Quarta-feira, 1 março de 2006 edições anteriores VIDA& ÍNDICE GERAL | ÍNDICE DA EDITORIA | ANTERIOR | PRÓXIMA Braços fantasmas e o fetiche do pé Fernando Reinach* Pessoas que têm seu braço amputado desenvolvem muitas vezes um membro fantasma. Elas continuam a sentir a presença do braço que foi amputado, controlam e sentem seu movimento. Sofrem dores e cócegas. Durante décadas se acreditou que esse fenômeno era causado pelas cicatrizes nos nervos cortados ou por distúrbios psicológicos. Hoje se sabe que grande parte desses efeitos se deve a uma reorganização do cérebro induzida pela amputação. Durante esses estudos foi descoberta uma possível explicação para o fetiche sexual que muitos seres humanos sentem pelos pés. Durante as décadas de 40 e 50, um cirurgião chamado Penfield operou o cérebro de pacientes conscientes. Durante a operação ele tocava na superfície do córtex cerebral e perguntava ao paciente o que ele sentia. Foi assim que ele descobriu uma área no cérebro na qual cada ponto causava sensações em uma parte do corpo. Quando tocava em um determinado ponto, o paciente sentia o nariz, quando tocava em outro ele sentia os lábios ou os órgãos genitais. Penfield conseguiu "desenhar" sobre essa região do córtex cerebral um mapa sensorial do corpo humano. O mapa é similar ao desenho de uma pessoa na qual as áreas que são mais sensíveis ao tato, como os dedos, são proporcionalmente maiores que áreas menos sensíveis, como os braços. Na década de 90, Vilayanur S. Ramachandran começou a estudar as características dos braços fantasmas. Ele deitava os pacientes, vendava seus olhos e passava um cotonete sobre as diferentes partes do corpo. Quando passava o cotonete sobre as pernas, o paciente dizia que sentia a perna, quando passava na barriga, sentia a barriga. Tudo normal. Até que ele passou o cotonete na bochecha. Aí o paciente disse que sentia a bochecha e o membro fantasma. Ramachandran foi verificar os mapas sensoriais construídos por Penfield e descobriu que, neles, a região da bochecha estava localizada ao lado da região do braço. Ele postulou que na ausência do braço a região do cérebro que normalmente correspondia ao membro se reorganizava, sendo "invadida" por uma expansão da região vizinha, no caso a região ligada à bochecha. Assim, sempre que o paciente mexia a face, o cérebro "sentia" o braço, criando o fantasma. Desde então, esses pacientes passaram a ser capazes de "coçar" o braço fantasma, bastando acariciar a bochecha. Mas que região faria o papel da bochecha no caso de pessoas com uma perna amputada? No mapa de Penfield, a região vizinha à perna é a região em que os órgãos sexuais estão representados. Testes com indivíduos com as pernas amputadas confirmaram que esses pacientes sentiam prazer nos membros fantasmas quando estavam sexualmente excitados. O fenômeno inverso confirma a observação: pessoas que tiveram o pênis amputado devido a tumores sentem o órgão amputado quando estimulados nos pés. A proximidade entre a região que "sente" os pés e a que "sente" os órgãos sexuais sugere que em algumas pessoas os sinais dessas duas áreas podem se misturar, resultando em um fetiche sexual relacionado aos pés. Esses resultados levaram ao desenvolvimento de um método capaz de "amputar" os membros fantasmas, fazendo desaparecer a dor que eles infligem aos pacientes. Mais informações no livro Phantoms in the Brain, de V.S. Ramachandran, da HarperCollins, Nova York, 1998. Fernando Reinach é biólogo. E-mail: [email protected]