A Questão do Corpo (Seção Especial Kairós 2010) NOTAS

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A Questão do Corpo (Seção Especial Kairós 2010)
NOTAS SOBRE A PRESENÇA DO ZARATUSTRA DE NIETZSCHE NOS
ESCRITOS DE JUNG
Luiz Celso Pinho44
Resumo
Este estudo tem por objetivo fornecer uma visão panorâmica de algumas
considerações feitas por Jung a respeito de Zaratustra desde os seus primeiros escritos.
Pretendemos recorrer à leitura junguiana no intuito de assinalar como a filosofia de Nietzsche
é avaliada a partir do referencial da Psicologia Analítica. No entanto, priorizaremos elementos
de cunho simbólico e mitológico em detrimento do olhar clínico.
Palavras-chave: Assim falou Zaratustra, análise psicológica junguiana, referências
simbólicas e mitológicas.
Abstract
This paper intends to supply a panoramic vision of some Jung´s ideas regarding
Zarathustra since his very earliest writings. Our aim is to demonstrate how Nietzsche's
philosophy is evaluated for the referential system of the Analytical Psychology. However, we
will give priority to elements of mythological and symbolic nature at the expense of a clinical
point of vie.
Key-words: Thus Spoke Zarathustra, Jung‟s psychological analysis, symbolic and
mythological references.
OBRA E PERSONAGEM
Basta uma rápida leitura em algumas páginas de Assim falou Zaratustra para
constatarmos que estamos diante de um texto que destoa do material tradicionalmente
encontrado no âmbito da História da Filosofia. Seu estatuto inovador se faz notar desde o
subtítulo – “um livro para todos e para ninguém” –, onde já esbarramos em obstáculos lógicos
e práticos, pois, independente da nítida contradição entre “qualquer um” e “nenhum”, trata-se
de uma advertência que nos obriga a refletir a respeito de quem está devidamente habilitado a
ler, entender e tirar conclusões das palavras que se seguem. Mas essa é apenas uma
dificuldade preliminar. Heidegger, no ensaio “Quem é o Zaratustra de Nietzsche?”, por
exemplo, nos alerta que encontraremos uma “linguagem meio cantante, meio gritante, ora
temperada, ora tempestuosa, quase sempre elevada, às vezes dura e chã” (HEIDEGGER,
2008, p. 87). Pretende, com isso, ressaltar que emana do livro uma fala capaz de suscitar as
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Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da UFRRJ / Pesquisador APQ-1 da FAPERJ.
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mais díspares reações, devido ao tom irregular e mesmo iconoclasta com que se apresenta sua
mensagem filosófica. Além disso, como salienta Roberto Machado, em Zaratustra: tragédia
nietzschiana, os discursos proferidos pela personagem-chave da obra, momento de profunda
inflexão do pensamento de Nietzsche, conjugam uma “forma poética” com uma “forma
narrativo-dramática” ao empregarem um estilo que tanto alia a reflexão filosófica à criação
artística quanto guardam “grande proximidade com o romance de aprendizado, ou de
formação”, no qual culmina na “descoberta de um segredo” (MACHADO, 1997, p. 30). Para
muitos intérpretes – e, em determinadas passagens, o próprio Jung – essa literatura singular se
reduz a mera poesia, o que implica, pelo menos sub-repticiamente, uma desqualificação de
seu teor conceitual. Entendemos, ao contrário, que esse relato une, de forma provocante e
indelével, o que diz respeito à esfera da Arte, do Pensamento e da Vida. E o que é, então,
revelado através das páginas de Assim falou Zaratustra? Apenas a resposta parece frugal: a
necessidade de superar a si mesmo, a coragem de tornar sagrado todos os acontecimentos, um
olhar agudo sobre o que é a existência, em suma, dar-se conta do verdadeiro significado de
viver. Independente dos debates suscitados pelo estado de saúde de Nietzsche, iremos
priorizar nas análises junguianas alguns aspectos que retratam a dimensão simbólica da
trajetória de Zaratustra, notadamente em relação ao que é dito sobre Deus e a formação de
uma individualidade humana.
UMA LONGA HISTÓRIA
O primeiro “encontro” com Zaratustra ocorre quando Jung tinha vinte e três anos.
Logo ao ingressar na universidade, proferiu algumas palestras (quatro, para ser exato) na
associação de alunos da qual fazia parte. Numa delas – “Pensamentos sobre a natureza e o
valor da investigação especulativa” – Jung faz três menções a Nietzsche (cf. BISHOP, 1999,
p. 206). Uma delas se remete a Zaratustra, através da bela imagem evocada nos discursos do
Prólogo: “É preciso ter ainda caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela dançante”
(NIETZSCHE, 1989, p. 34).
Em seguida, aos vinte e sete anos, na sua Tese de Doutorado em Medicina – “Sobre a
psicologia e a patologia dos supostos fenômenos ocultos” (1902) – relata um impressionante
evento relacionado ao livro Assim falou Zaratustra, no que ficou conhecido como um
episódio de criptomnésia, ou seja, de “recordação escondida”. Trata-se da notável relação
entre uma passagem de Zaratustra – o capítulo “Dos grandes acontecimentos” – e o relato
feito por Justinus Andreas Christian Kerner (1786-1862): poeta, médico e estudioso de
ocorrências sobrenaturais e magnetismo animal, além de fundador do periódico “Folhas de
Prevorst” (1831-1837), que abordava justamente esses assuntos pouco comuns.
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Jung recorda, no ensaio “Chegando ao inconsciente”, que abre a coletânea elaborada
por ele, O homem e seus símbolos:
Eu mesmo encontrei um exemplo fascinante deste processo, no
livro de Nietzsche, Assim falou Zaratustra, onde o autor reproduz
quase literalmente um incidente relatado num diário de bordo, no ano
de 1686. Por mero acaso, eu havia lido um resumo desta história num
livro publicado em 1835 (meio século antes do livro de Nietzsche).
Quando encontrei a mesma passagem em Assim falou Zaratustra
espantei-me com o estilo, tão diverso do de Nietzsche. Convenci-me
de que também Nietzsche lera aquele antigo livro, apesar de não lhe
ter feito qualquer referência. Escrevi à sua irmã, que ainda vivia
naquela ocasião, e ela me confirmou que, na verdade, o livro fora lido
tanto por ela quanto pelo irmão, quando este tinha onze anos.
Verifica-se, pelo contexto, que é inconcebível pensar que Nietzsche
tivesse qualquer ideia de estar plagiando aquela história. Creio que,
simplesmente, cinquenta anos mais tarde, a história entrou em foco na
sua consciência (JUNG, s. d., p. 37).
Eis a passagem à qual se refere:
os quatro capitães e um comerciante, Mr. Bell, desembarcaram
na ilha do Monte Stromboli para caçar coelhos. Às três horas reuniram
o equipamento para regressar a bordo quando, para seu indizível
espanto, viram dois homens voando velozmente no ar em sua direção.
Um estava vestido de preto, outro de cinza. Passaram perto deles em
grande velocidade, e para ainda maior susto seu desceram na cratera
do terrível vulcão. Reconheceram-nos como dois conhecidos de
Londres (KERNER, Blätter aus Prevorst, vol. IV, p. 57, “Extrato de
Significação Amedrontadora” apud JUNG, s. d., p. 311, nota).
E o caso de criptomnésia em Assim falou Zaratustra:
Ora, no tempo em que Zaratustra se achava nas ilhas bemaventuradas, aconteceu que um navio deitou âncora na ilha em que há
o vulcão; e sua tripulação desceu a terra para caçar coelhos. Pelo
meio-dia, porém, quando o comandante e seus homens estavam
novamente reunidos, viram repentinamente um homem rumar para
eles no ar, e uma voz disse distintamente: “É chegado o tempo! É mais
que chegado o tempo!”. Mas, quando o vulto se achou no ponto mais
próximo deles – passava voando velozmente, como uma sombra na
direção do vulcão –, reconheceram, com grande alvoroço, que era
Zaratustra; pois todos, menos o próprio comandante, já o tinham visto
antes e o amavam como ama o povo: ou seja, unindo, em partes
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iguais, amor e medo. “Olhai!”, disse o velho timoneiro, “„lá vai
Zaratustra para o inferno!” (NIETZSCHE, 1989, p. 142).45
Aos trinta e nove anos ocorre um diálogo mais consistente. E Jung se refere a ele no
Seminário dedicado ao estudo da principal personagem nietzschiana: “Eu estudei [Assim falou
Zaratustra] muito cuidadosamente e fiz inúmeras anotações” (JUNG, 1997, vol. I, p. 259
apud Bishop, 1999, p. 215).46 O derradeiro “encontro” se dá justamente no Seminário
dedicado ao Zaratustra de Nietzsche.
O SEMINÁRIO SOBRE ZARATUSTRA
Entre maio de 1934 e fevereiro de 1939, ou seja, durante vinte e sete meses, sendo que
ocorreram diversas interrupções, Carl Gustav Jung realizou um ciclo de oitenta e seis
conferências a respeito da personagem central de Assim falou Zaratustra. Essa atividade
desenvolvida com um grupo seleto de alunos foi proferida em inglês. E, na época, deu origem
a uma edição mimeografada, de uso reservado, organizada em dez volumes por Mary Foote
(um décimo primeiro continha apenas notas). Em 1988, nos Estados Unidos, todo o material
foi editado, por James Louis Jarrett, em dois volumes, totalizando 1578 páginas.47 Este ainda
elaborou, nove anos depois, uma versão resumida de 393 páginas.48
A iniciativa de Jung de se deter meticulosamente, aos cinquenta e nove anos, no
Prólogo e nos três primeiros segmentos de Assim falou Zaratustra, cuja interrupção (por volta
de março de 1939) se deu em função do advento da Segunda Guerra Mundial, mais
exatamente na passagem intitulada “De velhas e de novas tábuas” (restando ainda quatro
capítulos para encerrar a Terceira Parte). Deste modo, a Quarta e Última Parte não pôde ser
devidamente abordada.
As conferências sobre Assim falou Zaratustra foram quase que imediatamente
precedidas pelo exame minucioso, por dois anos e meio, do “Seminário das visões”, que tinha
por objetivo “mostrar como os desenhos de Christiana Morgan – que, inclusive, à época,
passava por um processo de análise com Jung – continham material simbólico e arquetípico
que refletia os modos pelos quais o inconsciente coletivo se revelava para essa paciente em
particular”.49 Jung, de certa forma, aplicou o mesmo procedimento interpretação aos discursos
45
Trata-se de um dos últimos capítulos da Segunda Parte: “De grandes acontecimentos”.
Essa passagem não se encontra na versão resumida do Seminário.
47
Jung, C. G. Nietzsche’s Zarathustra: notes of the seminar given in 1934-1939. 2 vols. Editado por James L.
Jarrett. Princeton/NJ: Princeton University Press, 1988.
48
Jung, C. G. Jung’s seminar on Nietzsche’s Zarathustra. Princeton/NJ: Princeton University Press, 1997. O
presente estudo tomou como referência essa segunda edição.
49
Deirdre, Bair. Jung: uma biografia. 2 vols. Tradução de Helena Londres. São Paulo: Globo, 2006, p. 52
(Segundo Volume).
46
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de Zaratustra. Mas também advertiu, logo em suas primeiras palavras, seus ouvintes: “Se
consideram que Zaratustra é tão fácil como aquelas visões, estão muito enganados, é um
terrível emaranhado [hell of a confusion] de extraordinária dificuldade” (JUNG, 1997, p. 3).
Contudo, outra característica importante da análise psicológica junguiana consiste em
homogeneizar o que diz respeito à existência pessoal do Autor e o modo como se conduz a
Personagem central do texto. Daí se poder considerar que “encontramos nos escritos de Jung
as mais importantes ideias e os princípios psicológicos necessários para a compreensão da
personalidade de Nietzsche” (MORENO, 1974, p. 216 apud BISHOP, 1995, p. 4).50 Essa
postura fica patente em diversas passagens. Eis alguns exemplos (entre inúmeros que se
podem localizar na edição completa): “Nietzsche não teria condição de fazer diferença entre
ele mesmo e Zaratustra” (Conferência de 09 de maio de 1934, p. 27); “Nietzsche se identifica
amplamente com a figura de Zaratustra” (Conferência de 05 de maio de 1937, p. 258); “Em
sua solidão [Nietzsche] (...) tornou-se Zaratustra” (Conferência de 26 de outubro de 1938, p.
331); “Ninguém nunca tem certeza se quem fala a Zaratustra ou Nietzsche” (id., p. 331). Ora,
o que nos chama atenção é que tal princípio interpretativo não diferencia o “Nietzsche
personagem psicológico” da “leitura de Zaratustra” (PARKES, 1999, p. 221). No entanto,
como pretendemos situar o Seminário a partir de um referencial mitológico, priorizaremos
aspectos simbólicos e mesmo oníricos, ao invés de nos determos nas considerações sobre as
tendências neuróticas, e mesmo psicóticas, detectadas nos escritos nietzschianos.
Inegavelmente, em alguns momentos, o tom do Seminário retrata um fascínio por
Zaratustra. Aliás, é sabido que, desde jovem, Jung relata a sensação de que era na verdade
duas pessoas distintas. Essa experiência será traduzida, na maturidade, como o embate entre
uma personalidade que interage com outras personalidades e uma personalidade que
representava o Outro de si mesmo, isto é, o Inconsciente. Através dessa dinâmica se
estabelece o que Jung entende por “processo de individuação”. Desta forma, cada capítulo de
Assim falou Zaratustra não apenas é entendido como retratando situações oníricas como
também etapas de uma experiência arquetípica, onde invariavelmente Jung estabelece
correlações com antigos mitos. A personagem de Zaratustra designa, nesse sentido, o Outro
de Nietzsche. Em termos junguianos, como assinala Bishop, “a dinâmica psicológica
subjacente no Zaratustra retrata a enantiodromia, ou seja, a emergência de opostos
inconscientes numa sequência cronológica” (BISHOP, 1999, p. 216). Sendo que, ao contrário
de Jung, Nietzsche teria falhado em identificar e solucionar o dilema da “dupla
50
Moreno, Antonio. Jung, Gods, and Modern Man. Londres: University of Notre Dame Press, 1974 (Capítulo:
“Nietzsche and Jung”).
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personalidade”, perdendo, pois, a capacidade de dialogar com o seu tempo, o que explicaria,
na perspectiva da Psicologia Analítica, seu colapso mental aos quarenta e quatro anos (o que o
levou, inclusive, a permanecer mais de uma década praticamente isolado em casa, até a sua
morte).
No entanto, o elemento que talvez melhor colabore para enriquecer a inteligibilidade
de Assim falou Zaratustra consista em avaliar determinados temas do livro a partir de um
referencial simbólico. Em sua autobiografia intelectual – Ecce homo –, Nietzsche declara, a
respeito de Zaratustra: “ele viu mais longe, quis mais longe e pôde mais longe do que
qualquer homem”, antes dele “não se sabe o que é altura, o que é profundidade, sabe-se
menos ainda o que é a verdade” (NIETZSCHE, 1986, p. 130). A grande desmesura de
Nietzsche talvez não resida na ideia de que a “verdadeira verdade” emana dos discursos de
Zaratustra (sábios e profetas já reivindicaram tal feito), mas que ele encarna a necessidade de
operar uma metamorfose de si mesmo, de ir além de suas próprias fronteiras. E, para tanto,
faz-se necessário criar novos valores. Isso requer, do ponto de vista conceitual, a Morte de
Deus.
Ambos – Jung e Nietzsche – concordam que o Cristianismo representa uma sociedade
fadada a perecer. Zaratustra considera a Morte de Deus condição sine qua non para o resgate
do valor da Vida, para a saída do estado de decadência no qual a civilização mergulhou. Jung
constata inclusive o quase desaparecimento da imagem de Deus nos relatos oníricos de seus
pacientes. Sendo que numa carta a Oskar Schmitz, em 1923, declara: “Precisamos de novos
fundamentos. Devemos escavar profundamente até o primitivo que habita em nós. Somente
deixando de lado o conflito entre o Homem civilizado e o Bárbaro germânico surgirá o que
precisamos: uma nova experiência de Deus” (JUNG, 1973, p. 39-40 apud BISHOP, 1999, p.
222).51
Daí Jung fornecer a seguinte explicação na Conferência de 16 de maio de 1934:
Quando Nietzsche declara que Deus está morto,
instantaneamente ele começa a se transformar. Pouco importa se com
essa declaração ele não é mais cristão ou se tornou um ateu. Ele
imediatamente entra no processo [do] arquétipo do renascimento, pois
esses poderes vitais em nós, que chamamos “Deus”, são poderes de
auto-renovação, poderes de mudança eterna (JUNG, 1997, p. 37).
51
Jung, C. G. Letters (1906-1950). Volume 1. Editado por Gerhard Adler e Aniela Jaffé. Tradução do alemão
de R.F.C. Hull. Londres: Routledge/Kegan Paul, 1973.
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De fato, Zaratustra passa ao longo de sua sinuosa trajetória por diversas
transformações – e essa descrita acima retrata uma delas. O que entra em choque com a
filosofia nietzschiana é que Jung estabelece uma correspondência entre o conceito de Self – a
totalidade do Homem – e o conceito de Deus. Daí a grande relevância que ele atribui ao
ditado medieval: “Deus é um círculo cujo centro está em toda parte e a circunferência em
nenhum lugar” (BISHOP, 1999, p. 227). O que o leva a afirmar: “O Self não é apenas o
centro, mas também a circunferência que [abrange] tanto a consciência quanto o inconsciente”
(ib.).
NOTA FINAL
Neste breve e preliminar estudo procuramos situar o fenômeno humano a partir de
duas vertentes. De um lado, uma Antropologia Filosófica, erudita, abrangente, calcada em
mitos e símbolos. De outro, uma Filosofia do Martelo que despedaça as noções de Unidade,
Identidade, Substância, Ser, Causalidade, que nos desperta do sonho em que vivemos para nos
levar à afirmação incondicional da Vida. Sem dúvida, Jung e Nietzsche compartilham do
imperativo de vasculhar as profundezas do ser humano. Mas esse alicerce comum se desfaz
quando nos damos conta que a proposta de compreender a força vital que nos constitui através
do aspecto criativo do Inconsciente vai de encontro a um pensamento calcado na convicção de
que o homem é algo que deve ser superado, ou ainda, que não passa de um “átomo fictício”.
Uma analogia talvez permita melhor visualizar a incompatibilidade que há entre o dois:
coloquemos, lado a lado, a organização estruturada da Mandala e a dispersão caótica do
Fractal. Duas imagens cujos pontos e linhas dificilmente se sobrepõem, apesar de serem
formas de expressar a dinâmica da Vida. Porém, enquanto uma converge para um “centro”, a
outra mais se parece com aquela estrela dançante sem rumo na imensidão a que o Prólogo de
Assim falou Zaratustra se refere.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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