleculares
estão sendo realizadas para verificar se existem ou
não populações híbridas de P. infestans nessas áreas.
A disseminação da requeima ocorre especialmente por sementes infectadas, ação de ventos, água de
chuva ou irrigação, circulação de equipamentos etc.
Além da batata, P. infestans pode afetar as culturas do tomate (Solanum lycopersicum L.), pimentão
(Capsicum annuum L.), berinjela (Solanum melongena
L.), petúnia (Petunia hybrida) e plantas invasoras
como: figueira do inferno (Datura stramonium L.),
picão branco (Galinsoga parvifora Cav), corda de viola
(Ipomea purpurea L.), falso joá de capote (Nicandra physaloides L.) Gaertn, joá de capote (Physalis angulata L.),
maria-pretinha (Solanum americanum L.), maravilha
(Mirabilis jalapa L.) e Nicotiana benthamiana Domin.
A pinta preta
No Brasil, a pinta preta representa uma das
mais importantes e frequentes doenças da cultura
da batata. Ao contrário da requeima, essa doença é
favorecida por temperaturas mais elevadas e alternância de períodos secos e úmidos. Considerada
uma doença de importância mundial, a pinta preta
ocorre em especial nas áreas tropicais e subtropicais,
podendo causar danos de 6 a 100% na produção, caso
não sejam adotadas pulverizações ou as epidemias
se iniciem de forma precoce. Nos últimos anos, a
doença também tem crescido em importância na
Europa e causado perdas consideráveis na produção.
Alguns autores atribuem a crescente importância da
pinta preta às mudanças no clima, causadas pelo
aquecimento global.
A pinta preta é caracterizada pela redução prematura da área foliar, queda de vigor das plantas,
quebra de hastes e redução da produção e da qualidade de tubérculos. O aumento de suscetibilidade à
doença está geralmente associado à maturidade dos
tecidos, ao florescimento e ao período de formação
e enchimento dos tubérculos. A maior demanda
de nutrientes e fotoassimilados exigidos pela tuberização tornam as folhas maduras (fontes) mais
vulneráveis à doença.
O fungo Alternaria solani Sorauer tem sido relatado como o agente causal da pinta preta da batata
por inúmeros autores. Porém, a doença também
pode estar associada a outras espécies do gênero
como: Alternaria alternata (Fries) Keissler e Alternaria
grandis E.G. Simmons. No Brasil, a existência de A.
alternata é conhecida há algum tempo, porém a de
A. grandis é recente.
De maneira geral, não se observam diferenças
significativas entre os sintomas causados por A.
solani e A. alternata. Nas folhas, a doença se expressa
através de manchas foliares necróticas, circulares,
elípticas ou angulares, pardo-escuras, isoladas ou
em grupos, com a presença de anéis concêntricos e
bordos bem definidos, podendo apresentar ou não
halo amarelado ao redor das mesmas (Fig. 5). Em
geral, os folíolos apresentam poucas lesões, e essas
apresentam tamanho médio a grande. O aumento da
intensidade da doença no campo ocorre tanto pelo
surgimento de novas lesões, como pela expansão das
mais velhas, que podem coalescer destruindo todo
limbo foliar (Fig. 6). As lesões em hastes e pecíolos
podem surgir em plantas adultas e caracterizam-se
por serem pardas, alongadas e deprimidas, apresentando ou não halos concêntricos. Esses sintomas
aparecem geralmente a partir dos 40 a 45 dias após
a emergência, nas folhas mais velhas, evoluindo,
posteriormente, para as folhas mais velhas. Nos
tubérculos, as lesões são escuras, de formato irregular, deprimidas e tendem a provocar podridão
seca. Observações de campo têm evidenciado que a
doença causada por A. grandis pode diferir quanto à
sintomatologia e agressividade. Nas folhas, as lesões
são menores, numerosas e quase sempre sem halos
concêntricos evidentes. As epidemias iniciam-se a
partir dos 20 a 25 dias após a emergência e tendem
a destruir rapidamente toda área foliar.
As três espécies também diferem quanto ao
tamanho e morfologia dos conídios. Os conídios
de A. solani são geralmente individuais, ovais, podendo apresentar variações longas, curtas, largas
e estreitas. Os conídios com apêndices únicos são
longos, ovoides ou elipsoides com comprimento de
109-115 µm e largura entre 18-26 µm e um apêndice
de 80-118 µm. Conídios com dois apêndices podem
atingir tamanhos de 80-106 µm e 16-21 µm de largura,
Biológico, São Paulo, v.75, n.1, p.33-40, jan./jun., 2013
35
36
J.G. Töfoli et al.
Fig 1 - Campo de batata.
Fig 2 - Sintomas de requeima em folhas.
Fig 3 - Anel de esporulação formado por P. infestans.
Fig 4 - Aspecto destrutivo da requeima.
Fig 5 - Pinta preta da batata.
Fig.6 - Desfolha causada pela pinta preta.
Biológico, São Paulo, v.75, n.1, p.33-40, jan./jun., 2013
Requeima e pinta preta na cultura da batata: importância, características e manejo sustentável.
acrescidos de um primeiro apêndice com 58-88 µm
de comprimento e um segundo com 64-88 µm. Apresentam coloração palha, parda, marrom-oliváceo ou
ouro claro, com 7 a 11 septos transversais e poucos
ou nenhum septos, longitudinais. Os conídios são
inseridos em conidióforos septados retos ou sinuosos, que ocorrem isolados ou em grupos, com 6 a
10 µm de diâmetro e 100 a 110 µm de comprimento
e coloração idêntica aos conídios. A. alternata apresenta conídios em forma de clava ou pera invertidos,
ovoides ou elipsoides, formados em longas cadeias
(conídios catenulados), com bicos curtos, cilíndricos
ou cônicos, e comprimento inferior a um terço do
corpo, possuindo até 8 septos transversais e vários
longitudinais ou oblíquos. A. grandis possui conídios
com morfologia semelhante a A. solani, porém com
dimensões 50 a 100% maiores. Os conídios com
apêndice único são longos, ovoides ou elipsoides,
com comprimento de 141-192 µm e largura entre
26-38 µm e um apêndice de 160-200 µm. Conídios
com dois apêndices possuem corpos na faixa de
128-198 µm e 24-30 µm de largura, acrescidos de
um apêndice com 99-160 µm de comprimento e um
segundo com 64-88 µm.
A ocorrência das três espécies pode variar em
função da localidade. Na Europa, observa-se que
a doença é causada pelo complexo A. solani e A.
alternata, enquanto que nos Estados Unidos prevalece a
ocorrência de A. solani. No Brasil, estudos estão sendo
realizados com o objetivo de caracterizar as espécies
de Alternaria associadas às culturas da batata e tomate.
A ocorrência da pinta preta está associada a temperaturas na faixa de 22 a 32º C, elevada umidade e
alternâncias de períodos secos e úmidos. A doença
é mais severa em verões chuvosos, mas também
pode ocorrer no inverno, desde que haja condições
favoráveis. Plantas sujeitas a desequilíbrios nutricionais, estresses causados por rizoctoniose, viroses,
nematoides e pragas ou cultivadas em solos pobres
em matéria orgânica, são mais suscetíveis à doença.
O gênero Alternaria sobrevive entre um cultivo e
outro em restos de cultura, em solanáceas suscetíveis
ou no solo na forma de micélio, esporos ou clamidósporos. Os conídios caracterizam-se por serem
altamente resistentes a baixos níveis de umidade,
podendo permanecer viáveis por até dois anos nestas
condições. Havendo umidade e calor suficientes, os
conídios germinam e infectam as plantas rapidamente, podendo o fungo penetrar diretamente pela
cutícula ou através de estômatos. Após a penetração,
os sintomas da doença são evidentes de 4 a 7 dias
após o início da infecção.
A disseminação da pinta preta ocorre principalmente pelo plantio de sementes infectadas, ação de
ventos, água de chuvas e irrigação, circulação de
pessoas e equipamentos agrícolas.
Os fungos A. solani e A. alternata também podem
estar associados a outros cultivos como do tomateiro
(Solanum lycopersicum L.), pimentão (Capsicum annuum
L.), berinjela (Solanum melongena L.), petúnia (Petunia
hybrida Hort.), tabaco (Nicotiana tabacum L.) e plantas
invasoras como: maria-pretinha (Solanum americanum
L.) e Physalis spp.
Manejo da requeima e pinta preta
O alto potencial destrutivo e a rápida evolução
dessas doenças no campo torna obrigatória a adoção
de medidas racionais e integradas de controle, com o
objetivo de garantir a produção e a sustentabilidade
do cultivo da batata.
Entre essas medidas, podemos destacar:
- Evitar o plantio em épocas muito favoráveis.
- Uso de batata-semente sadia.
- Local do plantio: Evitar plantios em áreas sujeitas
ao acúmulo de umidade; circulação de ar limitada; e
próximos a lavouras em final de ciclo. Essas medidas
visam a evitar condições favoráveis e a presença de
inóculo em campos novos.
- Realizar o plantio de cultivares com algum nível
de resistência.
Para a requeima, as cultivares disponíveis no país
podem ser consideradas:
Resistentes: Ibituaçú, Itararé, Araucária, Cristal,
Pérola, Catucha, BRS Clara, IAPAR Cristina, Monte
Alegre 172, SCS 365 - Cota.
Moderadamente resistentes: Crebella, Apuã, Aracy
e Aracy Ruiva, Cristina, Cristal, Naturella, Panda.
Moderadamente suscetíveis: Baraka, Baronesa, BRS
Ana, BRS Eliza, Caesar, Catucha, Emeraude, Florice,
Itararé, Markies, Melody, Naturella, Soleias, Caesar,
Oceania, Voyager e BRSIPR Bel.
Suscetíveis: Ágata, Almera, Armada, Artemis,
Asterix, Atlantic, Bintje, Canelle, Chipie, Contenda, Cupido, Delta, Éden, Elodie, Eole, Fontane,
Gourmandine, Gredine, Isabel, Monalisa, Maranca,
Mondial, Omega, Opilane e Sinora.
Com relação à pinta preta (A. solani) os cultivares podem ser classificadas em:
•Resistentes: Ibituaçú, Aracy, Aracy Ruiva, Apuã,
Éden, Monte Alegre 172.
•Moderadamente resistentes: APTA 16.5, Asterix,
Catucha, Cupido, Itararé, Delta, Ágata, Eliza, Novella, APTA 21.54, Baronesa, Baraka, Itararé, Ana,
Clara, Cristal, SCS 365 – Cota e BRSIPR Bel.
•Moderadamente suscetíveis: Atlantic, Monalisa,
Melody, Vivaldi, Caesar e APTA 12.5.
•Suscetíveis: Bintje, Achat.
A suscetibilidade dos cultivares pode variar em
função das condições climáticas, genótipos do patógeno existente na área, pressão de doença e práticas
culturais (época de plantio, espaçamento, nutrição
das plantas etc.)
- Impedir o plantio sucessivo de batata e/ou outras
Biológico, São Paulo, v.75, n.1, p.33-40, jan./jun., 2013
37
38
J.G. Töfoli et al.
solanáceas.
- Evitar plantios adensados. Estes favorecem a má
circulação de ar e o acúmulo de umidade entre as
plantas, condições que favorecem a requeima.
- Eliminar tubérculos remanescentes no campo e
plantas voluntárias. As plantas voluntárias são originadas de tubérculos deixados no campo, na colheita,
e podem ser uma importante fonte de inóculo para
novos cultivos. Essas plantas devem ser eliminadas
pelo uso de herbicidas ou por métodos mecânicos.
A eliminação completa de tubérculos após a colheita
evita o surgimento de plantas voluntárias, bem como,
impede que tubérculos infectados produzam inóculo
que possa ser disseminado até novos cultivos.
- Irrigação controlada. Evitar longos períodos de
molhamento foliar é fundamental para o manejo da
requeima e da pinta preta. Para tanto, deve-se: evitar
irrigações noturnas ou em finais de tarde; minimizar
o tempo e reduzir a frequência das regas em campos
com sintomas.
- Adubação equilibrada. Níveis elevados de nitrogênio originam tecidos mais tenros e suscetíveis à
requeima. Por outro lado, níveis adequados de fós-
foro, cálcio e boro podem reduzir a sua incidência e
severidade. Níveis adequados de matéria orgânica
e nutrientes como nitrogênio, potássio e magnésio
podem aumentar o vigor das plantas e reduzir a
severidade da pinta preta.
- Manejo correto das plantas invasoras. Além de
hospedeiras alternativas, as plantas invasoras podem
concorrer por espaço, luz, água, nutrientes e dificultar
a dissipação da umidade na folhagem, favorecendo
a ocorrência da requeima e da pinta preta.
- Limpar e desinfestar equipamentos utilizados em
culturas afetadas.
- Eliminar e destruir tubérculos doentes e descartes.
Visa a eliminar possíveis fontes de inóculo.
- Armazenamento adequado. Tem o objetivo de
promover condições adequadas de temperatura,
umidade, circulação de ar e higiene durante o armazenamento de batata-semente e tubérculos.
- Vistoria constante da cultura. Visa a identificar
possíveis focos iniciais da doença e agilizar a tomada
de decisões.
- Aplicação preventiva de fungicidas registrados
para a cultura (Quadros 1 e 2). O uso de fungicidas
Tabela 1 - Ingrediente ativo, mobilidade, grupo químico, mecanismo de ação e risco de resistência de fungicidas registrados no Brasil para o controle da requeima da batata.
Mobilidade
Risco de
Ingrediente ativo*
Grupo químico
Mecanismo de ação
na planta
resistência**
mancozebe
contato
ditiocarbamato
múltiplo sítio de ação
baixo
metiram
contato
ditiocarbamato
múltiplo sítio de ação
baixo
oxicloreto de cobre
contato
cúprico
múltiplo sítio de ação
baixo
hidróxido de cobre
contato
cúprico
múltiplo sítio de ação
baixo
oxido cuproso
contato
cúprico
múltiplo sítio de ação
baixo
clorotalonil
contato
cloronitrila
múltiplo sítio de ação
baixo
propinebe
contato
ditiocarbamato
múltiplo sítio de ação
baixo
fluazinam
contato
fenilpiridinilamina
fosforilação oxidativa
baixo
zoxamida
contato
benzamida
divisão celular (mitose)
baixo a médio
Amida do ácido
biossíntese de fosfolipídios e
dimetomorfe
mesostêmico
baixo a médio
cinâmico
deposição da parede celular
cimoxanil
mesostêmico
acetamida
desconhecido
baixo a médio
inibição da respiração complexo III
famoxadona
mesostêmico
oxazolidinadiona
alto
(QoI)
inibição da respiração complexo III
piraclostrobina
mesostêmico
estrobilurina
alto
(QoI)
inibição da respiração complexo III
fenamidona
mesostêmico
imidazolinona
alto
(QoI)
ciazofamida
translaminar
cianoimidazol
inibição da respiração(QiI)
médio a alto
biossíntese de fosfolipídios e
bentiavalicarbe
translaminar
valinamida
médio
deposição da parede celular
biossíntese de fosfolipídios e
mandipropa­mida
translaminar
mandelamina
médio
deposição da parede celular
fluopicolida
translaminar
benzamida
divisão celular (mitose)
médio
metalaxil-M
sistêmico
acilalaninas
RNA polimerase I
alto
benalaxil
sistêmico
acilalaninas
RNA polimerase I
alto
propamocarbe
sistêmico
carbamato
permeabilidade da parede celular
Fontes: AGROFIT*, FRAC **
Biológico, São Paulo, v.75, n.1, p.33-40, jan./jun., 2013
baixo a médio
Requeima e pinta preta na cultura da batata: importância, características e manejo sustentável.
Tabela 2 - Ingrediente ativo, alvo, mobilidade, grupo químico, mecanismo de ação e risco de resistência de fungicidas
registrados no Brasil para o controle da pinta preta da batata.
Mobilidade
Risco de
Ingrediente ativo*
Grupo químico
Mecanismo de ação
na planta
resistência**
mancozebe
contato
ditiocarbamato
múltiplo sítio de ação
baixo
metiram
contato
ditiocarbamato
múltiplo sítio de ação
baixo
oxicloreto de cobre
contato
cúprico
múltiplo sítio de ação
baixo
hidróxido de cobre
contato
cúprico
múltiplo sítio de ação
baixo
óxido cuproso
contato
cúprico
múltiplo sítio de ação
baixo
clorotalonil
contato
cloronitrila
múltiplo sítio de ação
baixo
iminoctadina
contato
guanidina
múltiplo sítio de ação
baixo
fluazinam
contato
fenilpiridinilamina
fosforilação oxidativa
baixo
inibição da respiração complexo III
famoxadona
mesostêmico
oxazolidinadiona
alto
(QoI)
inibição da respiração complexo III
azoxistrobina
mesostêmico
estrobilurina
alto
(QoI)
inibição da respiração complexo III
trifloxistrobina
mesostêmico
estrobilurina
alto
(QoI)
inibição da respiração complexo III
piraclostrobina
mesostêmico
estrobilurina
alto
(QoI)
inibição da respiração complexo III
cresoxim me­tílico mesostêmico
estrobilurina
alto
(QoI)
iprodiona
translaminar
dicarboximidas
síntese de lipídeos
médio a alto
procimidona
translaminar
dicarboximidas
síntese de lipídeos
médio a alto
ciprodinil
translaminar
anilinopirimidina
biossíntese da metionina
médio
pirimetanil
translaminar
anilinopirimidina
biossíntese da metionina
médio
boscalida
translaminar
carboxamidas
Inibição da respiração - Complexo II
médio
difenoconazol
sistêmico
triazol
inibição da síntese de ergosterol
médio
tebuconazol
sistêmico
triazol
inibição da síntese de ergosterol
médio
Fontes: AGROFIT*, FRAC**
deve seguir todas as recomendações do fabricante
quanto ao estágio fenológico da planta, para início
dos tratamentos, à dose, volume, intervalo e número
de aplicações, intervalos de segurança, uso de equipamento de proteção individual (EPI), armazenagem
e descarte de embalagens. Para evitar casos de resistência aos fungicidas específicos, recomenda-se
que estes sejam utilizados de forma alternada ou
formulados com produtos inespecíficos; que se evite
o uso repetitivo de fungicidas com o mesmo mecanismo de ação e não se façam aplicações curativas
em situações de alta pressão de doença.
- Sistemas orgânicos. Além de práticas abordadas
anteriormente como plantio em épocas menos favoráveis, uso de sementes sadias, escolha correta da
área, plantios espaçados e adubação equilibrada,
sistemas orgânicos devem estar centrados na escolha de cultivares que apresentem algum nível de
resistência. Trabalhos de pesquisa têm identificado
os cultivares Ibituaçu, Aracy, Aracy Ruiva e Monte
Alegre 172 como resistentes às duas doenças. A calda
bordalesa destaca-se como o produto com melhores
resultados para o controle das duas doenças nessa
modalidade de cultivo. Produtos à base de cobre
podem ser fitotóxicos para a cultura da batata,
portanto as pulverizações devem ser iniciadas com
concentrações mais baixas do que a recomendada
(0,5%) e gradativamente devem alcançar 1,0%.
BIBLIOGRAFIA
AGRIOS, G.N. Plant pathology. 5.ed. Amsterdam: Elsevier
Academic, 2005. 919p.
AGROFIT. Sistema de Agrotóxicos e Fitossanitários. Disponível em: <http://extranet.agricultura.gov.br/agrofit_cons/principal_agrofit_cons>. Acesso em: 15 abr.
2013.
ANDERSON, P.K. Reduciendo el hambre y la pobreza
a través de las papas. Avances en Ciencia y Desarrollo
de la Patata para una Agricultura Sostenible, p.11-13,
2008.
BOITEUX, L.S.; REIFSCHNEIDER, F.J.B. Potato early
blight caused by Alternaria alternata in Brazil. Plant
Disease, v. 8, p. 101, 1994.
DIAS, J.A.C.; IAMAUTI, M.T. Doenças da batateira
(Solanum tuberosum). In: KIMATI, H.; AMORIN, L.; REZENDE, J.A.M.; BERGAMIN FILHO, A.; CAMAR­GO,
L.E.A. (Ed.). Manual de fitopatologia: doenças das plantas
cultivadas. 4.ed. São Paulo: Ceres, 2005. v.2, p.119-142.
Biológico, São Paulo, v.75, n.1, p.33-40, jan./jun., 2013
39
40
J.G. Töfoli et al.
DUARTE, H.S.S. Resistência de cultivares de batata à
requeima. 2009. 49F. Dissertação (Mestrado em Fitopatologia) - Universidade de Viçosa, Viçosa, 2009.
FUNGICIDE RESISTANCE ACTION COMMITEE.
FRAC code list: fungicides sorted by mode of action. Disponível em: <http://www.frac.info/frac/publication/
anhang/FRAC_Code_ List_2010.pdf. 2010>. Acesso: 15
abr. 2013.
GOMES, C.B.; SANTANA, F.M.; GARRASTAZU,
M.C.; REIS, A.; PEREIRA, A.S., NAZARENO, N.R.X.;
BECKER, W.F. Monitoramento e caracterização dos
grupos de compatibilidade de Phytophthora infestans
associados à batata na região Sul do Brasil. Pelotas:
Embrapa Clima Temperado, 2007. 16p.
HAAS, B.J. ET AL. Genome sequence and analysis of
the Irish potato famine pathogen Phytophthora infestans.
Nature, London, v. 461, p. 393-398, 2009. Disponível
em: <http://www.nature.com/nature/journal/v461/
n7262/abs/nature08358.html>. Acesso: 20 jan. 2013.
HAVERKORT, A.J.; BOONEKAMP, P.M.; HUTTEN, R.;
JACOBSEN, E.; LOTZ, L.A.P.; KESSEL, G.J.T.; VISSER,
R.G.F.; VAN DER VOSSEN, E.A.G. Societal costs of
late blight in potato and prospects of durable resistance
through cisgenic modification. Potato Research,
Wageningen, v.51, p.47-57, 2008.
MIZUBUTI, E.S.G. Requeima ou mela da batata e tomate. In: LUZ, E.D.M.N.; SANTOS, A.F.; MATSUOKA, K.;
BEZERRA, J.L. (Ed.). Doenças causadas por Phytophthora
no Brasil. Campinas: Livraria e Editora Rural, 2001.
p.100-173.
RODRIGUES, T.; MIZUBITI, E.S.G. Pinta preta: surge
uma nova espécie. Batata Show, v.24, p.14-16, 2009.
RODRIGUES, T.T.M.S.; BERBEE, M.L.; SIMMONS, E.G.;
CARDOSO, C.R.; REIS, A.; MAFFIA, L.A.; MIZUBUTI,
E.S.G. First report of Alternaria tomatophila and A.
grandis causing early blight on tomato and potato in
Brazil. Journal New Disease Reports, v.22, p.28, 2010.
SIMMONS, E. Alternaria: an identification manual.
Utrecht: CBS, 2007. 775p. (CBS Biodiversity Series, 6).
STEVENSON, R.; LORIA, R.; FRANC, G.D.; WEIGARTNER, D.P. Compendium of potato diseases. St. Paul: APS,
2001. 134p.
STEVENSON, W.; KIRK, W.; ATALLAH, Z.K. Managing
foliar disease: early blight, late blight and white mold.
In: JOHNSON D.A. (Ed.). Potato health management. St.
Paul: APS, 2008. p.209-222.
TOFOLI, J.G.; DOMINGUES. R.J. Alternarioses em hortaliças: sintomas, etiologia e manejo integrado. Biológico,
São Paulo, v.66, n.1/2, p.23-33, 2004.
TOFOLI, J.G. Batata: queima interrompida. Cultivar HF,
n.37, p.10-13, 2006.
TOFOLI, J. G. Requeima: sintomas, etiologia e manejo.
Campos & Negócios, n.84, p.73-75, 2012.
TOFOLI, J.G.; DOMINGUES, R.J.; FERRARI, J.T.; NOGUEIRA, E.M.C. Doenças fúngicas da cultura da batata:
Sintomas, etiologia e manejo. Biológico, São Paulo,
v.74, n.1, p.63-74, 2012.
PEREIRA, A.S. Batata: fonte de alimento para a huma­
nidade. Horticultura Brasileira, v.26, n.1, p. contra-capa,
2008.
VAN DER WAALS, J.E.; KORSTEN L.; AVELING
T.A.S. A review of early blight of potato. African Plant
Protection, v.7, p.91-102, 2001.
BOITEUX, L.S.; REIFSCHNEIDER, F.J.B. Potato early
blight caused by Alternaria alternata in Brazil. Plant
Disease, v.78, p.101, 1994.
WALE, S.; PLATT, H.W.; CATTLIN, N. Disease pests and
disorders of potatoes. Amsterdam: Elsevier, 2008. 179p.
REIS, A. Requeima: doença destrutiva e comum ao tomateiro e à batateira. Brasília: Embrapa Hortaliças, 2010.
7p. (Embrapa Comunicado Técnico).
Recebido em 25/3/13
Aceito em 22/4/13
Biológico, São Paulo, v.75, n.1, p.33-40, jan./jun., 2013
Download