um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
DIAGNOSE E ENSINO DE PRONOMES: UM ESTUDO SOBRE A RETOMADA
ANAFÓRICA DO OBJETO DIRETO DE TERCEIRA PESSOA NO PORTUGUÊS
BRASILEIRO
Juliana Magalhães Catta Preta de Santana
2016
DIAGNOSE E ENSINO DE PRONOMES: UM ESTUDO SOBRE A RETOMADA
ANAFÓRICA DO OBJETO DIRETO DE TERCEIRA PESSOA NO PORTUGUÊS
BRASILEIRO
Juliana Magalhães Catta Preta de Santana
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
quesito para a obtenção do Título de Mestre em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Orientadora: Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
Diagnose e ensino de pronomes: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de
terceira pessoa no Português brasileiro
Juliana Magalhães Catta Preta de Santana
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como quesito para a obtenção
do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Examinada por:
_________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ
_________________________________________________
Profa. Doutora Mônica Tavares Orsini – UFRJ
_________________________________________________
Prof. Doutor Ricardo Joseh Lima – UERJ
_________________________________________________
Doutor Antonio Francisco de Andrade Júnior – UFRJ – Suplente
_______________________________________________
Prof. Doutor Gilson Costa Freire – UFRRJ – Suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
SANTANA, Juliana Magalhães Catta Preta de.
Diagnose e ensino de pronomes: um estudo sobre a retomada anafórica
do objeto direto de terceira pessoa no Português brasileiro / Juliana Magalhães Catta
Preta de Santana. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2016.
xi, 205f.: il.; 31cm.
Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas, 2016.
Referencias Bibliográficas: f. 177-181
1. Retomada anafórica. 2. Objeto direto de terceira pessoa. 3. Sociolinguística.
4. Ensino de Português. I. Vieira, Silvia Rodrigues. II. Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas. III. Diagnose e ensino de pronomes: um estudo sobre a
retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa no Português brasileiro.
SNOPSE
Estudo sobre as variantes da retomada anafórica do
objeto direto de terceira pessoa no PB. Análise de
base qualitativa de materiais didáticos e entrevistas
com docentes. Análise sociolinguística variacionista
de corpus de redações escolares de estudantes do
Rio de Janeiro no 9º ano do Ensino Fundamental.
Análise da correção efetivada nas redações, no
âmbito da rede pública de ensino.
SANTANA, Juliana Magalhães Catta Preta de. Diagnose e ensino de pronomes: um estudo
sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa no Português brasileiro.
Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ.
2016.
RESUMO
Esta pesquisa investiga a retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa como
fenômeno gramatical variável no Português do Brasil e sua correlação com o ensino de
pronomes no que concerne ao referido fenômeno. Para tanto, pauta-se no quadro teórico da
Sociolinguística Variacionista (WEINREICH, LABOV & HERZOG, [1968] 2006; LABOV,
[1972] 2008) e na Sociolinguística Educacional proposta por Bortoni-Ricardo (2004), além
das contribuições de autores que têm desenvolvido discussões relevantes ao âmbito do ensino
da Língua Portuguesa (cf. MARTINS; VIEIRA; TAVARES, 2014; VIEIRA, 2015, no prelo).
Ao compreender o ambiente escolar, considera-se, aqui, especialmente relevante a atuação de
três agentes: a orientação prevista no material didático; a mediação do professor; e a atividade
de seus alunos. Assim, objetiva-se diagnosticar como se concretiza a integração e atuação
dessa “tríade” no tratamento dispensado ao fenômeno linguístico em abordagem, a qual,
julga-se, influencia mais diretamente o estudo da língua. Para tanto, foram realizadas três
seções de análise: (i) análise do material didático utilizado pelas professoras em sala de aula,
de forma a averiguar como este se comporta com relação à variedade existente no PB para o
fenômeno linguístico em questão; (ii) análise de entrevista realizada por escrito com as
referidas professoras, no intuito de alcançar sua compreensão sobre o espectro da variação e
de normas de uso no PB; (iii) análise do corpus extraído de redações escolares corrigidas
pelas mesmas professoras, de modo a compreender quais as estratégias de retomada
encontradas na produção escrita dos seus estudantes e, ainda, verificar quais destas formas
foram por elas corrigidas ou não e por que motivo. A partir da análise dos resultados obtidos,
pode-se articular algumas reflexões para ensino, sobretudo no que tange à abordagem de
fenômenos gramaticais variáveis, mais especificamente acerca das variantes do acusativo
anafórico de terceira pessoa.
Palavras-chave: Retomada anafórica; objeto direto de terceira pessoa; Ensino de Português;
Sociolinguística.
SANTANA, Juliana Magalhães Catta Preta de. Diagnose e ensino de pronomes: um estudo
sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa no Português brasileiro.
Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ.
2016.
ABSTRACT
This research investigates the anaphoric reference of the direct object of the third
person as a variable grammatical phenomenon in Brazilian Portuguese and its correlation with
the teaching of pronouns regarding the study of the referred phenomenon. With that goal, it is
based on the theoretical framework of Variationist Sociolinguistics (WEINREICH, LABOV
& HERZOG, [1968] 2006; LABOV, [1972] 2008) and Educational Sociolinguistics proposed
by Bortoni-Ricardo (2004), and also on the contributions of authors that have been developing
relevant discussions within the scope of the teaching of the Portuguese language (cf.
MARTINS; VIEIRA; TAVARES, 2014; VIEIRA, 2015). In understanding the school
environment, it is considered to be especially relevant, here, the influence of three agents: the
orientation found in the didactic material; the mediation of the teacher; and the activity of
their students. Thereby, we seek to diagnose how the integration and the influence of that
“triad” materialize in the treatment given to the linguistic phenomenon that is being
approached, which, it is believed, influences more directly the studying of the language. With
that intention, three sections of analysis have been conceived: (i) the analysis of the didactic
materials used inside the classrooms by two teachers acting (during the course of the year
2015) in the 8th grade of public municipal schools in Rio de Janeiro, as a way to verify how
such works approach the existing variety found in Brazilian Portuguese of the phenomenon
that is being studied; (ii) the analysis of a written interview done with the referred teachers,
with the goal to reach their understanding about the spectrum of the variation and the norms
of use in Brazilian Portuguese; (iii) the analysis of the corpus extracted from the school
compositions corrected by those same teachers, as a way to understand the strategies of
anaphoric reference found in the written production of their students and, moreover, verify
which of those forms were corrected or not by the teachers and for what reason. From the
analysis of the obtained results, we look to articulate some reflections regarding the teaching
related to the approach of variable grammatical phenomena, especially the one that is related
to the variants in the anaphoric accusative of the third person.
Key-words: Anaphoric reference; direct object of the third person; teaching of Portuguese;
Sociolinguistic.
Ao meu avô, Bely Catta Preta. Incomparável. Eu te amo, vô. (in
memoriam)
À minha mãe, que “fecha com meus sonhos como ninguém”.
À minha vozinha, que ilumina minha vida todos os dias com os mais
felizes sorrisos, tranquilos.
AGRADECIMENTOS
A Deus, a meu anjo da guarda e aos anjos de luz que estão sempre olhando por mim.
Obrigada por orientar todos os meus passos, e sempre, sempre me proteger.
À minha mãe, a melhor mãe de todas, que está sempre pronta pra me ajudar no que for,
mesmo se não estiver pronta. Sem você, nada disso seria possível. Nossa proximidade e
cumplicidade são únicas. Obrigada por tanto, mãe. Obrigada por ser você a minha mãe!
Minha leitora, minha amiga, meu suporte... e um etc. enorme. “Ela fecha com meus sonhos
como ninguém”...
À minha vozinha, a mais linda do universo, como faço questão de reforçar, chata e
repetitivamente, mas com muito amor, todos os dias. Obrigada por tudo!!!!! Você não sabe
como me dá forças e equilíbrio para encarar com mais sabedoria (embora eu ainda esteja
engatinhando nesse processo) tudo com que a vida pode nos bridar.
Ao meu pai, que está sempre ao meu lado, preocupado comigo, perguntando sobre tudo e
disposto a me ajudar em qualquer coisa. Obrigada por estar sempre por perto, meu pai,
mesmo quando longe! Você é demais, pai!
Ao meu tio Jonas, que vem consecutivamente de São Paulo ao Rio para me auxiliar (salvar)
todas as vezes em que a tecnologia tenta nos pregar alguma peça. Na verdade, isso não é nada
perto do tio maravilhoso e admirável que você é.
A toda minha família, micro e macro, que mais do que me encher de orgulho, me enche de
amor e carinho, sempre.
Aos amigos que compartilharam, em algum momento, da minha trajetória acadêmica, fazendo
com que esse percurso tenha sido (e continue sendo) repleto de alegrias, as quais colorem
nossas conquistas profissionais.
Àquelxs do coração, que comemoram junto, sobretudo às minhas amigas lindas que
compreenderam todos os finais de semana em que eu disse “não vai dar, amiga”. Notícia:
agora dá!!!
Às escolas municipais do Rio de Janeiro que contribuíram de forma essencial para o
desenvolvimento desta pesquisa.
Às professoras que gentilmente concederam suas respostas em entrevista, sem as quais seria
inviável proceder ao desenvolvimento deste trabalho.
À tia Carla, que tanto me ajudou para estabelecer contato com uma das escolas e uma das
professoras entrevistadas. Muito obrigada!
Ao Professor Antonio Andrade, quem, talvez sem saber, contribuiu em muito para a feitura do
anteprojeto que viabilizou minha entrada no âmbito do tão almejado Mestrado Acadêmico em
Língua Portuguesa. Suas aulas, além de deixarem saudades, realmente transformaram (apenas
positivamente, claro!) minha formação e consequente atuação como professora.
À Professora Mônica Orsini, pelas contribuições mais do que valorosas no início do
Mestrado, não só nas considerações relevantes conferidas ao ministrar sua disciplina, mas
também no auxilio e orientação, em especial, à minha monografia de final de curso, a qual
originou o desenvolvimento desta pesquisa.
Ao Professor Ricardo Lima, quem se mostrou ser uma pessoa maravilhosa, ainda que nos
poucos encontros acadêmicos.
À CAPES, por financiar esta pesquisa e contribuir para a continuidade da minha tão sonhada
jornada acadêmica.
Em especial, à minha querida orientadora, Silvia Rodrigues Vieira, que, mesmo com a vida
“uma loucura”, “enlouquecida com (i), (ii), (iii), ...”, sempre encontra disponibilidade para
nos orientar. Mais do que orientadora, é uma pessoa verdadeiramente incrível e ainda cumpre
papel de psicóloga nos momentos de sufoco. É professora. Com todas as características
admiráveis da profissão. Sem mais delongas, fica para a posteridade: #Silviaédiva!
Parte desta pesquisa foi financiada por uma bolsa
CAPES (maio de 2014 a março de 2016).
Cuando arrancaron los camiones, cargados de presos, yo fui uno de
los niños que corrieron detrás, tirando piedras. Buscaba con
desesperación el rostro del maestro para llamarle traidor y criminal.
Pero el convoy era ya una nube de polvo a lo lejos y yo, en el medio
de la Alameda, con los puños cerrados, sólo fui capaz de murmurar
con rabia: <<¡Sapo! ¡Tilonorrinco! ¡Iris!>>
(Manuel Rivas, La lengua de las mariposas)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................
19
CAPÍTULO 1 – REVISÃO DA LITERATURA: O TRATAMENTO
DISPENSADO AO FENÔMENO DO ACUSATIVO ANFÓRICO DE
TERCEIRA PESSOA .............................................................................................
23
1.1 A abordagem da tradição gramatical ..................................................................
23
1.2 A abordagem das descrições linguísticas ............................................................
30
1.2.1 A gramática descritiva de Perini (2007 [1989]) ...............................................
30
1.2.2 A gramática descritiva de Castilho (2014 [2010]) ...........................................
34
1.2.3 A gramática pedagógica de Bagno (2012) .......................................................
38
1.2.4 Síntese do fenômeno da retomada do objeto direto de terceira pessoa em
gramáticas do PB, segundo a tradição gramatical e as descrições linguísticas ........
43
1.2.5 A abordagem em estudos científicos ...............................................................
46
1.2.5.1 O objeto direto anafórico de terceira pessoa na fala brasileira .....................
47
1.2.5.2 O objeto direto anafórico de terceira pessoa na escrita brasileira .................
53
1.2.5.3 O ensino do objeto direto anafórico de terceira pessoa.................................
60
CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................
66
2.1 A Sociolinguística Variacionista .........................................................................
66
2.2 A Sociolinguística Educacional ..........................................................................
70
2.3 O ensino de Português - pontos de partida ..........................................................
76
2.3.1 Por um ensino de gramática reflexivo .............................................................
77
2.3.2 Por um ensino que envolva variação e normas ................................................
82
2.3.3 Por um ensino de gramática na construção dos sentidos do texto ...................
88
CAPÍTULO 3 – METODOLOGIA E HIPÓTESES DE PESQUISA.................
93
3.1 Procedimentos metodológicos e hipóteses de pesquisa.......................................
93
3.2 Descrição dos ambientes escolares de pesquisa ..................................................
97
3.3 Descrição dos materiais de pesquisa ...................................................................
99
3.3.1 Os materiais didáticos utilizados .....................................................................
99
3.3.2 A entrevista ......................................................................................................
101
3.3.3 As redações escolares ......................................................................................
104
3.3.3.1 Grupos de fatores controlados ......................................................................
105
3.3.3.2 O tratamento dos dados ................................................................................. 117
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS MATERIAIS DE
PESQUISA .............................................................................................................. 120
4.1 A análise qualitativa: os materiais didáticos e as entrevistas .............................. 120
4.1.1 O Cadernos Pedagógicos da Secretaria Municipal de Educação (SME) ........
120
4.1.2 O livro didático Vontade de Saber Português, de Romiere Alves e Tatiane
Brugnerotto (2012) .................................................................................................... 126
4.1.3 O Caderno do Futuro do Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas
(IBEP). ...................................................................................................................... 130
4.1.4 A perspectiva das professoras: as entrevistas ..................................................
132
4.2 Análise Sociolinguística Variacionista dos dados: a produção textual dos
estudantes .................................................................................................................. 140
4.2.1 Distribuição geral dos dados ............................................................................ 140
4.2.2 Análise multivariada dos dados .......................................................................
142
4.2.2.1 Variáveis relevantes ao emprego do pronome clítico ...................................
143
4.2.2.2 Variáveis relevantes ao emprego do pronome lexical...................................
150
4.3 O grupo de controle correção .............................................................................. 154
4.4 Análise dos resultados: reflexões para o ensino .................................................
167
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................
172
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 177
ANEXOS .................................................................................................................. 182
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1. Percentual das variantes do objeto direto anafórico na escrita de
estudantes brasileiros, segundo Averbug (2000). ....................................................
53
Gráfico 2. Percentual das variantes do objeto direto anafórico na escrita de
estudantes brasileiros de acordo com seu nível de escolaridade, segundo Averbug
(2007) ......................................................................................................................
54
Gráfico 3. Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa
no corpus de redações escolares do 9º ano do Ensino Fundamental. ...................... 141
Gráfico 4. Probabilidade de uso do ele acusativo em função da variável
“estrutura sintática da frase”. ................................................................................... 153
Gráfico 5. Percentual geral de correção do acusativo anafórico de terceira
pessoa. ..................................................................................................................... 155
Gráfico 6. Percentual geral de correção ao uso das variantes do OD anafórico de
terceira pessoa ......................................................................................................... 157
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Uso do objeto direto anafórico de terceira pessoa na produção oral de
estudantes do Rio de Janeiro conforme o nível de escolaridade, representada de
Averbug (1998 apud AVERBUG 2008, p. 16)........................................................
49
Tabela 2. Objeto direto anafórico na fala popular brasileira com base nos
resultados de Duarte (1986) e Marafoni (2010).......................................................
51
Tabela 3. Objeto direto anafórico na fala culta brasileira, segundo os resultados
de Duarte (1986) e Freire (2000)..............................................................................
52
Tabela 4. Clíticos acusativos na fala e escrita cultas no PB conforme resultados
de Freire (2000, 2005)..............................................................................................
54
Tabela 5. Objeto direto anafórico no PB conforme continuum de oralidadeletramento, segundo Freire (2005)...........................................................................
55
Tabela 6. Objeto direto anafórico na escrita culta brasileira e na fala culta
lusitana, com base nos resultados de Freire (2005) e Freire (2000)
respectivamente........................................................................................................
55
Tabela 7. Ocorrência de mesmo SN e SN sinônimo conforme o nível de
escolaridade; adaptada de Machado (2006, p. 70), com apenas os resultados da
variante SN anafórico...............................................................................................
57
Tabela 8. Objeto direto anafórico em redações escolares conforme o gênero
textual, segundo Machado (2006, p. 73)..................................................................
58
Tabela 9. Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa
no corpus de redações escolares do 9º ano do Ensino Fundamental........................
140
Tabela 10. Distribuição das formas do SN anafórico encontradas nas redações
escolares do 9º ano do Ensino Fundamental: SN idêntico; SN semelhante; e SN
sinônimo. .................................................................................................................
142
Tabela 11. Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao
emprego do clítico acusativo. ..................................................................................
143
Tabela 12. Atuação da variável “antecedente do acusativo anafórico” quanto ao
emprego do clítico acusativo. .................................................................................
145
Tabela 13. Atuação da variável “distância entre o antecedente e o acusativo
anafórico” quanto ao emprego do clítico acusativo. ...............................................
146
Tabela 14. Atuação da variável “escola” quanto ao emprego do clítico acusativo.
147
Tabela 15. Atuação da variável “função sintática do antecedente” quanto ao
emprego do clítico acusativo. ..................................................................................
148
Tabela 16. Atuação da variável “estrutura sintática da frase” quanto ao emprego
do clítico acusativo. .................................................................................................
149
Tabela 17. Resultados do grupo de controle “correção” quanto ao emprego do
ele acusativo. ...........................................................................................................
151
Tabela 18. Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao
emprego do ele acusativo. .......................................................................................
151
Tabela 19. Atuação da variável “estrutura sintática da frase” quanto ao emprego
do ele acusativo. ......................................................................................................
152
Tabela 20. Distribuição geral do acusativo anafórico de terceira pessoa em
função da frequência de correção ............................................................................
155
Tabela 21. Resultados do cruzamento entre os grupos de fatores “escola” e
“correção” sobre o emprego do clítico acusativo. ...................................................
161
Tabela 22. Resultados do cruzamento entre os grupos de fatores “escola” e
“correção” sobre o emprego do pronome lexical. ...................................................
165
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Pronomes pessoais segundo a tradição gramatical do PB (ROCHA
LIMA, 2012; CUNHA & CINTRA, 2001; BECHARA, 2009). .............................
28
Quadro 2. Classes e subclasses de substantivos e adjetivos (PERINI, 2007, p.
331) ..........................................................................................................................
32
Quadro 3. Formas pronominais retas e oblíquas do PB conforme Perini (2010) ..
34
Quadro 4. Pronomes pessoais do PB falado e escrito na atualidade, segundo
Castilho (2010, p. 477) ............................................................................................
35
Quadro 5. Pronomes da não-pessoa no Português brasileiro, conforme Bagno
(2012, p. 796) ..........................................................................................................
39
Quadro 6. Objeto direto anafórico de terceira pessoa no Português do Brasil –
tradição gramatical e descrições linguísticas: quadro-síntese .................................
44
Quadro 7. Variantes utilizadas na narrativa fictícia para entrevista com docentes. 137
Quadro 8. Síntese dos resultados das análises dos materiais didáticos, entrevistas
e redações escolares sobre as variantes clítico acusativo e pronome lexical .......... 168
19
INTRODUÇÃO
A pesquisa em Língua Portuguesa, por bastante tempo, encontrou-se dissociada da
atuação de professores em sala de aula. Ao que parece, essa situação vem se modificando, ao
passo que a produtividade da inter-relação entre teoria e prática vem sendo compreendida.
Além do crescente conhecimento sobre a própria Língua Portuguesa, julga-se relevante que a
pesquisa teórica, a um só tempo, se beneficie do contexto escolar para ampliar seu horizonte
de investigação e conduza a resultados concernentes à prática de professores que trabalham
esse conhecimento da língua materna com seu alunado. Nessa perspectiva, a presente
pesquisa tem como campo de estudo o contexto do ensino da nossa língua, pautado, de um
lado, nos conhecimentos (socio)linguísticos obtidos com relação ao Português do Brasil
(doravante PB) e, de outro, na própria investigação da produção linguística escolar.
Nesse intuito, tomam-se como aporte teórico os pressupostos da Sociolinguística
Variacionista (WEINREICH, LABOV & HERZOG, [1968] 2006; LABOV, [1972] 2008),
que esclarecem a relação intrínseca entre língua e sociedade, junto ao princípio da
heterogeneidade ordenada, e as contribuições da Sociolinguística Educacional, propostas por
Bortoni-Ricardo (2004), área que alia os pressupostos sociolinguísticos aos objetivos do
ensino de Português. É intento deste trabalho, portanto, promover uma análise que abarque
um estudo de cunho variacionista da língua e sua correlação com o contexto escolar. Nesse
âmbito, esta pesquisa investiga a retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa como
fenômeno gramatical variável no Português do Brasil e o correspondente ensino de pronomes
no que concerne à referida função sintática. Em outras palavras, busca-se promover um
diagnóstico sobre o modo como se dá o ensino de pronomes, mais especificamente no que
tange ao objeto direto anafórico de terceira pessoa, tendo em vista os diversos estudos
científicos já realizados sobre o tema, e, a partir disso, articular algumas reflexões para o
âmbito do ensino no que diz respeito à abordagem do fenômeno em estudo.
Ao focalizar o contexto do ensino, compete ao professor refletir sobre o que se deve
ensinar em sala de aula e como se deve fazê-lo. Para tanto, considerar a questão da variação
linguística e as características associadas a determinadas variantes constitui uma tarefa
presente nessa ponderação. No que se refere ao ensino de pronomes, ainda há uma distância
considerável entre as descrições de estudos acadêmicos e o que se verifica, em geral, na
prática escolar. Caberia pensar, então, quais variantes têm lugar no ensino e que lugar ocupam
20
essas variantes no contexto escolar. Em se tratando do ensino público do Rio de Janeiro, sabese que as diversas variedades linguísticas referentes ao alunado não correspondem totalmente
às aceitas como de prestígio. Assim, a tentativa de submeter os alunos a determinado molde
tido como prestigioso na sociedade sugere certa problematização.
Ainda que a variedade utilizada pelos alunos contenha variantes socialmente
estigmatizadas, é impossível (e ineficaz) simplesmente apagá-las e depositar em seu lugar
uma norma de prestígio, com a qual o aluno pouco tem contato. Tampouco é válido manter
limitado o conhecimento inicial em língua materna de que dispõem os alunos apenas porque
assim já se comunicam em suas comunidades de fala, mas tentar substituir uma norma
estigmatizada por outra considerada padrão também é uma forma de limitar o conhecimento
linguístico. É necessário que se apliquem formas diversificadas no processo de ensinoaprendizagem, para que os alunos alcancem um contato com o ainda desconhecido e, a partir
daí, adquiram novos conhecimentos. Desse modo, a ampliação de suas habilidades
linguísticas sucede do provimento de subsídios para que possam se adequar – adequar seus
discursos – às circunstâncias a que são e podem vir a ser expostos em sociedade. Isto é, tratase de aprimorar a habilidade linguística dos alunos em adequar-se aos possíveis contextos de
interação comunicativa.
Nesse propósito, é preciso considerar três agentes que se integram e influenciam mais
diretamente o estudo da língua: a orientação prevista no material didático, a atuação do
professor e a atividade de seus alunos, o que vai resultar em um trabalho conjunto. Em vista
disso, o objetivo geral desta pesquisa é justamente verificar como se concretiza a tríade
“material didático – orientação do professor – domínio por parte dos alunos” no que tange às
variantes linguísticas existentes para a representação do objeto direto anafórico de terceira
pessoa.
Os estudos anteriores indicam as seguintes variantes existentes no PB para o referido
fenômeno linguístico:
a) o pronome clítico, como em Margoᵢ descobriu que seu namorado aᵢ traía com sua
“AMIGA” e ela decide se vingar, que é a variante considerada pela norma padrão;
b) o pronome lexical, como em todos os dias a mãe do Luizᵢ levava eleᵢ para o treino de
futebol, que mostra o uso de um pronome originalmente nominativo em função acusativa;
21
c) o sintagma nominal, como nos exemplos: Lucas entrou na água para salvar as meninasᵢ
seus colegas vieram e ajudaram ele a salvar as meninasᵢ e logo após de ter se apaixonado por
Cam, Luᵢ descobriu que ele era um anjo caído e que estava na terra para cumprir uma
missão, que era salvar a bondosa meninaᵢ da sua morte, que se configura como uma
estratégia de “esquiva”, conforme apontam Tarallo (1993), Silva (1993), e Duarte (2013), ao
uso do clítico, distanciado do vernáculo brasileiro, e ao uso do pronome lexical, estigmatizado
socialmente;
d) o objeto nulo, como em uma vez a mulher deixou o celularᵢ de bobeira e o homem pegou ᵢ
para mexer, que é a estratégia preferida dos brasileiros e, em geral, sequer é mencionada no
ambiente do ensino; e
e) o pronome demonstrativo, como em Mia dizia [que não e que isso era muito importante
pra ela e que não queria que ninguém o tocasse]ᵢ. Ela dizia issoᵢ até mesmo para sua melhor
amiga, verificada na maioria das vezes retomando um objeto proposicional.
Para atingir o propósito em questão, esta pesquisa envolve o ambiente educacional de
duas escolas públicas municipais do Rio de Janeiro, por meio das quais é investigado o
trabalho desenvolvido com duas turmas de 9º ano do Ensino Fundamental. Nesta
investigação, busca-se o alcance de quatro objetivos específicos: (i) analisar de que forma são
apresentadas as formas variantes de retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa no
material didático utilizado por suas professoras em sala de aula, de modo a averiguar como
esse material se comporta com relação à variação existente no PB para o fenômeno linguístico
abordado; (ii) investigar a percepção das professoras sobre os conceitos de variação e normas
de uso da língua, levando em consideração o grau de legitimidade por elas atribuído às formas
variantes do objeto direto anafórico; (iii) examinar a produção textual escrita de seus
respectivos alunos, de modo a compreender quais as estratégias de retomada por eles mais ou
menos utilizadas e por que o são; e (iv) com base nos três objetivos anteriores, apresentar
reflexões acerca do ensino do referido fenômeno gramatical variável.
Esta pesquisa, portanto, compreende três etapas de análise. A primeira se refere à
apreciação crítica dos referidos materiais didáticos no que diz respeito ao tratamento neles
dispensado ao fenômeno linguístico aqui em estudo. A segunda, que abrange a perspectiva
das docentes, é feita a partir da elaboração de uma entrevista a elas destinada. A terceira
etapa, por sua vez, compreende a análise e interpretação de um corpus extraído de redações
escolares corrigidas pelas professoras em questão, o qual não apenas viabiliza averiguar as
22
estratégias encontradas na produção escrita desses estudantes, mas permite, ainda, verificar
quais dessas formas foram corrigidas ou não. Essa análise possibilita um contraste entre as
considerações concedidas pelas professoras em entrevista e a avaliação/correção por elas
realizada efetivamente na produção de seus alunos. Os três tópicos de análise acima
explicitados se inter-relacionam, contribuindo para o alcance do objetivo geral desta pesquisa.
Para o desenvolvimento da investigação, esta dissertação encontra-se organizada da
seguinte maneira. O Capítulo 1 proporciona uma revisão das obras já realizadas na literatura
acerca do fenômeno linguístico aqui investigado, englobando as abordagens da tradição
gramatical e das descrições linguísticas sobre o tema. O Capítulo 2, por sua vez, esclarece os
fundamentos teóricos que norteiam esta pesquisa, sejam os próprios da Sociolinguística
Variacionista, sejam os mais recentes referentes ao ensino de Português como língua materna.
No capítulo 3, apresentam-se os procedimentos metodológicos e a hipóteses adotadas na
realização desta pesquisa, bem como as descrições das escolas aqui envolvidas e dos materiais
de pesquisa investigados. O capítulo 4 se refere aos três tópicos de análise acima
mencionados. Primeiramente, apresenta-se a apreciação de base qualitativa dos materiais
didáticos e das entrevistas realizadas e, em seguida, expõe-se o exame sociolinguístico
variacionista dos dados encontrados nas redações escolares coletadas. Posteriormente, em
uma terceira seção do capítulo, apresentam-se as reflexões para o ensino promovidas em
decorrência dos resultados anteriormente alcançados. Na sequência, expõem-se as
considerações finais obtidas com esta pesquisa e as referências bibliográficas utilizadas para
sua elaboração. Parte dos materiais didáticos e a entrevista formulada estão disponíveis, por
último, na seção de anexos.
Em vista das considerações mencionadas, busca-se, aqui, não só compreender o que
está presente nos materiais didáticos ou na produção dos estudantes com relação fenômeno
linguístico estudado, mas também promover o confronto entre esses materiais, a visão do
professor sobre a variação da língua quanto ao fenômeno em questão e a realidade linguística
verificada na escrita de seus alunos. Além disso, a partir da promoção de algumas reflexões
para o ensino baseadas nos resultados ora alcançados, almeja-se aproximar o espaço das
pesquisas teóricas da possiblidade de um ensino condizente com os conhecimentos
linguísticos já alcançados no âmbito acadêmico.
23
CAPÍTULO 1
REVISÃO DA LITERATURA: O TRATAMENTO DISPENSADO AO
FENÔMENO DO ACUSATIVO ANAFÓRICO DE TERCEIRA PESSOA
Neste capítulo, faz-se uma revisão dos estudos que envolveram e descreveram o
fenômeno analisado nesta pesquisa: a retomada do objeto direto anafórico de terceira pessoa
no Português do Brasil. Neste percurso, tratamento especial é dado à correlação entre a
realização do fenômeno no PB e o ensino de português, no que tange, portanto, ao estudo dos
pronomes e estratégias que retomam o objeto direto no uso da língua. Desta forma, a seção
1.1 a seguir aborda o tratamento dispensado ao tema na tradição gramatical brasileira,
enquanto a seção 1.2, por sua vez, abarca a abordagem feita pelas descrições linguísticas.
1.1 A abordagem da tradição gramatical
Com o desenvolvimento dos estudos científicos e as contribuições alcançadas na
atualidade, acaba-se por abordar, muitas vezes, as considerações da tradição gramatical como
insuficientes à realidade linguística, como se a Gramática Tradicional (doravante GT) não
“desse conta” dos fenômenos da língua. Ocorre que, na história de construção do pensamento
tradicional, sequer se dispunha dos aparatos que atualmente contribuem para as pesquisas
linguísticas, além do fato de que a Gramática Tradicional surge em um contexto histórico e
social distante e, portanto, bastante distinto da atualidade. Em vista disso, antes de passar à
abordagem da tradição gramatical sobre o fenômeno linguístico aqui em questão, faz-se
necessário ressaltar, brevemente, o contexto em que se desenvolveu a GT e seus objetivos,
para, assim, evitar uma conclusão superficial de que esta simplesmente não daria conta dos
fenômenos linguísticos como um todo.
O estudo da gramática teve seus passos iniciais desde a Antiguidade Clássica, quando
gregos e romanos manifestaram suas primeiras reflexões sobre a língua a partir de fontes
diversas1. Dentre essas fontes, estavam as práticas políticas e jurídicas da época, que exigiam
um domínio das habilidades de fala suficiente à argumentação feita na tentativa de vencer as
disputas da área, reflexões de Platão e Aristóteles sobre a natureza da linguagem humana e a
1
As informações contidas nesta introdução à abordagem da tradição gramatical (seção 1.1) estão
baseadas, sobretudo, nas contribuições de Pagotto (1998, 2013) e na obra Norma Culta Brasileira:
desatando alguns nós, de Carlos Alberto Faraco (2008, p. 130-161).
24
construção da lógica como raciocínio válido na análise de diferentes aspectos da língua grega;
estas últimas de caráter filosófico (cf. Faraco, 2008, p.131-132).
Algum tempo depois, já na era cristã, conforme aponta o referido autor, os gregos
passaram a dedicar profundamente seus estudos à produção literária de autores consagrados.
Objetivaram descrever a língua dos poetas e prosadores estudados, a qual acabava por
considerar-se um modelo de usos linguísticos. Quando Roma chegou ao Império, acolheu a
cultura grega e, tendo como referência a língua dos consagrados autores clássicos, também
buscou fixar um latim modelar para as considerações sobre a língua. Nesse intuito,
produziram diversas gramáticas do Latim, dentre as quais, como afirma Faraco (op. cit.,
p.138), a gramática de Prisciano (séc. VI d. C.) obteve maior destaque e em certa medida,
serve, até hoje, como modelo direto ou indireto para a produção das gramáticas tradicionais.
No período da Idade Média, porém, houve uma progressiva substituição do Latim
pelas línguas vernáculas, dada por meio do “contato entre os diferentes dialetos latinos
falados em cada região com as várias línguas germânicas trazidas pelas ondas invasoras”
(FARACO, p. 147). Com isso, embora já não se utilizasse efetivamente o Latim, obrigava-se
o aprendizado dessa língua, o que, consequentemente, era como aprender uma língua
estrangeira, uma Língua 2 (L2). Começou a construir-se, assim, uma cultura/pedagogia do
erro no ensino da língua, tendo em vista o modelo em que se espelhavam, modelo este que
não mais se verificava sequer na fala efetiva de nativos.
No século XVI, surgiram as primeiras gramáticas do Português, dentre as quais se
destacou a de João de Barros (1540). Segundo Faraco (2008), tal gramática estendia o modelo
de referência dos usos literários de poetas e prosadores aos usos linguísticos de “barões
doutos”, isto é, aos indivíduos mais letrados da sociedade (p. 143). Assim, o objetivo central
dessas gramáticas era, a partir da descrição desses usos, propor um modelo que configurasse o
uso clássico da Língua Portuguesa. Esse perfil tradicional acompanha as gramáticas que,
mesmo produzidas no decorrer do século XX, se enquadram no perfil das chamadas
gramáticas tradicionais brasileiras.
No Brasil, norteado pela segregação social do período colonial, é aquele modelo
medieval de ensino que influencia as práticas pedagógicas. Posteriormente, quando da
independência de nosso país, convencionou-se seguir não um modelo de língua mais próximo
da fala de brasileiros letrados, mas sim um modelo que adotasse a escrita lusitana, com base
nos escritores portugueses do Romantismo. Já no século XIX, o segmento mais privilegiado
25
da sociedade começou a contribuir para a constituição de uma norma linguística ideal,
baseada da norma lusitana, de modo que o distanciamento entre as camadas sociais fosse
alargado, conforme esclarece Pagotto (1998).
Nesse sentido, os indivíduos que dispunham do estudo da língua eram ainda um grupo
bastante restrito: a elite branca brasileira do século XIX. Naquele momento, portanto, o
estudo era privilégio de uma minoria. Com o desenvolvimento da sociedade – aumento do
comércio, maior número de pessoas aprendendo a ler e tomando parte de estudos escolares
(não mais uma minoria, apenas) –, o distanciamento entre a linguagem do indivíduo e o que
se ensina nas escolas foi, progressivamente, aumentando (FARACO, 2008, p. 129-158).
Considerando o histórico social do estudo da língua, o que se verifica, nos dias atuais, é que a
gramática tradicional ensinada nas escolas, em muitos pontos, de fato não corresponde à
gramática natural dos alunos brasileiros. A esse respeito, o autor faz uma ressalva aos que se
dedicam ao ensino do Português:
Enquanto a questão do domínio da cultura letrada e, em consequência, da
língua modelar era problema de uma reduzida elite, um modelo normativo
anacrônico não causava maiores dificuldades. Contudo, à medida que
mudanças socioeconômicas (em especial, a industrialização e a urbanização)
trouxeram a necessidade de se ampliar o acesso da população à escola e se
propagou o conceito moderno de cidadania (que inclui o direito de todos aos
bens culturais), um tal modelo passou a ser um problema grave, como no
Brasil de hoje, em que ele não faz sentido para a maioria da população e, por
isso, acaba por embaraçar não só o ensino do português, como o próprio
funcionamento social da norma culta/comum/standard (FARACO, 2008, p.
146).
A partir desse breve histórico, é possível compreender o fato de que as gramáticas
tradicionais elaboradas até hoje demonstram uma abordagem um tanto redutora sobre os
fenômenos variáveis da língua como um todo (como seria de se esperar, portanto) – o que se
justifica, sobretudo, pelos objetivos particulares que assume. Ocorre que diversos grupos
sociais continuam a considerar as propostas apresentadas na tradição gramatical como
modelos para suas práticas linguísticas, sobretudo na escrita.
Tendo em vista a relevância social de um modelo gramatical milenar, é compreensível
o peso que ele tem, até hoje, nas práticas sociais, científicas e pedagógicas. No que diz
respeito ao contexto pedagógico, não é raro que a abordagem tradicional seja o quadro teórico
descritivo e prescritivo adotado.
O que se faz necessário, logo, é uma atualização da
descrição da GT para fins didáticos – mesmo porque esta continua sendo ponto de partida
26
para diversas pesquisas científicas desenvolvidas na atualidade. Faraco (2008, p. 153) destaca
um dos próprios autores dentre as gramáticas investigadas na seção a seguir, Celso Cunha,
ressaltando que um dos seus principais objetivos do Projeto NURC, na sua visão, era
ajustar tanto quanto possível o ensino da língua portuguesa, em todos os seus
graus, a uma realidade concreta, evitando a imposição indiscriminada de
uma só norma histórico-literária, por meio de um tratamento menos
prescritivo e mais receptivo às diferenças regionais e socioculturais do País
(CELSO CUNHA, 1985:28 apud FARACO, 2008, p. 153).
Dito isso, além de “superar a cultura do erro e criar condições para um ensino mais
eficiente e eficaz da língua portuguesa em nossas escolas” (cf. Faraco, p. 130), não basta
compreender que a tradição gramatical não condiz com a realidade linguística atual e não
acompanha o desenvolvimento da língua em uso. O maior desafio está “na reconstrução de
nosso imaginário sobre a língua, promovendo, nessa área, um reencontro do país consigo
mesmo” (p. 156).
Levando em consideração esse breve histórico sobre o desenvolvimento da Gramática
Tradicional (apresentado de forma concisa, dentro dos limites deste trabalho), foram
averiguadas as gramáticas de Rocha Lima (2012 [1972]), Cunha & Cintra (2001 [1985]) e
Bechara (2009 [1999]) a respeito da abordagem que fazem, mais especificamente, sobre o
tema do objeto direto anafórico de terceira pessoa no Português do Brasil, tendo em vista que
figuram, ao que parece, entre as mais influentes nas instituições educacionais brasileiras.
As três gramáticas tradicionais averiguadas apresentam abordagem semelhante do
tema do acusativo anafórico de terceira pessoa. Ao partir do princípio de que a função de
retomar um termo é, de modo geral, atribuída aos pronomes, esta revisão da tradição
gramatical se inicia a partir da definição de “pronome” concebida pelos gramáticos em
questão.
Segundo Rocha Lima (2012 [1972]), pronome é “a palavra que denota o ente ou a ele
se refere, considerando-o apenas como pessoa do discurso” (p. 156). Bechara (2009 [1999])
diz basicamente o mesmo em outros termos: “é a classe de palavras categoremáticas que
reúne unidades em número limitado e que se refere a um significado léxico pela situação ou
por outras palavras do contexto” (p. 162). Cunha & Cintra (2001 [1985]), por sua vez,
definem os pronomes como termos que “desempenham na oração as funções equivalentes às
exercidas pelos elementos nominais” (p. 275). Os pronomes, na proposta dessas gramáticas (e
27
da tradição gramatical em geral), servem para a) “representar um substantivo” e b)
“acompanhar um substantivo determinando-lhe a extensão do significado” (Cunha & Cintra,
2001, p. 275).
Nesse âmbito, as três gramáticas referidas classificam os pronomes como classe
gramatical dividida entre os seis grupos: pessoais, demonstrativos, relativos, possessivos,
indefinidos e interrogativos. Os pronomes pessoais, que abarcam as formas de retomada do
objeto direto, são caracterizados, tal como na gramática de Rocha Lima, por Cunha & Cintra
(2001, p. 276) da seguinte maneira:
1.º) por denotarem as três pessoas gramaticais, isto é, por terem a capacidade
de indicar no colóquio:
a) quem fala – 1ª PESSOA: eu (singular), nós (plural);
b) com quem se fala – 2ª PESSOA: tu (singular), vós (plural);
c) de quem se fala – 3ª PESSOA: ele, ela (singular); eles, elas (plural);
2.º) por poderem representar, quando na 3ª pessoa, uma forma nominal
anteriormente expressa:
Santas virtudes primitivas, ponde
Bênçãos nesta Alma para que ela se uma
A Deus, e vá, sabendo bem por onde...
(A. de Guimaraens, OC, 149.)
Levantaram Dona Rosário, quiseram levantá-la, embora ela se opusesse,
choramingasse um pouco, dissesse que não lhe era possível fazê-lo.
(M. J. de Carvalho, AV, 137.)
3.º) por variarem de forma, segundo:
a) a função que desempenham na oração;
b) a acentuação que nela recebem.
Com relação à função dos pronomes pessoais, informa-se que podem funcionar como
sujeito da oração – configurando sua forma reta – ou como objeto da oração, direto ou
indireto – configurando as formas oblíquas. Quanto a estas, a acentuação dos pronomes os
diferencia entre as formas tônicas e átonas. Assim, dá-se o quadro tradicional de pronomes
pessoais – já amplamente conhecido (ROCHA LIMA, p. 386-387; CUNHA & CINTRA, p.
277; BECHARA, p. 164):
28
Pronomes
pessoais retos
Singular
1ª pessoa
2ª pessoa
3ª pessoa
eu
tu
ele, ela
Pronomes pessoais oblíquos
átonos
tônicos
me
te
o, a, lhe, se2
1ª pessoa
nós
nos
2ª pessoa
vós
vos, se
3ª pessoa
eles, elas
os, as, lhes, se
Quadro 1. Pronomes pessoais segundo a tradição gramatical do PB (ROCHA
CINTRA, 2001; BECHARA, 2009).
Plural
mim, comigo
ti contigo
ele, ela, si
nós, conosco
vós, convosco
eles, elas, si
LIMA, 2012; CUNHA &
Esta é a abordagem feita pelas gramáticas tradicionais em geral, de bases e critérios
semelhantes. Não há menção, portanto, a nenhuma outra estratégia de retomada do objeto
direto de terceira pessoa no Português do Brasil. A única forma aludida, de fato, é a forma dos
pronomes oblíquos átonos o, a, os, as (e suas variantes lo, la, los, las; no, na, nos, nas, a
depender da terminação da forma verbal a que se ligam em casos de ênclise) – os clíticos
acusativos.
Dentro dessa proposta, Rocha Lima e Cunha & Cintra destinam uma seção em suas
gramáticas para tratar de casos em que o termo objeto direto desempenha função de sujeito da
oração seguinte, como em mandei-o entrar; fez-me sentar; deixe-nos pensar. Os gramáticos
explicam que, nesse caso, os pronomes oblíquos, originalmente acusativos (caso do objeto
direto), podem acumular as funções de objeto do primeiro verbo e sujeito do segundo, o verbo
no infinitivo. São estruturas formadas a partir de verbos causativos ou perceptivos, como os
exemplos citados. Entretanto, em construções como estas, no PB, é muito frequente o uso dos
pronomes nominativos (retos) em lugar dos oblíquos (cf. seção 1.3): mandei ele entrar; fez eu
sentar; deixe a gente passar. Ressalta-se que essas colocações não configuram um uso inculto
da língua, no sentido de ser rejeitado por falantes letrados, mas ainda não têm representação
na tradição gramatical.
À parte dessas estruturas de “dupla função”, Cunha & Cintra destacam, em uma seção
intitulada Equívocos e incorreções, o uso do pronome nominativo na posição de objeto direto:
Na fala vulgar e familiar do Brasil é muito frequente o uso do pronome
ele(s), ela(s) como objeto direto em frases do tipo:
Vi ele.
2
Encontrei ela.
As formas se e si, sendo estritamente reflexivas, não constituem foco desta pesquisa. Além disso,
Cunha & Cintra (2001, p. 277) não as expõem dentro desse quadro pronominal.
29
Embora esta construção tenha raízes antigas no idioma, pois se documenta
em escritores portugueses do século XIII e XIV, deve ser hoje evitada.
(CUNHA & CINTRA, p. 288)
Nota-se a prescrição feita em direção ao não uso da forma destacada. Bechara (2009
[1999]), porém, faz algumas ressalvas que sugerem, bastante limitadamente, a variação do
fenômeno do objeto direto anafórico de terceira pessoa no PB. Após afirmar, tal como os
demais gramáticos, que “o pronome pessoal reto funciona como sujeito ou complemento
predicativo, enquanto o oblíquo como os demais complementos: Eu saio. Eu não sou ele. Eu
o vi. Não lhe respondemos” (BECHARA, 2009, p. 173), o autor destaca certos casos em que
o pronome reto pode substituir o uso do pronome oblíquo. São estes:
a) quando o verbo e seu complemento estiverem distanciados, separados por
pausa:
“Subiu! E viu com seus olhos
Ela a rir-se que dançava.” [GD]
b) nas enumerações e aposições:
Depois de muita delonga o diretor escolheu: eu, o Henrique e o Paulinho.
c) precedido de todo, só, e mais alguns adjuntos, pode aparecer ele (e
flexões) por o (e flexões); cf. adiante.
d) quando dotado de acentuação enfática, no fim do grupo de força:
“Olha ele!” [EQ]
(BECHARA, 2009, p. 173)
Em seguida, o autor afirma que “o pronome ele, no português exemplar moderno, só
aparece como objeto direto quando precedido de todo ou só (adjetivo)”, exemplificado em
“No latim, eram quatro os pronomes demonstrativos. Todos eles conserva o português. [PL. 1,
398]” ou “se dotado de acentuação enfática, em prosa ou verso”, como no exemplo d acima
(BECHARA, 2009, p. 175). Estes são os únicos contextos mencionados em sua gramática
com o pronome nominativo utilizado na retomada do objeto direto de terceira pessoa.
Cabe salientar que Bechara produziu, além de sua Moderna Gramática Portuguesa
aqui abordada, uma gramática de cunho pedagógico. Nesta, vale mencionar, o gramático
expõe uma breve consideração sobre a existência da categoria zero para a retomada do objeto
direto – o objeto nulo do PB:
30
Estando perfeitamente conhecido pela situação linguística, pode-se calar o
pronome complemento do verbo; esta linguagem é correta, apesar da censura
que lhe faziam os gramáticos de outrora.
“Disse já que tinha de fazer uma explicação ao leitor.
Tenha; e é indispensável.” [AH]
(BECHARA, 2012, p. 144)
Ainda assim, essa referência à omissão do pronome acusativo não alcança a extensão
tomada por essa estratégia no sistema linguístico do PB. Como vai ser detalhado na seção 1.3,
o objeto nulo é a estratégia mais utilizada pelos falantes brasileiros para a retomada do objeto
direto, superando tanto o pronome nominativo em função acusativa, limitadamente
mencionado por Bechara, quanto o clítico acusativo, referenciado nas gramáticas tradicionais
como um todo.
1.2 A abordagem das descrições linguísticas
Tendo em vista que as gramáticas tradicionais, em geral, não registraram as mudanças
da língua no que se refere ao quadro de pronomes e, por conseguinte, não apresentam uma
descrição coerente com a realidade linguística do Português do Brasil, alguns linguistas da
atualidade se propuseram a desenvolver gramáticas que buscassem dar conta dos fenômenos
gramaticais e variáveis no PB atual. Dentre esses compêndios, examino as gramáticas
descritivas de Perini (2007 [1989]) e Castilho (2014 [2010]), e a gramática pedagógica de
Bagno (2012), no tangente à descrição do fenômeno da retomada do objeto direto de terceira
pessoa, além de destacar os estudos científicos já desenvolvidos acerca do tema em questão.
1.2.1 A gramática descritiva de Perini (2007 [1989])
Perini (2007 [1989]) dedica uma seção de sua gramática a apreciar a abordagem
tradicional acerca dos pronomes e, em vista das incoerências por eleapresentadas, promove
uma nova definição e classificação para esses elementos na língua. O autor afirma que não há
semelhanças sintáticas nem semânticas na caracterização do amplo grupo abrangido pela
tradição na classe única de pronomes. Há, na verdade, uma junção de critérios sintáticos e
semânticos que os envolvem na sua classificação tradicional.
31
No que se refere à caracterização pelo critério sintático, Perini (2007, p. 329-330)
mostra que as funções de substituição e de acompanhamento de um nome não são suficientes
para a identificação do que se entende por pronome na língua. Em sua argumentação, parte de
exemplos com a substituição de um pronome-sujeito por um SN de referência. A partir da
sentença ela não gosta de quiabo3, substitui o pronome reto ela por essa senhora e por Gigi:
essa senhora não gosta de quiabo / Gigi não gosta de quiabo. Neste caso, o SN essa senhora
e o nome próprio Gigi seriam então pronomes, segundo a função de substituição concebida
pela tradição. Nesse sentido, o linguista demonstra a semelhança no comportamento sintático
de pronomes e substantivos – como o autor ressalta, “mais exatamente, os pronomessubstantivos” (op. cit., p. 330). Utiliza-se, ainda, da definição dada na própria gramática
tradicional de Cunha & Cintra, em que afirmam que os pronomes são termos que exercem
funções equivalentes às desempenhadas por elementos nominais (cf. seção 1.1.1). A noção de
acompanhamento, por sua vez, é rebatida pelo simples fato de que outros elementos quaisquer
também podem acompanhar substantivos, como os adjetivos velho e cinza, além do pronome
meu, em meu velho paletó cinza.
Antes de passar à base do critério semântico, cabe ressaltar que a mesma substituição
realizada pelo autor para o pronome-sujeito vale para o pronome-complemento, no tema da
retomada anafórica. Em a senhora a chamou, é possível a substituição por a senhora chamou
a menina ou a senhora chamou a Gigi, além de a senhora chamou ela, em que se percebe a
função da substituição do termo complemento sendo exercida tanto por formas pronominais –
originalmente acusativa e nominativa – quanto por um SN e um nome próprio.
Passando, então, ao embasamento no critério semântico, o linguista afirma que a
maioria dos pronomes não se refere às pessoas do discurso, embora os termos que as indicam
sejam também por ele considerados pronomes. Ao abordar casos em que se indicam o espaço
e o tempo em determinada situação, o autor explica que muitos pronomes tampouco o fazem
(como os indefinidos algum e qualquer, exemplificados), enquanto outras palavras que não
são consideradas pronomes carregam esta informação: “atual, antigo, contemporâneo
(situação no tempo); próximo, distante, vizinho (situação no espaço)” (p. 330).
Em vista dessas considerações, Perini propõe um novo arranjo de pronomes,
classificado a partir de um critério sintático. Esse critério é ponto de partida, de modo geral,
3
Todos os exemplos usados para explicação da abordagem de Perini, nesta seção, foram extraídos de
sua Gramática Descritiva do Português (2007, p. 304-354).
32
para a análise do sistema da língua como um todo em sua gramática. Assim, o linguista parte
de traços distintivos que caracterizam o funcionamento dos elementos na língua conforme a
noção de protótipo, que os une por meio da maior ou menor presença de determinadas
características semelhantes. Dessa forma, no que diz respeito ao assunto abordado nesta
pesquisa, o autor parte dos dois grandes grupos de substantivos e adjetivos (e rompe com a
divisão entre pronomes substantivos e pronomes adjetivos da tradição gramatical). Para os
substantivos de Perini, verificam-se os traços [+CP], [-Mod] e [-Pv]: podem exercer função de
complemento do predicado, não são modificadores e não podem exercer função de
predicativo. Os adjetivos de Perini, por sua vez, apresentam os traços [+CP] [+Mod] [+Pv]; os
dois últimos os diferenciam dos substantivos.
É na classe dos substantivos que Perini engloba a classe dos pronomes. Segundo o
autor, os substantivos têm a capacidade de ocorrer na função de núcleo de um SN ([+NSN]),
capacidade esta também exercida pelos tradicionais pronomes retos. Ao que tudo indica,
apenas estes são considerados pertencentes à classe dos pronomes na gramática de Perini.
Estes pronomes, por sua vez, podem ocorrer como núcleo de um SN, formando o SN por si
só; apresentam, assim, o traço [-T, SN], que indica que não podem ocorrer junto a nenhum
outro elemento desse SN, figurando apenas sozinhos.
A esse respeito, o autor subdivide a classe dos substantivos (na qual se encontram os
pronomes da sua descrição) em duas subclasses, caracterizadas pelo traço [T,SN]. Perini (p.
328) expõe a classificação conforme o quadro abaixo:
Classes e subclasses de substantivos e adjetivos
Substantivos: [+CP], [-Mod] e [-Pv]
Substantivos 1: [-T,SN, +NSN, -Int––, -PN, -íssimo]
Substantivos 2: [+T,SN, +NSN, -Int––, -PN, -íssimo]
Adjetivos: [+CP] [+Mod] [+Pv]
Adjetivos 1: [+Int––]
Adjetivos 1a: [-T,SN, +NSN, -PN, -íssimo]
Adjetivos 1b: [-T,SN, +NSN, -PN, +íssimo]
Adjetivos 1c: [-T,SN, +NSN, +PN, +íssimo]
Adjetivos 1d: [-T,SN, -NSN, +PN, +íssimo]
Adjetivos 2: [-Int––, -T,SN, -NSN, -PN, -íssimo]
Quadro 2. Classes e subclasses de substantivos e adjetivos (PERINI, 2007, p. 331).
33
Perini (op. cit., p. 331) restringe a designação de pronomes aos itens da classe de
substantivos do tipo 1, tendo em vista que os elementos dessa classe são todos considerados
pronomes pela tradição gramatical. No entanto, faz um esclarecimento importante a esse
respeito:
Os substantivos 1 são todos chamados pronomes pela gramática tradicional e
poderão receber esse mesmo nome aqui; mas é preciso ter em mente que os
pronomes, assim definidos, são uma subclasse dos substantivos; e que
palavras como alguém, assim como todos os pronomes adjetivos da
gramática tradicional, não são pronomes na nossa nomenclatura (PERINI,
2007, p. 329).
A partir dessa proposta de análise da língua, a função da retomada anafórica de um
termo da oração, no interesse desta pesquisa, do objeto direto, pressupõe a compreensão do
funcionamento do termo objeto direto no sistema linguístico, levando em consideração o
critério sintático tomado como ponto de partida pelo autor. Nesse âmbito, o termo objeto
direto é classificado em sua gramática pelos traços [-CV, + Ant, +Q, -CN, + Cl , -PA], a
saber, a ausência de concordância verbal, a possibilidade de topicalização, a possibilidade da
retomada anafórica por (o) que ou quem, a ausência de concordância nominal com outro
termo da oração, a possibilidade de clivagem e a impossibilidade de ocorrer na posição de
auxiliar. Nesse caso, nota-se que a retomada anafórica é evidenciada apenas por meio dos
pronomes relativos, mas as variantes de representação do objeto direto de terceira pessoa não
conseguem enquadrar-se em todos esses traços. Conforme aponta Cunha (2007), em artigo
publicado na revista SOLETRAS da UERJ (ed. nº 13, p. 145-146), o clítico, por exemplo,
diferente de um SN e de um pronome nominativo, gera uma sentença agramatical ao ser
clivado e/ou topicalizado: a senhora encontrou sua neta / a senhora encontrou ela / a senhora
a encontrou – foi sua neta que a senhora encontrou / foi ela que a senhora encontrou / *foi a
que a senhora encontrou; sua neta a senhora encontrou / ela a senhora encontrou / *a a
senhora encontrou.
Ao abordar o recurso da topicalização no PB, Perini (op. cit., p. 301) faz referência ao
uso da categoria zero na retomada do objeto direto antecedente. O linguista compara, por
exemplo, a sentença “Fia fez a fantasia e Fernanda a forrou” à variante “Fia fez a fantasia e
Fernanda [] forrou”, na qual o objeto omitido é perfeitamente compreensível para os
brasileiros, tratando-as como sinônimos.
34
A gramática averiguada não expõe um quadro que abarque o uso dos pronomes,
somente, no PB. No entanto, na edição de 2010 de sua Gramática do Português Brasileiro, o
autor, tomando como objeto de análise o português falado do Brasil, apresenta o seguinte
quadro de formas pronominais retas (da classe dos pronomes, segundo a explicação citada
acima) e oblíquas:
Formas retas
Formas oblíquas
Eu
Me, mim, -migo
Você, (tu)
Te, (-tigo)4, (ti), (lhe)
Ele, ela
–
Nós
Nos, -nosco
Vocês Eles, elas
–
[reflexivo]
Se
Quadro 3. Formas pronominais retas e oblíquas do PB conforme Perini (2010).
Como se pode observar, de fato não são mencionados os clíticos acusativos como formas
oblíquas de terceira pessoa para o PB. O autor aclara que, assim sendo, as formas retas da
terceira pessoa podem ser utilizadas em quaisquer funções sintáticas, o que licencia seu uso
como objeto direto (anafórico de terceira pessoa). Desse modo, conclui-se que, na abordagem
descritiva de Perini, são possíveis as retomadas do objeto direto de terceira pessoa no PB por
meio das formas: pronome nominativo, SN anafórico e objeto nulo.
1.2.2 A gramática descritiva de Castilho (2014 [2010])
A gramática descritiva de Castilho (2014) reúne diversos estudos realizados no âmbito
da língua portuguesa, seja de pesquisadores sociolinguistas, seja de outras áreas da
Linguística. Dessa forma, parte dos critérios da GT para a caracterização da classe dos
pronomes, que, segundo o autor, “levaram em conta suas propriedades semânticas, discursivas
e gramaticais (= sintáticas e morfológicas)” (CASTILHO, 2014, p. 472).
Os critérios da definição e classificação dos pronomes pela GT observados em sua
gramática são, basicamente, os mesmos da análise feita por Perini. No entanto, Castilho não
4
O autor indica que as formas entre parênteses são pouco usuais no PB.
35
rompe com a tradição gramatical em criar uma nova classificação para os elementos da língua
(como faz Perini (2007)). O autor busca apenas, a partir dos termos da GT, descrever o
sistema da língua, levando em consideração as formas apresentadas pelos estudos linguísticos
mais recentes. Assim, destaca que os pronomes de 1ª e 2ª pessoas têm função dêitica,
enquanto os de 3ª são anafóricos. Faz uma ressalva, além disso, para os casos em que a
terceira pessoa se encontra presente na situação do discurso (“à vista”), tomando por base as
reflexões de Apolônio Díscolo (séc. I d. C./ 1987).
Feitas as explicitações iniciais sobre o assunto, Castilho (op. cit., p. 477) exibe um
quadro de pronomes pessoais no PB da atualidade, o que é exposto a seguir:
PESSOA
PB FORMAL
Sujeito
Complemento
PB INFORMAL
Sujeito
Complemento
1ª pessoa sg.
Eu
Me, mim, comigo
Eu, a gente
Eu, me, mim,
2ª pessoa sg.
Tu, você, o
senhor, a senhora
Te, ti, contigo,
Você, ocê, tu
Prep + eu, mim
Você/ ocê/ cê, te,
ti,
Prep + o senhor,
com a senhora
3ª pessoa sg.
Ele, ela
o/a, lhe, se, si,
consigo
Ele, ei, ela
Prep + você/ ocê
(= docê, cocê)
Ele, ela, lhe,
1ª pessoa pl.
Nós
Nos, conosco
A gente
Prep + ele, ela
A gente,
2ª pessoa pl.
Vós, os senhores,
as senhoras
Vos, convosco,
Vocês, ocês, cês
Prep + a gente
Vocês/ ocês/ cês,
3ª pessoa pl.
Eles, elas
Prep + os
senhores, as
senhoras
Os/as, lhes, se, si,
consigo
Prep + vocês/ ocês
Eles, eis, elas
Eles/ eis, elas,
Prep + eles/ eis,
elas
Quadro 4. Pronomes pessoais do PB falado e escrito na atualidade, segundo Castilho (2010, p. 477).
Como se pode notar, houve a tentativa de promover um quadro que abarcasse as
formas mais formais e mais informais efetivamente usadas no PB atual. Em se tratando das
formas concebidas para a terceira pessoa, Castilho (2014, p. 479) ressalta que
[...] (ii) ele preservou o nominativo e ganhou o acusativo, funcionando como
objeto direto (57b); (iii) o acusativo o tem os alomorfes lo e no, e está
desaparecendo, talvez por conta dessa riqueza toda, sendo substituído pela
forma única ele acusativo (57c); (iv) lhe mudou para li e ganhou o caso
acusativo (57d).
36
À parte da seção destinada ao estatuto dos pronomes no PB, no entanto, o autor expõe
algumas pesquisas feitas no âmbito da Sociolinguística para dar conta das estratégias de
representação do objeto direto (p. 300-304, no capítulo de “estrutura funcional da sentença”).
Abordam-se, então, as características que definem esse termo em sua categoria funcional,
inicialmente abrangendo as variantes que o retomam:
Complementando o que se disse anteriormente, o objeto direto tem as
seguintes propriedades:
1. É proporcional aos pronomes pessoais acusativos ele/o
(54) João pôs o livro na estante  João pôs ele/ o pôs na estante.
2. Na passiva correspondente, o objeto direto assume função de sujeito:
(54’) O livro foi posto por João na estante.
3. Pode ser preenchido por sintagma nominal de núcleo pronominal (55a) ou
nominal (55b), e por sentença substantiva objetiva direta (55c), colocando-se
habitualmente após o verbo:
(55)
a) Viu-me na rua5.
b) Viu o rapaz na rua.
c) Disse que viu o rapaz na rua.
4. O papel temático do objeto direto é /paciente/, como em (55a e 55b),
mesmo com verbos causativos:
(56) O passageiro desceu o pacote
5. O objeto direto pode ser omitido na sentença:
(55a’) Viu Ø na rua.
(CASTILHO, 2014, p. 300-301)
Tendo em vista as propriedades citadas acima, o autor parte para a seção de
preenchimento do objeto direto, na qual explora formas variantes que o representam, a partir
das pesquisas de Tarallo (1983), Duarte (1989) e Cyrino (1997). Ao tomar por base estudos
de Duarte (1989), Castilho apresenta, segundo a referida autora, as quatro estratégias de
preenchimento do objeto direto:
1. Clítico acusativo – apenas 4,9% das ocorrências, como em
(57)
a) Ele veio do Rio só para me ver.
b) Então eu fui ao aeroporto para buscá-lo.
2. Pronome ele (= pronome lexical, na terminologia da autora): 15,4% das
ocorrências:
5
Embora o autor tenha apresentado um exemplo de uso do clítico na primeira pessoa, a pesquisa
mencionada aborda o uso de clíticos de terceira pessoa apenas, ao qual se refere o percentual de 4,9%
de ocorrência.
37
(58) Eu amo meu pai e vou fazer ele feliz.
3. Sintagma nominal anafórico – 17,1% das ocorrências:
(59)
a) Ele vai ver a Dondinha e o pai da Dondinha manda a Dondinha
entrar, ele pega o facão...
b) No cinema a ação vai e volta. No teatro você não pode fazer isso.
4. Categoria vazia – 62,6% das ocorrências:
(60) O Senhozinho Malta está tentando o Zé das Medalhas a matar o Roque.
Mas ele é muito medroso. Quem já tentou matar Ø foi o empregado da
Porcina. Ontem ele quis matar Ø, a empregada é que salvou Ø.
(op. cit. p. 301-302)
Ainda segundo Duarte (1989), o autor expõe alguns condicionamentos linguísticos –
sintáticos e semânticos – e extralinguísticos que motivam o uso de uma ou outra variante.
Sobre os condicionamentos sintáticos, menciona diferenças entre estruturas simples e
complexas constatadas pela pesquisadora citada. Em casos de estruturas simples, a
possibilidade de elisão do objeto é maior, enquanto as estruturas complexas favorecem a
retenção do objeto. Seguem os exemplos fornecidos na gramática para tais estruturas,
respectivamente:
(61)
a) Conta essa história do seu avô de novo.
b) Você já contou pra ele?
(62)
a) Eu não tenho nada pra reclamar não. Eu acho ela sensacional.
b) Ontem ele foi ao cardiologista. Eu já deixei ele ir ao cardiologista
sozinho há muito tempo.
c) Eu queria ter uma irmã. Eu acho ter uma irmã tão bom!
(op. cit., p. 302)
No que se refere ao fator semântico, o autor explicita, com base nos resultados de
Duarte (1989), que o traço [-animado] favorece a elisão do objeto direto, enquanto os objetos
plenos, em sua maioria, apresentam o traço [animado]. Expõe-se, ainda, que, ao cruzar esses
fatores sintáticos e semânticos, o favorecimento à forma plena do objeto direto pelo traço
/animado/ se mostra, sobretudo, com o uso do pronome lexical, em especial nas estruturas
complexas. Em se tratando dos condicionamentos extralinguísticos, três fatores são
apontados:
(i) Os clíticos não aparecem entre os falantes jovens, e só começam a ser
utilizados à medida que eles progridem em sua formação escolar. Isso
mostra que o uso diferenciado dos clíticos é um caso de diglossia.
(ii) Por outro lado, a idade e a formação escolar não têm a menor
importância na emergência da categoria vazia, o que mostra que a elipse do
objeto direto está bem estabelecida na estrutura dessa variedade no PB.
38
(iii) Nas situações mais formais, evita-se o pronome lexical e cresce a
utilização dos sintagmas nominais, mas de qualquer forma o clítico não é
utilizado. Isso pode mostrar que essa classe bate em retirada, mas ainda
resiste na língua escrita.
(op. cit. p.302-303)
Desse modo, Castilho (2014) se vale ainda da abordagem da Gramática Tradicional no
sentido de não promover uma reformulação da definição da categoria pronome, nem,
tampouco, uma classificação nova para o grupo de elementos que essa categoria abarca.
Entretanto, busca descrever com mais detalhes as funções exercidas por esses elementos no
sistema da língua e, a partir de estudos linguísticos diversos, expor a situação atual de uso do
PB.
1.2.3 A gramática pedagógica de Bagno (2012)
Marcos Bagno (2012) rompe com a tradição em grande parte dos conteúdos da Língua
Portuguesa em sua obra, bem como na formulação desta de modo geral. O autor concorda
com a ineficiência de “substituir ou acompanhar um nome” para a identificação dos
pronomes, também abandonando a definição e a classificação dadas pela GT, assim como
Perini (2007). Entretanto, Bagno (2012) o faz de maneira diferente, apesar de citar o referido
autor.
Ao abordar “conceitos importantes para entender a gramática” (Bagno, p.431-493),
destina uma seção à conceituação de pronome, a qual já apresenta como título: “Pronome não
é classe, é função” (p. 462-466). Segundo o autor, “os pronomes não são uma classe de
palavras, mas uma função que palavras de diversas classes podem exercer – a função da
retomada anafórica” (p. 462). A partir desta compreensão, Bagno refere-se aos tradicionais
pronomes pessoais como índices de pessoa e, dentro desta proposta, a terceira pessoa do
discurso é tratada como não-pessoa, cabendo aos índices de pessoa apenas as 1ª e 2ª pessoas
do discurso. Para esse novo conceito e posicionamento, o autor afirma aderir às análises de
Émile Benveniste6 (1902-1976). No intuito de melhor compreender essa classificação, vale
destacar a argumentação exposta em sua gramática:
6
Linguista francês, do século XX que contribuiu com a teoria da enunciação para os estudos na área
do discurso.
39
Benveniste recorre à definição dos gramáticos árabes que chamam a 1ª
pessoa de “aquela que fala”, a 2ª de “aquela a quem me dirijo” e a 3ª de
“aquela que está ausente”, sem usar a numeração da gramática ocidental.
Essa noção de ausência é fundamental: uma ausência física ou uma ausência
do discurso.
Um dado importante que Hagège (1982:96) nos oferece é que apenas 24%
das línguas por ele analisadas (754 no total) apresentam forma própria para a
“3ª pessoa”. Os outros 76% recorrem a classificadores, anáforas,
demonstrativos – o latim não apresentava pronomes de “3ª pessoa”; as
línguas românicas, para criá-los, recorreram precisamente aos
demonstrativos latinos7 (BAGNO, 2012, p. 464).
Nesse sentido, Bagno (2012) esclarece o caráter de não-pessoa atribuído à tradicional
(e assim amplamente conhecida) terceira pessoa. Dessa forma, não confere o rótulo de
pronome à primeira e à segunda pessoas do discurso (índices de pessoa), relacionadas à
dinâmica da interação verbal, nos termos do autor, mas apenas à chamada não-pessoa (ÑP),
que “empreende a retomada anafórica, agindo em favor (pró-) do nome, economizando seu
uso, poupando-o de ser repetido” (p. 465).
Dentro dessa proposta, os pronomes podem assumir várias formas, a depender da sua
função sintática na sentença (proformas). A esse respeito, Bagno (2012, p. 796) fornece o
seguinte quadro de referência:
PRONOMES DA NÃO-PESSOA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Sujeito
Obj. direto
Obj. indireto
Reflex.
Compl. oblíquo
Sg.
Pl.
Sg.
Pl.
Sg.
Pl.
Sg./Pl.
Sg.
Pl.
ELE
ELES
ELE
ELES
A/ PARA
ELE
A/ PARA
ELES
SE
ELE
ELES
ELA
ELAS
ELA
ELAS
ELA
ELAS
A/ PARA
ELAS
SI
SI
LHES
(CONSIGO)
(CONSIGO)
SE
O
OS
A/ PARA
ELA
A
AS
LHE


LHE
Quadro 5. Pronomes da não-pessoa no Português brasileiro, conforme Bagno (2012, p. 796).
7
Bagno aponta a estratégia de indeterminação do sujeito com o uso do verbo na terceira pessoa do
singular, bastante usual no PB atual, além de gramaticalizações de verbos em substantivos como em
leva-e-traz e sabe-tudo, estruturas que, segundo o autor, reforçam ainda mais a impessoalidade da
terceira pessoa – portanto, “não-pessoa” (op. cit.).
40
Diante desse quadro, o linguista informa que a retomada anafórica de “não-pessoa” no
PB ocorre majoritariamente por meio de uma categoria vazia, do objeto nulo. Em seguida,
afirma que os clíticos o, a, os, as ocorrem “exclusivamente na atividade linguística dos
falantes urbanos mais letrados, esporadicamente na língua falada, mas principalmente na
escrita de gêneros textuais mais monitorados” (p. 797). A partir disso, o autor destaca que o
uso dos clíticos é “extremamente raro” no PB (p. 797), o que, em certa medida, corrobora
pesquisas já desenvolvidas sobre o tema, as quais revelam que os clíticos não fazem parte do
vernáculo brasileiro (cf. seção 1.3), sendo aprendidos por meio do letramento formal e/ou
acesso à leitura, o que também é exposto nessa gramática.
Acerca da não presença dos clíticos no vernáculo8 do Português do Brasil, o autor
destaca, em box exclamativo9, a pertinência e a necessidade do ensino desses elementos:
Precisamente por isso é que cabe à educação linguística o ensino sistemático
desses clíticos, como algo que é praticamente estrangeiro para os falantes do
PB contemporâneo. É importante chamar atenção para os gêneros textuais
em que eles ocorrem, mostrar aos alunos o mecanismo da retomada
anafórica, de modo que saibam recuperar, no texto, a informação
pronominalizada na forma de o, a, os, as [...] (BAGNO, 2012, p. 798).
Ainda assim, em relação ao trabalho com os gêneros, há, no mesmo box, uma ressalva
sobre o uso dos clíticos em gêneros que “reproduzem a vida urbana contemporânea”, com
exemplo de algumas histórias em quadrinhos. Afirma-se que seu uso em contextos como esse
(histórias em quadrinhos) é pouquíssimo adequado, à exceção de uma caricatura, de um
personagem pedante, nos termos do autor, o que é exemplificado com as expressões “vou
buscá-lo” e “eu o encontrei” em falas de crianças de livros infantis.
Em se tratando de fala de crianças brasileiras que ainda não tiveram acesso à escola ou
à leitura, o autor afirma que utilizam somente o objeto nulo e o pronome ele como forma de
retomada do objeto direto. De fato, o objeto nulo já aparece como a estratégia preferida pelos
brasileiros para essa função desse a fase infantil, quando ainda sem influência de instrução
formal. Nessa fase, porém, as crianças parecem não demonstrar uso significativo do pronome
nominativo ele, a julgar por alguns estudos em aquisição já realizados (cf. seção 1.3, com
8
Entende-se por vernáculo o estilo ou situação de comunicação em que o mínimo de atenção é dado
ao uso da língua, isto é, seu uso com o mínimo de monitoramento possível, conforme explica Labov
([1972] 2008).
9
Há diversos destaques feitos no decorrer da gramática de BAGNO por meio de boxes (caixas ou
adendos) enfatizados com um grande sinal de exclamação. Nestes, em geral, o autor faz apelos
didáticos que julga apropriados, haja vista o caráter pedagógico de sua obra.
41
resultados de Averbug, 2008). Foram verificadas outras formas de retomada do objeto direto
anafórico nessa etapa de uso do PB: DP pleno (17%); anáfora de complemento nulo (15%);
DP com nome apagado (9,5%); nome nu não contável (5%); nome nu contável no singular
(3,5%); e, só então, pronome nominativo (3%), nos resultados de Averbug (2008, p. 109). As
ocorrências do objeto nulo em seus dados, cabe citar, sobrepõem-se às demais estratégias,
com 40% de frequência10.
De modo geral, Bagno (2012) explicita como formas de retomada do objeto direto
anafórico as seguintes: o pronome nominativo, o pronome lhe acusativo, o clítico acusativo e
o objeto nulo, que ganha, inclusive, uma seção de destaque intitulada A vitória do objeto nulo,
na qual o autor mostra a queda do uso do clítico e o aumento do uso do objeto nulo no PB a
partir de pesquisas de Duarte (1989), Tarallo (1993) e Bagno (2000). Ressalta, ainda, que o
objeto nulo se mostra como uma estratégia de esquiva, valendo-se dos termos de Fernando
Tarallo, ao uso do ele, nominativo em função acusativa (que carrega certo estigma), e dos
clíticos, segundo o autor, considerado “certo demais” pelos falantes urbanos mais letrados, em
seus termos (op. cit., p 799).
Em vista disso, o autor destaca a aplicação da variante objeto nulo e seu
aproveitamento no ambiente do ensino:
Se assim é, podemos aproveitar esse fenômeno e sugerir aos nossos alunos
que aproveitem essa estratégia – o objeto nulo –, quando, quiserem dar a seu
texto mais leveza, mais ritmo, mais naturalidade. É um privilégio único,
exclusivo da nossa língua, perfeitamente intuitivo e espontâneo para nós –
não há então por que não se valer dele (BAGNO, 2012, p. 799).
Sobre a estratégia com o pronome lhe acusativo, há uma ressalva, ainda, para seus
contextos de uso: “única e exclusivamente na língua escrita, pois o lhe na língua falada só se
refere a você, nunca a ele/ ela” (p. 799); ressalva esta seguida de vários exemplos de uso do
lhe acusativo em textos escritos mais monitorados. Não há menção explícita à variante com
um SN anafórico, também significativa no PB e “estratégia de esquiva”, muitas vezes,
equiparada ao objeto nulo (cf. seção 1.3). Ainda assim, o tratamento dispensado aos pronomes
como elementos funcionais de retomada anafórica, sem restrição à forma, deixa em aberto
essa possibilidade.
10
A referida pesquisadora encontrou ainda outras estratégias menos utilizadas, quais sejam: nome nu
agramatical (2,9%); nome próprio (2%); oração (1,5%); pronome demonstrativo (0,3%); nome nu
contável no plural (0,3%) (AVERBUG, 2008, p.109).
42
Assim como na gramática tradicional de Rocha Lima (2012) e Cunha & Cintra (2001)
(seção 1.1.1), há a referência às estruturas com verbos causativos e sensitivos. Entretanto, na
gramática de Bagno, essa referência aponta para o uso, no PB, dos tais índices de pessoa e
não-pessoa (pronomes nominativos; retos, na tradição). Mais uma vez, entra em ação um box
com apelo didático sobre o tema em questão:
Como venho reiterando, a função da escola é ensinar o que os alunos não
sabem. Ninguém precisa ensinar um falante nativo de PB a dizer “deixa eu
entrar” ou “apanhei ele fumando” porque essas construções já estão
perfeitamente incorporadas à nossa língua. Já as construções clássicas, em
que o objeto direto do verbo causativo/sensitivo assume a forma de um
clítico acusativo (me, te, o, a, lhe, nos, os, as, lhes), não pertencem ao
vernáculo geral brasileiro, de modo que é necessário e importante ensinálas sistematicamente na escola para que os alunos se conscientizem da
existência delas e possam, se quiserem, empregá-las em gêneros textuais
falados ou escritos mais monitorados. Como sempre, a melhor maneira de
proceder a esse ensino é recolhendo as ocorrências de verbos
causativos/sensitivos no mais amplo espectro possível de gêneros textuais,
falados e escritos, monitorados e não monitorados, para que seja possível
fazer o trabalho de comparação e análise das construções variáveis que tais
verbos permitem. Isso, evidentemente, sem cair no prescritivismo tradicional
de condenar o que já é perfeitamente nosso e tentar impor como únicas
possíveis as regras da tradição normativa. O ensino de língua tem de
valorizar a multiplicidade de recursos que a língua oferece e não tentar
podá-la em nome de um conceito de correção anacrônico e autoritário
(BAGNO, 2012, p. 602) (grifos do autor).
O ensino sistemático de formas mais distantes do vernáculo é também um pressuposto
aqui adotado, o que se aborda com mais detalhes no capítulo de fundamentação teórica desta
pesquisa. No entanto, a ênfase em “ensinar o que os alunos não sabem”, apenas não
desvalorizando construções mais naturais ou instintivas, presentes no vernáculo do PB, pode
sugerir uma concepção de ensino um pouco redutora. Se “ensinar” a língua é trabalhar
reflexivamente seu sistema e os usos que lhe são permitidos, verificados e produtivos, o
conceito de ensino engloba também essas construções mais naturais, no sentido de fazer
refletir sobre como elas se comportam, em que contextos e que outras formas seriam possíveis
nesse percurso, tal como o próprio Bagno destaca no box citado anteriormente com referência
ao ensino do objeto nulo. E isto se pode fazer justamente da maneira explicitada na citação do
box acima: “recolhendo ocorrências de usos linguísticos no mais amplo espectro de gêneros
textuais, de diversos estilos e modalidades, para comparação e análise das construções
43
variáveis”. Assim, é cabível não “ensinar um falante nativo de PB a dizer deixa eu entrar ou
apanhei ele fumando”, mas ensinar estudantes da língua a pensar sobre essas estruturas para
não só dizê-las, mas também entendê-las e, aliado a isso, refletir, compreender e apropriar-se
de quantas construções mais lhes forem produtivas.
No capítulo seguinte, essa concepção de ensino e seus objetivos são mais bem
aclarados, segundo diversos autores tomados como referência (cf. produções de Faraco,
Vieira, Duarte, entre outros). Anteriormente, pois, apresentam-se os estudos científicos
(acerca do fenômeno linguístico aqui focalizado) que servem de ponto de partida para esta
pesquisa (seção 1.2.5), bem como serviram alguns para a abordagem de ensino dos autores
referenciados no próximo capítulo. Antes, ainda, na seção a seguir, apresento um quadrosíntese das abordagens tradicional e linguística, segundo as gramáticas aqui examinadas,
sobre o fenômeno da retomada do objeto direto anafórico de terceira pessoa.
1.2.4 Síntese do fenômeno da retomada do objeto direto de terceira pessoa em
gramáticas do PB, segundo a tradição gramatical e as descrições linguísticas
O quadro abaixo busca sintetizar mais objetivamente o tratamento dispensado ao
fenômeno da retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa no PB conforme as seis
gramáticas investigadas – as três primeiras referentes à tradição gramatical e as três últimas às
descrições linguísticas. Para cada uma delas, busquei evidenciar a definição da categoria de
pronomes considerada nas obras, a maneira como os autores classificam essa categoria, as
particularidades destacadas a respeito da terceira pessoa do discurso e, por fim, as estratégias
de retomada do objeto direto de terceira pessoas nelas autenticadas.
44
O OBJETO DIRETO ANAFÓRICO DE TERCEIRA PESSOA NO PB –
TRADIÇÃO GRAMATICAL E LINGUÍSTICA
ROCHA
LIMA
(2012
[1972])
T
R
A
D
I
Ç CUNHA &
CINTRA
Ã
(2001
O
[1985])
G
R
A
M
A
T
I
C
A
L
BECHARA
(2009
[1999])
Definição de pronome
Classificação dos
pronomes
Particularidades da
3ª pessoa
Estratégias de
retomada do OD
de 3ª p.
“Pronome é a palavra que
denota o ente ou a ele se
refere, considerando-o
apenas como pessoa do
discurso” (p. 156).
Classe gramatical
dividida entre os seis
grupos: pessoais,
demonstrativos, relativos,
possessivos, indefinidos e
interrogativos.
Pessoa de quem se
fala no discurso.
1. Pronomes
oblíquos átonos:
o, a, os, as.
Servem para: i)
representar um
substantivo (pronomessubstantivos); ii)
acompanhar um
substantivo
determinando-lhe a
extensão do significado
(pronomes adjetivos).
“Os pronomes
desempenham na oração
as funções equivalentes às
exercidas pelos elementos
nominais” (p. 275)
Servem para: i) representar
um substantivo (pronomessubstantivos); ii)
acompanhar um substantivo
determinando-lhe a extensão
do significado (pronomes
adjetivos).
“Pronome é a classe de
palavras categoremáticas
que reúne unidades em
número limitado e que se
refere a um significado
léxico pela situação ou
por outras palavras do
contexto” (p. 162)
Servem para: i) representar
um substantivo (pronomessubstantivos); ii)
acompanhar um substantivo
determinando-lhe a extensão
do significado (pronomes
adjetivos).
Os pronomes pessoais
variam de forma
i) quanto à função: sujeito
(forma reta), objeto
(formas oblíquas);
ii) quanto à acentuação
(formas oblíquas tônicas e
átonas).
Classe gramatical dividida
entre os seis grupos:
pessoais, demonstrativos,
relativos, possessivos,
indefinidos e
interrogativos.
Os pronomes pessoais
variam de forma
i) quanto à função: sujeito
(forma reta), objeto (formas
oblíquas);
ii) quanto à acentuação
(formas oblíquas tônicas e
átonas).
Classe gramatical dividida
entre os seis grupos:
pessoais, demonstrativos,
relativos, possessivos,
indefinidos e
interrogativos.
Os pronomes pessoais
variam de forma
i) quanto à função: sujeito
(forma reta), objeto (formas
oblíquas);
ii) quanto à acentuação
(formas oblíquas tônicas e
átonas).
Os pronomes na 3ª
pessoa podem
representar uma
forma nominal
anteriormente
expressa.
Pessoa de quem se
fala no discurso.
1. Pronomes
oblíquos átonos:
o, a, os, as.
Os pronomes na 3ª
pessoa podem
representar uma
forma nominal
anteriormente
expressa.
Pessoa de quem se
fala no discurso.
Os pronomes na 3ª
pessoa podem
representar uma
forma nominal
anteriormente
expressa.
1. Pronomes
oblíquos átonos:
o, a, os, as.
2. Pronome
nominativo
quando
precedido de
todos ou só
(todos eles / só
ele) ou se dotado
de acentuação
enfática (Olha
ele!).
45
PERINI
(2007
[1996])
D
E
S
C
R
I
Ç CASTILHO
(2014
Ã
[2010])
O
Os pronomes são uma
subclasse dos
substantivos, podendo
ocorrer, sozinhos, como
núcleo de um SN
(apenas os “pronomes
retos” da GT).
Não expõe uma definição
própria; segue a
abordagem da tradição
gramatical, buscando
evidenciar a variação no
sistema.
L
I
N
G
U
Í
S
T
I
C
A
Substantivos do tipo 1,
que carregam os traços:
[+CP, -Mod, -Pv], dos
substantivos em geral; e
[-T,SN, +NSN, -Int––, PN, -íssimo], da sua
classe em específico.
Não expõe uma
classificação própria;
segue a abordagem da
tradição gramatical,
buscando evidenciar a
variação no sistema.
1. Pronome
nominativo
Não possui
referentes na forma
oblíqua.
2. objeto nulo,
quanto do
antecedente
topicalizado
3. SN anafórico
Os pronomes de
3ª são anafóricos,
exceto em casos
em que a terceira
pessoa se
encontra presente
na situação do
discurso (“à
vista”)
(as três com base
na língua falada)
1. Clíticos
acusativos o, a,
os, as (em
contexto formal)
2. Pronome
nominativo (em
contexto
informal)
3. SN anafórico
(cf. Apolônio
Díscolo, séc. I d.
C., 1987)
4. Objeto nulo
(cf. Duarte,
1989)
Pronomes de nãopessoa
BAGNO
(2012)
Os pronomes não são uma
classe de palavras, mas
uma função que palavras
de diversas classes podem
exercer – a função da
retomada anafórica (p.
462).
Não há classificação para
os pronomes, pois são
elementos funcionais.
Servem para a estratégia
de retomada anafórica.
“Empreendem a
retomada anafórica,
agindo em favor
(pró-) do nome,
economizando seu
uso, poupando-o de
ser repetido” (p.
465).
1. Pronomes
nominativos:
ele(s); ela(s) (na
língua falada e
escrita)
2. Clíticos
acusativos: o, a,
os, as (uso
esporádico na
fala urbana mais
letrada, mas
principalmente
na escrita mais
monitorada)
3. Categoria  objeto nulo (na
língua falada e
escrita)
4. Lhe (apenas
na língua escrita)
Quadro 6. Objeto direto anafórico de terceira pessoa no Português do Brasil – tradição gramatical e descrições
linguísticas: quadro-síntese.
46
1.2.5 A abordagem em estudos científicos
Embora os clíticos sejam uma estratégia de referência para a retomada do objeto direto
nos materiais didáticos (conforme as GTs), diversos estudos já vêm demonstrando, o processo
de perda pelo qual vêm passando esses pronomes de terceira pessoa no Português do Brasil.
Esse processo favoreceu o emprego de outras variantes no preenchimento dessa posição. Em
especial, a categoria zero na posição de objeto direto, no PB, veio se destacando em contextos
de uso cada vez mais amplos, além do emprego do pronome tônico, de caso originalmente
nominativo, em função acusativa (cf. Tarallo (1983), Duarte (1986), Cyrino (1990, 1996),
Corrêa (1991), Nunes (1993, 1996), Averbug (1998, 2000, 2008), entre outros).
Na tentativa de relacionar o processo de perda dos clíticos à extensão do objeto nulo
no PB, Cyrino (1990, 1996, 1997) desenvolveu análises diacrônicas que permitiram
compreender a origem dessas mudanças no sistema do Português do Brasil. A autora mostrou
que o clítico acusativo de terceira pessoa foi o primeiro a cair11 e, nessa mudança, o clítico o
proposicional foi o primeiro a desaparecer. A referência a objetos sentenciais passou a
licenciar o objeto nulo, primeiramente, e, a partir daí, essa forma foi progressivamente
ganhando espaço em demais contextos. Averbug (2008) cita Cyrino (1997) ao retomar
claramente essa trajetória do objeto nulo no PB:
Cyrino (1997), ao investigar a mudança que teria afetado o estatuto do objeto
nulo no PB, propõe que a mudança diacrônica no século XIX foi possível
devido ao fato de a criança ter estendido a alternativa de elipse,
primeiramente para os objetos sentenciais, depois para os com antecedente [animado, - específico], depois para [- humano, + específico], depois para [+
humano, - específico] e, finalmente, para casos de objeto com antecedente [animado, + específico]. O objeto nulo passou a ser gradativamente
licenciado em outros contextos12 (cf. conceito de reanálises diacrônicas)
(AVERBUG, 2008, p. 115-116).
A autora citada verificou em sua amostra, ainda, o aparecimento do pronome tônico
referente a um objeto direto também no século XIX, especialmente com um antecedente [+
11
Cabe mencionar o estudo de Nunes (1993), que alia a queda do clítico acusativo de terceira pessoa a
um procedimento fonológico. A autora explica que as crianças a partir do século XIX adquiriram um
sistema com cliticização fonológica da esquerda para a direita e, portanto, não licenciavam o onset da
sílaba dos clíticos acusativos de terceira pessoa. Nas palavras da autora, o emprego desses elementos
no PB exige, pelo menos, “material fonológico que os preceda” (NUNES, 1996, p. 2015); daí o
exemplo de termos como comprá-lo, presentes no Português Brasileiro.
12
Pesquisas recentes vêm buscando evidenciar uma mudança na gramática do PB, por meio da
refixação do parâmetro do objeto direto anafórico nulo, como, entre outras, a de Averbug (2008), que
investiga a mudança desse parâmetro a partir da gramática de crianças brasileiras, em um estudo de
aquisição.
47
animado], contexto em que o objeto nulo ainda não era interpretado (Cyrino, 1990, 1997;
Duarte, 1986). Pesquisas posteriores vêm constatando a forte diminuição das restrições ao
objeto nulo no PB, variante que se consolidou como preferida pelos brasileiros (tanto na fala
quanto na escrita). Essas pesquisas demonstram, além disso, que o pronome lexical é uma
estratégia pouco frequente no PB, restrita a determinados contextos, dando lugar a outra
variante, a forma com o SN anafórico, segunda mais frequente no PB (tanto na fala quanto na
escrita)13. Tais ocorrências e fatores são mais bem descritos nas subseções seguintes.
1.2.5.1 O objeto direto anafórico de terceira pessoa na fala brasileira
A abordagem do objeto direto anafórico como fenômeno variável no PB em trabalhos
acadêmicos de cunho variacionista ocorreu pela primeira vez na dissertação de mestrado de
Omena (1979), na qual a autora investigou a fala de quatro estudantes da categoria de ensino
do antigo Mobral. Seus informantes, portanto, formavam um grupo de alunos em
alfabetização, cursando o que se denomina hoje como Ensino de Jovens e Adultos (EJA).
Nessa ocasião, Omena (1979) verificou a ausência total de clíticos para a representação do
acusativo anafórico. Segundo seus resultados, houve 76% de ocorrência de objetos nulos e
apenas 24% de pronomes lexicais em função acusativa. Seu estudo se pautou somente nessas
três estratégias mencionadas de retomada do objeto direto.
Esses resultados do trabalho de Omena (1979) já contribuíram para a compreensão de
que o objeto nulo se mostra como a estratégia preferida dos falantes brasileiros e o clítico
acusativo não se verifica na fala de indivíduos de pouca ou nenhuma escolaridade, fatos que
posteriormente vieram a ser mais detalhados, inclusive em trabalhos que investigaram a fala
de crianças em fase de aquisição do Português como língua materna (cf. Averbug 2005). O
trabalho de Omena (1979)
permitiu, ainda, observar alguns fatores linguísticos que
condicionavam o uso de uma ou outra estratégia: a) a animacidade do antecedente e b) a
presença da mesma função sintática de objeto direto na posição do antecedente configuraram
fatores que favoreceram o emprego da categoria zero; c) estruturas mais complexas, em que o
elemento acusativo exerce “dupla função” (sujeito de uma infinitiva, que funciona como
complemento de verbo causativo ou perceptivo, ou sujeito de uma minioração), favoreceram
13
Recentemente, Marco Antonio Martins e Jussara Abraçado organizaram o Mapeamento
sociolinguístico do português brasileiro (2015), que aborda, dentre outros, os estudos sobre variação
na função acusativa no PB (DUARTE e RAMOS, p. 173-198).
48
o uso do pronome lexical (OMENA, 1979 apud MARAFONI, 2010, p. 18-19). Esses fatores
serviram de base para as pesquisas posteriores, que descreveram ainda outros
condicionamentos.
A partir do trabalho pioneiro de Omena, novas pesquisas deram continuidade ao
estudo desse fenômeno. Duarte (1986), em sua dissertação de mestrado, registrou quatro
variantes possíveis como estratégias de retomada do objeto direto: o clítico acusativo, o
pronome lexical, o objeto nulo e o SN anafórico. Levando em consideração uma nova
estratégia (SN anafórico), a autora investigou a fala de informantes em diferentes níveis de
escolaridade e em diferentes faixas etárias. Sua análise constatou, de modo geral, o
predomínio de objetos nulos (62,6%), seguido das estratégias com o SN anafórico (17,1%) e o
pronome lexical (15,4%) respectivamente. Sobre esta última, a autora destacou a ocorrência
em decorrência do traço [+ animado] do antecedente. Corroborando as constatações anteriores
de Omena, o clítico acusativo apresentou um percentual baixíssimo de ocorrências (4,9%).
Em sua análise, tal ocorrência de clíticos foi verificada apenas em estruturas simples SVO por
informantes de alto grau de escolaridade. Mais especificamente, a autora demonstra que
construções com formas simples do indicativo (especialmente no presente e pretérito perfeito)
e com formas do infinitivo são os únicos contextos em que ainda se verificam clíticos
acusativos de terceira pessoa na modalidade oral do PB.
Aos fatores linguísticos condicionantes observados por Omena (1979), Duarte (1986)
acrescentou fatores extralinguísticos, quais sejam: a escolaridade e a faixa etária do
informante. A autora constatou que os falantes mais jovens não realizaram nenhuma
ocorrência de clíticos acusativos, ao passo que essa variante veio ascendendo conforme o
aumento do nível de escolaridade. No entanto, o emprego do SN anafórico superou o uso dos
clíticos inclusive nos graus mais altos de faixa etária e escolaridade. O objeto nulo, por sua
vez, manteve-se como a estratégia predominante em todos os níveis analisados. A autora
investigou, ainda, a avaliação dos falantes sobre o emprego dessas variantes, por meio de um
teste de percepção e produção a eles aplicado. Essa análise contribuiu para a compreensão do
forte estigma atribuído à variante pronome lexical, enquanto o objeto nulo não é notado pelos
informantes.
Corrêa (1991) e Averbug (1998, 2000) demonstraram que o clítico acusativo de
terceira pessoa de fato é aprendido por falantes brasileiros via escolarização. Tal estratégia
não faz parte da gramática interna do PB, conforme comprovam os estudos de Nunes (1993),
49
Duarte (1986), entre outros. Averbug (1998) investigou o desempenho linguístico de
estudantes cariocas no que tange ao uso ou não das variantes pronominais em questão. Para
tanto, valeu-se do corpus do Projeto Discurso e Gramática – UFRJ, realizando um estudo
com informantes distribuídos nos seguintes níveis de escolaridade: classe de alfabetização
infantil e adulta, 4ª série e 8ª série (atuais 5º e 9º ano do terceiro ciclo) e os últimos anos do
Ensino Médio e do Ensino superior. A estes informantes, a autora solicitou a produção de
registros do gênero “narrativa recontada”14. A partir disso, a autora verificou, tal como Corrêa
(1991), a atuação da escolaridade na produção oral desses estudantes (AVERBUG 2008, p.
16):
Clítico
Escolaridade
Pronome
SN
Objeto nulo
lexical
anafórico
TOTAL
Nº
%
Nº
%
Nº
%
Nº
%
Nº
%
–
–
5
17
14
48
10
35
29
100
1
3
10
26
10
26
18
45
39
100
4ª série
–
–
15
22
23
33
31
45
69
100
8ª série
–
–
12
17
21
30
37
53
70
100
Ensino
–
–
8
9
48
55
32
36
88
100
–
–
8
9
43
49
37
42
88
100
Médio
Ensino
Superior
Tabela 1. Uso do objeto direto anafórico de terceira pessoa na produção oral de estudantes do Rio de Janeiro
conforme o nível de escolaridade, representada de Averbug (1998 apud AVERBUG 2008, p. 16).
Nos resultados de Averbug (1998), o clítico acusativo não ocorre sequer nos dados do
ensino superior, o que sugere que a escola não consegue recuperar essa forma na fala desses
estudantes. O baixíssimo percentual de clíticos acusativos encontrados pela autora – que
corresponde a um único dado – refere-se, curiosamente, à fala de um adulto em processo de
alfabetização. Por outro lado, observa-se a queda gradativa da variante pronome lexical,
indicando a atuação da escola nesse sentido. Sendo esta a variante estigmatizada e o clítico
ausente na fala do PB, o objeto nulo e o SN anafórico se mantêm como as estratégias mais
utilizadas em todos os níveis de escolaridade.
O gênero “narrativa recontada” foi solicitado no intuito de averiguar as variantes utilizadas tanto na
modalidade oral quanto na escrita. Para esta seção, abordam-se apenas os dados referentes à
modalidade oral.
14
50
Marafoni (2004) analisou a realização do objeto direto anafórico em fala popular do
PB, utilizando amostra do Rio de Janeiro. Seus resultados confirmaram os estudos anteriores
de Duarte (1986) e Omena (1979), com a primazia da variante objeto nulo (67,3%) e um
percentual menor do que 1% para a variante pronome lexical (0,7%). Os fatores
condicionantes observados em sua pesquisa também ratificaram os fatores conferidos nas
pesquisas anteriores, como a influência da função sintática do antecedente (que, quando
equivalente, favorece o objeto nulo) e o traço semântico do antecedente ([- animado],
favorecedor do objeto nulo). No entanto, a autora constatou casos já significativos de objeto
nulo com antecedente [+animado], o que corrobora a extensão progressiva dos contextos em
que o objeto nulo é licenciado no PB (embora esta variante ainda ocorra com maior
frequência em estruturas com o antecedente [-animado]). Dentre outros fatores, a
topicalização do antecedente favoreceu fortemente o emprego do objeto nulo, ainda que não
seja um fator necessário ao uso dessa variante, já que esta se emprega no PB também quando
o antecedente não é topicalizado, como menciona a própria autora.
Em tese de doutorado, Averbug (2008) analisou o parâmetro do objeto nulo, estratégia
de maior ocorrência na fala brasileira, em período de aquisição no PB. Sua pesquisa abarcou
prioritariamente o contraste entre o objeto direto anafórico nulo vs. expresso, o que a levou a
investigar também outros fenômenos (como o objeto direto novo (não anafórico) e o sujeito
nulo vs. expresso). O que se mostra bastante relevante para a presente pesquisa é que, na
amostra utilizada pela autora, não se verificou nenhuma ocorrência de clíticos acusativos e
apenas 3% de ocorrências do pronome nominativo em função acusativa. Este baixo percentual
da variante pronome lexical foi averiguado com destaque pela autora na fala de uma criança
que apresentava um nível sociocultural mais baixo. A pesquisadora acompanhou
longitudinalmente a fala de três crianças brasileiras de diferentes níveis socioculturais e,
analisando a expressão linguística de cada criança, percebeu que os diferentes estímulos
linguísticos a que são expostas contribuem para diferenças relevantes na sua produção oral. A
criança exposta a um ambiente mais letrado, por sua vez, demonstrou o comportamento mais
diferenciado, com um baixo percentual de uso do pronome nominativo em função acusativa
em toda a sua trajetória de análise.
Acerca dos contextos favorecedores ao objeto nulo, destaca-se uma consideração
importante de sua tese. Após a análise dos dados, a autora concluiu que
é grande a atuação dos traços semânticos animacidade/especificidade,
em aquisição, previstos por Cyrino, Duarte & Kato (2000) quando se
51
trata de nulo anafórico. Essa estratégia é mais freqüente se o traço [animado] for associado ao [+ específico] e quando o antecedente é
proposicional, o que indica também continuidade. O não esperado é a
resistência da categoria vazia no contexto semântico oposto: [+
animado / - específico], apesar da hipótese da Cyrino assinalar esse
contexto como possível (57% no século XX). De fato, não há qualquer
restrição em relação à animacidade. O objeto nulo [- específico] pode
aparecer com antecedente animado ou inanimado (AVERBUG, 2008,
p. 198-199).
Em outras palavras, ao associar a animacidade à especificidade do antecedente, a
autora mostrou que de fato não há qualquer restrição ao objeto nulo por meio do primeiro
fator, como já havia indicado Marafoni (2004), ratificando ainda mais a expansão do uso
dessa variante no PB. Vale mencionar que a variante pronome lexical se mostrou fortemente
condicionada ao traço [+animado / +específico] do antecedente, também confirmando os
estudos anteriores.
Ao analisar a fala culta brasileira, Freire (2000) também corroborou as constatações
ora alcançadas sobre o progressivo desuso do clítico acusativo como forma de retomada do
objeto direto anafórico no PB. O autor, investigando a fala de de indivíduos de nível superior
completo, encontrou apenas 3% de ocorrência para essa variante. Dentre as demais
estratégias, o objeto nulo (59%) e o SN anafórico (34%) figuraram como as formas preferidas
pelos falantes cultos brasileiros.
Os estudos acima explicitados permitem uma correlação entre as falas culta e popular
no PB. A tabela abaixo indica a ocorrência de estratégias de retomada do objeto direto na fala
popular brasileira com base nos resultados de Duarte (1986) e Marafoni (2010):
Função acusativa
Clítico
Pronome
SN
Objeto nulo
Total
DUARTE (1986) – SP
4,9%
15,4%
17,1%
62,6%
100%
MARAFONI (2004) – RJ
0,7%
13%
19%
67,3%
100%
Tabela 2. Objeto direto anafórico na fala popular brasileira com base nos resultados de Duarte (1986) e
Marafoni (2010).
A tabela acima, ao comparar pesquisas do final do século XX e início do XXI,
demonstra certa queda temporal do clítico acusativo, enquanto o objeto nulo se mantém
predominante (de 62,6% a 67,3%), seguido da forma com o SN anafórico, segunda mais
52
frequente (com um leve aumento de 17,1% a 19%). O pronome lexical, por sua vez, sustentase em ocorrência moderada (com uma leve queda de 15,4% a 13%). Ao correlacionar esses
percentuais da fala popular com os da fala culta brasileira, notam-se semelhanças entre esses
dois contextos da modalidade oral brasileira.
A tabela abaixo indica a ocorrência de estratégias de retomada do objeto direto na fala
culta brasileira, segundo os resultados de Duarte (1986) e Freire (2000):
Função acusativa
Clítico
Pronome
SN
Objeto nulo
Total
DUARTE (1986) – SP
6,4%
9,8%
18,8%
65%
100%
FREIRE (2000) – RJ
3%
4%
34%
59%
100%
Tabela 3. Objeto direto anafórico na fala culta brasileira, segundo os resultados de Duarte (1986) e
Freire (2000).
Ao comparar as duas tabelas acima, nota-se que há um progressivo desaparecimento
do clítico acusativo, desta a investigação realizada em 1986 ao exame de amostras mais
recentes, tanto na fala popular quanto na fala culta – apenas 3% nos dados de Freire (2000).
Ao mesmo tempo, a forma com o objeto nulo se mantém como preferencial e o SN anafórico
como a segunda estratégia de maior ocorrência também em ambos os contextos de fala.
Destaca-se o fato de que o percentual de ocorrência do pronome lexical na fala culta é de
apenas 4%. Em se tratando de fala popular brasileira, esse índice aumenta, porém não tanto
(passa a 13%, tampouco configurando uma estratégia de preferência), o que contrasta com a
suposta impressão de alto emprego dessa forma na fala popular do PB.
Como aclara Duarte (2013), ocorre que a forma com o pronome nominativo, no PB, é
mais estigmatizada por ter maior saliência fônica, enquanto o objeto nulo serve como um
“escape” para o preenchimento da função acusativa sem a necessidade de uso do clítico.
Segundo a autora, os clíticos são variantes inerentes à gramática do Português Europeu, em
seus termos, mas não à do Brasileiro. Os brasileiros têm com estas, portanto, menor
familiaridade, sendo seu emprego aprendido via escolarização. A forma com o SN anafórico,
por sua vez, revela a tentativa de evitar repetições, substituindo o objeto por algum referente
nominativo, sem que se sofra, ainda, algum estigma. Por isso, também, ocorre o alto índice do
acusativo nulo no PB (não saliente, pouco perceptível). A forma com o pronome nominativo
apresenta baixo índice de uso tanto para PB quanto para PE: para o primeiro, é a forma mais
53
estigmatizada (por ser a mais saliente); para o segundo, simplesmente não faz parte da sua
gramática (e eles não precisam incorporar formas brasileiras via escolarização, haja vista o
histórico da língua), conforme aponta a referida autora.
1.2.5.2 O objeto direto anafórico de terceira pessoa na escrita brasileira
As pesquisas que abordam o fenômeno na escrita, em geral, demonstram percentual
maior de uso do clítico acusativo, que aumenta conforme ascende o nível de escolaridade do
autor, aliado a um percentual ainda mais baixo de uso do pronome nominativo em função
acusativa, confirmando o estigma atribuído a essa variante. A esse respeito, Averbug (2000),
em dissertação de mestrado, expõe a distribuição das variantes representativas do objeto
direto anafórico na escrita de estudantes brasileiros:
Gráfico 1. Percentual das variantes do objeto direto anafórico na escrita de estudantes brasileiros segundo
Averbug (2000); disponível em: http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno11-12.html
Como se pode observar, a primazia da variante objeto nulo se mantém, seguida, ainda,
da estratégia com o SN anafórico (tal como na modalidade oral). Ambas seguem
configurando o índice mais significativo, enquanto o emprego do pronome lexical e do clítico
acusativo continua a indicar as estratégias menos utilizadas. No entanto, em se tratando de
modalidade escrita, o uso do clítico acusativo aumenta consideravelmente, invertendo sua
posição com o pronome lexical, em menor índice de uso. Esta inversão fica ainda mais
evidente a partir do gráfico disponibilizado pela autora sobre a representação do objeto direto
conforme a escolaridade dos estudantes (AVERBUG, 2007, p. 99):
54
Gráfico 2. Percentual das variantes do objeto direto anafórico na escrita de estudantes brasileiros de acordo com
seu nível de escolaridade, segundo Averbug (2007).
Nota-se que, à medida que aumenta o uso dos clíticos acusativos, há uma queda brusca
no emprego dos pronomes lexicais, que chegam a desaparecer no Ensino Superior. Tanto a
influência em prol do uso de clíticos quanto o estigma do pronome lexical são reforçados pela
atuação escolar. Apenas no Ensino Superior, também, o clítico acusativo é evidenciado como
a estratégia mais utilizada (40%), ainda assim equiparada à variante SN anafórico (37%).
Freire (2005) investiga a ocorrência de clíticos acusativos na escrita culta brasileira e
lusitana. No que se refere ao PB, o autor analisou uma amostra de gêneros textuais escritos a
partir de textos extraídos do Jornal do Brasil, O Globo, gibis da Turma da Mônica e da
Disney. Seus resultados possibilitaram uma percepção bastante interessante sobre a
recuperação desses elementos por meio do fator escolaridade. Vejamos a tabela abaixo,
comparando os dados de Freire (2000) e Freire (2005):
Função acusativa
Clítico
Pronome
SN
Objeto nulo
Total
Fala culta – PB
3%
4%
34%
59%
100%
Escrita culta – PB
47%
8%
14%
31%
100%
Tabela 4. Clíticos acusativos na fala e escrita cultas no PB conforme resultados de Freire (2000, 2005).
Ao confrontar dados de fala e escrita culta brasileira, chama a atenção o fato de que o
aumento do uso dos clíticos (via escolarização) se dá apenas na modalidade escrita. Isto é, a
escola não recupera o emprego de clíticos na fala (como visto na seção anterior), o que deve
55
relacionar-se, provavelmente, i) ao enfoque dado comumente à escrita no ambiente escolar e
ii) à característica da escrita como um contexto de maior monitoração da língua. Os contextos
de fala em questão envolvem um uso menos monitorado da língua. A análise de Freire (2005)
evidencia o uso do clítico acusativo de terceira pessoa em um continuum de oralidadeletramento. Reproduz-se, abaixo, a tabela fornecida pelo autor:
Função acusativa
Clítico
Pronome
SN
Objeto nulo
Total
+ oralidade /
- letramento
15
22
20
46
103
+ oralidade /
+ letramento
70
10
24
57
161
- oralidade /
+ letramento
104
14
24
142
Tabela 5. Objeto direto anafórico no PB conforme continuum de oralidade-letramento, segundo Freire
(2005).
Como se pode notar, o número de ocorrências do pronome lexical diminui
drasticamente no extremo [+letramento] – que é constituído por eventos de comunicação
mediados pela língua escrita –, enquanto as ocorrências do clítico acusativo aumentam à
medida que esse extremo se aproxima. O aumento do uso do clítico acusativo é então
justificável, sendo a escrita tomada, comumente, como foco no ensino da língua portuguesa (o
que veremos com mais detalhe na análise desta pesquisa), além de apresentar maior grau de
monitoração.
A respeito da escrita culta do PB, ainda com base na amostra de Freire (2005), merece
destaque certa comparação com os resultados que o autor havia encontrado anteriormente
para a fala de informantes portugueses com nível superior completo. A tabela abaixo expõe os
resultados de Freire (2005) em paralelo aos resultados encontrados em sua dissertação de
mestrado (2000) para o PE.
Função acusativa
Clítico
Pronome
SN
Objeto nulo
Total
Escrita culta – PB
47%
8%
14%
31%
100%
Fala culta – PE
44%
25%
31%
100%
Tabela 6. Objeto direto anafórico na escrita culta brasileira e na fala culta lusitana, com base nos resultados de
Freire (2005) e Freire (2000) respectivamente.
56
Ao comparar os dados da tabela acima, chama a atenção o fato de que a frequência de
uso do clítico acusativo na escrita culta brasileira corresponde à sua ocorrência na fala
lusitana. Este fator corrobora a ideia de que o clítico está presente no processo de aquisição do
PE, mas não se verifica no do PB. Considerando que a escola exerce determinada pressão
sobre o indivíduo (aluno) e sendo a escrita uma modalidade mais conservadora, o clítico
acusativo se configura como a variante mais utilizada na escrita do letrado tanto no PE quanto
no PB, embora com diferença percentual significativa. Verifica-se na escrita do PB, ainda, o
objeto nulo como forma alternativa ao clítico (31%).
O clítico acusativo é recuperado pela escola em contextos determinados. O autor
aponta os contextos de tempo verbal simples como os únicos em que essa variante supera as
demais, principalmente com o infinitivo (como em mostrá-lo), contexto em que se pode
verificar o uso do clítico no extremo de [+oralidade] e em ponto intermediário, bem como
todo o continuum de oralidade-letramento. Há, portanto, um alto índice de uso do clítico lo e
variantes (dentro do contexto da ênclise em verbos simples do infinitivo), fato associado pelo
pesquisador à saliência fonética desse elemento. Ressalta, em sua análise, a hipótese de Nunes
(1993) sobre a influência da questão fonológica no comportamento do clítico acusativo no PB
(cf. seção 1.3, em nota). Dentre as formas verbais simples flexionadas e complexas marcadas
com o tempo, destacou-se o emprego do objeto nulo.
Além disso, Freire (2005) também aponta as construções com verbos causativos e
perceptivos como um fator de condicionamento relevante nesse sentido. O autor afirma que
chamam a atenção no PB as estruturas complexas construídas com os verbos
denominados causativos e perceptivos, cujo complemento é uma oração
infinitiva encetada por um “sujeito acusativo”. Segundo a tabela, há uma
competição entre o pronome lexical e o clítico na disputa pelo total de
ocorrências dessas estruturas, com vantagem para o primeiro. Investigando
essas mesmas estruturas a partir do contínuo de oralidade-letramento,
constata-se uma distribuição: enquanto o pronome lexical só aparece nos
eventos de comunicação que apresentam traço de oralidade, o clítico figura
apenas nos eventos que contêm traço de letramento (FREIRE, 2005, p. 133).
Ao considerar um corpus de redações escolares, Machado (2006) verificou que, de
modo geral, a estratégia com o clítico foi a mais utilizada para a retomada do objeto direto
pelos estudantes (37%). A autora analisou redações de alunos e alunas em três níveis de
escolaridade: 4ª série (atual 5º ano) do Ensino Fundamental, 8ª série (atual 9º ano) do Ensino
57
Fundamental e 3ª série do Ensino Médio. Além de o aumento da escolaridade favorecer o uso
dos clíticos, essa análise revelou diversos fatores relevantes para a pesquisa.
Um controle interessante adotado pela autora foi a divisão da variante SN anafórico
entre o uso de a) mesmo SN e b) SN sinônimo. Como o SN anafórico constitui uma forma de
evitar repetições – “escapando” do estigma do pronome lexical e do clítico pouco familiar ao
PB (cf. seção 1.3.1) –, é válido averiguar se os alunos utilizam essa forma apenas repetindo o
termo antecedente ou se de fato o substituem por outro SN de referência similar. A tabela
abaixo demonstra a ocorrência desses dois tipos de SN anafóricos no corpus de redações
utilizado por Machado (2006):
4ª série do E. F.
Mesmo SN
Ocorrência
Frequência
27/108
25%
SN sinônimo
Ocorrência
Frequência
1/108
1%
8ª série do E. F.
14/129
11%
8/129
6%
3ª série do E. M.
25/159
16%
14/159
9%
Tabela 7. Ocorrência de mesmo SN e SN sinônimo conforme o nível de escolaridade; adaptada de Machado
(2006, p. 70), com apenas os resultados da variante SN anafórico.
Como se pode observar, a substituição por um SN sinônimo feita pelos estudantes é
baixíssima nos três níveis de escolaridade, ainda que aumente levemente com o aumento do
grau de instrução. No primeiro, foi encontrada somente uma ocorrência dessa forma (1%), em
contraste com 27 ocorrências de mesmo SN (25%). Embora o uso deste tenha diminuído
conforme a elevação do nível de escolaridade (de 25% para 16%), o aumento do uso de SN
sinônimo, que de fato cumpre o propósito de evitar repetições, ainda é pouco produtivo (de
1% para 9% apenas).
Os textos investigados se dividiram entre redações narrativas e dissertativas. Nesse
âmbito, algumas constatações da autora merecem destaque. Para uma melhor visibilidade das
considerações feitas, segue a tabela de resultados quanto ao tipo textual disponibilizada por
Machado (2006, p. 73).
58
Tipo de
texto
Mesmo SN
SN
sinônimo
Pronome
lexical
Oco.
Freq.
Oco.
Freq.
Oco.
Freq.
Oco.
Freq.
Oco.
Freq.
Dissertativo 30/100
30%
8/100
8%
6/100
6%
41/100
41%
15/100
15%
36/296
12%
15/296
5%
72/296
24%
106/296
36%
67/296
23%
Narrativo
Clítico
Objeto
nulo
Tabela 8. Objeto direto anafórico em redações escolares conforme o gênero textual, segundo Machado
(2006, p. 73).
O tipo dissertativo demonstrou maior frequência de uso dos clíticos (41%) em
comparação com o narrativo (36%). Este prevê maior proximidade com o domínio da
modalidade oral, conforme aponta a autora. Nesse sentido, destaca-se também o maior uso de
pronome lexical nas redações desse gênero (24%), o que contrasta fortemente com o uso
dessa variante nas dissertações (6%, apenas), gênero em que é muito pouco produtiva.
Entretanto, de modo geral, o gênero narrativo foi muito mais produtivo para o surgimento das
ocorrências do objeto direto anafórico nos textos, no sentido de que as narrativas
desencadearam 296 dados das diferentes estratégias de retomada do objeto direto, enquanto as
dissertações possibilitaram 100 dados no total. Ressalta-se, porém, que não houve nenhum
direcionamento para a narração em primeira ou terceira pessoa ao solicitar as redações,
decisão que coube aos alunos.
Ao observar o progresso no uso dos clíticos acusativos, a autora percebeu, ainda, que o
gênero feminino se destacou nessa trajetória. No cruzamento entre os resultados dos grupos
de fatores escolaridade e gênero, as mulheres incorporam a variante com clítico de maneira
mais acentuada do que os homens – aquelas com 46 pontos percentuais e estes com 30 pontos
percentuais. Além disso, as mulheres, que na 4ª série apresentaram maior percentual de uso do
pronome lexical (48%), reduziram drasticamente o uso dessa variante (caiu para 3%),
enquanto os homens oscilaram entre 12%, 24% e 5%, na crescente dos três níveis
respectivamente. Em vista dessa instabilidade, a autora mencionou a necessidade de melhor
descrição do fator gênero em pesquisas futuras.
Em artigo publicado na Revista Virtual de Estudos da Linguagem (ReVEL.), Oliveira
(2007) fez considerações relevantes acerca das estratégias de retomada do objeto direto
anafórico de terceira pessoa também em redações escolares. Diferente de Machado (2006), o
59
estudo foi pautado em um corpus somente de séries iniciais – 1ª à 4ª séries do ensino
fundamental. Neste caso, o objeto nulo foi a estratégia mais produtiva nas quatro séries
investigadas, com 52% de ocorrências. Ao considerar apenas os dados dessa variante, a
ocorrência de retomada anafórica de antecedentes com traço [-animado], contexto ao qual se
mostrou fortemente condicionada, foi verificada em uma frequência de 69% do total de
objetos nulos. Isto confirma a colocação de Cyrino (1997) e Duarte (1986), entre outros, sobre
a influência do traço [-animado] favorável ao uso da categoria zero.
No entanto, a autora percebeu que o traço [+animado] do antecedente também foi
bastante significativo nos dados de objeto nulo, com 43% de frequência, confirmando o que já
apontavam Averbug (2000) e Marafoni (2004). Assim, nota-se que “as crianças expandiram
os contextos de uso do operador nulo, generalizando-o”, como concluiu a referida autora
(OLIVEIRA, 2007, p. 26); fato este que corrobora o pressuposto de que o objeto nulo é cada
vez mais licenciado no PB, reduzindo-se suas restrições e ampliando-se seus contextos de uso
(cf. Cyrino (1997), Duarte (1986) e outros estudos anteriores).
Além da animacidade do antecedente, a especificidade do termo também se configura
como fator de relevância. Nos dados da pesquisa em questão, o traço [-específico] do
antecedente também favoreceu o emprego do objeto nulo, enquanto as demais variantes
(expressas) se mostraram condicionadas ao traço [+específico]. Segundo a autora, esse
condicionamento, provavelmente, deve-se ao fato de que as crianças estabelecem uma
referência no mundo, especialmente, para aquilo que é animado ou concreto (OLIVEIRA,
2007, p. 26-27)15.
Sua análise demonstrou, também, a ocorrência do clítico acusativo de terceira pessoa
preferencialmente em locuções infinitivas, as quais privilegiavam o emprego da ênclise.
Embora não constitua foco desta pesquisa, vale mencionar que a não recuperação do
movimento do clítico pela escola foi identificada em seus resultados, já que o clítico
empregado em tempos verbais simples se mostrou, invariavelmente, proclítico ao verbo
principal; análise esta que corrobora os resultados de Freire (2005) e demais pesquisas
desenvolvidas nesse âmbito. Em geral, “os trabalhos com a escrita (cf. Averbug 2000 e Freire
2005), entre outros, mostram que é justamente nos tempos do indicativo e com a forma
15
Cabe retomar aqui a constatação de Averbug (2008) sobre a maior ocorrência de objetos nulos com
referência a antecedentes com traço [-animado / +específico] (enquanto objeto nulo [-específico]
aparece associado a antecedente animado ou inanimado) em sua pesquisa de aquisição (cf. seção
1.3.1), expressando a continuidade na ampliação dos contextos de uso do nulo anafórico.
60
infinitiva que a escola consegue recuperar o clítico na escrita” (MARAFONI, 2010, p. 113114).
Como se pôde notar, os estudos vêm revelando uma recuperação parcial do uso do
clítico por meio da escola. As demais estratégias, além dessa, demonstram produtividade seja
na fala, seja na escrita do PB, a depender dos contextos de uso em que se realizam –
linguísticos e extralinguísticos, conforme aqui detalhado.
1.2.5.3 O ensino do objeto direto anafórico de terceira pessoa
Como a correlação, no âmbito acadêmico, entre a teoria de pesquisas científicas e a
prática do ensino é algo ainda considerado recente, não há uma gama extensa de trabalhos que
tenham se dedicado especificamente a esse intuito. No entanto, a preocupação com o ensino
da língua já se mostrava de maneira a complementar alguns estudos desenvolvidos na área.
Na já referida tese de doutorado de Freire (2005), por exemplo, o autor dedicou um
capítulo a promover reflexões acerca do ensino de clíticos (no caso, acusativos e dativos de
terceira pessoa). O autor buscou evidenciar os meios pelos quais a escola tenta recuperar o
emprego dos clíticos haja vista o distanciamento entre esse uso e a gramática natural dos
alunos brasileiros. Na ocasião, investigou alguns dos livros didáticos até então aprovados pelo
MEC (tanto para o ensino fundamental quanto para o ensino médio), dos quais destacou o
tratamento neles dispensado ao ensino do objeto direto anafórico de terceira pessoa. Os livros
direcionam “correções”, segundo o autor, na tentativa adequar os alunos a uma determinada
“norma culta”, especialmente na busca por evitar totalmente o uso dos pronomes nominativos
em função acusativa, ressaltando apenas a variante com o clítico como “a forma correta”.
Em vista do que averiguou em tais livros em paralelo aos estudos anteriormente feitos,
que indicavam a influência da escolaridade sobre o uso das variantes do OD anafórico de
terceira pessoa, Freire (2005) ressaltou a pouca eficácia da escola na promoção do uso dos
clíticos e mostrou, por meio de alguns exemplos, que a aprendizagem dos alunos nesse
domínio não ocorre sem problemas. O autor evidenciou os chamados “usos irregulares dos
clíticos de terceira pessoa”:
(28) Felizmente, os frutos brotaram, mas os foram colhidos para uma
minoria […] (UFRJ, concurso de seleção 2001)
61
(29) O povo que cada vez mais ignorante, deixa-se levar por uma
mídia, que traz notícias manipuladas para o confortá-lo. (UFRJ,
concurso de seleção 2001)
(30) O futuro que o Brasil espera e sempre esperou não parece chegar,
pois fez pouco para merecer-o. (UFRJ, concurso de seleção 2001)
(FREIRE, 2005, p. 184).
Como se pode observar, trata-se de exemplos extraídos de redações vestibulares,
escritos por alunos já cursando o último ano de Ensino Médio. Isto é, o exercício da escola no
ensino da variante de prestígio não se completou de forma eficiente. Nesse sentido, Freire
(2005, p. 185) propõe que
o ensino de clíticos de terceira pessoa deveria basear-se não em meras
recomendações proibitivas ou em exercícios artificiais de substituição,
mas na percepção dos escritores brasileiros de hoje sobre esse fato
gramatical, obtida a partir da leitura de textos produzidos pela
imprensa, que remetem a situações reais e representam o que
efetivamente constitui a norma culta brasileira.
Com a formulação do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), novas
professoras pesquisadoras trouxeram à baila discussões diretamente inseridas no âmbito
escolar, de forma a desenvolver caminhos para o ensino de regras gramaticais variáveis no
PB, tal qual é o caso do fenômeno aqui em enfoque. Uma delas trabalhou justamente com a
questão do ensino das variantes do OD anafórico de terceira pessoa. Em sua dissertação de
mestrado, Xavier (2015) formulou uma sequência didática como proposta de intervenção para
o ensino das variantes do acusativo anafórico. A autora trabalhou com uma turma de nono ano
do Ensino Fundamental de uma das primeiras escolas estaduais a serem fundadas no distrito
de Lagoa Salgada/RN. A turma abarca 19 alunos matriculados, dos quais somente 16
participaram da proposta feita pela pesquisadora (9 do sexo feminino e 7 do masculino).
Primeiramente, a autora sugeriu a feitura de duas produções escritas. A primeira, mais
formal, consistia em narrar a história de um filme por eles assistido em sala de aula
(“Narradores de Javé”); a segunda, mais espontânea, consistia em um relato de vivência
pessoal por parte dos alunos, narrando sobre uma experiência de risco de vida deles ou de
alguém a eles próximo. Na análise das produções escritas, dentre as variantes do acusativo
anafórico de terceira pessoa, foram encontrados: para o relato sobre o filme, a mais elevada
ocorrência de 57% de sintagmas nominais, seguida de 37% de objetos nulos e apenas 7% de
pronomes nominativos, enquanto o clítico apareceu no mais baixo percentual de 5%; para o
62
relato pessoal, o objeto nulo atingiu o maior percentual de 56%, invertendo sua posição com o
SN anafórico, que caiu para 25%, enquanto a ocorrência de nominativos subiu para 16% e a
novamente mais baixa ocorrência de clíticos caiu ainda para 3% dos usos verificados.
Xavier (2015, p. 62) relata que houve uma única ocorrência do clítico acusativo dentre
os relatos pessoais, a qual sinalizava um referente [+ animado] e mais próximo do objeto
anafórico:
(31) Num certo dia, ainda nesse ano a policia envadio a casa da [minha tia]i.
Ela foi durmir na casa de outra tia minha, então eu e meus pais e a filha da
minha tia, íamos lá visita-lai de madrugada.
Aluno E, 16 anos, feminino.
Na análise dos resultados da primeira produção escrita – relato sobre um filme, estilo
mais formal –, a autora observa que o uso dos clíticos se deu de forma a contemplar um
domínio estrutural sobre essa variante, com a colocação adequada dos pronomes o, a, os, as, e
a contração também adequada de suas variantes para verbos terminados em r e m (-lo, -la, los, -las, -no, -na, -nos, -nas), embora nos pouquíssimos casos encontrados (apenas quatro).
Nesse sentido, Xavier (2015, p. 56) aponta que
das quatro ocorrências com o pronome clítico, três delas tinham referentes
[+animados] e nos quatro casos, os referentes estavam estruturalmente
próximos, o que sugere que na hora de retomar um referente próximo, a
opção pelo clítico acusativo seja a mais viável. Já quando o referente se
encontra mais distante textualmente, supõe-se que os alunos optem pela
retomada pelo sintagma nominal a fim de não gerar ambiguidade e também
para relembrar com mais nitidez o referente.
A análise dos resultados das produções solicitadas permitiu um diagnóstico da
situação de conhecimento e prática da turma na direção do uso das variantes do acusativo
anafórico de terceira pessoa. A partir disso, foram feitos os próximos passos na sequência da
proposta didática. A autora trabalhou “reflexões iniciais”, em seus termos, sobre o conceito de
gramática e o objeto direto anafórico, e, em seguida, introduziu o assunto mais
especificamente em aulas expositivas, nas quais buscou apresentar (i) a noção de predicação
para a tradição gramatical e a tradição linguística, (ii) a noção de objeto direto para cada uma
delas e (iii) as formas variadas para a retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa.
Após essas aulas, a pesquisadora promoveu, junto à turma, a transcrição de uma gravação de
fala dos próprios alunos, feita anteriormente por ela em sua própria sala de aula, e,
posteriormente, trabalhou com diferentes textos escritos em aula, de modo a abranger as mais
variadas ocorrências do acusativo anafórico nas mais diversas situações de comunicação.
63
Feito isso, mostrou aos alunos todo o diagnóstico alcançado no intuito de fazê-los
refletir ativamente sobre as variantes verificadas e sua produtividade em determinados
contextos de uso. Por fim, solicitou uma produção escrita da turma, esta vez em conjunto:
uma narrativa ficcional, a fim de averiguar se houve de fato alguma mudança no
comportamento da turma com relação às variantes do objeto direto anafórico. Os resultados
dessa última produção escrita revelaram um aumento fortemente significativo no uso dos
clíticos acusativos, os quais foram constatados como a estratégias mais utilizada, com 45% de
ocorrência, porém ainda equiparada ao percentual de 42% de sintagmas nominais anafóricos.
O objeto nulo atingiu 10% do total de acusativos, enquanto o pronome nominativo se
verificou em apenas 3% dos dados.
Entretanto, assim como Freire (2005), Xavier (2015) também encontrou dados em que
o uso dos clíticos se deu de maneira irregular, o que evidencia a dificuldade dos alunos no
aprendizado dessa variante. No último trabalho referido, foram observados casos em que o
elemento acusativo era usado em lugar do dativo, como em “O pai e a mãe de Dhin, Mary e
John, o repetiram as mesmas frases (Aluno A 16 anos, feminino)” (XAVIER, 2015, p. 105).
Em outros, ainda, alguns alunos fora da faixa etária estipulada para tal série, que já possuíam
maiores dificuldades com a escrita, revelaram usos de um suposto clítico em lugar de outras
classes de palavras, como em “Era uma vez um hipopótamo chegaram-na casa dele porque o
hipopótamo teve de volta para-la na cidade (...) (Aluno D, 18 anos, masculino)” (op. cit.,
2015, p. 105).
Dessa forma, é possível perceber o quão distante é o uso dos clíticos para os alunos
brasileiros. Não obstante essa distância, os estudos revelam que essa variante não só é
prestigiada pela tradição gramatical, mas se verifica, ainda, em contextos de escrita mais
monitorada no Português do Brasil. Assim, o ensino dos clíticos segue inserido no rol de
objetivos do ensino de Português, embora não de modo estanque e fechado em comparação
com as outras variantes (cf. os diversos estudos citados anteriormente), mas como uma
variante a mais disponível no sistema da língua para a retomada anafórica do acusativo de
terceira pessoa. O conhecimento dessa variante amplia, portanto, o repertório linguístico dos
estudantes, para além do reconhecimento e compreensão sobre as variantes a eles mais
familiares.
64
A esse respeito, os resultados dos trabalhos científicos ora abordados conduzem a um
diálogo com a proposta de Kato (2005), que trata a aprendizagem da escrita, contexto em que
mais se verifica o uso do clítico acusativo, como um processo de aquisição em segunda língua
(L2), tendo em vista que o clítico não faz parte da gramática natural dos brasileiros. Para
melhor compreender essa questão, vale esclarecer que a referida autora tem como
embasamento a Teoria de Princípios e Parâmetros desenvolvida no programa gerativista de
Chomsky (1957, 1965, 1981), a qual, embora não seja tomada como aporte teórico desta
pesquisa, merece um parêntese que permita elucidar o estatuto do clítico acusativo em
comparação com as demais variantes aqui em estudo.
Segundo a teoria mencionada, os princípios são leis válidas para todas as línguas
naturais, enquanto os parâmetros são as propriedades que uma determinada língua pode ou
não exibir, definindo, assim, as diferenças entre as línguas. Desse modo,
existe um princípio que enuncia que todas as sentenças finitas têm sujeito (o
Princípio da Projeção Estendida, abreviado como EPP). Associado ao EPP
existe o parâmetro do sujeito nulo (...). Para certas línguas, como o inglês,
este sujeito tem que ser pronunciado sempre; para outras, como o português,
nem sempre o sujeito é pronunciado. O inglês apresenta o valor negativo; o
português o valor positivo (MIOTO, SILVA & LOPES, 2013, p. 22).
Em se tratando do preenchimento do objeto direto anafórico, por exemplo, apenas
algumas línguas possibilitam a forma com o objeto nulo em sua representação. É o caso do
Português, em que João quis um carroᵢ e conseguiu comprar Øᵢ seria uma sentença possível.
Já para o Espanhol, a oração exigiria a presença plena de um objeto: Juan quizo un cocheᵢ y
logró comprarloᵢ / Juan quizo un cocheᵢ y loᵢ logró comprar. Isso significa dizer que o
Português do Brasil atende positivamente ao parâmetro do objeto nulo, enquanto o Espanhol
concebe negativamente este parâmetro. Ao observar os parâmetros ainda sem valores fixados,
os princípios da língua configuram o que Chomsky (1981) denomina Gramática Universal
(GU). À medida que os parâmetros das línguas vão se fixando como positivos ou negativos,
constroem-se as gramáticas das línguas, a Gramática Nuclear, segundo o referido autor.
Nesse processo, entretanto, conforme os sujeitos iniciam e dão continuidade a seu
desenvolvimento em sociedade, cada indivíduo recebe um determinado input linguístico, seja
por meio do contato com a experiência de pais letrados, seja por certas condições prévias de
leitura em seu ambiente de origem ou até mesmo escolar. Esse input particular pode envolver
fenômenos de empréstimos e resquícios de mudança, originando o que Kato (2005) designa
como a periferia marcada individual. Aliando-se a gramática nuclear aos traços da periferia
65
marcada, configura-se a língua interna do indivíduo, a Língua-I (CHOMSKY, 1981; KATO,
2005), a qual se refere à gramática interna dos sujeitos, à sua gramática natural, como nos
referimos até aqui.
Por essa perspectiva, a seleção de uso do clítico em determinado contexto de caráter
escrito ([+ formal, + monitorado]), por parte dos estudantes brasileiros, implica não
simplesmente uma estratégia de adequação linguística ao referido contexto, mas sim o alcance
de uma mudança de gramática que viabilize seu emprego, conforme sugere Duarte (2013,
2015) ao buscar distinguir as concepções de adequação linguística e mudança de gramática.
Apesar de não competir à presente pesquisa uma discussão específica sobre as
diferenças entre essas gramáticas, o breve esclarecimento sobre tais temas permite
compreender que, de fato, o clítico acusativo não se mostra como uma variante (ao lado de
ele, zero, SN) naturalmente presente na gramática interna de todos os falantes brasileiros.
Nesse sentido, é bem verdade que o acesso à variante clítico acusativo não se realiza do
mesmo modo que os alunos brasileiros, em geral, acionam as demais variantes, a eles já
familiares, presentes em sua gramática interna. No entanto, no último ano do Ensino
Fundamental, já se espera que os estudantes compreendam o uso dos clíticos acusativos, uma
vez que, nesse estágio, já dispuseram de contato com essa variante, mesmo que apenas por
meio da influência escolar.
Em outras palavras, por mais que os alunos não tenham sofrido a influência do contato
com o clítico acusativo a partir da chamada periferia marcada, a escola se encarrega de
promover esse contato desde os primeiros anos escolares, por meio das histórias infantis, por
exemplo, e, bastante produtivamente, a partir do sexto ano do Ensino Fundamental (como os
próprios materiais didáticos analisados nesta dissertação poderão comprovar, mais adiante).
Assim, considera-se pertinente o reconhecimento e uso, caso estimado, dessa variante no nível
de escolaridade em que se encontram os estudantes envolvidos nesta pesquisa, ainda que seja
considerada uma forma díspar das demais variantes, distante da sua língua interna, sua
gramática natural.
66
CAPÍTULO 2
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para apresentar o aporte teórico de que se vale a presente investigação - para além dos
pressupostos a respeito da expressão do objeto direto já detalhados na revisão da literatura –,
segmenta-se este capítulo em três seções. Na primeira, apresentam-se as bases teóricometodológicas que fundamentam o tratamento da regra variável de preenchimento do objeto
direto, a Sociolinguística Variacionista (Seção 2.1); na segunda, mencionam-se as
contribuições da Sociolinguística para o ensino, reconhecendo a subárea denominada
Sociolinguística Educacional (Seção 2.2); e na Seção 2.3, expõem-se os pontos de partida que
fundamentam as ponderações e reflexões que serão feitas em relação especificamente ao
ensino de Português como língua materna.
2.1 A Sociolinguística Variacionista
No intuito de estudar dados da Língua Portuguesa considerando seu uso em interações
comunicativas diversas, parte-se, aqui, do quadro teórico-metodológico da Sociolinguística
Variacionista ou Teoria da Variação e Mudança, postulada por Weinreich, Labov e Herzog
([1968] 2006) – doravante WLH. Esse aporte compreende a língua produzida em seu contexto
social e, assim, busca descrever a variação e a mudança linguísticas. Os sociolinguistas
observam prioritariamente os usos da língua nas produções espontâneas de determinadas
comunidades de fala, analisando, na medida do possível, o que se percebe como a expressão
vernacular falante – a expressão espontânea da língua em situação de mínimo monitoramento
(LABOV, [1972] 2008).
A abordagem sociolinguística, portanto, exige um estudo da língua de modo a
envolver o comportamento social, a saber, “quem fala, quando se fala, onde, para quê e com
quem se fala”. Nesse sentido, seus fundamentos se aplicam a dados de natureza diversa, orais
ou escritos, verificados em determinada sincronia, em diferentes sincronias ou mesmo
diacronicamente. A partir do levantamento de dados linguísticos, alcança-se uma análise
quantitativa dos usos verificados, o que viabiliza a descrição da língua nos limites de cada
investigação.
67
A língua é uma forma de comportamento social [...]. Crianças mantidas em
isolamento não usam a língua; ela é usada por seres humanos num contexto
social, comunicando suas necessidades, ideias e emoções uns aos outros
(LABOV, 2008 [1972], p. 215).
Dessa forma, a base da Sociolinguística Variacionista permite compreender as
motivações que implicam a variação linguística e as consequentes (porém não obrigatórias)
mudanças da língua. Tais motivações podem ser de ordem linguística ou extralinguística
(provocadas pelo componente de natureza social em alguma medida). Assim, o processo de
variação e mudança é descrito com base em fatores que recebem diversificadas representações
sociais (idade, sexo, classe social, nível de escolaridade) e em fatores linguísticos
(motivadores internos da língua). Pode-se, com isso, descrever as motivações que conduziram
a um ou outro uso linguístico, uma ou outra variante linguística.
Em vista dessas apreciações, entende-se que a língua não é homogênea, mas sofre
variações, que podem ou não acarretar mudanças linguísticas. A Sociolinguística, por seu
papel, busca sistematizar as variações que ocorrem no uso da língua, compreendendo a
regularidade que se verifica nesse processo. Nota-se, assim, que a heterogeneidade linguística
é pautada em regras, as quais não são fixas, mas variáveis. A esse respeito, WLH ([1968]
2006) defendem o princípio da heterogeneidade ordenada, a partir do qual se compreende a
natureza variável da língua – não homogênea –, isto é, entende-se a variação como inerente ao
próprio sistema linguístico. Entretanto, essa variação se dá de forma ordenada, o que promove
a noção de regras variáveis, postulado que permite à Sociolinguística estudar e sistematizar a
variação linguística. A regularidade da variação, portanto, é sistematizada por um conjunto de
regras variáveis, e não categóricas. Labov ([1972] 2008), por sua vez, explora o sistema de
regras variáveis em que se manifesta a língua, tendo em vista que toda variação é
condicionada.
É comum que uma língua tenha diversas maneiras alternativas de dizer “a
mesma” coisa. Algumas palavras como “carro” e “automóvel” parecem ter
os mesmos referentes; outras têm duas pronúncias, como cantando e
cantano. Existem opções sintáticas como Uma pessoa que eu confio muito
vs. Uma pessoa em quem eu confio muito ou É fácil para ele falar vs. Para
ele falar é fácil (LABOV, 2008 [1972], p. 221).
Observa-se, logo, que as formas linguísticas alternantes, denominadas variantes
linguísticas, podem ocorrer em qualquer nível gramatical. No que concerne à pesquisa aqui
68
realizada, o fenômeno gramatical em abordagem se insere no nível morfossintático do sistema
da língua (mais especificamente o uso de pronomes em função acusativa anafórica de terceira
pessoa no Português brasileiro), e, na promoção de uma análise variacionista do tema,
compreendem-se fatores condicionantes estruturais (linguísticos) e sociais (extralinguísticos).
Considera-se, para tanto, que a variação é inerente a cada língua e que, ainda, toda variação é
condicionada (LABOV, [1972], 2008). Como se pode perceber, a língua é heterogênea (varia)
e viva (modifica-se). Nesse sentido, toda mudança linguística pressupõe variação, embora
nem toda variação acarrete necessariamente uma mudança na língua (LABOV, [1972] 2008).
No intuito de compreender os mecanismos da mudança linguística, WLH ([1968]
2006) propõem cinco princípios empíricos que norteiam seus estudos:
a) a transição, que consiste no período de mudança de um estado da língua para o outro, em
que o falante alterna entre o uso de uma forma e outra, até que uma forma alternativa se
consolide em detrimento da outra;
b) as restrições, possíveis condicionamentos e a ausência de restrições linguísticas e
extralinguísticas que propiciam condições para que ocorra uma mudança;
c) o encaixamento linguístico, que demonstra o fato de que os fenômenos em mudança se
correlacionam de algum modo, o que possibilita a consideração de que uma mudança conduz
à outra;
d) a implementação, que incide sobre como e quando um fenômeno variável passa a ser parte
da estrutura sociolinguística de uma comunidade, constituindo uma mudança implementada;
e) a avaliação, que está relacionada à percepção ou avaliação dos membros de determinada
comunidade sobre o fenômeno variável, avaliação esta que pode afetar o processo de
mudança.
No que se refere à presente pesquisa, seu foco recai não sobre o processo de mudança
linguística em si, mas sobre a realidade linguística atual do fenômeno gramatical variável em
questão e seu reflexo no ensino de Português. Desse modo, dentre os cinco princípios
elencados pelos autores, dois deles serão perseguidos neste estudo, visto que constituem
fatores de maior relevância para os objetivos aqui traçados: o princípio das restrições e o
princípio da avaliação – embora todos se mostrem altamente inter-relacionados na
concretização e estudo do sistema linguístico.
69
Ao analisar o uso do objeto direto anafórico de terceira pessoa na escrita de estudantes
brasileiros, alguns fatores linguísticos e extralinguísticos serão interpretados como favoráveis
ou restritivos ao emprego de uma ou outra forma para a referência anafórica em questão; daí a
importância de abranger as restrições em um estudo que busque compreender este fenômeno
linguístico, tal como realizado em pesquisas anteriores sobre seu comportamento variável no
PB (sintetizadas no Capítulo 1 desta dissertação). A avaliação, por sua vez, se mostra
especialmente relevante, uma vez que serão averiguados o reconhecimento e a aceitabilidade
de determinadas formas pronominais no âmbito do ensino. A percepção dos professores
exerce forte influência sobre esse processo, seja sua apreciação mais subjetiva como falante
do Português, seja sua avaliação efetivamente explícita no exercício da profissão; ambas
incidindo sobre sua escolha por determinadas formas como aceitas ou não e em que contextos
o são.
Ainda acerca da avaliação dos falantes sobre as variáveis linguísticas, Labov (2008
[1972], p. 290) ressalta que
as variáveis mais próximas da estrutura superficial frequentemente são foco
da avaliação social. De fato, valores sociais são atribuídos a regras
linguísticas somente quando há variação. Os falantes não aceitam de
imediato o fato de que duas expressões diferentes realmente “têm o mesmo
significado” e existe uma forte tendência a atribuir diferentes significados a
elas. Se dado grupo de falantes usa uma variante particular, então os valores
sociais atribuídos a esse grupo serão transferidos a essa variante linguística.
Os valores atribuídos aos grupos sociais, portanto, recaem sobre as variantes
linguísticas por eles utilizadas. Isto leva a crer que os preconceitos existentes na sociedade,
por consequência, podem contribuir para certo preconceito linguístico. Nesse sentido, dentre
outras motivações, determinadas variantes são estigmatizadas, colaborando para a construção
de estereótipos sociais. Labov (2008 [1972], p. 360) explica que os estereótipos são uma das
categorias que influenciam o processo de mudança da língua. Tais categorias se compõem
conforme a avaliação social que os elementos linguísticos recebem, de forma que podem ser:
a) indicadores, com traços linguísticos que diferem quanto à estratificação social dos falantes
(idade e grupo social), sem que sejam perceptíveis à avaliação, tendo em vista que não
costumam chegar ao plano da consciência;
70
b) marcadores, que, não apenas diferenciados em grupos sociais, variam quanto à questão
estilística no uso da língua, mesmo que sua escolha nem sempre se dê de forma consciente
para os falantes (mas de modo subjetivo);
c) estereótipos, formas rotuladas pela sociedade de maneira enfática, de modo que algumas se
tornem fortemente estigmatizadas, as quais, ainda assim, podem persistir e resistir no sistema
linguístico.
Dentro desta última categoria, Labov (2008 [1972], p. 287) afirma que
esses estereótipos sociais oferecem uma visão fragmentada e assistemática
da estrutura linguística, para dizer o mínimo. Em geral, podemos afirmar que
a correção social explícita da fala é extremamente irregular, concentrando-se
nos itens lexicais mais frequentes, enquanto o verdadeiro curso da evolução
linguística, que produziu a forma marcada dessas variáveis, é altamente
sistemático.
O autor esclarece que até mesmo no uso de variantes consideradas estigmatizadas há
uma regularidade sistemática. Não há nenhuma ausência de sentido no emprego dessas
formas, que sequer é aleatório. O fator avaliativo da variação linguística, portanto, faz-se
altamente relevante para o contexto educacional, em que se pressupõe a legitimação ou não de
variantes e a reflexão sobre estas no processo de ensino-aprendizagem da língua. Nota-se,
com isso, a relevância da interação entre a teoria sociolinguística e o escopo do ensino;
interação esta explorada pela chamada Sociolinguística Educacional, descrita na seção que se
segue.
2.2 A Sociolinguística Educacional
Ao tomar como campo de estudo o contexto educacional, é importante ter em vista
que o aluno, na escola, já apresenta saberes sobre sua língua que permitem uma comunicação
regular em sociedade, conforme afirma Cyranka (2008). O ensino da língua materna não tem
por papel, pois, anular tais saberes em função de assentar outros. No entanto, é notória a
dificuldade em aproximar o ambiente escolar e a conduta dos professores ao universo
linguístico trazido pelos alunos, e é justamente nesse intuito que se centra o aporte da
Sociolinguística Educacional, formulada por Bortoni-Ricardo (2004; 2005).
71
A Sociolinguística Educacional promove uma correlação entre os estudos da
Sociolinguística Variacionista, suporte teórico-metodológico de que se vale esta pesquisa, e o
contexto escolar, em favor de uma aproximação produtiva entre a descrição de estudos
sociolinguísticos e o âmbito do ensino da língua materna. Tendo em vista a dificuldade de
aproximação entre o amplo espectro da variação e o âmbito do ensino da língua, o domínio
escolar acaba por impor o uso de formas consideradas padrão que, muitas vezes, estão
distantes do cotidiano dos alunos (e até mesmo dos professores). Essas formas fazem parte de
certo modelo de norma padrão cunhada no século XIX, que serviu de base à formulação da
norma gramatical verificada nos compêndios gramaticais, dos quais se valem, em geral, os
materiais didáticos muito utilizados em sala de aula; norma esta relacionada ao contexto
social e político ainda vigente no século XXI – domínio da elite brasileira em detrimento das
demais camadas sociais e seus usos linguísticos.
Aliado a esta questão, o prestígio associado a determinado português-padrão sucede,
ainda, de uma herança colonial, como aponta Bortoni-Ricardo (2004), e dispõe de um valor
cultural enraizado na estrutura da nossa sociedade. Nesse sentido as escolas, em geral, acabam
por insistir em uma abordagem baseada no modelo de ensino cunhado no século XIX, o qual,
por sua vez, foi inspirado pelo modelo lusitano. Dessa forma, o contexto do ensino, em certa
medida, pode persistir na difusão de uma imposição linguística inspirada, em sua origem, nos
padrões linguísticos lusitanos, no Português de Portugal, ainda que, atualmente, determinadas
instituições escolares, a depender de seu perfil, possam acatar a presença de usos mais
inovadores da língua. É preciso, porém, questionar e desmistificar essa possível imposição de
modo a compreender suas decorrências na estruturação social. A língua é representativa da
cultura de uma comunidade, demonstrando, então, os valores linguísticos da sociedade e seus
estigmas. Assim,
é preocupante o fato de muitos estudiosos e professores considerarem que
toda linguagem, e consequentemente, a cultura das crianças de classes
populares, tem que ser substituída pela língua da cultura institucionalizada
(CYRANKA, p. 504, Cadernos do CNLF, Vol. XIV, Nº 2, t. 1).
O objetivo da escola não deveria centrar-se, portanto, em uma mera substituição de
formas estigmatizadas por determinados usos considerados corretos. Essa conduta, além de
estigmatizar a fala do alunado (que, muitas vezes, coincide com a dos próprios professores),
inibe a produção linguística dos alunos, que se sentem distantes da própria língua,
dificultando ainda mais o processo de ensino-aprendizagem do Português. O mais produtivo
72
seria, então, valorizar as variantes linguísticas surgidas nesse processo, promovendo uma
reflexão sobre estas, o que conduziria a refletir sobre outras variantes, a princípio distantes do
conhecimento dos alunos. Nessa trajetória, tornar-se-ia viável e mais próximo o alargamento
do repertório linguístico do alunado, de modo que pudessem buscar o transitar por formas
linguísticas adequadas a diversos contextos: +/- formais e +/- informais; +/- orais e +/escritos/letrados, diferentes formas utilizadas ainda dentro do espectro de variedades cultas do
Português brasileiro.
A esse respeito, Bortoni-Ricardo (2004, p. 51-63) descreve três continua de variação
para o estudo da língua.
(i) O continuum rural-urbano, que situa em um pólo os falares rurais mais isolados da
sociedade e, no outro, os falares urbanos encontrados nas grandes cidades. Os primeiros,
geograficamente isolados, têm menor interação com a influência dos meios de comunicação,
que movimentam e retratam a língua em uso. A ponta com falares mais urbanos, por sua vez,
é influenciada constantemente pelo processo evolutivo de construção do sistema linguístico
nas diversas interações sociais. Nesse caso, tem-se como fator influente a cultura de agentes
padronizadores da língua, como a própria escola. Assim, a autora demonstra o continuum de
urbanização com a seguinte linha imaginária:
.............................................................................................................................................
Variedades
rurais isoladas
Área rurbana
Variedades urbanas
padronizadas
O que a autora denomina como área rurbana é representativo de um confronto entre essas
variedades, o qual envolve migrantes de zonas rurais que preservam seus falares, sua cultura
linguística, e indivíduos que habitam núcleos semi-rurais da sociedade, influenciados
parcialmente pela urbanização. Cada um dos indivíduos da sociedade, portanto, situa-se em
algum ponto desse continuum. Essa identificação, por sua vez, não se refere simplesmente ao
seu lugar de origem, mas à cultura linguística com a qual se identifica no exercício do uso da
língua dentro do espaço geográfico-social em que se encontra inserido, considerando, ainda,
seus antecedentes e seus atributos.
(ii) O continuum oralidade-letramento, que dispõe os eventos de comunicação concretizados
socialmente. De um lado, os eventos de oralidade demonstram aspectos da língua falada,
73
enquanto, de outro, os eventos de letramento se constituem por traços característicos da língua
escrita, porém não necessariamente concretizados em registro efetivamente escrito.
.............................................................................................................................................
Eventos de oralidade
Eventos de letramento
Seria facilitador imaginar, em observação superficial, que os eventos de oralidade não
sofreriam influência da escrita e vice-versa. No entanto, as fronteiras entre os gêneros e
situações comunicativas se revelam de maneira tênue. Um contexto de comunicação oral pode
ter sido pautado em um texto escrito, como na abordagem de um telejornal ou uma
conferência religiosa, por exemplo, ao passo que um gênero escrito pode presumir influências
da língua falada, como ocorre em mensagens trocadas entre amigos e parentes, chats etc.
Diante disso, um enunciador altamente urbanizado diversifica seus usos linguísticos em
função dos eventos de comunicação em que se vê inserido, embora sobre as variedades mais
rurais haja, ao que tudo indica, o predomínio da cultura da oralidade.
(iii) O continuum de monitoração estilística, que vai das interações mais espontâneas às
interações de maior planejamento prévio. As situações de interação mais espontânea refletem
um uso menos planejado da língua, com menor monitoração linguística. Em outro ponto, há
os contextos de maior monitoração, que exigem maior planejamento e atenção aos usos
linguísticos:
.............................................................................................................................................
- monitoração
+ monitoração
O uso de variantes mais formais em determinada situação demonstra o alto grau de
monitoramento linguístico por ela exigido. Em contrapartida, quanto menor for o grau de
monitoração da língua, mais estratégias informais de uso serão verificadas. O que implica um
uso mais formal da língua são fatores como o ambiente, o interlocutor e o tema abordado no
contexto interativo. Nesse sentido, tanto textos orais como escritos variam de acordo com a
monitoração estilística. As situações de maior monitoramento da língua, por sua vez, para
alcançar determinadas intenções comunicativas (tendo em vista os objetivos dos
interlocutores em interação), demandam um domínio maior de habilidades linguísticas, o que
configura um dos objetivos fundamentais do ensino da língua.
74
Como se pôde observar, as fronteiras que distribuem essas variedades não são rígidas,
mas sim fluidas. A produção linguística concretizada entre os três continua apresentados,
portanto, se dá de maneira gradativa e ininterrupta; e não de forma estanque, como se
houvesse simplesmente variantes rurais ou urbanas, pertencentes à fala ou à escrita, informais
ou formais. Dessa forma, tais continua de variação podem e devem efetivamente nortear o
ensino de Português nas escolas, tendo em vista que a variação linguística se mostra presente
nas práticas discursivas de modo geral. Assim, é pertinente que o processo de ensinoaprendizagem do Português brasileiro veicule a abordagem dos fenômenos gramaticais dentro
do espectro de variação em que são empregados no uso da língua.
De modo a contemplar esse propósito, Bortoni-Ricardo (2005, p. 130-133) explicita
seis princípios norteadores da prática da Sociolinguística Educacional. O primeiro princípio
por ela considerado é a tarefa da escola de ampliar o repertório linguístico dos alunos ao
fornecer-lhes recursos comunicativos eficientes em contextos de uso mais monitorado da
língua, os que exigem um grau de planejamento mais elevado. A influência da escola,
portanto, incide sobre estilos sobrepostos ao vernáculo dos falantes, estilos mais formais, com
maior nível de monitoramento.
O segundo princípio propõe que formas linguísticas não avaliadas negativamente
pela sociedade não são avaliadas negativamente na escola, isto é, não são salientes à correção
escolar, mesmo no âmbito de contextos mais monitorados. A própria autora ilustra essa
afirmação pela aceitação na escola da categoria zero e do pronome lexical (em determinados
contextos linguísticos) como estratégias de retomada do objeto direto anafórico de terceira
pessoa: a primeira (anáfora zero) por si só pouco saliente, e a segunda (pronome lexical) com
menor saliência nas construções de dupla função ou em miniorações (cf. explicitado no
Capítulo 1). Esse princípio demonstra, assim, a relevância do “caráter sociossimbólico das
regras variáveis”, nos termos da autora, para o ambiente escolar.
O terceiro princípio consiste em compreender a variação linguística inserida em sua
matriz social. Isso implica perceber que, no que se refere ao Português brasileiro, a variação
se encontra vinculada à estratificação social e às diferenças entre áreas rurais e urbanas.
Entretanto, a autora ressalta que, em nosso país (monolíngue), “o ensino da língua de prestígio
na escola não é necessariamente fonte de conflito, embora possa ser fonte de discriminação
das crianças de variedades populares” (op. cit., p. 132). Nesse sentido, os professores que
75
compreendem as diferenças sociais da língua estão mais aptos a desenvolver estratégias de
ensino que ambientem o aluno e favoreçam o aprendizado de novas formas linguísticas.
O quarto princípio versa sobre a inserção de eventos de letramento nas salas aula, os
quais integram os usos de estilos mais monitorados da língua, enquanto os eventos de
oralidade envolvem os estilos de menor monitoramento. Busca-se distinguir “a língua que
usamos para falar com pessoas de quem gostamos e em quem confiamos e a língua que
usamos para ler, escrever e falar, quando falamos da maneira como escrevemos” (op. cit., p
132). Assim, a autora tenta afastar do ensino uma dicotomia equivocada entre “português
culto e português ruim”, nos termos da autora, concebendo, em seu lugar, o exercício e as
diferenciações das atividades de oralidade e letramento.
O quinto princípio demonstra que a prática da Sociolinguística Educacional demanda
uma análise dos significados assumidos pela variação, e não uma simples descrição das
formas variantes. Essas formas se verificam em padrões de emprego diferentes e promovem
significados socioculturais que também variam; geram avaliações distintas. O uso de
determinadas formas linguísticas, avaliadas negativamente por alguns, pode significar um
instrumento de inserção ou mesmo autoafirmação de um falante como membro de
determinada comunidade, como aponta a autora. A avaliação que professores fazem sobre
uma mesma variante também pode diferir e, nesse aspecto, os professores que entendem o
valor cultural da variação estão mais suscetíveis ao trabalho com diferentes estilos. O ensino
de estilos mais monitorados, assim, constitui-se pela apropriação dos alunos sobre novos
recursos linguísticos.
O sexto princípio advoga que não basta transmitir ao aluno as descrições que as
pesquisas acadêmicas alcançam sobre o sistema linguístico. É preciso conduzir à reflexão
sobre os fenômenos da língua de maneira conjunta (professores e alunos) em sala de aula,
buscando compreender as circunstâncias que envolvem o uso de formas variantes dentro da
estrutura social que as cerca. Esse processo leva a uma conscientização linguística mais
apurada, o que também contribui para o aprendizado de estratégias diversas, orais e escritas,
disponíveis no sistema da língua.
A partir do intuito de correlacionar teoria e prática, estudos acadêmicos e ensino,
alguns pesquisadores já vêm desenvolvendo materiais que contribuam para o alcance desse
objetivo. O livro Ensino de Português e Sociolinguística, organizado por Martins; Vieira &
Tavares (2014), divulga contribuições que a Sociolinguística brasileira forneceu e pode ainda
76
fornecer ao ensino de Português. Ao longo da obra, diferentes autores abordam a variação
linguística na escola como um todo, o ensino de fenômenos fonético-fonológicos, destacando
sobretudo a relação fala e escrita, e morfossintáticos mais especificamente, evidenciando o
comportamento variável no âmbito da própria variedade/norma culta, bem como as avaliações
e crenças de alunos e professores sobre o tema da variação e como tal assunto é tratado em
livros didáticos, que também compõem o ambiente educacional. A esse respeito, é válido
mencionar que os livros didáticos, em geral, embora tenham incorporado o tema da variação
linguística, ainda o fazem de maneira muito superficial, como evidencia Lima (2014, p. 115131). Os professores, por sua vez, demonstram uma noção bastante confusa de conceitos
importantes à prática do ensino: “limites imprecisos entre “norma”, “modalidade” e
“registro””, que carecem de uma delimitação conceitual até mesmo em orientações
pedagógicas oficiais do Ministério da Educação e Cultura (MEC) (cf. Martins; Vieira &
Tavares, 2014, p. 11).
Esses “limites imprecisos” e a compreensão pouco sólida sobre eles acabam por
dificultar o processo de ensino-aprendizagem da língua. Em vista disso, a seção seguinte
busca aclarar esses conceitos, valendo-se das contribuições de Faraco (2008), e elucidar os
pontos que orientam o ensino de Português dentro das concepções que norteiam esta pesquisa.
2.3 O ensino de Português - pontos de partida
Esta seção encontra-se dividida em três subseções, na tentativa de explicitar os
pressupostos adotados em relação ao ensino de língua materna e que norteiam este trabalho.
Trata-se de três eixos propostos e sistematizados, no âmbito do Mestrado Profissional em
Letras, por Vieira (2015, no prelo), que compõem o ensino de Português: (i) o eixo da
gramática reflexiva, que apresenta as concepções de gramática e as atividades necessárias
para o estudo em sala de aula (seção 2.3.1); (ii) o eixo de variação e normas, tal como
entendidas e trabalhadas dentro do universo escolar (seção 2.3.2); e (iii) o eixo de gramática
na construção dos sentidos do texto (seção 2.3.3).
Tais eixos fundamentam questões aqui consideradas relevantes para um ensino de
Português produtivo. Algumas referências sobre cada um deles já se apresentam na literatura
e, tomando-as como pontos de partida, apresento a proposta de Vieira nas seções que se
seguem, relacionando suas propostas, sempre que possível, aos propósitos assumidos nos
77
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998), que orientam o ensino de Português nas
escolas.
2.3.1 Por um ensino de gramática reflexivo
Estudar a gramática de uma língua implica estudar seu sistema linguístico, isto é,
compreender as expressões e operações possíveis e disponíveis para uso dos falantes. Nessa
perspectiva, compete à escola buscar uma reflexão sobre os procedimentos do sistema em
questão e sua eficácia nas interações comunicativas. Desenvolver esse saber gramatical na
escola implica promover um trabalho que ative a consciência linguística dos alunos: um
ensino de gramática reflexivo.
Por serem nativos de determinada língua, no caso, o Português do Brasil, esses
falantes já possuem conhecimentos linguísticos naturais, implícitos e intuitivos, os que
constituem a gramática interna do sujeito – a gramática internalizada. Em vista disso,
importa refletir sobre esses conhecimentos intuitivos e, a partir daí, de modo indutivo,
alcançar o nível da explicitação dessa gramática e alcançar, ainda, outras habilidades
linguísticas, inclusive as que não decorrem do processo natural de aquisição, desenvolvendo,
por exemplo, a percepção e a produção, quando necessárias, de estratégias menos frequentes e
muitas vezes mais formais. Isso proporcionará o crescimento da competência comunicativa do
alunado. A concepção de gramática, assim, refere-se ao estudo do sistema linguístico e suas
operações, as quais se efetivam em tarefas de compreensão e produção textual.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) propiciam certa reflexão no que
tange ao uso da linguagem e ao conhecimento gramatical na prática pedagógica. É possível
constatar duas concepções de gramática que, ainda que de modo nem sempre explícito,
norteiam a composição do documento em questão. Considera-se (i) o conceito de gramática
internalizada (implícita) e, atendendo aos objetivos do ensino, (ii) a noção de gramática como
disciplina (explícita). Estes conceitos configuram dois grandes blocos que abrangem as
concepções de gramática. A primeira refere-se ao conhecimento natural e intuitivo do
indivíduo, interno, de caráter implícito. Pode-se notar a compreensão dessa gramática
internalizada pelos PCN ao perceber que constituem requisitos para a atividade do ensino:
78
a linguagem como atividade discursiva, o texto como unidade de
ensino e a noção de gramática como relativa ao conhecimento que o
falante tem de sua linguagem (PCN, 1998, p. 27) (grifo meu).
Na medida em que se explicita esse conhecimento interno, formalizando-o com a
intenção de descrever a língua, toma-se a concepção de gramática como disciplina. Trata-se
da explicitação de um conhecimento gramatical; conhecimento explícito, utilizando os termos
de Costa (2013). Tal explicitação pode ser feita por meio de uma abordagem normativa e/ou
descritiva da língua. É justamente na abordagem utilizada para o estudo da gramática como
disciplina que alguns descompassos conceituais começam a ser averiguados. Embora se
compreenda a relevância de uma abordagem reflexiva do ensino de gramática, ocorre que o
conhecimento gramatical descrito nas gramáticas tradicionais é, muitas vezes, confundido
com a proposta de uma abordagem puramente prescritiva da língua, como se a descrição
concebida nessas gramáticas conferisse um caráter de imposição ao estudo dos conhecimentos
gramaticais, de um modo, então, supostamente preestabelecido. Entretanto, já os PCN (1998,
p. 29) apontam que
deve-se ter claro, na seleção dos conteúdos de análise lingüística, que a
referência não pode ser a gramática tradicional. A preocupação não é
reconstruir com os alunos o quadro descritivo constante dos manuais de
gramática escolar (por exemplo, o estudo ordenado das classes de palavras
com suas múltiplas subdivisões, a construção de paradigmas morfológicos,
como as conjugações verbais estudadas de um fôlego em todas as suas
formas temporais e modais, ou de pontos de gramática, como todas as regras
de concordância, com suas exceções reconhecidas).
O documento aclara que a abordagem descritiva apresentada constantemente nos
manuais de gramática escolar – os quais, em geral, servem como instrumento de orientação no
processo de ensino-aprendizagem da língua – não deve ser tomada como base para um
trabalho de reconstrução, apenas, do sistema linguístico na escola. Nessa perspectiva, os PCN
afirmam que a Gramática Tradicional (GT) não deve ser delimitadora na escolha dos
conteúdos linguísticos a serem abordados em sala de aula. Isto não significa, porém, que não
haja espaço para a GT no ambiente escolar. Por uma leitura talvez não muito criteriosa ou
pouco precisa dessa questão, acaba-se por construir certo tabu com relação à Gramática
Tradicional e a possível eficácia no tratamento de temas diversos relevantes ao ensino.
A questão não se fia na impossibilidade de tomar a tradição como referência. O
trabalho com e a partir da GT é que não pode ser somente prescritivo, no sentido de limitador
79
ou redutor do termo. É possível trabalhar com a Gramática Tradicional, aliando-a a outros
quadros descritivos, quando necessário,de forma a abranger o sistema da língua e orientar
uma reflexão por parte dos alunos sobre os conteúdos linguísticos em estudo. Isso significa,
de fato, ensinar gramática: trabalhar com o sistema da língua de modo a refletir sobre este e
ampliar o conhecimento dos alunos acerca das possíveis e plausíveis operações linguísticas,
formulando e movendo-se em diversas expressões de sentido (BASSO & OLIVEIRA, 2012;
COSTA, 2013; FOLTRAN, 2013).
Assim, não se justifica tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas
de linguagem. É o caso, por exemplo, da gramática que, ensinada de forma
descontextualizada, tornou-se emblemática de um conteúdo estritamente
escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova e passar de ano – uma
prática pedagógica que vai da metalíngua para a língua por meio de
exemplificação, exercícios de reconhecimento e memorização de
terminologia. Em função disso, discute-se se há ou não necessidade de
ensinar gramática. Mas essa é uma falsa questão: a questão verdadeira é o
que, para que e como ensiná-la (PCN, 1998, p. 28).
Nesse caso, a tal gramática descontextualizada e desarticulada das práticas da língua
faz referência a um conceito redutor de gramática como mera nomenclatura gramatical,
utilizando os termos de Foltran (2013). É uma visão tão-somente instrumentalista de
gramática, que não atende de fato à gramática da língua, à gramática que tem
indiscutivelmente seu espaço na escola. À medida que os alunos vão alcançando o caráter
sistemático da língua, tornam-se mais conscientes linguisticamente e, portanto, capazes de
falar sobre a língua, isto é, descrevê-la. Nesse sentido, usa-se a metalinguagem para a
sistematização dos conhecimentos desenvolvidos. Mais do que isso, a metalinguagem também
ocupa importante lugar no processo de ensino-aprendizagem da língua, apenas não de forma
isolada ou com a intenção de findar-se em si mesma, como aponta o trecho acima destacado
dos PCN (1998). Na verdade, “usar esses termos [metalinguísticos] com propriedade ajuda
muito na sistematização desses conhecimentos” (FOLTRAN, 2013, p. 172), o que significa
que o ensino da gramática engloba o uso da nomenclatura gramatical, porém não se limita à
atividade metalinguística como um fim em si mesma.
Nesse sentido, o questionamento da necessidade de ensinar gramática por tomá-la
como mera etiquetação de terminologias, ainda utilizando termos de Foltran (2013), é
inviável, como bem afirmam os próprios PCN ao identificá-lo como uma falsa questão. No
entanto, ainda paira no documento e no ambiente escolar certo “medo” no uso do termo
gramática e, consequentemente, na acepção de ensinar gramática na sala de aula, justamente
80
em função desse desafino entre o que de fato significa ensinar gramática. Mais uma vez
aclarando a questão, o ensino de gramática é simplesmente imprescindível para o
desenvolvimento das habilidades intelectuais do alunado no plano linguístico, já que está no
conhecimento gramatical o estudo das estruturas da língua e suas operações, visando à
compreensão de diferentes processos de construção das expressões linguísticas. O saber
gramatical implica, em última instância, a capacidade de operar de forma consciente com a
língua em tarefas de produção e compreensão de texto, a qual propicia a ampliação das
habilidades linguísticas dos alunos. É importante, portanto, desconstruir esse possível “medo”
da gramática para utilizá-la de maneira clara e consciente durante o processo de ensino da
língua, incorporando o que ficou denominado como prática de análise linguística.
Nesse intuito, ainda que a Gramática Tradicional careça de atualização em alguns
temas, já que foi constituída em um período cujos aparatos para os estudos linguísticos eram
menos elaborados do que os atuais, a atuação do professor como mediador em sala de aula
traz em si um componente diferenciado, especialmente relevante.
O modo de ensinar, por sua vez, não reproduz a clássica metodologia de
definição, classificação e exercitação, mas corresponde a uma prática que
parte da reflexão produzida pelos alunos mediante a utilização de uma
terminologia simples e se aproxima, progressivamente, pela mediação do
professor, do conhecimento gramatical produzido. Isso implica, muitas
vezes, chegar a resultados diferentes daqueles obtidos pela gramática
tradicional, cuja descrição, em muitos aspectos, não corresponde aos usos
atuais da linguagem, o que coloca a necessidade de busca de apoio em outros
materiais e fontes (PCN, 1998, p. 29).
Cabe ao professor, portanto, desenvolver mecanismos que permitam um ensino eficaz
da gramática da língua, o que, como se pôde notar, é inclusive apontado pelos PCN. É claro
que a diversidade de materiais e fontes utilizados no trabalho em sala de aula é enriquecedora
– e realmente necessária –, mas não por isso deva ser, obrigatoriamente, rechaçada toda e
qualquer descrição segundo o aporte tradicional.
Na tentativa de desenvolver mecanismos para um ensino de gramática mais produtivo,
é válido promover o exercício linguístico a partir da própria linguagem dos alunos, o que se
pode motivar por meio de atividades linguísticas. A atividade linguística consiste,
essencialmente, na prática e reflexão sobre sua própria linguagem, trazendo à baila contextos
de comunicação cotidiana dos alunos. Está na escola o espaço para a criação de condições que
permitam o exercício do “saber linguístico” das crianças, conforme aponta Franchi (2006, p.
81
95). Trata-se do desenvolvimento comunicativo dos alunos, o que abarca sua participação
ativa e reflexiva acerca dos diversos contextos de uso da língua com que se deparam.
Cabe à escola, além disso, fornecer recursos expressivos diversificados, em atividades
orais e escritas, por meio do (re)conhecimento e produção de diferentes gêneros textuais e
contextos comunicativos outros; daí o desenvolvimento de atividades epilinguísticas. A
atividade epilinguística, por sua vez, refere-se à capacidade de operar sobre a própria
linguagem, conhecendo novas formas de construção que permitam o alcance de novas
significações, tal como esclarece o já citado Franchi (2006). Com isso, é possível que o
alunado amplie gradativamente suas habilidades linguísticas.
Em decorrência natural do trabalho realizado, torna-se viável e necessária a
sistematização dos conhecimentos construídos, para que os alunos, de fato, se apropriem
destes. Isto se dá no desenvolvimento de atividades metalinguísticas, ainda segundo Franchi
(2006), as quais, por fim, permitem a categorização dos conhecimentos linguísticos
trabalhados a partir de um trabalho inteligente de sistematização, nos termos do autor, o que,
finalmente, conduz a uma clara organização acerca do tema estudado, tal como descrito
anteriormente sobre o uso da metalinguagem na prática pedagógica.
Desta forma, é possível compreender que a gramática não é algo pronto, fixo, algo que
se pode “dar” aos alunos, mas implica uma construção (BASSO & OLIVEIRA, 2010). Nesse
sentido, para entender o objeto natural que é a língua (estudo da língua como ciência que é),
cabe aos próprios alunos construir a gramática, o que envolve também o exercício da
metalinguagem. É necessário construí-la e reconstruí-la para, nos termos dos autores,
apoderar-se dela e, então, sabê-la. Não se trata, pois, de uma visão instrumentalista de
gramática; mas sim da noção de gramática como o estudo das estruturas da língua e suas
operações, no entendimento de diferentes processos de construção das expressões linguísticas.
Nesse processo, grande parte dos resultados alcançados pelo trabalho de professores e
alunos em conjunto em sala de aula irá contrastar com as descrições da própria GT, e outra
parte poderá apenas coincidir. Esse desencontro (ou não), na verdade, é algo bastante positivo,
se considerarmos que põe em visualização clara a vivacidade da língua e sua possibilidade
constante de mudança. A partir daí, junto ao trabalho reflexivo com a gramática da língua,
acrescentam-se as diferenças entre os usos linguísticos e as avaliações sociais a estes
relacionadas. Outra demanda é posta em questão: as diferentes variedades e normas da língua.
82
Esta, por sua vez, compõe o segundo eixo de ensino proposto por Vieira (2015, no prelo),
apresentado na seção a seguir.
2.3.2 Por um ensino que envolva variação e normas
Em concordância com os pressupostos teóricos elucidados até então, já se pode
perceber que a variação linguística não se limita a um conteúdo isolado a ser estudado em sala
de aula; ela está para o estudo da língua como um todo, tal como o estudo dos gêneros
textuais16. Ambos existem no universo das práticas linguísticas de maneira integral.
Integrados a essa perspectiva, os PCN (1998) já compreendem a noção de variação como
inerente à língua, e entendem, ainda, que as variedades se apresentam atreladas a
determinados valores sociais. Nota-se no documento a real ideia de que uma língua
homogênea é inviável e, no mais, totalmente distante das formas linguísticas efetivamente
utilizadas.
Como consta do papel do professor orientar o aluno para uma produção linguística
cada vez mais apropriada e bem sucedida, os PCN (1998) apontam que
nas sociedades letradas (aquelas que usam intensamente a escrita), há a
tendência de tomarem-se as regras estabelecidas para o sistema de escrita
como padrões de correção de todas as formas lingüísticas. Esse fenômeno,
que tem na gramática tradicional sua maior expressão, muitas vezes faz com
que se confunda falar apropriadamente à situação com falar segundo as
regras de bem dizer e escrever, o que, por sua vez, faz com que se aceite a
idéia despropositada de que ninguém fala corretamente no Brasil e que se
insista em ensinar padrões gramaticais anacrônicos e artificiais (PCN, 1998,
p. 30).
Nessa circunstância, critica-se, de certo modo, a chamada norma padrão, que carrega
as tais “regras de bem dizer e escrever”. Tomar determinadas regras como padrão de correção
de todas as formas linguísticas significa adotar uma norma idealizada como alvo no ensino.
De fato, há um distanciamento considerável entre a norma padrão reverenciada nos
16
Valho-me, aqui, do conceito de gêneros textuais adotado por Marcuschi (2005), mediante o qual tal expressão
é usada como “uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa
vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades
funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são
inúmeros”. Assim estão, por sua vez, também inerentes às práticas linguísticas como um todo. A exemplo, o
autor destaca gêneros como “reunião de condomínio, notícia jornalística, [...] conversação espontânea,
conferência, carta eletrônica, bate-papo por computador aulas virtuais e assim por diante” (MARCUSCHI, 2005,
p. 22-23).
83
compêndios gramaticais e a norma culta, aquela efetivamente utilizada por brasileiros
escolarizados em situações de monitoramento. A fim de aclarar tal questão, Vieira (2009) põe
em discussão que norma padrão é essa objetivada no contexto escolar.
Ao que parece, já constitui ponto pacífico, para pesquisadores e professores,
a legitimidade da variação linguística. Ocorre que os cerca de 40 anos de
boas e produtivas pesquisas sociolinguísticas no país não receberam, ainda, a
divulgação desejável. Verifica-se, por vezes, a nosso ver, uma visão
estereotipada e dicotômica do amplo espectro da variação. A uma concepção
homogeneizante de língua, sobrepôs-se uma outra, que assume a existência
da variação, mas que a localiza num espaço fora da escola, como se fosse
viável pensar, o tempo todo, assim: “a variação é legítima, a variante x é
viável, mas na “norma culta”, a suposta norma da escola, essa variante não
cabe, não é adequada. (VIEIRA, 2009, p.54).
Dessa forma, essa norma idealizada objetivada na escola não corresponde de fato às
normas utilizadas pela elite brasileira, nem mesmo no que se refere à escrita. O conceito de
norma, nesse caso, refere-se ao que é normal dentro de determinado contexto social, seja na
escrita, seja na oralidade. Isto não significa a ausência de regras na norma, mas essas regras,
ainda que sistematizáveis, são também variáveis. É inviável a abordagem e imposição de uma
determinada norma padrão como sendo única e invariável, posto que até mesmo as normas
cultas de uso da língua variam a depender do contexto em que se encontram seus falantes.
Criou-se, então, uma era pedagógica de bipolaridades: a norma culta versus
outras normas; a escrita versus as falas; o formal versus os informais, sendo
supostamente o primeiro pólo dessas dicotomias estável e homogêneo, como
se, na realidade, a legitimidade da variação se verificasse apenas na fala dos
outros, não na do professor, nem na dos “bons textos”. Instaura-se, então,
uma tentativa constante do professor em estabelecer, no contexto escolar, as
estruturas de uma norma culta vista como invariável. Resulta disso a
flagrante contradição entre a proposta teórica e a prática da sala de aula – na
fala do professor, na teoria gramatical, e nos diversos textos apresentados
aos alunos (VIEIRA, 2009, p.54).
Como evidenciado acima, há, na verdade, uma pluralidade de normas também no
domínio culto de uso da língua – desde a oralidade até a escrita. O ensino da língua
formatado, em certa medida, pelos padrões linguísticos lusitanos corrobora a abordagem
realizada no contexto escolar, como se não houvesse variedades cultas brasileiras. Na
verdade, a diversidade linguística do português do Brasil é ampla e, dessa forma, promover
um ensino baseado em uma pedagogia do erro não parece um método produtivo.
84
Se, antes, a escola estava a serviço de uma minoria elitizada – o que contextualizava,
de certo modo, o ensino normativista/prescritivista – posteriormente, houve a democratização
do ensino, e os alunos que chegam à escola se deparam com uma norma linguística até então
desconhecida, com a qual não têm contato. Tendo em vista o histórico de mudanças na nossa
sociedade, Faraco (2008) aponta para uma preocupação com relação ao ensino do português
no Brasil:
Enquanto a questão do domínio da cultura letrada e, em consequência, da
língua modelar era problema de uma reduzida elite, um modelo normativo
anacrônico não causava maiores dificuldades. Contudo, à medida que
mudanças socioeconômicas (em especial, a industrialização e a urbanização)
trouxeram a necessidade de se ampliar o acesso da população à escola e se
propagou o conceito moderno de cidadania (que inclui o direito de todos aos
bens culturais), um tal modelo passou a ser um problema grave, como no
Brasil de hoje, em que ele não faz sentido para a maioria da população e, por
isso, acaba por embaraçar não só o ensino do português, como o próprio
funcionamento social da norma culta/comum/standard (FARACO, 2008, p.
146).
Diante disso, a polissemia do termo norma tornou-se uma questão relevante para fins
de estudos linguísticos. A esse respeito, Faraco (2008, p. 31-98) aponta quatro possíveis
concepções de norma distintas, que distribuo aqui em dois planos, o da realização (item a) –
em que a norma constitui efetivamente uma variedade linguística praticada por uma
comunidade de fala – e outro da idealização (itens b, c e d) – em que se supõe, em um projeto
homogeneizante de norma, o que deveria ser o conjunto de usos de certa língua:
a) a norma culta/comum/standard, referente às formas linguísticas efetivamente utilizadas por
brasileiros letrados (cultos). Sendo assim, os usos que se encaixam na norma ou variedade
culta se situariam no cruzamento entre o ponto mais urbano, o mais formal e o de maior
letramento dos continua de variedades da língua, propostos por Bortoni-Ricardo (2005).
Retomo, aqui, que o grau de monitoração consiste em um dos continua de variedades da
língua, ou seja, o que é culto varia também entre formalidade e informalidade, a depender do
contexto situacional em que o falante se encontra. Nota-se, logo, que a norma culta também é
plural, tal como apontam Vieira; Freire (2014), que evidenciam a variação presente na norma
culta. Existem, portanto, normas cultas de uso da língua, dentre as quais se englobam formas
de prestígio social, referentes às variantes utilizadas pela elite letrada brasileira. Cabe, ainda,
advertir que muitos dos usos da fala culta brasileira não se distanciam efetivamente da
linguagem urbana comum em geral, conforme demonstram os dados do projeto NURC
85
(Norma Linguística Urbana Culta) (PRETTI, 1997 apud FARACO, 2008). Ainda assim, os
traços que a distinguem (estereótipos linguísticos) – como, por exemplo, a marcação ou não
de pluralidade em certas formas verbais – são fortes alvos de avaliação social e acabam
influenciando a distinção entre normas;
b) a norma padrão, que se forma a partir de uma construção social e histórica, dada em
função do que se imagina como culto pela sociedade. Isto é, a norma padrão é a idealização de
um conjunto de regras que representariam, supostamente, o “bom uso da língua”. O uso do
clítico como estratégia de representação do objeto direto anafórico, por exemplo, encontra-se
contemplado no escopo da norma padrão – o que não implica que se encontre produtivamente
essa variante em expressões de norma culta. Como a diversidade linguística é ampla e
complexa, as sociedades costumam contar com a chamada norma padrão na tentativa de
uniformizar/padronizar a língua: há uma idealização do que se considera culto na sociedade.
Trata-se de um construto subjetivo que também é plural e vai se modificando historicamente.
A norma padrão do século XIX já não é a mesma do século XXI, e assim por diante. A norma
padrão, portanto, vai sendo estabelecida pela sociedade a partir do que se idealiza como
unificador e desejável em determinado período social;
c) a norma gramatical, constituída no momento em que filólogos e gramáticos se dispõem a
codificar a norma padrão nos manuais gramaticais e dicionários de referência. Esta, como se
pode observar historicamente, foi influenciada originalmente pelos moldes linguísticos
lusitanos, remetendo a um padrão linguístico da elite brasileira do século XIX. Nota-se,
portanto, que a norma gramatical, assim como a norma padrão, vai se modificando
posteriormente à evolução das normas cultas de uso, que avançam naturalmente a sua frente;
d) a norma curta, que remete (ironicamente) a uma norma extremamente restrita, com
destaque a formas linguísticas que já caíram em desuso ou até mesmo arcaicas. Trata-se da
norma purista dos que cultivam uma cultura do erro muito distante dos usos registrados na
norma culta/comum/standard. Esta é uma norma ainda mais radical do que a maior parte das
referências encontradas nos próprios compêndios gramaticais. É idealizada, de certo modo,
por alguns instrumentos sociais ou indivíduos muito conservadores envolvidos na área da
Língua Portuguesa, os que são ainda mais normativos que os manuais de gramática (que
muito apresentam de descrição da língua) e os agentes que naturalmente trabalham
(jornalistas, professores, dentre outros) com base em certo modelo de norma padrão em nossa
sociedade.
86
Esclarecidas as distinções entre as quatro diferentes normas apontadas por Faraco
(2008), é possível compreender que há dois planos gerais que englobam as concepções de
norma explicitadas: (i) o plano das normas idealizadas e (ii) o plano das normas praticadas.
No primeiro, encontram-se a norma padrão e a norma gramatical, além da norma curta
mencionada pelo autor, as quais situam um conjunto de regras modelo da língua a partir do
que se imagina como culto e prestigioso pela sociedade (padrão) e/ou do que se explicita
como tal nas gramáticas tradicionais (gramatical). No segundo, por sua vez, estão situadas as
normas linguísticas de uso, verificadas em situações reais de comunicação, dentre as quais
estão as normas tidas como não prestigiosas pela sociedade e as normas cultas de uso.
Nessa perspectiva, os PCN (1998) não negam a necessidade de uma orientação normativa
no ambiente escolar, contanto que esta não seja promovida de forma descabida, desatualizada ou
anacrônica. Ao que parece, sugere-se que o modelo de ensino seja coerente com as preferências da
norma culta, de modo que a “norma padrão escolar”, nos termos do documento, assumiria um perfil
de proximidade com as normas cultas de uso:.
Tomar a língua escrita e o que se tem chamado de língua padrão como
objetos privilegiados de ensino-aprendizagem na escola se justifica, na
medida em que não faz sentido propor aos alunos que aprendam o que já
sabem. Afinal, a aula deve ser o espaço privilegiado de desenvolvimento de
capacidade intelectual e lingüística dos alunos, oferecendo-lhes condições de
desenvolvimento de sua competência discursiva. Isso significa aprender a
manipular textos escritos variados e adequar o registro oral às situações
interlocutivas, o que, em certas circunstâncias, implica usar padrões mais
próximos da escrita.
Contudo, não se pode mais insistir na idéia de que o modelo de correção
estabelecido pela gramática tradicional seja o nível padrão de língua ou que
corresponda à variedade lingüística de prestígio. Há, isso sim, muito
preconceito decorrente do valor atribuído às variedades padrão e ao estigma
associado às variedades não-padrão, consideradas inferiores ou erradas pela
gramática. (PCN, 1998, p. 30-31).
O que os PCN chamam acima de língua padrão se refere às normas cultas de uso, e a
necessidade de usar, em certas circunstâncias, padrões mais próximos da escrita faz
referência ao ponto de maior letramento dos continua de variedades da língua propostos por
Bortoni-Ricardo (2005). Nesse sentido, ressalta-se que a variedade linguística de prestígio,
que corresponde à noção de norma culta já explicitada, é tão plural e variável quanto as
demais variedades, como o documento bem expõe em seguida ao mencionar o valor atribuído
às “variedades padrão” da língua, em seus termos.
87
Assim, ocorre que os PCN (1998) se referem como padrão também ao que se entende
por norma culta, o que seria um padrão culto de uso. No entanto, é necessário que os
professores possam compreender claramente as questões sobre norma que influem no ensino.
Um posicionamento não tão evidente das suas significações pode provocar nos professores – e
consequentemente nos alunos – uma noção não tão clara sobre o tema. Talvez por isso, entre
outras questões, o conceito de norma no ambiente escolar ainda esteja restrito a um conjunto
de regras linguísticas, no sentido de regulamento, como o que é normativo; e não como o que
é usualmente normal (e variável). Contudo, o próprio documento orienta que,
para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola
precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe uma forma correta de falar,
o de que a fala de uma região é melhor da que a de outras, o de que a fala
correta é a que se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal o
português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é preciso
consertar a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. (...)
No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e escrita, o que se
almeja não é levar os alunos a falar certo, mas permitir-lhes a escolha da
forma de fala a utilizar, considerando as características e condições do
contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a
variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas: saber
coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo; saber que
modo de expressão é pertinente em função de sua intenção enunciativa dado
o contexto e os interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de
erro, mas de adequação17 às circunstâncias de uso, de utilização adequada da
linguagem (PCN, 1998, p. 31).
A concepção de norma privilegiada nos PCN (1998), portanto, corresponde aos
padrões de uso, verificados em situações reais de comunicação, dentre as quais estão as
normas/variedades cultas. Diante disso, vale ressaltar que nem mesmo a variedade linguística
trazida pelo professor é referente à norma padrão idealizada (que é irreal). Logo, é pertinente
que os usos tanto do aluno como do professor, nas diversas situações de interação em sala de
aula, contribuam para uma pedagogia da inserção, como aponta Bortoni-Ricardo (2005). O
professor, ao invés de determinar a correção, desejando que o aluno substitua uma norma por
17
A respeito do conceito de adequabilidade linguística, cabe mencionar que alguns pesquisadores, em
se tratando de contextos que direcionam a uma mudança de usos da modalidade oral para a escrita, já
apontam e defendem a promoção, em tal movimento, de uma mudança de gramática, e não apenas um
movimento de adequação. Esta, por sua vez, envolve de fatores como o maior ou menor nível de
polidez que determinada situação exige, por exemplo. Ao selecionar usos linguísticos de maior grau de
letramento como na escrita mais monitorada, o indivíduo promove uma mudança de gramática, e
apenas os falantes escolarizados ou que carregam em sua bagagem maior contato com a leitura têm
habilidades para fazê-lo, tal como indicam Duarte (2013) e, em publicação mais recente,
Duarte & Serra (2015).
88
outra, pode promover uma reflexão do estudante (e também dele mesmo) sobre a própria
língua, favorecendo a ampliação das habilidades linguísticas (e não a substituição). Esse
professor, assim, adotaria uma pedagogia sensível à diversidade linguística, nos termos de
Bortoni-Ricardo (2005). Mais do que isso, é necessário adotar uma pedagogia da variação
linguística, postulada por Faraco (2008), que envolve a busca por “alternativas pedagógicas
que permitam pôr a escola na vanguarda, sensibilizando as crianças e os jovens para a
variação e para seus sentidos sociais e culturais” (FARACO, 2008, p. 182).
Como bem apontam os já mencionados PCN (1998, p. 77),
na escola, a tarefa de corrigir, em geral, é do professor. É ele quem assinala
os erros de norma e de estilo, anotando, às margens, comentários nem
sempre compreendidos pelos alunos. Mesmo quando se exige releitura,
muitos alunos não identificam seus erros, ou, quando o fazem, se
concentram em aspectos periféricos, como ortografia e acentuação,
reproduzindo, muitas vezes, a própria prática escolar (grifo meu).
A ideia de assinalar erros de norma, nesse caso, não alude a uma pedagogia do erro,
assinalada na concepção de norma curta, anteriormente apresentada. Apontar erros de norma,
aqui, não significa que determinadas formas são fixamente erradas, mas que, em determinado
contexto situacional, tais estratégias não funcionam ou provocariam uma avaliação negativa.
O papel do professor, de fato, é orientar seus alunos e, com isso, fornecer-lhes subsídios que
lhes permitam compreender e produzir textos de maneira eficaz. Nesse sentido, corrigir erros
de norma implica que o alunado seja conscientizado sobre as diversas formas linguísticas
utilizadas na interação social, formas estas que assumem diferentes interpretações / avaliações
sociais em cada contexto situacional.
2.3.3 Por um ensino de gramática na construção dos sentidos do texto
Muito se tem debatido acerca da funcionalidade do ensino de gramática nas escolas,
conforme se discutiu na seção 2.2.1 desta pesquisa. Ao compreender que o ensino de
gramática faz referência à ampla gama de operações possíveis e eficientes no sistema da
língua em uso, já partimos, aqui, da noção de gramática reflexiva como ponte para a
compreensão e produção de textos diversos. Na tentativa de, literalmente, ler textos,
compreendendo-os e interpretando-os,
89
deve-se tentar descobrir as várias técnicas de comunicação que o sistema
linguístico coloca a serviço do enunciador de um texto e que vão ser
recuperadas, conscientemente ou não, pelo leitor, dono de sua gramática
textual internalizada. Esse processo de leitura pelo reconhecimento das
etapas de composição do texto é passível de ser transmitido aos alunos, com
sistematicidade, e os resultados são bastante positivos em qualquer grau de
ensino (PAULIKONIS, 2011, p. 244) (grifo meu).
Ao fazer referência ao sistema linguístico, faz-se referência à gramática da língua.
Partindo-se desse princípio, a questão se volta para como articular os conhecimentos
gramaticais e o texto, isto é, de que forma apoderar-se das operações linguísticas para ler e
construir diferentes textos. Nesse intuito, diversas linhas já se ocupam por abranger os
sentidos no plano textual: a linguística textual, a linguística funcionalista, a análise do
discurso, entre outras. Toma-se por base, aqui, apenas algumas referências que permitam
explicar este terceiro eixo de ensino, que versa sobre a relação entre gramática e produção de
sentidos do texto.
Sabe-se que o texto é construído a partir de expressões linguísticas variadas, as quais
são envolvidas também por demandas extralinguísticas e contextuais. Nesse sentido, é de fato
relevante atentar para o contexto e a intenção de produção de textos na tentativa de
compreendê-los. Compreender e interpretar um texto, portanto, exige uma “re-construção de
sentidos”, como afirma Pauliukonis (2011, p. 244), adotando uma abordagem da Análise do
Discurso de orientação francesa (doravante AD), com os pressupostos de Patrick Charaudeau
(1983, 1992). Segundo a autora, trata-se de
uma operação interativa que demanda uma articulação de diferentes fatores;
não é apenas uma decodificação dos elementos instrucionais, mas o
reconhecimento de estratégias realizadas e que configuram significados
virtuais, passíveis de serem recuperados por processos de inferência, análise
de pressupostos e implícitos situacionais de diversas ordens. [...] Isso não
significa que a compreensão seja um processo de integração linear sem o
menor obstáculo, pois como sublinha Teun Van Dijk (1987:187), com
propriedade, “os processos de compreensão têm uma natureza estratégica,
pois, muitas vezes, a compreensão utiliza informações incompletas, requer
dados extraídos de vários níveis discursivos e do contexto de comunicação e
é controlada por crenças e desígnios variáveis de acordo com os indivíduos”
(PAULIUKONIS, 2011, p. 244).
A autora explica que as operações utilizadas na estruturação textual mobilizam
conhecimentos não linguísticos, que vão, por sua vez, permear os diversos gêneros textuais e
90
suas restrições. Entende-se o texto, portanto, como manifestação de discurso18, remetendo à
conjuntura da enunciação, e não mais como um produto acabado e delimitado cruamente.
Entretanto, também os conhecimentos linguísticos vão contribuir para a formação dos
diferentes gêneros. É no processo de construção do texto, dada por meio das operações
linguísticas selecionadas, estrategicamente, pelo enunciador/escritor, que o texto se define
como um todo coerente e, assim, significa. A referida autora aclara ainda mais essa questão:
Em vez da prática de se buscar primeiro o significado, o quê, finalidade
maior do ensino escolar ainda hoje, talvez se deva partir para o enfoque e a
análise do modo como o texto foi produzido; ou seja, deslocar-se do
significado original para os efeitos de sentido, a partir do exame das
operações e estratégias linguísticas que o produziram. Desse modo, em vez
de se procurar o que o texto diz, procurar analisar como o texto diz e por que
diz o que diz de um determinado modo. O importante é analisar no texto as
operações e/ou estratégias que são produtoras de sentido e que, aí sim,
podem ser recuperadas como tais pelo leitor. É nesse sentido que gramática e
texto se entrelaçam (PAULIUKONIS, 2011, p. 243).
A importância do suporte contextual não elimina a relevância dos dados linguísticos
sistemáticos, e vice-versa. Ao mesmo tempo em que se deve considerar a contextualização do
texto, devem-se compreender, também, as estratégias linguísticas acionadas para a elaboração
do texto/discurso, o que exige a compreensão gramatical da língua em uso. Dessa forma, os
conhecimentos linguísticos, semântico-pragmáticos e situacionais caminham lado a lado para
viabilizar o todo textual, tanto em sua interpretação como em sua produção.
Assim, interessa ao professor trabalhar com os alunos as várias estratégias sistemáticas
(gramaticais) disponíveis para uso na língua. Trata-se de fornecer os diversos aparatos
linguísticos possíveis e demonstrar que a escolha por determinadas estratégias implica
determinadas significações. O conhecimento gramatical, tanto no nível da frase como no do
texto, configura-se como um artifício de compreensão e de produção de sentidos. Ao tomar
conhecimento das diversificadas estratégias/operações da língua, o aluno poderá identificá-las
na leitura e interpretação de textos e utilizá-las na composição dos seus próprios. Quanto mais
estratégias forem compartilhadas e trabalhadas com o alunado, maior será seu conjunto de
habilidades linguísticas para o exercício como leitor e enunciador no mundo.
18
Para melhor compreender a noção de texto como discurso, conferem-se os pressupostos da Análise do
Discurso de orientação francesa (doravante AD), disponíveis em Linguagem e discurso, de Patrick Charaudeau
(1983, 1992). Trad. e org: Grupo NASD e CIAD-Rio. São Paulo: Contexto, 2008.
91
Ao agir dessa forma, dando atenção a esses diversos fatores, a escola estará
colocando em prática a noção de ensino produtivo de texto, a que se refere
Luiz Carlos Travaglia em “Uma proposta para o ensino de gramática na
escola” (1996:180), quando afirma que um dos objetivos do ensino de língua
materna é desenvolver a competência comunicativa do aluno, utilizando um
ensino que muito contribuirá para a aquisição de novas habilidades
comunicativas. O ensino descritivo e o normativo, centrados no enunciado,
também têm seu lugar – visto que cada estrutura linguística deve ser
conscientemente dominada pelo aluno, por meio de um encaminhamento
pedagógico crítico e reflexivo (PAULIUKONIS, 2011, p. 245).
Trata-se, portanto, de apropriar-se do ensino de gramática reflexivo para alcançar o
domínio sobre as operações linguístico-discursivas que constituem o texto. Isto significa
ensinar gramática na e para a construção dos sentidos do texto. Nessa perspectiva, Moura
Neves (2013) organiza toda uma obra em prol da demonstração da inter-relação de processos
(gramaticais) que constituem os enunciados. Em seu livro Texto e Gramática, a autora aponta
a predicação e a referenciação como pontos de partida desse processo de constituição:
predicação e referenciação governam, em inter-relação, a construção de
objetos de discurso e sua manutenção no texto. Bem como a natureza
referencial desses constructos, que constituem os termos que formam as
predicações, e, portanto, os argumentos que ficam disponíveis no discurso –
com um determinado estatuto referencial – para o rastreamento coesivo no
fazer do texto (NEVES, 2013, p. 286).
Assim, fica claro que é a partir de instrumentos gramaticais que conseguimos
compreender e construir textos diversos. A atuação da escola, portanto, deve contemplar o
estudo da língua nessa direção, envolvendo os objetivos do ensino de gramática dentro dessas
concepções aqui explicitadas. Como já apontava Franchi (2006), a criatividade possibilitada
nos processos do sistema gramatical viabiliza que as expressões signifiquem.
Em vista das considerações feitas, o presente trabalho busca seus fundamentos nas
pesquisas anteriores mencionadas na revisão bibliográfica ora realizada (Capítulo 1), no
intuito de tratar e compreender as estruturas do objeto direto tal como aludidas nos materiais
de pesquisa investigados e coletadas no corpus das redações escolares. Para a análise das
redações, em especial, parte-se dos pressupostos básicos da Sociolinguística Variacionista a
fim de conceber a noção de regra variável e os condicionamentos linguísticos e
extralinguísticos posteriormente averiguados, além do exame da avaliação conferida pelas
92
professoras acerca do fenômeno gramatical variável em questão. No mais, busca-se na
subárea da Sociolinguística Educacional e nos autores que debatem o ensino da Língua
Portuguesa os pressupostos gerais para interpretar e discutir os resultados relacionados ao
campo pedagógico.
93
CAPÍTULO 3
METODOLOGIA E HIPÓTESES DA PESQUISA
Neste capítulo, apresentam-se os procedimentos metodológicos e as hipóteses
adotadas para a realização desta pesquisa, ambos na seção 3.1. Na seção 3.2, faz-se uma breve
exposição do contexto educacional em que se inserem as escolas que viabilizaram o trabalho
aqui desenvolvido e, em 3.3, explicitam-se mais claramente os aspectos que compõem os
materiais de pesquisa analisados: materiais didáticos (3.3.1); entrevista (3.3.2); redações
escolares (3.3.3). Na descrição das redações escolares, ainda, as subseções 3.3.3.1 e 3.3.3.2
relatam os grupos de fatores controlados para a análise e o tratamento dos dados deste corpus,
respectivamente.
3.1 Procedimentos metodológicos e hipóteses da pesquisa
O primeiro procedimento realizado foi a feitura de uma revisão bibliográfica que
permitisse compreender o objeto de estudo aqui em abordagem: o acusativo anafórico de
terceira pessoa como fenômeno gramatical variável. Ao mesmo tempo, estabeleceram-se os
fundamentos teóricos de que se vale esta pesquisa: os pressupostos da Sociolinguística
Laboviana e as contribuições da Sociolinguística Educacional (Bortoni-Ricardo, 2004),
aliados, ainda, aos princípios do ensino de Português tais como sistematizados por Vieira
(2015), em paralelo às orientações dos PCN (1998).
Com base na revisão da literatura e nos fundamentos teóricos explicitados
anteriormente, formulou-se uma entrevista19 destinada, por escrito, a professores atuantes no
9º ano do Ensino Fundamental. Tal entrevista teve o intuito de alcançar a perspectiva do
professor com relação tanto à compreensão dos conceitos de norma e variação quanto à
avaliação que ele faz sobre as formas variantes de representação do objeto direto de terceira
pessoa mais especificamente. Em seguida, foram selecionadas duas escolas do Rio de Janeiro
por meio das quais fosse possível estabelecer contato com professores de Língua Portuguesa
do 9º ano, ambas pertencentes à rede pública de ensino.
19
A entrevista formulada encontra-se mais bem descrita na seção 3.3.2, incluída na seção 3.3, na qual
se descrevem os materiais de pesquisa investigados. Além disso, pode-se visualizá-la por inteiro nos
anexos desta dissertação.
94
A partir do contato estabelecido, verificou-se de antemão que as duas professoras
atuantes nas turmas de 9º ano (uma em cada escola) utilizavam como material didático os
Cadernos Pedagógicos fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação (SME) do Rio de
Janeiro. Esta informação levou ao acréscimo de uma questão à entrevista formulada: saber a
opinião das professoras sobre a apostila da SME e se, por algum motivo, utilizam outro ou
outros materiais didáticos em suas aulas.
Assim, solicitou-se às duas docentes que respondessem à entrevista e que
disponibilizassem redações corrigidas de seus alunos. Ambas as professoras responderam
positivamente e contribuíram com a pesquisa. Ao observar suas respostas nas entrevistas,
constatou-se que as duas utilizavam outros materiais além dos Cadernos da SME em suas
aulas. A professora da escola 1 faz uso do livro didático Vontade de saber Português, de
Romeire Alves e Tatiane Brugmerotto (2012), como forma de complementar o trabalho feito
com os Cadernos, e a professora da escola 2, por sua vez, informou que complementa seu
trabalho com as atividades do Caderno do Futuro, fornecido pelo Instituto Brasileiro de
Edições Pedagógicas (IBEP).
Essas informações viabilizaram o prosseguimento desta pesquisa, cuja análise se
dividiu em três partes. Na primeira, fez-se uma apreciação crítica, de base qualitativa, do
tratamento dispensado ao tema da retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa nos
materiais didáticos utilizados pelas professoras em sala de aula. Na ocasião, analisou-se
especificamente a orientação feita nos Cadernos Pedagógicos da SME, utilizado pelas duas
docentes, no capítulo sobre pronomes do livro didático e no Caderno do Futuro da IBEP,
utilizados pela professora 1 e pela professora 2 respectivamente. O objetivo, com esta análise,
foi verificar quais formas de retomada anafórica são explicitadas nesses materiais para as
possíveis representações do acusativo anafórico de terceira pessoa, percebendo se e como tais
formas são legitimadas ou não. A segunda etapa de análise desta pesquisa consistiu na
apreciação crítica das entrevistas realizadas com as professoras. A terceira etapa, por fim,
incidiu na análise das redações escolares por elas corrigidas.
Com relação aos três momentos de análise mencionados, foram formuladas três
hipóteses de trabalho. No que concerne ao material didático utilizado, supõe-se que a apostila
pedagógica elaborada pela SME apresentaria poucas referências explícitas ao tema como
conteúdo gramatical (variável) em estudo, tendo em vista uma suposta aversão à “gramática”
que, por certa confusão conceitual, muitas vezes paira em alguns ambientes escolares públicos
95
atuais. A esse respeito, respalda-se na pesquisa diagnóstica que vem sendo desenvolvida por Luiz
Felipe da Silva Durval e Jessica Pegas de Abreu, no âmbito da Iniciação Científica durante o curso da
graduação em Letras da UFRJ, acerca do tratamento dispensado à variação linguística e a temas
gramaticais na referida apostila do Município do Rio de Janeiro, a partir da qual é possível identificar
e compreender com mais detalhes as características mencionadas sobre tal material. O estudo dos
conteúdos gramaticais, em realidade, é de fato importante para as atividades de compreensão
leitora e produção textual explicitamente objetivadas nos PCN (1998).
Já para o livro didático em questão, supõe-se que também não haveria referências
explícitas às variantes existentes no Português do Brasil para este fenômeno; neste caso, a
hipótese se fundamenta no fato de que os livros didáticos em geral costumam objetivar o
alcance de certa norma padrão, sem representatividade das normas cultas e populares em uso.
Ainda que houvesse alguma menção a formas alternantes de representar o elemento acusativo,
acredita-se que o livro buscaria instruir os alunos a empregar o clítico acusativo como sendo a
forma “correta” de representação. Caso haja alguma menção às demais variantes, supõe-se
que seria feita em um adendo, em parte separada do corpo do capítulo, de modo a distanciálas da variante considerada padrão. Elas seriam, então, tratadas como “possíveis em uma
linguagem informal/coloquial”.
Para a análise das entrevistas com as professoras, consideraram-se as noções de norma
e variação até então averiguadas no contexto do ensino conforme os estudos realizados
anteriormente (citados no Capítulo 2, Seção 2.3). Com base em tais estudos, é provável que
haja, em sua perspectiva, uma visão dicotômica entre as variantes existentes no Português do
Brasil e o que se poderia legitimar na escola. Em vista disso, supõe-se que as professoras
compreenderiam a existência de formas acusativas alternantes, como o objeto nulo e o
pronome lexical, mas que, ainda assim, optariam pela primazia da forma com o clítico
acusativo no ambiente escolar em detrimento das demais variantes, as quais não teriam espaço
no contexto do ensino. Nesse aspecto, essa visão dicotômica viria a ser seguida de uma noção
polarizada dos registros formal e informal de uso da língua. Nesse sentido, é possível que as
professoras relacionem a variante considerada padrão como representativa de um contexto
formal, enquanto as demais variantes seriam possíveis apenas em um contexto informal
(conforme orientaria o livro didático, segundo a primeira hipótese), sem ponderar a noção de
continuum entre os graus de monitoração em questão.
96
Com relação à produção escrita dos alunos, por fim, espera-se verificar a ocorrência de
“usos irregulares de clíticos acusativos”, como apontaram Freire (2005) e Xavier (2015). Tais
usos seriam empregados pelos alunos na tentativa de utilizar a forma padrão objetivada no
ensino, o que, em certa medida, resultaria em pelo menos algumas irregularidades, haja vista a
pouca familiaridade que os brasileiros têm com essa variante. Segundo as pesquisas realizadas
até então, o clítico acusativo não constitui parte da gramática interna dos falantes do
Português brasileiro. Assim, embora seja provável uma ocorrência significativa dessa
estratégia, uma vez que os alunos cursam já o 9º ano do Ensino Fundamental, supôs-se que
haveria uma predominância no uso de formas com o SN anafórico e o objeto nulo em função
acusativa na escrita desses estudantes.
Ainda acerca do corpus das redações escolares, no que concerne especificamente à
correção constatada em sua análise, supõe-se que as professoras corrijam, em maior escala, o
emprego do pronome lexical, embora se espere uma baixa frequência de uso dessa variante.
Além disso, é possível que haja um percentual talvez significativo de alguns “usos irregulares
do clítico acusativo de terceira pessoa” (cf. Freire, 2005), tendo em vista a larga distância
entre essa variante e o vernáculo do PB, o que dificultaria, em certa medida, seu aprendizado.
Para a realização da etapa de análise referente ao diagnóstico da produção estudantil e
da correção feita pelas professoras, especialmente, promoveu-se uma investigação
sociolinguística variacionista dos dados encontrados, conforme os pressupostos de Labov
(2008 [1972]). Foram coletadas as redações escolares das turmas de 9º ano do Ensino
Fundamental das duas escolas contatadas, as quais constituíram a amostra que será melhor
descrita ao final deste capítulo, na Seção 3.3.3. A metodologia adotada para sua análise seguiu
os seguintes procedimentos: (i) coleta de dados de acusativo anafórico verificados nas
redações; (ii) codificação dos dados conforme os grupos de fatores controlados (descritos na
seção 3.1.1); (iii) rodadas multivariadas com o Programa Goldvarb X, alcançando uma
descrição de resultados percentuais, pesos relativos e de cruzamentos entre variáveis; e (iv)
análise e interpretação dos resultados, comparando-os aos resultados de estudos anteriores.
Os grupos de fatores controlados na análise das redações e o tratamento dos dados
coletados são detalhados na seção 3.3, que compreende os todos os aspectos da pesquisa que
dizem respeito aos materiais investigados, inclusive à amostra de redações (seção 3.3.3), de
modo que serão abordados, em sequência, nas subseções 3.3.3.1 e 3.3.3.2, ao final deste
capítulo. No que concerne à investigação das correções verificadas no corpus, em especial,
97
fez-se uma apreciação qualitativa das ocorrências corrigidas e não corrigidas pelas
professoras, em casos relevantes à análise.
Após o exame dos materiais didáticos, das entrevistas com as professoras e da
interpretação dos resultados da análise sociolinguística variacionista feita com os dados das
redações escolares, foi possível traçar um paralelo entre as considerações feitas para cada um
desses três materiais de pesquisa. Assim, alcançou-se o objetivo geral desta pesquisa: verificar
como se concretiza a tríade “material didático – orientação do professor – domínio por parte
dos alunos” no que tange às variantes linguísticas existentes para a representação do objeto
direto anafórico de terceira pessoa e, a partir disso, promover algumas reflexões sobre o
ensino nesse âmbito.
3.2 Descrição dos ambientes escolares da pesquisa
Ao considerar a relevância de conhecer o contexto educacional que permeia o trabalho
aqui desenvolvido, expõem-se, nesta seção, as circunstâncias em que se encontram as escolas
aqui envolvidas, tendo em vista a abrangência de seu alunado, o contexto social e a estrutura
física de cada uma delas. Visando ao não comprometimento das referidas instituições, optouse por não divulgar seus nomes, bem como os nomes das respectivas professoras que
concederam a entrevista. Assim, a referência às escolas e às professoras será feita por meio
das expressões escola 1 e escola 2; professora 1 e professora 2.
A escola 1 encontra-se situada na Zona Norte do Rio de Janeiro, no bairro da Vila da
Penha, e atende a alunos da Educação Infantil até o 9º ano do Ensino Fundamental, incluindo
o Ensino Fundamental – Educação Especial. No momento, abrange um total de seiscentos e
setenta e seis estudantes. Destes, cento e setenta cursavam o 9º ano do Ensino Fundamental no
ano de 2015, divididos em quatro turmas. No que tange ao ensino de Português mais
especificamente, a escola conta com o exercício de oito professores, que, em geral, lecionam
cada um em três turmas. Em 2015, no entanto, as quatro turmas de 9º ano apresentaram uma
única professora de Português como responsável, a qual cedeu a entrevista para esta pesquisa.
É uma instituição consideravelmente grande, no sentido de que abarca um número
expressivo de alunos (676), os quais, em sua maioria, vivem em comunidades do bairro e
proximidades. A escola apresenta uma boa infraestrutura, dispondo de sala de vídeo,
laboratório de informática, aparelhos de som e um data show em cada sala de aula, além de
98
vários outros disponíveis, segundo informou a direção da instituição. Todos, salas e aparelhos,
encontram-se em boas condições de uso. Além disso, a direção afirmou que a escola possui
internet wifi disponível nas salas de aula, caso haja algum evento em que seu uso seja
produtivo.
A escola 2 também se situa na Zona Norte do Rio de Janeiro, no bairro de Irajá, e, por
sua vez, atende a um total de quatrocentos e oitenta alunos do Ensino Fundamental e da
Educação de Jovens e Adultos. Deste total de alunos, somente sessenta e nove cursavam o 9º
ano do Ensino Fundamental em 2015, os quais se encontravam divididos em três turmas. Para
o ensino de Português, a direção informou haver quatro professores atuantes na instituição:
três efetivos e um exercendo dupla regência (oriundo de outra escola). Dessa forma, os
professores costumam atuar em duas séries. No ano de 2015, em especial, a professora de
Português responsável pelas turmas de 9º ano estava em vias de se aposentar e, assim,
lecionou nessas turmas até o 3º bimestre do ano letivo apenas. Com isso, as turmas de 9º ano
ficaram sem professor para as aulas de Língua Portuguesa durante o último bimestre de 2015.
Como se pode notar, é uma instituição consideravelmente pequena, se comparada à
escola 1 e a outras unidades educacionais, já que abarca um número menor de funcionários e
estudantes (480). A maioria de seus alunos também advém de comunidades do entorno da
região – Morro da Serrinha, Morro do Juramento e Malvina –, segundo informou a direção,
embora sua unidade não esteja localizada tão próxima a elas. A escola conta com uma sala de
vídeo e um data show na maioria das salas de aula, mas somente as salas do 2º andar possuem
internet wifi para um possível uso educacional. Há, entretanto, uma sala de leitura bem
organizada e bastante frequentada pelos alunos.
Ambas as escolas se apresentam como contextos educacionais, de modo geral,
semelhantes, considerando a origem/classe social de seus alunos e a região onde se situam as
unidades de ensino (em bairros muito próximos). O que mais as diferencia, em contrapartida,
é a abrangência de seu alunado em números e a infraestrutura de cada uma.
Na seção a seguir, apresentam-se, mais detalhadamente, os materiais utilizados para a
análise do tratamento pedagógico da regra em estudo.
99
3.3 Descrição dos materiais de pesquisa
Conforme já se esclareceu, esta pesquisa compreende três tópicos de análise: os
materiais didáticos utilizados pelas professoras 1 e 2; uma entrevista com elas realizada; e 260
redações escolares de seus alunos (por elas corrigidas). Tais materiais de pesquisa são
descritos nas subseções a seguir, separadamente.
3.3.1 Os materiais didáticos utilizados
Acerca dos materiais didáticos, foram três as obras analisadas: os Cadernos
Pedagógicos da SME, presentes nas aulas de ambas as professoras; o livro didático Vontade
de saber Português, de Romeire Alves e Tatiane Brugmerotto (2012), utilizado pela
professora 1; e o Caderno do Futuro da IBEP, utilizado pela professora 2. Desse modo,
vejamos a estruturação de cada um deles.
a) Os Cadernos Pedagógicos da Secretaria Municipal de Educação (SME)
Os Cadernos Pedagógicos da SME são formulados no intuito de auxiliar o docente no
exercício de sua profissão, tendo em vista a extensa carga horária que, em geral, dificulta a
produção contínua de materiais próprios (embora não seja esta uma regra). Esses Cadernos
são fornecidos bimestralmente às escolas municipais e se baseiam, de modo geral, nas
orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) referentes, no caso, ao Ensino
Fundamental. Para esta pesquisa, foram analisados os Cadernos referentes ao 9º ano do
Ensino Fundamental, do primeiro ao quarto bimestre do ano de 2015, a fim de abranger
exatamente o material destinado às turmas e respectivas professoras, que cederam suas
entrevistas.
Ao que parece, toda a orientação desse material é feita a partir de textos, sobre os
quais são elaboradas diversas questões e atividades. Os assuntos abordados nos textos
também desencadeiam temas para as produções textuais dos alunos. A obra, dessa forma, não
segue unidades ou seções predefinidas, havendo um ou outro tópico de destaque ao longo do
trabalho com os textos. Esses tópicos, em geral, são feitos por meio de pequenas seções
denominadas Espaço criação, Espaço pesquisa, Fique ligado!, Arrumando as ideias e
Produção de texto, dispostos aleatoriamente a depender da necessidade de determinada
abordagem.
100
No primeiro capítulo de análise desta pesquisa (Capítulo 4), será possível observar
com mais nitidez a disposição desse material, especialmente no que diz respeito ao conteúdo
linguístico aqui em enfoque.
b) O livro didático Vontade de saber Português, de Romeire Alves e Tatiane Brugmerotto
(2012)
O livro didático em questão, utilizado pela professora 1, é parte de uma coleção
fornecida pela FTD Educação para o Ensino Fundamental II (que vai do 6º ao 9º ano), cujos
livros foram aprovados pelo PNLD (2014). A coleção está organizada em quatro volumes,
cada um com seis unidades. Para esta pesquisa, foi investigado somente o volume dedicado ao
9º ano, mais especificamente as unidades que abordam o ensino de pronomes e fazem
referência às estratégias de retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa.
Assim, bem como para os Cadernos da SME, as seções deste livro que envolvem o
referido fenômeno serão mais bem exploradas no primeiro capítulo de análise desta
dissertação. Além disso, suas páginas que aludem a tal conteúdo encontram-se disponíveis na
seção de anexos.
c) O Caderno do Futuro do Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas (IBEP)
O Caderno do Futuro, utilizado pela professora 2, compõe uma coleção mais
abrangente, que abarca o Ensino Fundamental I e II, desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de
Edições Pedagógicas (IBEP). Para esta pesquisa, foi analisada a edição reformulada destinada
ao 9º ano do Ensino Fundamental, a qual busca sistematizar os conteúdos estudados desde o
6º até o final do 9º ano. Para tanto, a obra apresenta uma extensa gama de atividades,
formuladas de modo a promover uma revisão dos conteúdos trabalhados durante tais períodos.
As atividades deste Caderno estão dispostas em quinze unidades que pontuam
determinados temas linguísticos, a saber: Revisão das classes gramaticais e funções sintáticas
das palavras – I; Revisão das classes gramaticais e funções sintáticas das palavras – II;
Discurso direto / discurso indireto e orações intercaladas; Frase, oração, termos da oração,
núcleo dos termos e período; Orações coordenadas; Orações subordinadas adverbiais;
Orações subordinadas adjetivas; Orações subordinadas substantivas – I; Orações
subordinadas substantivas – II; Orações subordinadas reduzidas de particípio, gerúndio e
101
infinitivo; Denotação e conotação; Qualidades da boa linguagem20; Colocação pronominal;
Tempos verbais; Vozes do verbo. Todas as unidades são constituídas de exercícios, havendo
apenas alguns lembretes teóricos ao longo da obra. Em algumas, porém, expõe-se uma
concisa e sistemática explicação sobre o assunto a ser abordado, anteriormente às atividades
sugeridas. Em quase todas as unidades, há o agrupamento de determinados exercícios em uma
seção designada Ortografia – vamos escrever certo?; e, ao final de algumas, há a seção
Prática de produção de texto, na qual se solicita a feitura de diferentes redações.
No que concerne ao fenômeno linguístico aqui em questão, foram encontradas
referências nas unidades 2 e 13 desse Caderno, as quais são também devidamente exploradas
no primeiro capítulo de análise. No mais, as páginas referentes ao tema desta pesquisa
também se encontram disponíveis na seção de anexos desta dissertação, para melhor
visualização do material.
3.3.2 A entrevista
Com base nos estudos anteriores que integram a questão dos conceitos de gramática e
variação ao ensino de Português (cf. Capítulo 2) e considerando os objetivos propostos nesta
pesquisa, buscou-se, com a entrevista formulada, alcançar três respostas no que concerne à
perspectiva das docentes sobre o tema, quais sejam:
(i) qual o conceito de gramática compreendido pelas professoras?;
(ii) qual é a concepção de variação e normas da língua de que dispõem as professoras?; e
(iii) que compreensão as professoras apresentam acerca das variantes disponíveis no sistema
linguístico para a representação do objeto direto anafórico de terceira pessoa?
Tais questões se tomam no intuito de compreender a concepção de ensino de
Português que orienta a conduta das professoras em sala de aula. Assim, é possível traçar um
paralelo entre suas perspectivas e os resultados de produção textual de seus alunos, como
reflexo da aprendizagem obtida. Para tanto, a entrevista foi destinada por escrito às referidas
professoras, a fim de compreender sua visão sobre variação e normas na Língua Portuguesa
20
Esta unidade contém questões que exigem a reescritura de frases ambíguas, substituição de
expressões prolixas por concisas , definição de palavras parônimas, exercícios que envolvem
concordância verbal, entre outros.
102
de modo geral e sobre a variação nas formas de representação do objeto direto anafórico de
terceira pessoa mais especificamente.
A essa finalidade, soma-se a intenção de alcançar a percepção das professoras sobre o
conceito de gramática e sua opinião acerca da abordagem gramatical feita nos Cadernos
Pedagógicos da SME, por ambas utilizados, o que se fez por meio das perguntas iniciais da
entrevista:
1. Você utiliza algum livro didático para suas aulas de Língua Portuguesa? Qual? Em
que medida o utiliza: em paralelo a outros materiais de apoio ou usa o livro de forma
exclusiva, seguindo estritamente suas orientações? Por quê?
2. Sobre a apostila de apoio pedagógico elaborada pela Secretaria Municipal de
Educação – RJ,
a) você a utiliza em sala de aula? Qual a sua opinião sobre esse material? Você acha que
atende às necessidades do aluno de Língua Portuguesa? Por quê?
b) O que você acha da abordagem gramatical feita na referida apostila? Está de acordo com
ela ou você acha que deveria haver uma abordagem mais específica do componente
gramatical?21
Com isso, buscou-se compreender se as professoras acrescentam e desenvolvem
informações em sala de aula para além do que fornece o material utilizado e, ainda, qual a
opinião delas sobre o tratamento dispensado aos fenômenos variáveis nos Cadernos da SME:
c) O que você acha da abordagem de fenômenos variáveis feita na referida apostila? Está de
acordo com ela ou você acha que deveria haver uma abordagem mais normativa desses
fenômenos?
As últimas perguntas foram formuladas na tentativa de tomar conhecimento de quais
formas são por elas legitimadas no ambiente escolar e de que maneira o são, abarcando sua
percepção sobre os conceitos de norma e a avaliação que fazem sobre os usos linguísticos
observados para o fenômeno gramatical variável em questão:
21
Embora a colocação de alternativas nos enunciados 2b e 2c pudesse direcionar, de certo modo, a
resposta dos professores entrevistados, o intuito de tais formulações foi, na verdade, evitar possíveis
respostas vagas ou pendentes, pouco elaboradas por parte dos docentes.
103
4. Numa construção como “O bebê ficou doente, então a mãe levou ele ao médico.”,
escrita por seus alunos, você corrigiria algo? O quê? Por quê?
5. No livro didático de William Cereja e Thereza Magalhães (2012), há como
exercício proposto, em dado momento, a seguinte questão (aqui, reduzida):
Nas frases a seguir, alguns pronomes estão empregados em desacordo com a norma padrão.
Reescreva as frases empregando tais pronomes de acordo com essa variedade.
a) O livro não está comigo. Emprestei ele para a minha prima.
e) Eu não vi elas na festa. Será que elas não foram convidadas?
Em sala de aula, ao corrigir este exercício, você apenas informa as respostas fornecidas como
corretas no livro do professor ou também aceita outras possíveis respostas dadas pelos
alunos? Se aceita, quais respostas você validaria? Por quê?
6. Como você vê essa norma-padrão empregada no livro no que diz respeito ao ensino
da língua portuguesa, em especial com os alunos do 9º ano?
7. Marque abaixo qual ou quais formas seus alunos utilizam com mais frequência:
( ) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora guardou para mim.
( ) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora o guardou para mim.
( ) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora guardou ele para mim.
( ) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora guardou-o para mim.
Como você avalia as formas mais utilizadas pelos seus alunos? Por quê?
Além disso, foi formulada uma narrativa fictícia de um suposto aluno do 9º ano do
Ensino Fundamental, com diversos usos irregulares de ortografia e gramática. Tal narrativa
foi adicionada à entrevista no intuito de que as professoras expusessem a correção que fariam
no texto. Assim, seria possível perceber quais variantes elas notariam e, se fosse o caso, como
as corrigiriam:
3. Considerando a narrativa abaixo como feita por um de seus alunos do 9º ano do
Ensino Fundamental, o que você corrigiria no texto? Poderia apontar no texto tais correções?
104
Cinderela era uma menina doce e gentil. Vivia com seus pais em uma fazenda muito
bonita, rodeada de natureza. Ela amava os seus pais mais do que tudo nessa vida. Um
dia, sua mãe ficou doente e não aguentou. Foi um momento muito triste para Cinderela
e seu pai. Depois de um tempo, ele se casou com uma moça malvada mas que fingia
ser boa para ele. A Cinderela teve que aceitar ela e se acostumar com os caprichos dela.
A moça malvada ainda tinha duas filhas, e elas não era nada legais com a Cinderela.
Quando o seu pai morreu, ela ficou sendo a empregada da casa e não tinha direito de
nada, e também tinha que dar seu quarto para as irmãs novas e dormir no porão. Ela era
a única que tinha que fazer todos os afazeres da casa, arrumar os quartos e limpar
também, lavar a louça, fazer a comida etc etc etc. Ela fazia tudo. Até que chegou o dia
do baile do príncipe do reino e sua madrasta não deixou ela ir. Eles já tinham se
conhecido antes e estavam apaixonado um pelo outro. A fada madrinha da Cinderela
apareceu e fez um vestido lindo e maravilhozo para ela ir no baile com uma carruagem
de abóbora que ela transformou os animais. Mas ela tinha voltar antes da meia noite.
Quando deu meia noite ela teve que correr para ir embora e deixou seu sapato de cristal
cair. O príncipe pegou e depois conseguiu achar a Cinderela porque só cabia no pé
dela.
Sobre as correções apontadas acima, você teria alguma observação a fazer? Se sim, qual?
Dessa forma, a entrevista foi composta por sete perguntas discursivas, de modo que as
docentes pudessem dissertar mais livremente sobre as indagações feitas. No primeiro capítulo
de análise desta pesquisa, todas as respostas conferidas são destacadas, em prol de uma
apreciação crítica mais clara. Para melhor visualização, ainda, a entrevista propriamente dita
está disponível na seção de anexos desta dissertação.
3.3.3 As redações escolares
As redações escolares coletadas para esta pesquisa advêm da própria avaliação de
produção textual das escolas municipais do Rio de Janeiro, que ocorre bimestralmente, a
partir da qual são obtidas e lançadas as notas de produção textual do alunado. Todas as
redações coletadas foram do tipo textual narrativo, tendo em vista que a ocorrência de dados
de acusativo anafórico é mais provável em narrações (cf. os resultados de Machado (2006)
citados no Capítulo 1). Tanto as redações provenientes da escola 1 quanto as da escola 2 são
compostas por textos em que os alunos deveriam narrar um pequeno conto no qual o
protagonista fosse o personagem de algum livro por eles lido durante o bimestre. No caso,
foram coletadas as redações do primeiro bimestre do ano letivo de 2015 de todas as turmas de
9º ano de cada escola contatada.
105
Como observado na seção 3.2, a escola 2 tem por característica um número de alunos
bem menor do que a escola 1, dispondo de apenas de três turmas de 9º ano, que contabilizam
o total de sessenta e nove alunos desse nível escolar. A escola 1, por sua vez, abarca quatro
turmas com um total de cento e setenta alunos do 9º ano. Em vista disso, foi necessário
completar a amostra da escola 2 com as redações do terceiro bimestre de 2015, na tentativa de
equilibrar o corpus de análise desta pesquisa. Essa complementação, no entanto, não
comprometeu a investigação aqui feita, já que as avaliações de produção textual dos dois
bimestres (1º e 3º) seguiam os mesmos parâmetros, com apenas uma diferença: o comando da
avaliação do terceiro bimestre solicitava que os alunos produzissem um conto a partir de
algum acontecimento de um livro por eles lido, e não a partir de um personagem, como no
comando do primeiro bimestre.
Dessa forma, foram coletadas 260 redações dos alunos de 9º ano das escolas 1 e 2,
todas já corrigidas pelas respectivas professoras: 130 da escola 1, oriundas das quatro turmas
de 9º ano nela existentes, e 130 da escola 2, oriundas das três turmas de 9º ano nela existentes.
Nessa ocasião, fez-se o levantamento dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa
encontrados nos textos e iniciou-se o tratamento sociolinguístico variacionista descrito na
seção 3.3.3.1 a seguir. Dentre as 260 redações coletadas, foram encontrados 657 dados de
objeto direto anafórico de terceira pessoa, os quais compuseram o corpus desta pesquisa.
3.3.3.1 Grupos de fatores controlados
Para a análise sociolinguística variacionista das redações, estabeleceu-se a
possibilidade de cinco variantes para a representação do objeto direto anafórico de terceira
pessoa:
(i) o pronome clítico:

Harry é apaixonado por Hermioneᵢ desde que aᵢ conheceu (Redação 032, escola 1,
sexo masculino).
(ii) o pronome lexical:

A meninaᵢ nunca teve o que quiz, mais teve fé e sonhava em poder ajudar os outros.
Dos três anos sua avó retirou elaᵢ do orfanato (Redação 036, escola 1, sexo feminino).
106
(iii) o objeto nulo:

Uma vez a mulher deixou o celularᵢ de bobeira e o homem pegou ᵢ para mexer
(Redação 146, escola 2, sexo masculino).
(iv) o SN anafórico:

Quando entrou, viu a bruxaᵢ preparando a panela para por a menina. Ele prendeu a
bruxaᵢ e salvou Isabela, que lhe agradeceu muito (Redação 142, escola 2, sexo
masculino).
(v) o pronome demonstrativo22:

Mia dizia [que não e que isso era muito importante pra ela e que não queria que
ninguém o tocasse]ᵢ. Ela dizia issoᵢ até mesmo para sua melhor amiga (Redação,
escola).
A variante SN anafórico, no entanto, foi controlada, ainda, de forma mais detalhada,
consoante três formas distintas, quais sejam:
(i) o SN idêntico, que abarca o uso de expressão nominal exatamente igual ao SN antecedente:

Lucas entrou na água para salvar as meninasᵢ seus colegas vieram e ajudaram ele a
salvar as meninasᵢ (Redação 012, escola 1, sexo masculino);
(ii) o SN semelhante, que envolve expressões nominais com apenas o núcleo idêntico ao do
antecedente, podendo variar quanto a determinantes e/ou adjuntos, por exemplo:

Ele morava sozinho e tinha vários amigosᵢ. Quando eles precisavam de ajuda, Ivo
sempre dava um jeito de ajudar os seus amigosᵢ (Redação 100, escola 1, sexo
feminino);
(iii) o SN sinônimo, que abarca expressões nominais totalmente diferentes do antecedente,
inclusive com núcleos distintos:

O pai da meninaᵢ, no passado, teve um caso com a fada Malévola, que não estava
contente em ver seu amadoᵢ com outra (Redação 197, escola 2,sexo feminino).
22
Embora a variante pronome demonstrativo não ocorra em variação com todas as demais formas de
retomada, já que a referência anafórica a um objeto proposicional não seria possível por meio de um
SN anafórico ou pronome lexical, por exemplo, tal variante foi aqui contabilizada apenas para
abranger os dados de proposições encontrados no corpus, que foram devidamente separados na análise
dos efeitos variáveis.
107
Essa medida foi adotada com base nos resultados de Machado (2006), que mostraram
o baixíssimo índice de uso de SN sinônimos pelos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental à
3ª série do Ensino Médio, quando houve um aumento muito pouco significativo no uso dessa
estratégia (de 1% para 9% dos casos constatados). Na ocasião, a autora diferenciou apenas as
formas SN sinônimo e Mesmo SN, a qual englobava os nossos SN idênticos e semelhantes.
Posteriormente, foram estabelecidos treze grupos de fatores que poderiam condicionar
a ocorrência de uma ou outra variante. Dentre estes, foram controladas dez variáveis
independentes linguísticas, especificadas a seguir.
a) Natureza do antecedente
Natureza do antecedente
Sintagma nominal A campainha tocou: “BLIM! BLOM!” a moça rapidamente foi
atender . (Redação 164, escola 2, sexo masculino)
Oração
Todo dia a professora chega na sala de aula na intensão de tratar
todos os alunos da mesma forma, mas com o Vitor ela não
conseguia . (Redação 162, escola 2, sexo feminino)
Não é comum que os falantes brasileiros retomem um antecedente oracional com o
clítico acusativo, seja na fala, seja na escrita. Nesses contextos, em geral, utiliza-se o objeto
nulo no PB, conforme aponta Freire (2005). Assim, espera-se que os dados de clítico
encontrados no corpus venham a retomar apenas os antecedentes sintagmas nominais, os
quais, a depender de outros contextos linguísticos, podem vir a ser retomados também pelas
demais variantes.
b) A animacidade do antecedente
Animacidade do antecedente
Animado
Istephany fala que está muito feliz com seu namorado mas David
continua a pertuba ela. (Redação 161, escola 2, sexo feminino)
108
Inanimado
Ela levantou para abrir a porta e quando ela abriu  o homem
misterioso era seu vizinho que foi entregar a conta de luz. (Redação
011, escola 1, sexo masculino)
Proposicional
Ela chora falando que é o primo dela, que pode provar , mas ele não
acredita e vai embora... (Redação 146, escola 2, sexo masculino)
Esta variável se mostra altamente relevante para os estudos que envolvem o tema do
acusativo anafórico. Segundo as pesquisas anteriores de Omena (1979), Duarte (1986),
Marafoni (2004), Freire (2005), entre outros, o traço [+ animado] do antecedente é o maior
favorecedor do uso do ele acusativo e, por outro lado, oferece resistência ao emprego do
objeto nulo. Ao considerar que o pronome lexical é a variante mais estigmatizada
socialmente, supôs-se que as poucas ocorrências dessa estratégia seriam verificadas em
contextos de antecedentes animados, tal como o exemplo fornecido acima.
c) A especificidade do antecedente
Especificidade do antecedente
Específico
Quando a menina se aproximou, a bruxa a puxou pelo braço e foi com
ela para sua casa (a casa 23). (Redação 142, escola 2, sexo masculino)
Não
Depois de tanta depressão, ele virou usuário de drogas. Ele vendia
específico
tudo que tinha para comprar as suas drogas e não possuia mais nada.
(Redação 042, escola 1, sexo feminino)
Proposicional
Só que o que ela não sabia, que ele amava ela e não conseguia dizer 
para Hazel. (Redação 105, escola 1, sexo feminino)
Embora os estudos citados para a variável anterior evidenciem o traço [- animado] do
antecedente como fator de resistência ao objeto nulo, Averbug (2000) e Marafoni (2004)
verificaram a ocorrência dessa variante até mesmo em contextos de antecedentes inanimados,
o que demonstra a ampliação progressiva dos contextos que licenciam o uso da categoria zero
para o objeto direto no PB. Nesse sentido, Averbug (2008) apontou que, quando o traço
semântico [- animado] do antecedente é associado ao traço [- específico], o objeto nulo é a
109
variante mais frequente no PB, além dos contextos de antecedente proposicional. A autora
mostrou que a resistência que persiste ao objeto nulo no PB não se relaciona propriamente à
animacidade, mas sim à especificidade do antecedente: “o objeto nulo [- específico] pode
aparecer com antecedente animado ou inanimado” (AVERBUG, 2008, p. 198-199). Assim,
espera-se encontrar, no corpus em estudo, a maior frequência de objetos nulos com
antecedentes não específicos e, em contrapartida, os contextos de antecedente específico
devem condicionar o emprego das demais variantes.
d) A função sintática do antecedente
Função sintática do antecedente
Ele pediu desculpas, mas ela não aceitou . (Redação 026, escola 1, sexo
Igual
feminino)
Diferente
Cam era um garoto de 17 anos, com cabelos escuros e olhos verdes.
Assim que Luce o viu se apaixonou estanteneamente. (Redação 056,
escola 1, sexo feminino)
A presença de um antecedente que exerce a mesma função sintática do acusativo
anafórico (ou seja, a função de objeto direto) favorece o uso do objeto nulo, conforme
apontam as pesquisas de Omena (1979), Marafoni (2004), entre outras. Em vista disso, a
suposição que aqui se faz é que as demais variantes, inclusive o clítico, venham a retomar
mais facilmente um antecedente cuja função sintática é diferente. Busca-se saber, ainda, se
este contexto de função sintática diferente pode alcançar um favorecimento, em alguma
medida, ao uso do clítico, já que os alunos que produziram os enunciados aqui investigados se
encontram no 9º ano e, portanto, devem, segundo a influência normalmente exercida pela
escola, objetivar o uso dessa variante, evitando o emprego de pronomes lexicais.
e) A forma verbal do predicador do acusativo anafórico
Forma verbal
Simples flexionada
E quanto ao cãozinho, ela levou ele para casa, cuidou dos
110
seus ferimentos e o adotou. (Redação 021, escola 1, sexo
feminino)
Simples não flexionada Thomas não conhecia sua avó por parte de pai e tinha muita
no infinitivo
vontade de conhecê-la. (Redação 051, escola 1, sexo
masculino)
Simples não flexionada Harry a beija por um longo período, tirando seu fôlego e
no gerúndio23
logo em seguida a pedindo em namoro. (Redação 032,
escola 1, sexo masculino)
Complexa
Caroline estava com anemia. Sua tia foi ajudando ela a se
recuperar a tempo, antes que seja tarde a Caroline não
consiga ganhar a disputa com as 22 meninas. (Redação 010,
escola 1, sexo feminino)
Conforme observado no Capítulo 1, os estudos anteriores vêm demonstrando que a
escola recupera o uso do clítico acusativo em contextos determinados. Freire (2005) mostrou
que essa variante consegue superar o uso das demais apenas em construções com tempo
verbal simples e, principalmente, quando não flexionado, no infinitivo, como em “conhecêla”. Ao considerar a modalidade oral do PB, Duarte (1986) apontou que, além das formas com
infinitivo, os contextos de verbos simples do indicativo, sobretudo no presente e no pretérito,
são os únicos em que essa variante ainda ocorre (como em “o adotou”, no pretérito). Em vista
disso, esta variável foi controlada no intuito de averiguar com quais formas verbais o uso do
clítico seria mais frequente, tendo como hipótese, portanto, que ocorreriam com mais
frequência nos contextos de verbos flexionados e/ou no infinitivo, quando não flexionados.
f) A estrutura sintática da frase do acusativo anafórico
Estrutura sintática da frase
S V OD
Com 4 meses de namoro David fala que ainda gosta dela e que
nunca a traiu e pede para voltar. (Redação 161, escola 2, sexo
feminino)
23
Buscou-se controlar, também, formas verbais simples não flexionadas no particípio, porém não
houve dados de acusativo anafórico com verbos no particípio no corpus analisado.
111
Nessa mesma época, eu levei a pedra para casa e mostrei  à minha
S V OD OI
mãe. (Redação 158, escola 2, sexo masculino)
S
V
OD
+
A tia ficou com o dinheiro todo até ela completar 21 anos. Sua tia
Complemento
mandou ela para o internato, sopra fica com o dinheiro dela.
oblíquo
(Redação 001, escola 1, sexo feminino)
S
V
OD
+ Thomas morava no Rio de Janeiro com seus pais. Seus amigos
Predicativo
chamavam ele de nerd, porque ele não conseguia viver um
segundo sem internet. (Redação 051, escola 1, sexo masculino)
S V OD + Verbo Caroline fazia coisas absurdas, botava o dedo na garganta para
no infinitivo
poder vomitar, tomava remédios que fazia ela passa mal e
desmaiar. (Redação 010, escola 1, sexo feminino)
S V OD + Verbo
no gerúndio
Então o fazendeiro voltou, mais tarde e tentou sesquetra a
porquinha e o zezinho so viu a porquinha gritano e levatou
desperado. (Redação 003, escola 1, sexo masculino)
Os estudos anteriores de Omena (1979), Duarte (1986), Marafoni (2004), Freire
(2005), entre outros, demonstraram que os contextos em que o termo anafórico exerce “dupla
função” – como nas estruturas S V OD + preditacativo e S V OD + verbo no infinitivo ou
gerúndio, em que o objeto é, também, sujeito da oração seguinte – são os fortes favorecedores
ao emprego do ele acusativo, tanto na fala quanto na escrita (em menor nível de escolaridade)
do PB. Além disso, Duarte (1986) aponta que as estruturas S V OD são as únicas em que
ainda se verificam clíticos na fala brasileira. Assim, espera-se encontrar, no corpus em
análise, a maior ocorrência de clíticos regulares em estruturas SVOD e de pronomes lexicais
em estruturas de “dupla função” com predicativo (S V OD + Predicativo), verbo no infinitivo
(S V OD + verbo no infinitivo) e/ou verbo no gerúndio (S V OD + verbo no gerúndio).
Ademais, ao considerar um corpus de redações corrigidas, supôs-se que, caso
houvesse usos de pronome lexical não corrigidos pelas professoras, estes provavelmente
apareceriam em estruturas como estas, de “dupla função”, uma vez que são as menos
“perceptíveis” aos brasileiros, não carregando o estigma de construções S V OD com ele
acusativo, por exemplo, muito pouco usuais, principalmente na escrita.
112
g) O tipo da oração do acusativo anafórico
Tipo de oração
Todos os dias a mãe do Luiz levava ele para o treino de
Absoluta
futebol. (Redação 044, escola 1, sexo masculino)
Coordenada assindética
Ele deu assistência para vários amigos. O professor
chamou ele e disse para Pedro: amanhã voce traz os
documentos que voce passou, jogou muito bem.
(Redação 138, escola 1, sexo masculino)
Coordenada sindética
O professor chamou ele e disse para Pedro: amanhã voce
traz os documentos que voce passou, jogou muito bem.
Ele chegou na casa e disse  para a mãe e foram fazer
logo os documentos. (Redação 138, escola 1, sexo
masculino)
Renata vendo o corte da perna do Ivo, ela o leva ao
Principal
hospital. (Redação 100, escola 1, sexo feminino)
Completiva de verbo com Lúcifer estava de volta à sua jaula. O que o surpreendeu
função de sujeito24
é que os irmãos voltaram para caça-lo. (Redação 161,
escola 2, sexo feminino)
Completiva de verbo com Ela pediu perdão para Micaela e prometeu compreendefunção de objeto
la melhor, se ela voltasse para casa. (Redação 112,
escola 1, sexo feminino)
Completiva
de
oblíqua
verbo O pai terminou de fazer as compras e sem esperança
ajudaram o pai a guarda as compras. (Redação 043,
escola 1, sexo masculino)
Completiva de nome
Numa cidade bem distante havia um menino que quando
ficava triste gostava de brincar com seus carrinhos que
têm um superdispositivo e eram capazes de leva-lo para
outro lugares. (Redação 175, escola 2, sexo masculino)
24
A respeito das orações consideradas completivas de verbo com função de sujeito, as quais, pela GT,
se enquadrariam como uma oração adjetiva (“que o surpreendeu”) cujo pronome relativo “que”
retomaria o elemento “o” (no caso, referente a “aquilo”), esclarece-se que os fundamentos para análise
de tais orações com base na gramática de Mira Mateus (2003), na qual se pode compreender tal
estrutura como indicativa de orações subjetivas (“o que o surpreendeu”).
113
Relativa
Liz sem saber o que fazer, sai pelas ruas sem rumo,
quando se da conta é atingida por um carro que a joga
há metros de distância. (Redação 096, escola 1, sexo
masculino)
Adjunta
Ele chutou a bola e fez o gol, caindo nos braços da
torcida, fazendo a torcida feliz. (Redação 073, escola 1,
sexo masculino)
Acredita-se que esta variável poderia ilustrar o “caráter pronominal do objeto nulo no
PB” (cf. Freire, 2005), tendo em vista as considerações de Cyrino (1993, 1997) e Freire
(2005), que apontam a ausência de restrições ao uso dessa categoria zero em quaisquer tipos
de oração na fala e escrita brasileira.
Além disso, é possível que a ordem mais comum de uso da variante clítico acusativo
demonstre alguma representatividade com relação à sua produtividade no corpus investigado.
Como apontou Machado (2006), o uso da ênclise é mais difícil quando se trata de orações
mais dependentes, como as completivas, relativas e adjuntas, nas quais os conectores
normalmente favorecem o uso da próclise, à exceção dos casos de orações reduzidas com em
“prometeu compreendê-la melhor”, nos quais a ênclise é mais frequente. Nos contextos de
orações mais independentes, como as absolutas, coordenadas assindéticas e principais, por sua
vez, seria possível verificar tanto a próclise quanto a ênclise.
h) A distância entre o antecedente e o termo anafórico
Distância entre o antecedente e o acusativo anafórico
Perto
E em seu primeiro dia de namoro Istephanyᵢ traiu David com Renan. O pai
de David aᵢ viu com Renan e contou pra seu filho que não acreditou.
Longe
Acontece que passava pela rua um policial que ouviu os gritos da meninaᵢ.
Ele bateu na porta e como ninguém abriu ele arrombou-a. Quando entrou,
viu a bruxa preparando a panela para por a meninaᵢ.
114
Para a definição de “perto” e “longe” adotada nesta pesquisa, tomou-se como medida a
distância estrutural de cinco orações entre o termo antecedente e o acusativo anafórico 25. O
estabelecimento desta medida ocorreu com base na observação dos dados do corpus em
estudo. Em primeiro caso, ponderou-se sobre a possibilidade de a distância ser instituída em
função da paragrafação das redações, tendo em vista a correlação mais próxima das ideias
contidas em um parágrafo. Assim, seria considerada “perto” a ocorrência de termos
antecedentes e anafóricos em um mesmo parágrafo; “longe” a referência estabelecida entre
parágrafos diferentes. No entanto, como as redações aqui investigadas não apresentaram uma
paragrafação regular, uma vez que algumas se compuseram em um parágrafo único enquanto
outras foram compostas por vários parágrafos com apenas uma ou duas orações, optou-se por
formular a medida em decorrência do número de orações que separaram um e outro termo.
Dessa forma, considerou-se “perto” o máximo de cinco orações de distância entre os
termos; “longe”, por sua vez, a retomada exercida em uma distância superior a esta medida.
Nesse caso, trabalhou-se com a hipótese de que, se o termo antecedente estivesse mais
distante do acusativo anafórico, provavelmente o aluno optaria por utilizar um SN anafórico,
para que sua referência ficasse mais clara, como apontou Xavier (2015). Em contrapartida,
supõe-se que haveria mais chances de o aluno substituir o antecedente por um pronome
quando houvesse uma distância menor entre os termos.
i) A ordem do clítico
Ordem do clítico
Próclise a formas Liz sem saber o que fazer, sai pelas ruas sem rumo, quando se da
simples
conta é atingida por um carro que a joga há metros de distância.
Ênclise a formas Ela ficou inconformada que a boneca era muito pálida e decidiu
simples
colocá-la no sol.
Próclise ao verbo Léo cresceu sem conhecer o pai. Ele o havia abandonado por
auxiliar
25
algum motivo desconhecido.
Embora um critério mais preciso de controle de distância fosse a contagem do número de sílabas
entre um e outro termo, a opção por utilizar o critério de número de orações decorre da distância no
encaminhamento das informações no texto do aluno: um novo conteúdo proposicional, nova grade
argumental, remete a certa dispersão do raciocínio informativo, o que direciona a uma distância mais
acentuada.
115
Ênclise ao verbo Um menino de 12 anos ligou para o pai para contar que uma
auxiliar
mulher que ele conhecia ia aparecer na televisão, e ele acaba
ficando nervoso pensando que não ia reconhecê-la. Mas, no final,
ele fica emocionado por tê-la reconhecido
Próclise ao verbo Essas mulheres não eram as mais bonitas e nem de melhor classe
principal
social, mas tinham corações enormes e poderiam sim fazer
Miguel ser uma pessoa melhor, mas com seu orgulho do tamanho
de Mercúrio nunca se desculpou com nenhuma e foi as perdendo.
Ênclise ao verbo Surpresa com o que o rapaz que ela nem conhecia disse, ela
principal
chorou e ele limpou suas lágrimas e disse que iria ajudá-la.
Primeiramente, cabe salientar que este grupo de fatores não foi controlado como possível
variável condicionadora da regra variável em questão. Antes, constituiu tão-somente um
grupo de controle dos contextos de uso da variante clítica. Considerando os estudos
anteriores, espera-se que a maioria dos clíticos acusativos encontrados no corpus seja
verificada em dados de próclise, principalmente com os verbos simples. Os casos de ênclise,
por sua vez, devem aparecer em construções com verbos no infinitivo, como verificaram
Duarte (1986), Freire (2005), entre outros. Cabe mencionar, antecipadamente, que os
exemplos de próclise e ênclise em contextos verbais complexos destacados acima,
especialmente os de próclise e ênclise ao verbo auxiliar e próclise ao verbo principal, foram
os únicos que ocorreram no corpus. Apenas a ênclise ao verbo principal se verificou em um
dado a mais:

Um menino de 12 anos ligou para o pai para contar que uma mulher que ele conhecia
ia aparecer na televisão, e ele acaba ficando nervoso pensando que não ia reconhecêla. (Redação 154, escola 2, sexo feminino).
Além das dez variáveis linguísticas descritas acima, promoveu-se o controle de duas
variáveis independentes extralinguísticas, explicitadas em seguida.
a) O sexo do informante: feminino vs. masculino.
Como o objetivo desta pesquisa envolve a produção textual de turmas inteiras de 9º
ano, produzidas para a escola como avaliação bimestral, não foi possível obter um número
116
equivalente de informantes femininos e masculinos, já que dificilmente as turmas possuem o
mesmo número de alunos e alunas. No entanto, como Machado (2006) verificou um aumento
mais acentuado no uso de clíticos acusativos por estudantes do sexo feminino, ao cruzar os
grupos de fatores escolaridade e sexo do informante, buscamos controlar também essa
possível correlação tendo em vista a possibilidade de algum resultado significativo.
b) A escola do informante: escola 1 vs. escola 2.
Alguns estudos já demonstraram a influência da escolaridade na variação do objeto
direto anafórico de terceira pessoa. De modo geral, o uso do clítico tende a aumentar e o
emprego do pronome lexical tende a diminuir conforme aumenta o nível de escolaridade.
Nesta pesquisa, entretanto, investiga-se a produção de apenas um nível escolar (9º ano do
Ensino Fundamental) em turmas de duas escolas diferentes. Assim, toma-se como hipótese a
possibilidade de ocorrer alguma diferença na influência exercida pelas duas escolas em
questão. Em caso de algum resultado que destaque o fator escola na análise sociolinguística, é
possível relacioná-lo à análise qualitativa das entrevistas das professoras de tais escolas,
observando se há algum contraste significativo na concepção de ensino de Português que
transmitem em suas respostas.
Por fim, apresenta-se um último grupo de controle desta pesquisa, este de natureza
extralinguística:
a) O fator correção: corrigido vs. não corrigido.
Uma vez que foi coletada uma amostra de redações corrigidas no âmbito da rede
pública municipal de ensino, formulou-se o fator “correção” como grupo de controle
extralinguístico a fim de identificar as variantes corrigidas pelas professoras entrevistadas. O
controle estatístico desse fator, embora não constitua uma variável independente quanto ao
tema estudado propriamente dita, permite evidenciar, além de quais variantes são mais ou
menos corrigidas pelas docentes, qual a probabilidade de que o sejam. Assim, é possível
contrapor esses resultados de correção efetiva ao que as professoras afirmaram e justificaram
corrigir ou não na entrevista realizada.
117
Com os treze grupos de fatores descritos acima, foram realizadas rodadas
multivariadas com os dados das redações por meio do programa estatístico Goldvarb X. Na
seção a seguir, expõe-se o modo como se desenvolveu o tratamento dos dados computados.
3.3.3.2 O tratamento dos dados
Inicialmente, foram coletadas duzentas e sessenta redações escolares produzidas no
primeiro e/ou no terceiro bimestre do ano letivo de 2015 pelos alunos do 9º ano do Ensino
Fundamental de duas escolas públicas municipais do Rio de Janeiro, todas do tipo textual
narrativo: cento e trinta da escola 1 e cento e trinta da escola 2. A partir disso, fez-se o
levantamento dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa encontrados em tais
redações. Os dados coletados foram computados para a realização do tratamento estatístico
com o Programa Goldvarb X. Primeiramente, fez-se uma “rodada geral”, que gerou a
distribuição geral dos dados, com valores absolutos e percentuais, o que permitiu verificar
quais as variantes foram mais ou menos utilizadas pelos alunos. Em seguida, foram realizadas
rodadas multivariadas com o programa, no intuito de compreender qual a probabilidade de
que ocorra o uso de uma ou outra variante, a depender dos grupos de fatores controlados e dos
pesos relativos atribuídos a cada fator de tais grupos no condicionamento do fenômeno.
Para a primeira rodada multivariada, selecionamos o pronome clítico como valor de
aplicação. Na ocasião, houve knockouts (dados categóricos) nos grupos: “estrutura sintática da
frase”, não ocorrendo nenhum clítico em construções S V OD OI e S V OD + verbo no
gerúndio, e “ordem do clítico”, já que era um grupo de fatores exclusivo da variante clítica.
Em vista disso, foram realizados alguns amálgamas e utilizado o “não se aplica” (comando
que pede que não se considere determinado fator em certa variável) para que os knockouts
fossem eliminados e pudéssemos realizar as rodadas com os pesos relativos.
Amalgamaram-se os dados de construções com verbo transitivo direto e indireto (S V
OD OI) e verbos que selecionavam um complemento oblíquo além do objeto direto (S V OD
+ Oblíquo), na variável “estrutura sintática da frase”. Além disso, optamos por dar “não se
aplica” aos dados de construções de “dupla função” com a segunda oração na forma gerúndio
(S V OD + verbo no gerúndio), na variável “estrutura sintática da frase”. Após realizar esses
amálgama e “não se aplica”, fizemos outra rodada multivariada a partir da qual o programa
selecionou as seguintes variáveis como relevantes ao emprego do clítico: “animacidade do
118
antecedente”; “distância entre o antecedente e o acusativo anafórico”; o fator “escola”;
“função sintática do antecedente”; e “estrutura sintática da frase”. Na ocasião, a melhor
rodada selecionada pelo programa obteve significância .00 e input .19 de tendência ao clítico.
Como havia três variáveis em que se destacavam os antecedentes proposicionais,
pressupomos que este controle em três grupos diferentes, com evidente superposição, pudesse
influenciar os resultados. Então, optamos por dar “não se aplica” aos dados de antecedentes
proposicionais nas variáveis “animacidade do antecedente” e “especificidade do antecedente”,
controlando os dados de antecedentes proposicionais apenas na variável “natureza do
antecedente”. Assim, realizamos uma nova rodada multivariada. Na melhor rodada que
também obteve significância .00 e input .19, o programa selecionou uma variável a mais
dentre as que haviam sido selecionadas anteriormente como relevantes: justamente a variável
“natureza do antecedente”. Dessa forma, os grupos de fatores relevantes ao emprego do clítico
acusativo, por fim, foram, em ordem de relevância: “animacidade do antecedente”; “natureza
do antecedente”; “distância entre o antecedente e o acusativo anafórico”; “escola”; “função
sintática do antecedente”; e “estrutura sintática da frase”.
Após trabalhar em rodadas multivariadas com o clítico como valor de aplicação,
realizamos os mesmos procedimentos com o valor de aplicação pronome lexical, tendo em
vista que são as duas variantes mais “marcadas” ou menos neutras quanto ao fenômeno do
acusativo anafórico de terceira pessoa. Nesse caso, eliminou-se o controle da variável
“especificidade do antecedente anafórico”, pois o uso de pronomes lexicais em contextos de
antecedentes específicos foi categórico. Eliminaram-se, ainda, os dados de orações
completivas de verbo oblíquas e completivas de nome, na variável “tipo de oração”, pois não
houve nenhuma ocorrência de pronome lexical nesses contextos. Além disso, como não houve
nenhum dado de pronome lexical em estruturas S V OD + verbo no gerúndio26,
amalgamaram-se os dados de tais construções aos dados de S V OD + verbo no infinitivo,
considerando que ambas são estruturas de “dupla função”. Feitos o amálgama e as
eliminações necessárias, o programa selecionou, na melhor rodada com significância .01 e
input .01, o grupo de controle “correção” e as variáveis “animacidade do antecedente” e
“estrutura sintática da frase” como relevantes ao emprego do pronome lexical.
26
Em todo o corpus, houve apenas sete ocorrências de estruturas S V OD + Verbo do gerúndio e, nas
sete, os alunos utilizaram a variante SN anafórico, como no exemplo: “A melhor hora do dia para o
monstro era a hora em que o sorveteiroᵢ passava. Toda vez que ouvia o sorveteiroᵢ se aproximando, o
monstro assustava o pobre homem” (Redação 234, escola 2, sexo masculino).
119
Atenção especial foi dada ao fator correção, que, claramente, não condiciona nenhuma
variante. Ocorre que o pronome lexical foi a estratégia mais corrigida pelas professoras e, por
isso, a correção apareceu como o fator de suposta maior relevância quanto ao estudo dessa
variante. A partir disso, cruzamos os fatores “escola” e “correção” tanto para o pronome
lexical quanto para o clítico. Com o valor de aplicação pronome lexical, cruzamos também o
fator “correção” com a “animacidade do antecedente” e a “estrutura sintática da frase”, além
de cruzar esses dois últimos fatores entre si, no intuito de averiguar alguma correlação entre
tais grupos em tais cruzamentos. A partir dos resultados obtidos com todas as rodadas
multivariadas realizadas, fez-se a análise quantitativa e qualitativa das ocorrências e
probabilidades verificadas, as quais se apresentam no próximo capítulo.
120
CAPÍTULO 4
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS MATERIAIS DE PESQUISA
Em se tratando do fenômeno da retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa,
a presente pesquisa associa três diferentes pontos de análise, dentro da temática do ensino de
pronomes: materiais didáticos utilizados em sala de aula; entrevista com as professoras que os
utilizam; e redações escolares de seus alunos. Dessa forma, este capítulo organiza em duas
seções a apreciação crítica dos três referidos materiais de pesquisa. Na primeira, seção 4.1,
aborda-se a análise de base qualitativa dos primeiros materiais investigados – os materiais
didáticos e as entrevistas com as professoras. Na segunda, seção 4.2, expõe-se a análise
sociolinguística variacionista do corpus das redações escolares coletadas. Na última seção
deste capítulo, seção 4.3, por fim, apresentam-se algumas reflexões para o âmbito do ensino,
promovidas a partir da análise dos resultados obtidos com esta pesquisa, divulgados nas
seções anteriores.
4.1 A análise qualitativa: os materiais didáticos e as entrevistas
Nesta seção, abordam-se os materiais didáticos e as entrevistas realizadas no âmbito
desta pesquisa. Primeiramente, faz-se um exame qualitativo dos três materiais didáticos de
que se valem as professoras em suas aulas: os Cadernos Pedagógicos da SME (em 4.1.1); o
livro didático Vontade de Saber Português, utilizado pela professora 1 (em 4.1.2); e o
Caderno do Futuro da IBEP, utilizado pela professora 2 (em 4.1.3). Em seguida, apresenta-se
a análise qualitativa das entrevistas realizadas com as referidas professoras (em 4.1.4).
4.1.1 Os Cadernos Pedagógicos da Secretaria Municipal de Educação (SME)
Os Cadernos Pedagógicos fornecidos pela SME, de modo geral, demonstram um forte
interesse por atividades de compreensão leitora e produção textual, a partir de diversos textos
de gêneros diversificados. Ao analisar as quatro apostilas referentes aos quatro bimestres do
ano de 2015 para o 9º ano do Ensino Fundamental, foi possível perceber a intenção de que o
aluno amplie continuamente suas habilidades em compreender e produzir textos,
principalmente escritos, com finalidades variadas. No entanto, a obra parece carecer de
121
explicações mais contundentes sobre os conteúdos gramaticais necessários ao alcance desse
intuito27.
No que concerne ao fenômeno gramatical aqui em estudo, a primeira referência
explícita encontrada – a tema direta ou indiretamente relacionado ao preenchimento do objeto
direto – foi uma menção à função da retomada anafórica nos Cadernos do 1º bimestre. Nesta,
o material chama atenção para a “costura” de determinado texto, de modo a evitar a repetição
de termos, contribuindo para uma melhor coesão textual:
(SME, Cadernos Pedagógicos, 2015, 1º bim., p.44).
Na ocasião, aborda-se o uso de dois recursos coesivos: a “substituição lexical” e a
“retomada pronominal”, ambos referentes ao mecanismo único da retomada anafórica por
meio de formas distintas. O material menciona a existência desse mecanismo em prol da
coesão textual, mas não trata especificamente nenhum fenômeno gramatical variável nesse
âmbito. Não há qualquer referência explicativa sobre o uso do objeto direto anafórico de
terceira pessoa, tampouco às variantes possíveis no sistema linguístico do PB para sua
representação.
Além da explicação exibida acima, há mais três observações feitas sobre o referido
mecanismo, cada uma nos Cadernos do 2º, 3º e 4º bimestres, respectivamente:
27
Tal carência é amparada pelos resultados da pesquisa de Luiz Felipe Durval e Jéssica Pegas,
divulgados na Jornada de Iniciação Científica (2015) da Faculdade de Letras da UFRJ, na qual os
graduandos mapearam e quantificaram o tratamento de temas gramaticais nos referidos Cadernos
Pedagógicos da SME, conforme citado no Capítulo 3, referente à metodologia desta pesquisa.
122
(SME, Cadernos Pedagógicos, 2015, 2ºbim., p. 27)
(SME, Cadernos Pedagógicos, 2015, 3ºbim., p. 26)
(SME, Cadernos Pedagógicos, 2015, 4º bim., p. 14).
123
A primeira menção é uma observação sobre a retomada de um antecedente
proposicional exercida através do pronome demonstrativo esse. A segunda, por sua vez,
relembra a função da retomada anafórica de forma geral para o desenvolvimento da coesão
textual, seguida de um exercício com exemplos de sujeitos anafóricos apenas. No 4º bimestre,
há novamente um esclarecimento sobre o mecanismo, mais uma vez, de modo geral, com
exemplos de sujeitos e objetos anafóricos (destacados na citação). Essas são as únicas
explicações feitas nos Cadernos examinados sobre o fenômeno.
Além das alusões conferidas, os Cadernos expõem alguns exercícios que exigem do
aluno a compreensão sobre o mecanismo da retomada anafórica e o reconhecimento de
elementos referentes. Em geral, tais exercícios se referem à retomada de termos antecedentes
como um todo, não se relacionando especialmente ao acusativo anafórico, conforme
exemplificam as seguintes citações:
6- A que se refere o termo “ela” no trecho “A rede social se faz num
ambiente atrativo para muitas pessoas. Além da comunicação virtual para
descontração e interação, ela se tornou uma porta para noticias, troca de
ideias e também embate para manifestos, flash mob [...]” no quinto
parágrafo? (2º bim., p. 26)
7. A quem se refere a palavra destacada no trecho: “ O grau de envolvimento
delas com a internet ainda é mediano e controlado [...]”. (sexto parágrafo)
(2º bim., p.28)
11. A quem se refere o pronome “eles” no trecho “Para eles, a velocidade é
outra.”? (4º bim., p. 16)
Dentre os exercícios mencionados acima, nenhum aborda a diferença entre as
possíveis variantes e seus contextos de uso. Nos demais exercícios averiguados, as únicas
variantes verificadas foram o pronome demonstrativo e o clítico, tal como evidenciam os
exemplos a seguir:
[Ouvindo-te dizer: Eu te amo, creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior e no seguinte, como sabê-lo?]
3- A que se refere o termo destacado em “sabê-lo” no último verso da
segunda estrofe? (3º bim., p. 16)
5 – A que se refere o termo destacado em “[...] mas a maneira como
expressar isso [...]” (no final da 1ª resposta)? (3º bim., p. 26)
3. No trecho “Os insights e a percepção de um problema por diferentes
ângulos demandam o funcionamento conjunto de vários circuitos cerebrais,
o que ajuda a mantê-los em forma até a idade avançada”, as aspas foram
usadas para ____________________.
124
4. Nesse mesmo trecho, a que se refere o termo destacado? (4º bim., p. 27)
3. No trecho ”Obrigada, meu bom Peri! Tu és um amigo dedicado; mas não
quero que arrisques tua vida para satisfazer um capricho meu; e sim que a
conserves para me defenderes como já fizeste uma vez.”, a que se refere o
pronome destacado? (4º bim., p. 48).
Vale mencionar que não se verificou qualquer explicação que relembre (caso haja nos
Cadernos dos anos anteriores) a forma como se utiliza o clítico acusativo, havendo apenas os
exercícios que solicitam seu reconhecimento, apesar da pouca familiaridade que os alunos
brasileiros costumam demonstrar com relação a essa variante. No mais, além das atividades
citadas, há uma questão que aborda o reconhecimento do antecedente de um SN anafórico:
Desencontro
Chico Buarque/1965
A sua lembrança me dói tanto
Eu canto pra ver
Se espanto esse mal (...)
1 – A que se refere o termo destacado em “Se espanto esse mal”? (3º bim., p.
28).
As atividades observadas nos Cadernos, majoritariamente, enfocam a compreensão e
interpretação de textos variados, desde os mais literários, como poemas e alguns contos, até os
mais referenciais, como os editoriais, passando ainda por crônicas e artigos de opinião, e,
além disso, há propostas também diversificadas de produções textuais aos alunos (contos,
textos de opinião, entre outros). No entanto, para que os alunos consigam alcançar o domínio
linguístico esperado para a feitura de tais textos, o trabalho com os conteúdos gramaticais (os
quais foram abordados de modo muito superficial nos Cadernos analisados) se faz
fundamental, já que é através dos processos realizáveis no sistema da língua que é possível
mover-se pelos mais diversos tipos e gêneros textuais, tal como os próprios Cadernos
requerem. Nesse sentido, entende-se que o material proposto não desenvolve efetivamente o
estudo da gramática de modo reflexivo, conforme os pressupostos apresentados em Vieira
(2015), sintetizados no Capítulo 2 desta dissertação.
Acerca do tratamento dispensado a fenômenos gramaticais variáveis no material em
questão, cabe citar uma passagem verificada nos Cadernos do 3º bimestre que alude ao modo
como compreendem a variação linguística:
125
(SME, Cadernos Pedagógicos, 2015, 3º bim., p. 59).
A obra faz alusão, primeiramente, à música Língua, de Caetano Veloso, na qual o
compositor valoriza a pluralidade linguística cultural de nosso país e, em seguida, expõe um
texto de Rui Barbosa em que o autor brinca com a diferença entre uma formalidade extrema
na fala de seu personagem e o consequente não entendimento desses usos pelo personagem
ladrão, o que causa certo humor. O texto se vale de elementos lexicais muito distantes do uso
cotidiano (como em “bípedes palmípedes” em lugar de “patos”) e também de variações
gramaticais, como o uso da mesóclise com a segunda pessoa (“dar-te-ei” e “reduzir-te-á”) e
do próprio uso de formas verbais na segunda pessoa (“adentrares”, “se fazes”, “para
zombares”), nada comum na fala carioca, em especial. Ressaltam-se, ainda, duas formas de
representação do acusativo anafórico no texto: o clítico em “surpreendeu-o tentando pular o
muro”, logo a início do texto, e o sintagma nominal em “eu levo ou deixo os patos”, por
último, na fala do personagem ladrão.
É interessante perceber a pergunta 2, na qual o aluno é questionado sobre como
caracterizaria Rui Barbosa pela linguagem utilizada e, posteriormente, a pergunta 4, que
126
solicita a reescritura da fala de tal personagem de forma mais informal, “adequada à
situação”. De forma geral, parece apropriado o modo como é compreendida a variação na
obra: intrínseca ao sistema (gramatical) linguístico. Por outro lado, esse trabalho parece ser
feito de forma pouco aprofundada, sem evidenciar as distinções entre as variantes, o que
acaba por direcionar a um contraste superficial entre formal vs. informal. A mesóclise, por
exemplo, é raramente utilizada em textos mais formais, e a concordância verbal com a
segunda pessoa, por sua vez, de fato não caracteriza um registro formal no Rio de Janeiro. A
depender da mediação exercida pela professora ao trabalhar essa atividade em sala de aula, a
noção de continuum entre esses registros pode ficar comprometida, levando àquela ideia
dicotômica sobre as normas linguísticas.
Essa característica é ainda mais evidente na abordagem feita no Caderno do Futuro
utilizado pela professora 2, analisado na subseção 4.1.3. Antes, porém, vejamos o tratamento
dispensado ao tema no livro didático utilizado pela professora 1, na subseção 4.1.2, a seguir.
4.1.2 O livro didático Vontade de saber Português, de Romeire Alves e Tatiane
Brugnerotto (2012)
No livro didático Vontade de Saber Português referente ao 9º ano do Ensino
Fundamental, parte-se do princípio de que os alunos, nesse nível escolar, já estudaram o uso
dos pronomes pessoais (além dos possessivos e demonstrativos) nos anos anteriores. No
entanto, na seção destinada ao estudo da colocação pronominal, os autores relembram
especialmente o uso dos pronomes oblíquos átonos e a “classificação sintática desses
pronomes”, em seus termos. Assim, antes de abordarem a ordem dos pronomes, expõem o
seguinte quadro:
Pronomes oblíquos átonos
Os pronomes oblíquos átonos funcionam sintaticamente como
complementos verbais. Relembre, a seguir, a classificação sintática
desses pronomes.



Objeto direto – o, os, a, as
A violência nas grandes cidades transforma as pessoas em suas
observadoras.
A violência nas grandes cidades as transforma em suas observadoras.
Objeto indireto – lhe, lhes
Perguntaram à criança se sentia medo da violência,
Perguntaram-lhe se sentia medo da violência.
127

Objeto direto ou objeto indireto (dependendo dos verbos que
complementam) – me, te, se, nos, vos
Aline convidou Paulo e eu para o protesto contra a violência,
Aline nos convidou para o protesto contra a violência.
(ALVES & BRUGNEROTTO, 2012, p. 264).
Essa é a única referência ao uso de pronomes para a retomada anafórica do objeto
direto de terceira pessoa encontrada no referido livro, na qual são mencionados somente os
oblíquos o, a, os, as do quadro pronominal tradicional. Entretanto, em uma busca por
referências ao fenômeno em questão na coleção Vontade de Saber Português, verificou-se que
a abordagem mais específica sobre o tema é feita no livro destinado ao 6º ano do Ensino
Fundamental. Neste, de igual maneira, expõe-se o quadro tradicional de pronomes pessoais:
Pronomes pessoais
1ª pessoa
2ª pessoa
3ª pessoa
singular
plural
singular
plural
singular
plural
retos
eu
nós
tu
vós
ele, ela
eles. elas
oblíquos
me, mim, comigo
nos, conosco
te, ti, contigo
vos, convosco
o, a, lhe, se, si, consigo
os, as, lhes, se, si, consigo
(op. cit., 2012, p. 264).
Em seguida, os autores exibem outro quadro com informações sobre a formação dos
oblíquos em construções enclíticas:
Formação dos pronomes pessoais oblíquos
Os pronomes oblíquos, o, a, os, as, quando associados a
verbos terminados em –r, -s, -z, assumem a forma lo, la, los, las,
e os verbos perdem as consoantes finais. Por exemplo:
encontrar-os passa a ser grafado encontrá-los.
Já os pronomes oblíquos o, a, os, as, quando associados a
verbos terminados em –am, -em, -ão, -õe, assumem as formas
no, na, nos, nas. Por exemplo: ajudem-os passa a ser grafado
ajudem-nos.
(ALVES & BRUGNEROTTO, 2012, p. 173).
Dessa forma, na seção referente ao ensino dos pronomes, além dos quadros
destacados, não há qualquer menção a formas variantes de representação do OD anafórico de
terceira pessoa. A partir desses dois quadros explicativos, passa-se à seção Praticando, na
qual são propostos alguns exercícios sobre o conteúdo em questão. Dentre os exercícios,
128
somente no primeiro aborda-se a retomada anafórica do objeto direto, com base em três
perguntas sobre esse mecanismo em determinado texto:
a) Na frase “Dona Geralda foi pessoalmente recebê-lo em Nova York”, a
quem se refere o pronome em destaque? Que outro pronome pessoal poderia
ser utilizado no trecho?
Ao prêmio UNESCO de 1999. / Ele.
d) Retire do texto um trecho no qual o pronome pessoal oblíquo não foi
destacado, e escreva a quem ele se refere.
O que mais a impressionou na cidade foi o que os americanos jogaram fora.
Refere-se à dona Geralda.
e) Que efeito o emprego dos pronomes pessoais gera no texto?
Evita a repetição de palavras às quais os pronomes referem-se.
(op. cit., 2012, p. 174).
Os trechos destacados em azul, na citação, constituem respostas sugeridas pelo livro.
Curiosamente, embora partam apenas do quadro pronominal tradicional, mencionando
somente os oblíquos para possíveis representações do objeto direto, os autores apontam o uso
do ele acusativo na sugestão de resposta à primeira questão formulada sobre esse conteúdo.
No entanto, não há qualquer alusão às diferenças contextuais entre essas variantes, nem em
algum box no decorrer do capítulo, nem no manual do professor28, ao final do livro.
Já no livro didático referente ao 9º ano, tampouco há novas informações sobre o tema,
como elucidado anteriormente. Os autores apenas relembram o emprego dos clíticos (cf. o
primeiro quadro aqui citado) para representação do objeto direto anafórico. Não há qualquer
referência à variação linguística ou às diferenças entre normas de uso do Português.
Entretanto, cabe mencionar que, no manual do professor deste livro, há uma sugestão de
atividade que abarca a noção de variação e normas da língua presente na obra. Embora a
atividade envolva o conteúdo da colocação pronominal (e não o uso de pronomes), é válido
28
Na seção de orientações ao professor, ao final do livro referente ao 6º ano do Ensino Fundamental,
algumas passagens permitem observar a visão polarizada de “linguagem formal, culta e padrão (como
se representassem a mesma categoria) vs. linguagem coloquial” presente na obra: “Comente com os
alunos que na linguagem coloquial é comum o uso do pronome oblíquo te, peculiar à 2ª pessoa o
singular (tu), combinado com o termo você (em vez do tu). (...) Explique aos alunos que em situações
formais ou de acordo com a norma-padrão não se deve misturar os tratamentos tu e você” (op. cit.,
p. 74) (grifo meu). Além disso, a obra ainda se vale de Pasquale Cipro Neto (1998, p. 15) em uma
citação no mínimo inquietante, na qual o autor iguala linguagem formal e culta para rechaçar o uso do
você como indeterminador do sujeito: “Pelo menos na linguagem formal, culta, é bastante desejável a
eliminação desse cacoete. É cansativo, pobre, e enfadonho o uso da palavra “você” como indicador de
algo genérico, coletivo”.
129
mencioná-la para compreender a concepção de normas linguísticas que orienta o livro
didático em questão.
Sugestão de atividade
Varal de textos
Objetivo
Propiciar aos alunos uma reflexão acerca da “real” colocação pronominal no
português brasileiro.
Materiais
 Computador.
 Internet.
 Papel sulfite.
 Impressora.
 Lousa.
 Fita adesiva.
Procedimentos
 Fazer uma pesquisa na internet em entrevistas e textos de blogs e
sites de relacionamento, como o twitter. Recolha fragmentos em que
haja o uso da próclise transgredindo as regras da norma urbana de
prestígio29 (próclise antes do verbo principal em locução verbal,
próclise quando o verbo inicia oração, próclise com verbo no modo
imperativo afirmativo, próclise com verbo no futuro do presente e no
futuro do pretérito).
 Digitar os exemplos com letras grandes e legíveis e imprima as
páginas.
 Fixar as páginas na lousa, como se estivessem em um varal.
 Questionar os alunos sobre qual é a posição dos pronomes oblíquos
átonos em relação ao verbo nos exemplos e estimule-os para que
façam a relação entre a colocação dos pronomes e o contexto de
produção em que foram empregados (contextos informais de
produção, em que há baixo nível de monitoramento em relação à
norma urbana de prestígio).
 Pedir a cada aluno que vá até a lousa e adeque a colocação dos
pronomes à norma urbana de prestígio.
 Questionar os alunos sobre qual colocação pronominal está mais
próxima ao modo como falam no dia a dia: a dos exemplos ou a das
frases reescritas.
 Propor uma reflexão sobre qual é a “real” colocação pronominal
no português brasileiro e quais as situações em que se deve atentar
para as regras da norma urbana de prestígio em relação à
colocação dos pronomes (textos escritos formais), com exceção da
mesóclise.
(ALVES & BRUGNEROTTO, 2012, p. 78) (grifo meu).
29
Curiosamente, os autores citam, nesta seção, anteriormente à sugestão de atividade proposta, o
linguista Marcos Bagno (2009), a fim de esclarecer o uso da mesóclise restrito a textos ultraformais,
nos termos do autor, além de algumas diferenças entre a colocação pronominal nos âmbitos do PB e
do PE. No entanto, o conceito de normas urbanas de prestígio adotado na obra demonstra uma clara
confusão entre estas e a chamada norma padrão (cf. os esclarecimentos de Faraco (2008)), o que se
pode perceber por meio dos próprios comandos da sugestão mencionada.
130
Como se pode notar, fica evidente a correlação dicotômica e polarizada entre, de um
lado, “contextos informais de produção” e, de outro, “situações em que se deve atentar para as
regras da norma urbana de prestígio”, nos termos dos autores. Mais do que isso, os contextos
informais são claramente identificados como o espaço em que se encontram usos
“transgredindo as regras da norma urbana de prestígio”, ao passo que essa “norma urbana de
prestígio” é compreendida como algo homogêneo, tendo em vista que seu contexto de uso
envolveria determinadas regras linguísticas (e não normas no sentido do que é normalmente
utilizado em tal situação). Além disso, é nesse contexto de “norma urbana de prestígio” que se
inserem os “textos escritos formais”, conforme os destaques feitos na citação.
Em outras palavras, é como se apenas o registro informal permitisse a variação “real”
da língua, na qual as regras de uma determinada “norma urbana de prestígio” poderiam ser
transgredidas; o registro formal e a modalidade escrita da língua, por outro lado, demandariam
uma forma única de uso, segundo um padrão idealizado, e não às normas (também variáveis)
prestigiosas de uso da língua, em contextos de maior ou menor formalidade, orais ou escritos.
4.1.3 O Caderno do Futuro do Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas (IBEP)
O Caderno do Futuro é constituído de exercícios sistemáticos sobre a língua, como os
conhecidos exercícios de fixação, e algumas vezes expõe uma ou outra explicação bastante
pontual sobre determinados conteúdos, conforme visto no capítulo de metodologia. Assim, os
exercícios que fazem referência ao objeto direto anafórico de terceira pessoa no Caderno são
formulados exclusivamente em prol da fixação dos clíticos acusativos como aprendizado.
Dessa forma, foram verificados dois exercícios de substituição sobre o fenômeno, os quais
solicitavam a reescritura de algumas sentenças utilizando os clíticos, como explicita o
primeiro exercício destacado abaixo:
14. Escreva as frases substituindo os substantivos objetos diretos pelos
pronomes o, a, os, as, e os substantivos objetos indiretos pelos pronomes
lhe, lhes.
Teleco exasperava o moço.
Teleco exasperava-o.
a) Ele mandou Luiza embora.
b) Contei o caso a Manuel.
c) Vejo Cátia e Vera contentes.
d) Dei bombons às crianças.
e) Convido os pais para a festa.
131
f) Ela amava muito a netinha.
(Caderno o Futuro, Língua Portuguesa, 9º ano, 2013, p. 19-20).
O segundo exercício, por sua vez, parte de dois lembretes sobre as diferenças de
acentuação em formas verbais oxítonas terminadas em i e oxítonas terminadas em a, e, o, para
a formação da ênclise:


Lembre que:
Formas verbais oxítonas terminadas em –i precedido de consoante não
devem ser acentuadas. Por exemplo: ouvi-lo.
O i de destruí-lo é acentuado por ser tônico e formar hiato com a vogar u.
6. Faça como no modelo, prestando atenção na acentuação dos verbos
seguidos dos pronomes oblíquos lo, la, los, las.
Precisamos ouvir o encanador.
Precisamos ouvi-lo.
a) Queriam revestir a parede.
b) Vamos seguir o ônibus.
c) É bom prevenir os alunos.
d) Tentou destruir as provas.
e) O professor deve instruir os alunos.
f) Esperamos concluir o trabalho hoje.
g) Pensou em demitir o empregado.
h) Começam a construir a casa pela manhã.
i) Você deve restituir o dinheiro.
Lembre que:
Mandei chamar o médico.
Mandei chamá-lo.
Acentuam-se as formas verbais oxítonas terminadas em a, e, o, seguidas dos
pronomes oblíquos lo, la, los, las.
j) Não devemos incomodar os vizinhos.
k) Precisamos refazer o concerto.
l) Vou compor a música.
(op. cit., 2013, p. 32-33).
Ao considerar que a obra tem por objetivo principal fixar o aprendizado dos conteúdos
gramaticais trabalhados durante o Ensino Fundamental II de modo resumido, não surpreende
que haja a promoção de exercícios como estes, mesmo porque auxiliam o aluno a sistematizar
a forma como os clíticos são utilizados. Por outro lado, não se menciona quando o são e por
que motivos, o que não faz parte dos propósitos dessa obra. Entretanto, na unidade em que se
aborda a colocação pronominal, alguns enunciados chamam a atenção pela nomenclatura
envolvida no tratamento dispensado às normas linguísticas. A unidade inicia sua abordagem
com o texto Papos, de Fernando Veríssimo, que brinca com a variação na colocação
pronominal, e, a partir deste, faz as seguintes perguntas:
132
1. Por que as duas pessoas do texto estão discutindo?
2. Que padrão linguístico a pessoa que corrige defende?
3. Sobre que item da gramática os interlocutores discutem?
4. Destaque do diálogo frases em que o pronome oblíquo foi usado na
linguagem culta de um modo e na linguagem popular e coloquial de outro.
5. Destaque do texto uma próclise, uma mesóclise e uma ênclise.
(op. cit., 2013, p. 113) (grifo meu).
Ao observar o destaque feito, fica evidente a noção polarizada das normas linguísticas
com a contraposição entre “linguagem culta” e “linguagem popular e coloquial”. Mais do que
isso, divulga-se uma ideia de que o coloquial – termo que se relaciona a registro/monitoração
– é equivalente ao popular – termo que se vincula a perfil de variedade/norma de uso –, como
se fossem simplesmente categorias do mesmo plano; como se a norma culta, a “linguagem
culta”, segundo a obra, não pudesse variar também entre os registros formais e informais. As
normas são entendidas, assim, como se houvesse dois blocos estanques: de um lado, o que é
culto e formal; de outro, o que é popular e coloquial.
Essa visão polarizada e dicotômica da variação linguística averiguada nos materiais
didáticos analisados é justamente a ideia que parece vigorar no ponto de vista das professoras
sobre a língua. Assim, vejamos com mais detalhes, na próxima seção, a concepção que as
professoras entrevistadas demonstram ter a esse respeito.
4.1.4 A perspectiva das professoras: as entrevistas
Como as perguntas formuladas na entrevista suscitaram respostas subjetivas das
professoras, no sentido de que tiveram um espaço livre para dissertar sobre as questões ao
invés de optar por uma ou outra resposta predeterminada, faz-se aqui um diagnóstico das
respostas dadas, pela docente 1 e pela docente 2, destacando os comentários feitos por elas ao
longo da análise.
Ao questioná-las sobre o uso de outros materiais em paralelo aos Cadernos
Pedagógicos da SME, as professoras afirmaram complementar seu trabalho com os materiais
analisados na seção anterior. O motivo pelo qual as duas o fazem é o mesmo: apontam a
carência de uma abordagem explícita de componentes gramaticais como uma desvantagem
dos Cadernos da SME:
133
Professora 1: Eu utilizo o livro didático “Vontade de Saber
Português” da FTD paralelamente com outros materiais. Ele me
auxilia muito nas atividades para fixação de conteúdos gramaticais.
O Caderno Pedagógico é muito utilizado nas minhas aulas. Gosto dos
temas abordados e da seleção de textos. O estudo dos textos favorece
o enriquecimento do aluno pela diversidade dos gêneros (poesia;
narrativas, crônicas...).
Professora 2: Sim. Atualmente tenho usado, no município, os
cadernos pedagógicos da SME e o caderno do futuro da IBEP. Sigo a
ordem e os conteúdos apresentados nos Cadernos porque estão de
acordo com o planejamento.
Gosto muito da parte relacionada aos textos. São textos adequados e
que servem para desenvolver a leitura doa alunos. Só considero
deficiente quanto à gramática.
Dessa forma, ambas as professoras reconhecem a qualidade da obra no que se refere
ao trabalho com textos de tipos e gêneros diversificados, mas apenas nesse quesito, então, o
material atenderia às necessidades do aluno de Língua Portuguesa. A professora 2, ainda,
destaca o fato de seguir os conteúdos apresentados nos Cadernos em função de estarem
previstos no planejamento da turma. Ocorre que o componente gramatical é essencial ao
desenvolvimento da leitura e produção de textos diversos, como explicitado desde os
pressupostos adotados no Capítulo 2 com as contribuições de Vieira (2015), Franchi (2006),
entre outros, além dos próprios PCN (1998). É importante destacar, aqui, que não se trata de
uma crítica ao método empregado na abordagem dos temas gramaticais, mas a ausência de
atividades que efetivamente abordem tais temas. No entanto, ao indagá-las especialmente
sobre o tratamento de fenômenos gramaticais no material fornecido pela SME, as professoras
reforçam a ausência de uma abordagem mais específica de seus conteúdos:
Professora 1: Gostaria de encontrar mais abordagens do componente
gramatical.
Professora 2: Acho que deveria ser mais desenvolvida, com
atividades funcionais, aplicadas aos textos trabalhados.
Por outro lado, quando questionadas sobre o tratamento dispensado aos fenômenos
variáveis nos Cadernos, suas respostas começam, em certa medida, a se distanciar uma da
outra. A professora da escola 1 confere uma resposta genérica sobre o tema e afirma estar de
acordo com a abordagem feita no referido material:
134
Professora 1: Estou de acordo sim. Os fenômenos variáveis são
aspectos da língua que devem ser analisados dentro do contexto.
Ao que tudo indica, essa professora parece ter consciência da variação presente na
língua de modo geral, mas não demonstra um conhecimento muito aprofundado a esse
respeito. A professora 2, por sua vez, responde:
Professora 2: Não entendi a pergunta.
Demonstra, assim, pouca familiaridade com termos que envolvem a questão da
variação linguística, indicando um distanciamento ainda maior com relação ao tema. No
decorrer da entrevista, a concepção de variação das professoras vai sendo gradativamente
evidenciada. Em dado momento, são questionadas sobre o modo como corrigiriam, em sala de
aula, o seguinte exercício, destacado de um livro didático (CEREJA & MAGALHÃES,
2012):
Nas frases a seguir, alguns pronomes estão empregados em
desacordo com a norma padrão. Reescreva as frases empregando tais
pronomes de acordo com essa variedade.
a) O livro não está comigo. Emprestei ele para a minha prima.
e) Eu não vi elas na festa. Será que elas não foram convidadas?
Em sala de aula, ao corrigir este exercício, você apenas informa as
respostas fornecidas como corretas no livro do professor ou também
aceita outras possíveis respostas dadas pelos alunos? Se aceita, quais
respostas você validaria? Por quê?
A esta pergunta, a resposta da professora 1 seguiu transmitindo uma ideia de
“reconhecimento” da variação linguística. Tal ideia, porém, começa a distanciar todo o
espectro da variação do âmbito da norma padrão, colocando-os em dois extremos e, nesse
percurso, o domínio da norma padrão seria, então, enfatizado no contexto escolar:
Professora 1: Corrijo esta atividade de acordo com a norma-padrão,
mas informo que a colocação anterior pode ser vista como uma
variante da língua utilizada por alguns falantes.
As variantes são aceitas e podem inclusive ser mencionadas em sala de aula, mas, em
contraste com a norma padrão, esta carrega as formas ideais da língua, enquanto aquelas
refletem as formas usuais, o que realmente está de acordo com a realidade: a norma padrão se
135
refere a um ideal, diferente das normas de uso; são as normas idealizadas e as normas
praticadas, conforme os conceitos de norma de Faraco (2008) (citados no Capítulo 2 desta
dissertação). Ocorre que, ao que parece, a norma padrão “ideal” é confundida com “a norma
correta, alvo do ensino da língua” e, nesse sentido, as normas de uso são afastadas do universo
escolar.
Professora 1: Acredito que o aluno possui o direito de ser informado
sobre a norma-padrão do seu idioma (Língua Portuguesa). Na vida ele
utilizará ou não estes conhecimentos.
A partir dessa visão polarizada dos conceitos de norma, é muito provável que o aluno
absorva a ideia de que o padrão é o correto, embora existam outras formas variadas de uso da
língua, em outro polo, no qual ele quase sempre identifica as variantes por ele utilizadas.
Dessa forma, a língua com que o aluno tem contato – o que poderia ser uma boa fonte de
estudo e consequente conhecimento – é totalmente apartada da língua estudada em sala de
aula, o que acaba por dificultar o processo de ensino-aprendizagem, como a própria
professora mostra reconhecer:
Professora 1: Informo para eles que existe uma forma padrão. Faço a
substituição do pronome, embora não há garantia da aprendizagem,
visto que o uso cotidiano reforça a outra forma!
A “outra forma” mencionada se refere ao uso do pronome lexical para a retomada do
OD de terceira pessoa, a qual, segundo a professora, é a forma mais utilizada, de modo geral,
pelos seus alunos. É como se houvesse, por essa perspectiva, duas formas possíveis: o clítico
acusativo, que seria a forma “correta” por ser a padrão, alvo do ensino, e o pronome lexical, a
variante utilizada pelos alunos fora do ambiente escolar30. A entrevista com a professora 1,
portanto, reflete uma noção de variação linguística em dois polos: a norma padrão almejada
na escola vs. as variantes do uso cotidiano.
A professora 2, por sua vez, demonstra uma confusão ainda mais evidente com relação
a esses conceitos de norma e variação. Enquanto a professora 1 apresenta uma visão
polarizada entre forma padrão vs. formas do uso cotidiano, a professora 2 reúne claramente no
primeiro polo o que considera norma culta, norma padrão e norma gramatical, como se
30
No entanto, o pronome lexical sequer é a variante mais utilizada pelos alunos ou pelos brasileiros
em geral (cf. estudos anteriores), mas sim a mais estigmatizada e, portanto, mais perceptível às
professoras e propícia à correção, mesmo que em poucas ocorrências.
136
fossem o mesmo, o que pode ser percebido a partir das demais respostas conferidas na
entrevista.
Ao avaliar uma construção como “o bebê ficou doente, então a mãe levou ele ao
médico”, a professora 2 informa que a corrigiria com o emprego do pronome oblíquo (o
clítico o), porque “faz parte da norma culta”. Em seguida, indagada sobre a maneira como
trabalharia com o exercício destacado do livro didático, sua resposta relaciona o pronome
oblíquo não mais à norma culta, mas sim à linguagem formal:
Professora 2: a) Emprestei-o para a minha prima.
Emprestei-o a minha prima.
c) Eu não as vi na festa.
Eu não vi-as na festa.
Obs.: Sempre destaco a linguagem formal.
Nota-se, assim, que a norma culta e os contextos de linguagem formal são postos em
um mesmo plano, o qual é entendido em oposição aos contextos que, por essa perspectiva,
permitiriam as variantes não padrão. Esses contextos, por sua vez, são relacionados às
situações de fala, conforme outra consideração feita pela mesma professora:
Professora 2: A tendência do aluno é escrever da forma que fala. Por
isso, trabalhar exercícios estruturais da língua é fundamental para que
ele se acostume a utilizar as variantes formais da língua.
Desse modo, as variantes formais da língua são compreendidas em oposição à
modalidade oral, como se a fala não variasse em um continuum de monitoração. Além disso,
apenas dentro desse plano de formalidade são consideradas as formas da norma culta, que, por
sua vez, são diretamente relacionadas à norma padrão. Assim, é possível compreender uma
visão bem dicotômica desses contextos:
As variantes não padrão do registro coloquial e da modalidade oral
X
A forma padrão, formal e culta da língua
Nesse aspecto, a tal “forma padrão, formal e culta” é objetivada no âmbito escolar,
enquanto “as variantes não padrão do registro coloquial e da modalidade oral” encontrariam
espaço somente fora da sala de aula. Assim, o trabalho com o fenômeno do objeto direto
137
anafórico de terceira pessoa se limitaria ao contraste entre o clítico acusativo e o pronome
lexical. Dessa forma, o ensino acaba por se restringir ao conhecimento das duas variantes
mais afastadas entre si, de maneira que uma delas seja a forma almejada (o clítico) e a outra
seja a forma usualmente empregada (o pronome lexical), a qual, nesse percurso, é rechaçada
no ambiente escolar.
Ao que tudo indica, as demais variantes já descritas pela literatura, como o SN
anafórico e o objeto nulo, provavelmente não são aludidas em sala de aula, o que pode
contribuir para o distanciamento que os alunos sentem com relação ao estudo do Português,
uma vez que se almeja a variante mais distante do seu uso cotidiano em detrimento da
variante (estigmatizada) de mais fácil entendimento. Nesse processo, as formas “neutras”
utilizadas intuitivamente por eles sequer são mencionadas durante o processo de ensinoaprendizagem.
Ao solicitar que as professoras corrigissem uma narrativa fictícia de um suposto
aluno(a) de 9º ano, as duas ocorrências de pronome lexical foram assinaladas no texto. O
quadro abaixo destaca as variantes do acusativo anafórico utilizadas na narrativa e, em cor
sobressalente, os exemplos que foram corrigidos.
Variantes utilizadas na narrativa fictícia
SN anafórico
(semelhante e idêntico)
Objeto nulo
“amava os
seus pais”
“amava os
seus pais”
“o príncipe
pegou ”
“o príncipe
pegou ”
“achar a
Cinderela”
“achar a
Cinderela”
[seu sapato de
cristal]
[seu sapato de
cristal]
Prof. 1
Prof. 2
Prof. 1
Prof. 2
Pronome lexical
“deixou ela ir”
“deixou ela ir”
[Cinderela]
[Cinderela]
“aceitar ela”
“aceitar ela”
[Cinderela]
[Cinderela]
Prof. 1
Prof. 2
Quadro 7. Variantes utilizadas na narrativa fictícia para entrevista com docentes.
Tanto o exemplo de pronome lexical em estrutura S V OD + verbo no infinitivo (que
favorece o emprego dessa variante no PB) quanto o exemplo em uma construção S V OD
138
(que evidencia de modo mais saliente o uso do ele acusativo) foram corrigidos pelas
professoras, as quais os substituíram pelo clítico acusativo: “deixá-la ir” e “aceitá-la”. As
demais variantes foram normalmente aceitas, conforme mostra o retrato da correção feita por
ambas as professoras, em seguida:
Professora 1:
Professora 2:
139
Acerca da correção retratada, vale ressaltar dois apontamentos em que a professora 2
assinalou o uso da categoria zero, indicando uma suposta carência de nitidez nas informações:
Um dia, sua mãe ficou doente e não aguentou ?.
O príncipe pegou e, depois, conseguiu achar a Cinderela porque [só ?
cabia no pé dela.
No primeiro caso, há um suposto objeto nulo sem referente explícito no texto (“as
consequências da doença”), o qual foi aqui destacado apenas em função da marcação
realizada pela professora. Tal objeto seria selecionado pelo verbo aguentar, transitivo direto
que, na verdade, possui valor semântico intransitivo nessa ocasião: “não aguentou” 
“faleceu”. No segundo, a professora provavelmente relaciona o sujeito do verbo caber ao
termo sublinhado “a Cinderela” (o SN mais próximo do sujeito nulo em questão), indicando
uma possível incoerência, já que o sujeito não expresso se refere a um termo mais distante
(“sapato de cristal”): “Quando deu meia noite ela teve que correr para ir embora e deixou seu
sapato de cristal cair. O príncipe pegou e depois conseguiu achar a Cinderela porque [o
sapato] só cabia no pé dela”.
Ao analisar as considerações das duas professoras entrevistadas, chama atenção a
ênfase demonstrada, de modo geral, pela professora 2, especialmente, no intuito de não deixar
dúvidas quanto à sua posição acerca do ensino das variantes por ela consideradas formais,
cultas e, ainda, pertencentes à modalidade escrita, mais uma vez, ressalta-se, como se tais
contextos configurassem uma mesma categoria, a qual envolveria apenas o clítico acusativo
para a retomada do OD de terceira pessoa, cujo domínio assim se objetivaria no ambiente
escolar. Desse modo, é possível perceber um grau mais acentuado de conservadorismo na
perspectiva da professora 2, em comparação à professora 1, embora ambas evidenciem uma
concepção dicotômica e polarizada acerca dos conceitos de normas e da variação linguística.
A partir das considerações obtidas com o exame qualitativo dos dois primeiros
materiais de pesquisa analisados – os materiais didáticos e as entrevistas –, pode-se realizar a
análise do terceiro material investigado nesta pesquisa – as redações escolares – de forma a
promover um diálogo entre seus resultados e as apreciações feitas nesta primeira seção de
análise, o que se busca alcançar na seção 4.2 a seguir.
140
4.2 Análise Sociolinguística Variacionista dos dados: a produção textual dos estudantes
Esta seção aborda exclusivamente a análise e interpretação dos dados encontrados nas
redações escolares investigadas, de modo a promover uma interseção entre as considerações
obtidas com a análise qualitativa dos materiais anteriormente averiguados (materiais didáticos
e entrevistas) e os resultados aqui alcançados com a análise sociolinguística variacionista do
corpus proporcionado pelas redações. Para tanto, em 4.2.1, expõe-se a distribuição geral dos
dados coletados; em 4.2.2, a análise multivariada desses dados; e em 4.2.3, por fim, faz-se
uma apreciação crítica dos resultados relacionados à correção das professoras, especialmente.
4.2.1 Distribuição geral dos dados
Para o fenômeno variável do OD anafórico de terceira pessoa, o corpus de redações
escolares das duas turmas de 9º ano do Ensino Fundamental aqui examinadas indicou a
ocorrência das seguintes variantes, no total de 657 ocorrências: SN anafórico, pronome
clítico, objeto nulo, pronome lexical e pronome demonstrativo; este último apenas quando
retomando um antecedente proposicional. A frequência de uso dessas variantes foi verificada
na ordem decrescente apresentada na tabela a seguir:
Estratégias de
representação do OD
anafórico de 3ª p.
SN anafórico
Pronome clítico
Objeto nulo
Pronome lexical
Pronome demonstrativo
TOTAL
Valor absoluto
Valor percentual
280 / 657
196 / 657
126 / 657
41 / 657
14 / 657
657
42,6%
29,8%
19,2%
6,2%
2,1%
100%
Tabela 9. Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa no corpus de redações escolares
do 9º ano do Ensino Fundamental.
A tabela evidencia a mais alta ocorrência de SN anafóricos em 42,6% dos dados; o
clítico acusativo em um percentual de 29,8%; e o objeto nulo em um percentual também
expressivo de 19,2%. Em quarto lugar, aparece a variante pronome lexical com apenas 6,2%
de ocorrência. O pronome demonstrativo, por sua vez, foi utilizado somente na retomada de
antecedentes oracionais, em 2,1% do total de dados.
141
Os resultados conferidos nessa distribuição corroboram, em geral, o que a literatura
vem evidenciando para a escrita de estudantes brasileiros, em especial no que compete a esse
nível de escolaridade. No entanto, se comparados aos resultados que Averbug (1998)
encontrou para o período do 9º ano do Ensino Fundamental – mais alto emprego do objeto
nulo, seguido do SN anafórico, clítico acusativo e, por último, o pronome lexical, nesta
sequência –, é possível verificar certa diferenciação. No corpus aqui analisado, o objeto nulo
foi apenas a terceira variante mais utilizada pelos alunos, e não mais a primeira como nos
resultados de Averbug (1998). A estratégia de maior ocorrência na escrita dos alunos aqui em
questão foi, predominantemente, o SN anafórico, que atingiu quase metade do total de
acusativos anafóricos encontrados (42,6%), conforme mostra mais claramente o gráfico a
seguir:
Distribuição geral das variantes do acusativo anafórico de 3ª p.
nas redações escolares do 9º ano do Ensino Fundamental
2%
6%
19%
43%
SN anafórico
30%
Pronome clítico
Objeto nulo
Pronome lexical
Pronome demonstrativo
Gráfico 3. Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa no corpus de redações
escolares do 9º ano do Ensino Fundamental.
O predomínio do SN anafórico sobre as demais variantes também foi verificado por
Xavier (2015) em seu corpus de produções escritas de 9º ano do Ensino Fundamental. Apesar
disso, no corpus aqui investigado, também houve um percentual bastante expressivo de
clíticos, segunda estratégia mais utilizada pelos alunos. Entretanto, cabe mencionar que esta
142
também foi a segunda variante mais corrigida pelas professoras (fator que está mais bem
descrito na seção 4.3), no sentido de que os alunos apresentaram alguns usos irregulares do
clítico de terceira pessoa, como já apontava Freire (2005) a partir de exemplos de redações de
vestibulares. O predomínio do SN anafórico, por sua vez, também carrega uma informação
relevante ao ensino da língua. Do total de SN anafóricos encontrados, apenas 8,7% se referem
ao uso de SN sinônimos, estando em primazia, assim, o uso de SN idênticos e semelhantes, tal
como evidencia a tabela a seguir:
Formas de SN anafórico
SN idêntico
SN semelhante
SN sinônimo
TOTAL
Valor absoluto
125 / 280
98 / 280
57 / 280
280 / 657
Valor percentual
19%
14,9%
8,7%
42,6%
Tabela 10. Distribuição das formas do SN anafórico encontradas nas redações escolares do 9º ano do Ensino
Fundamental: SN idêntico; SN semelhante; e SN sinônimo.
A maioria de SN anafóricos verificados se fez pelo uso de SN idênticos (125 do
total de 280 sintagmas nominais). Os percentuais de SN idênticos e semelhantes, se somados,
atingem 33,9% contra apenas 8,7% do total de sintagmas anafóricos (42,6%). Esse resultado
comprova que tais alunos não alcançam o intuito de evitar a repetição do objeto, o que
contribuiria de fato para uma coesão textual mais variada, uma vez que, em maior escala, eles
simplesmente repetem o termo antecedente, por meio de um SN idêntico, ou ao menos o
núcleo desse sintagma, modificando somente um determinante ou adjunto, por meio de um
SN semelhante.
Nas seções seguintes, veremos com mais detalhes os fatores que influenciaram o
uso de determinadas variantes, com base nos resultados das rodadas multivariadas realizadas
com o programa Goldvarb X.
4.2.2 Análise multivariada dos dados
Dentre as variantes averiguadas para o acusativo anafórico de terceira pessoa, o SN
anafórico e o objeto nulo são as estratégias mais “neutras” com relação à percepção dos
falantes, inclusive à das professoras, pois não sofrem nenhum estigma social, sendo
consideradas estratégias de “esquiva” ao uso do clítico, pouco familiar aos brasileiros, e do
pronome lexical, mais saliente e estigmatizado socialmente (cf. Silva (1993) e Duarte,
143
(2013)). Em vista disso, foram realizadas rodadas multivariadas dos dados coletados com base
em dois valores de aplicação: o clítico acusativo e o pronome lexical, que são, portanto, as
variantes mais parciais (no sentido de não imparciais ou mais acentuadas) para a
representação do OD anafórico de terceira pessoa.
Nas duas subseções a seguir, apresentam-se as variáveis relevantes a cada uma
dessas variantes, analisando os resultados obtidos com as melhores rodadas realizadas pelo
programa Goldvarb X.
4.2.2.1 Variáveis relevantes ao emprego do pronome clítico
Com base no emprego do clítico acusativo, o programa selecionou como melhor
nível de interação estatística uma rodada de significância 0.00 e input .19 de tendência ao
clítico. Nesta, selecionaram-se seis variáveis relevantes ao uso desta variante – cinco
linguísticas e uma extralinguística. Dentre as variáveis linguísticas selecionadas, encontramse: a “animacidade do antecedente”; o “antecedente do acusativo anafórico”; a “distância
entre o termo antecedente e o acusativo anafórico”; a “função sintática do antecedente”; e a
“estrutura sintática da frase”. O único condicionante externo à língua selecionado foi,
curiosamente, o fator “escola”.
Na sequência, expõem-se os resultados referentes às seis variáveis em questão, em
ordem de relevância, conforme a seleção feita pelo programa.
a) Animacidade do antecedente
No corpus aqui analisado, a frequência de antecedentes animados foi o fator que
mais favoreceu a retomada anafórica pelo pronome clítico, ao passo que os antecedentes
inanimados desfavoreceram bastante o uso dessa variante, tal como mostra a tabela abaixo:
Animacidade do
antecedente
Animado
Inanimado
TOTAL
Valor absoluto
Valor percentual
Peso relativo
179 / 394
16 / 185
195 / 579
45,4%
8,6%
33.7%
.66
.19
–
Tabela 11. Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao emprego do clítico acusativo.
144
Ressalta-se que o total de 579 dados expostos na tabela (ao invés de 657, que é o
total de dados geral do corpus) decorre da opção por contabilizar, nessa etapa, apenas os
traços animado ou inanimado do antecedente para essa variável, excluindo os dados de
referentes oracionais, que foram controlados em outra variável, conforme descrito e
justificado no capítulo de metodologia. Houve apenas um caso de retomada de oração por
meio do clítico acusativo e, por isso, o total de 195 clíticos utilizados na tabela, em lugar dos
196 clíticos encontrados no corpus completo.
Assim, os resultados da tabela comprovam que o clítico acusativo ocorreu
majoritariamente com referência a antecedentes animados (em 179 do total de 196 dados de
clíticos), atingindo 45,4% dos casos de antecedentes animados e peso relativo .66, e apenas
8,6% dos antecedentes inanimados, com peso relativo .19. Tendo em vista que o traço [+
animado] do antecedente, em geral, favorece o uso do ele acusativo na fala brasileira (cf.
estudos de Omena (1979), Duarte (1986), entre outros), faz sentido, em se tratando da escrita
de alunos no último ano do Ensino Fundamental, que esse traço [+ animado] do antecedente
tenha sido o maior favorecedor do emprego do clítico, haja vista o estigma fortemente
associado ao uso do pronome lexical, constantemente repelido ao longo dos períodos de
escolarização.
Nesse sentido, vale mencionar que Averbug (1998) evidenciou uma inversão nas
ocorrências do ele acusativo e do clítico justamente no 9º ano do Ensino Fundamental (antiga
8ª série, em sua análise), quando o clítico foi a terceira variante mais utilizada e o pronome
lexical passou a aparecer em último lugar, com o menor percentual de ocorrência. É possível,
portanto, que a atuação da escola esteja conduzindo a certa inversão: em lugar do ele
acusativo, usa-se o pronome clítico, o que remete, de certo modo, a algumas considerações
feitas na análise das entrevistas, nas quais as professoras demonstraram abordar, com maior
ênfase, as duas variantes em questão, promovendo o uso de uma – o clítico acusativo – em
detrimento de outra – o pronome lexical.
b) Natureza do antecedente
O contexto de antecedente oracional foi o maior desfavorecedor do emprego do
clítico, que quase sempre aparece retomando um sintagma nominal. Tal condição coloca esta
145
variável como a segunda mais relevante ao uso do clítico acusativo, conforme mostra tabela a
seguir.
Antecedente do
acusativo
anafórico
Sintagma nominal
Oração
TOTAL
Valor absoluto
Valor percentual
Peso relativo
195 / 574
1 / 83
196 / 657
34%
1,2%
29.8%
.62
.03
–
Tabela 12. Atuação da variável “antecedente do acusativo anafórico” quanto ao emprego do clítico
acusativo.
Embora o antecedente sintagma nominal tenha favorecido o uso do clítico
acusativo com peso relativo .62, chama a atenção o forte desfavorecimento condicionado pelo
antecedente oracional, com peso relativo .03. Isso sugere que a relevância do
condicionamento verificado se destaca muito mais em decorrência do que desfavorece o
emprego dessa variante – o antecedente proposicional – do que em função do favorecimento
exercido pelo antecedente sintagma nominal. A esse respeito, ressalta-se que Cyrino (1990,
1996, 1997) evidenciou a queda do o proposicional como o primeiro clítico a desaparecer no
sistema pronominal do PB. Dessa forma, a ocorrência de um clítico na retomada de um
antecedente oracional (exibido em (1), a seguir), neste corpus, pode demonstrar certa
preocupação mais elevada com o emprego da variante padrão.
(1) Frustrado por ter seu nome sujo, Jack sabia que ninguém jamais [o contrataria de novo]ᵢ. E
não oᵢ fizeram (Redação 159, escola 2, sexo masculino).
Nesse caso, destaca-se o fato de que a única retomada de antecedente proposicional
pelo clítico acusativo ocorreu justamente na redação de um aluno da escola 2, cuja professora
se mostra um pouco mais conservadora, como se pôde perceber por meio da análise de sua
entrevista no capítulo anterior.
c) Distância entre o antecedente e o acusativo anafórico
A análise revelou que há maior probabilidade de uso do clítico acusativo quando o
termo antecedente se encontra mais próximo (.58) do acusativo anafórico. Caso haja uma
distância maior no texto entre os termos, a referência ao antecedente por um pronome clítico
(.26) se torna mais difícil.
146
Distância entre o
antecedente e o
acusativo
anafórico
Perto
Longe
TOTAL
Valor absoluto
Valor percentual
Peso relativo
168 / 495
28 / 162
196 / 657
33,9%
17,3%
29,8%
.58
.26
–
Tabela 13. Atuação da variável “distância entre o antecedente e o acusativo anafórico” quanto ao
emprego do clítico acusativo.
Os resultados da tabela certificam a hipótese de que o clítico dificilmente ocorreria na
retomada de antecedentes mais distantes estruturalmente, distância esta que favoreceria a
ocorrência do SN anafórico. De fato, cabe informar que a variante SN anafórico foi utilizada
em 69,8% dos casos de retomada a um antecedente [+ distante], em contraste ao percentual de
30,2% da soma das demais variantes no mesmo contexto. Esses dados ratificam, ainda, o que
Xavier (2015) havia sugerido sobre os resultados obtidos com a análise dos textos de seus
alunos (também cursando o 9º ano do Ensino Fundamental): a suposição de que a retomada
pelo sintagma nominal, em casos de antecedentes [+ distantes], facilitaria a referência ao
antecedente com mais nitidez, evitando qualquer ambiguidade. Além disso, os poucos casos
de clíticos encontrados pela autora citada também ocorreram em contextos de antecedentes
mais próximos estruturalmente do acusativo anafórico.
d) Escola do informante
Não é novidade que o uso do clítico acusativo se mostre em progressiva expansão
conforme aumenta o nível de escolaridade dos alunos brasileiros (considerando os estudos
anteriores de Averbug (1998, 2000, 2008), Machado (2006), entre outros). Nesse sentido, era
de se esperar que o fator escola exercesse influência relevante ao emprego dessa variante. No
entanto, ao considerar especialmente a instituição na qual estuda o aluno aqui informante a
natureza de uma variável de controle, surpreende a diferença verificada na atuação de uma e
outra escola:
147
Escola
Escola 1
Escola 2
TOTAL
Valor absoluto
84 / 305
112 / 35231
196 / 657
Valor percentual
27,5%
31,8%
29,8%
Peso relativo
.39
.59
–
Tabela 14. Atuação da variável “escola” quanto ao emprego do clítico acusativo.
Ao mesmo tempo em que a escola 2 condicionou o uso do clítico acusativo com peso
relativo .59, a escola 1, em contrapartida, “desfavoreceu” seu emprego com peso relativo .39.
Como ambas as escolas estão situadas na mesma região, sem muitas diferenças geográficas ou
sociais, essa distinção acaba por direcionar ao contraste na atuação de uma e outra professora
junto a seus respectivos alunos, os quais têm o mesmo grau de escolaridade. Obviamente, a
professora 1 não teve o intuito de restringir o uso do clítico acusativo, mas a atuação da
professora 2, em comparação à primeira, fez com que seus alunos utilizassem o clítico em
uma frequência bem mais elevada. Do total de 196 casos de clítico acusativo, mais da metade
(112/196; 57%) pertence aos dados da escola 2.
Ao traçar um paralelo entre esses resultados e as análises de base qualitativa ora
realizadas, destaca-se o estado um pouco mais acentuado de conservadorismo em relação ao
ensino da língua evidenciado nas respostas cedidas, em entrevista, pela professora 2. Nesse
sentido, tais resultados não demonstram simplesmente um melhor domínio linguístico por
parte dos seus alunos, embora revelem positivamente seu aprendizado sobre a forma como se
utilizam os clíticos. Os resultados indicam, na verdade, que os alunos dessa professora
absorveram com mais expressividade o uso do clítico como estratégia ideal para retomar um
termo antecedente. Mais do que isso, talvez seja esta a única forma que eles tenham estudado
em sala de aula como possível para essa função, seja por meio dos materiais didáticos
utilizados – os Cadernos Pedagógicos da SME e o sistemático Caderno do Futuro do IBEP –,
seja pela mediação feita por sua professora.
31
A diferença entre o total de dados de OD anafórico encontrados nas escolas não inviabiliza os
resultados, já que o número de clíticos foi maior nos dados da escola 2 até mesmo ao contabilizar
somente as redações do primeiro bimestre (antes de completar a amostra com as redações do terceiro
bimestre desta escola), quando havia um número menor de dados, no total, para a escola 2. Na ocasião,
havia um total de 305 dados para a escola 1 e apenas 173 para a escola 2 (total geral de 478 dados) e,
ainda assim, o programa havia selecionado a variável escola como relevante e o favorecimento ao
clítico foi verificado pela escola 2 com peso relativo .61, enquanto a escola 1 já o “desfavorecia” com
peso relativo .43.
148
e) Função sintática do antecedente
De modo a corroborar a hipótese formulada para esta variável, o contexto de
antecedente com função sintática diferente do acusativo anafórico foi favorecedor ao uso do
clítico, enquanto o contexto de antecedente igualmente acusativo desfavoreceu o emprego
dessa variante:
Função sintática
do antecedente
Igual
Diferente
TOTAL
Valor absoluto
Valor percentual
Peso relativo
43 / 273
153 / 384
196 / 657
15,8%
39,8%
29,8%
.38
.58
–
Tabela 15. Atuação da variável “função sintática do antecedente” quanto ao emprego do clítico
acusativo.
As pesquisas anteriores sobre o fenômeno revelaram que a referência a um
antecedente com a mesma função de objeto direto favorece o uso da categoria zero para a
retomada anafórica (cf. estudos de Omena (1979), Marafoni (2004), Freire (2005), entre
outros). Em vista disso, supôs-se que a função sintática diferente do antecedente pudesse
propiciar o emprego das demais variantes expressas e, possivelmente, do clítico. Os resultados
da tabela acima confirmam essa hipótese, evidenciando o favorecimento ao clítico acusativo
exercido pelo antecedente de função sintática diferente, com peso relativo .58. Além disso,
tais resultados ratificam a baixa probabilidade de ocorrência dessa variante com antecedente
de mesma função sintática, com peso relativo .38, o que remete ao favorecimento de tal
contexto sobre o emprego do objeto nulo.
f) Estrutura sintática da frase
A presença da estrutura sintática S V OD foi a única que favoreceu o uso do clítico
acusativo no corpus investigado. As demais estruturas controladas, por sua vez,
desfavoreceram o emprego dessa variante, principalmente em construções S V OD + verbo no
infinitivo, conforme mostra a tabela abaixo:
149
Estrutura sintática
da frase
S V OD Oblíquo
S V OD Predicativo
S V OD
S V OD V(infinitivo)
TOTAL
Valor absoluto
Valor percentual
Peso relativo
38 / 142
8 / 23
142 / 458
8 / 27
196 / 650
26,8%
34,8%
31%
29,6%
30,2%
.39
.37
.55
.29
–
Tabela 16. Atuação da variável “estrutura sintática da frase” quanto ao emprego do clítico acusativo.
Destaca-se, primeiramente, que o total de 650 dados exposto na tabela decorre da
opção por dar “não se aplica” aos dados de construções de “dupla função” com a segunda
oração na forma gerúndio (S V OD + verbo no gerúndio), na variável “estrutura sintática da
frase” – de modo a excluir os 7 dados desta estrutura –, tendo em vista a ausência de
ocorrência do pronome clítico em tais construções, fato que havia ocasionado knockouts na
rodada inicial, tal como explanado do capítulo de metodologia.
Do total de 196 clíticos acusativos que apareceram no corpus, 142 ocorreram em
estruturas S V OD (as quais constituíram 31% das ocorrências dessa estrutura), em contraste
com apenas 54 dados de clíticos nas demais estruturas sintáticas. Esses resultados confirmam
a hipótese de que, em construções S V OD, nas quais ainda se verifica o uso desta variante na
fala brasileira, segundo Duarte (1986), o emprego dos clíticos seria mais provável na escrita
desses estudantes. Não por acaso, também comprovando as hipóteses formuladas, as
estruturas de “dupla função”, como S V OD + predicativo e S V OD + verbo no infinitivo,
que são fortes favorecedoras ao uso do pronome lexical (cf. estudos de Omena (1979), Duarte
(1986), Marafoni (2004), Freire (2005), entre outros), foram as que mais desfavoreceram o
emprego do clítico, com pesos relativos .37 e .29, respectivamente.
Ao observar os resultados de todas as variáveis relevantes ao clítico acusativo, é
interessante perceber que os contextos desfavorecedores ao seu emprego, em geral, foram
mais expressivos do que os favorecedores. Os antecedentes sintagmas nominais, por exemplo,
favoreceram o uso do clítico com peso relativo .63, ao passo que a presença de um
antecedente proposicional desfavoreceu a variante com peso relativo .03. De igual maneira,
enquanto a distância curta entre o antecedente e o acusativo anafórico favoreceu o clítico com
peso relativo .58, a distância longa entre os termos o desfavoreceu em .26. O traço [+
animado] e a função sintática diferente do antecedente favoreceram o clítico em .66 e .58,
respectivamente, enquanto os contextos opostos o desfavoreceram em .19 e .38, na mesma
150
ordem. O favorecimento de estruturas S V OD ao clítico foi de apenas .55; o
desfavorecimento das demais estruturas foi de .29, .37 e .39.
Em outras palavras, a seleção das variáveis linguísticas relevantes ao emprego do
clítico acusativo, na escrita desses estudantes, parece decorrer muito mais dos valores que
desfavorecem seu emprego do que do favorecimento exercido pelos contextos opostos.
Interpretação diferente, entretanto, é promovida com relação à variável extralinguística
“escola”, já que o fato de a escola 1 ter revelado peso relativo .39 ao emprego do clítico não
significa de fato um desfavorecimento à variante, demonstrando apenas que a escola 2
propiciou o uso do clítico em maior escala (.59), embora as duas escolas busquem que seus
alunos o utilizem.
4.2.2.2 Variáveis relevantes ao emprego do pronome lexical
A melhor rodada selecionada pelo programa com base na variante pronome lexical
obteve significância .01 e um input, igualmente, de apenas .01, o que já demonstra a raridade
de sua ocorrência, restrita a contextos bem peculiares. Nesse sentido, cabe ressaltar que o uso
da referida variante com antecedentes específicos foi categórico e, por isso, a variável
“especificidade do antecedente”, obviamente relevante,foi eliminada para a etapa de rodadas
multivariadas, conforme explicado no capítulo de metodologia. Assim, foram selecionados
pelo programa três grupos de controle relevantes ao seu emprego, quais sejam: o fator
“correção”; a “animacidade do antecedente”; e a “estrutura sintática da frase”, nesta ordem.
Obviamente, a correção dos textos feita pelas professoras não poderia condicionar o uso do
pronome lexical (anterior à tarefa da correção), mas a seleção desse grupo de controle dos
resultados como o mais relevante mostra a alta probabilidade de que o emprego do pronome
lexical seja corrigido pelas professoras, mesmo ocorrendo em uma baixa frequência de uso.
A seguir, apresentam-se os resultados dos três referidos grupos selecionados.
a) Fator correção
De forma a confirmar a hipótese desta pesquisa, o pronome lexical foi a variante mais
propícia à correção, embora sua ocorrência seja pouco expressiva, conforme mostra a seguinte
tabela:
151
Grupo de
controle: correção
Corrigida
Não corrigida
TOTAL
Valor absoluto
Valor percentual
Peso relativo
27 / 46
14 / 612
41 / 657
57,8%
2,5%
6,2%
.97
.43
–
Tabela 17. Resultados do grupo de controle “correção” quanto ao emprego do ele acusativo.
Como este grupo de controle revela a correção efetiva das professoras, seus resultados
serão explorados especialmente na última seção deste capítulo (4.2.3), que versa
especificamente sobre o problema da avaliação das variantes da regra variável. No entanto,
pode-se destacar, aqui, que o pronome lexical atingiu mais da metade das correções feitas
pelas professoras (57,8%). Em valores absolutos, de um total de 46 dados de correção
verificados no corpus, 27 corresponderam ao uso do pronome lexical, os quais serão
abordados com mais detalhes, portanto, na próxima seção.
b) Animacidade do antecedente
O traço [+ animado] do antecedente foi bastante favorável ao emprego do pronome
lexical, corroborando os estudos anteriores e confirmando a hipótese de que a maior
frequência dessa variante ocorreria em dados de antecedentes animados, tal como evidencia a
tabela abaixo:
Animacidade do
antecedente
Animado
Inanimado
TOTAL
Valor absoluto
Valor percentual
Peso relativo
39 / 394
2 / 185
41 / 657
9,9%
1,1%
7,1%
.61
.26
–
Tabela 18. Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao emprego do ele acusativo.
Como se pode observar, o traço [+ animado] do antecedente favoreceu o uso do
pronome lexical, com peso relativo .61, ao passo que o traço [- animado] o desfavoreceu, com
peso relativo .26. Do total de pronomes lexicais utilizados pelos alunos, houve apenas duas
ocorrências dessa variante com referência a antecedentes inanimados, os quais são
apresentados em (2) e (3), a seguir:
152
(2) A palavraᵢ é “pai”, filho. Diga elaᵢ pra mim, para que eu fique feliz como da primeira vez
em que nos vimos, diz. (Redação 210, escola 2, sexo feminino).
(3) Ele mergulha até encontrar a bolsaᵢ, pega elaᵢ e volta até a superfície com a bolsa em sua
mão. (Redação 214, escola 2, sexo feminino).
Embora a literatura aponte o traço [+ animado] do antecedente como forte favorecedor
ao uso do pronome lexical e os resultados aqui obtidos tenham evidenciado o mesmo, com o
favorecimento de peso relativo .61 (exposto na tabela acima), é válido ressaltar que esse
mesmo contexto favoreceu também o emprego do clítico acusativo, com peso relativo .66 (cf.
tabela 11), quando contraposto a todas as outras variantes. Como o pronome lexical é uma
variante socialmente estigmatizada e, por conseguinte, de menor frequência, os alunos tendem
a buscar sua substituição, devido à influência escolar, pela variante considerada padrão.
Assim, é possível identificar certa transferência de uma variante à outra: o contexto que, em
geral, favorece a variante estigmatizada (principalmente na fala) foi o mais favorável, na
escrita dos estudantes, à variante padrão32.
c) Estrutura sintática da frase
Ainda confirmando as hipóteses formuladas e ratificando os estudos anteriores, os
contextos de construções com “dupla função” foram os mais favoráveis ao pronome lexical,
ao contrário das estruturas S V OD, que desfavoreceram o uso dessa variante com peso
relativo .41:
Estrutura sintática
da frase
S V OD Oblíquo
S V OD Predicativo
S V OD
S V OD V(infinitivo)
S V OD OI
TOTAL
Valor absoluto
Valor percentual
Peso relativo
17 / 108
4 / 23
12 / 458
7 / 27
1 / 34
41 / 657
15,7%
17,4%
2,6%
25,9%
2,9%
6,2%
.61
.75
.41
.84
.73
–
Tabela 19. Atuação da variável “estrutura sintática da frase” quanto ao emprego do ele acusativo.
32
De todos os contextos favoráveis ao clítico, o antecedente animado foi o mais expressivo, com peso
relativo .66. A variante pronome lexical atingiu 9,9% dos casos de antecedentes animados, enquanto o
clítico acusativo constituiu 45,4% das ocorrências desse contexto (cf. tabelas 18 e 11,
respectivamente).
153
A tabela acima evidencia o mais alto emprego do pronome lexical em estruturas S V
OD + complemento oblíquo (17/108 – 15,7%). Se somadas as estruturas nas quais o verbo
seleciona um complemento oblíquo e as estruturas de “dupla função”, os resultados revelam,
nestas, mais da metade das ocorrências de pronomes lexicais – 29, em número absoluto,
contra 12 usos dessa variante em construções S V OD.
A maior probabilidade de uso do pronome lexical, por sua vez, verificou-se em
estruturas de “dupla função”: primeiramente, com verbo no infinitivo, com peso relativo .84,
e, em seguida, com predicativo, com peso relativo .75. Posteriormente, aparecem as estruturas
em que o predicador verbal seleciona, além do objeto direto, um objeto indireto, com peso
relativo .73, ou algum complemento oblíquo não dativo, com peso relativo .61. Dessa forma,
é possível estabelecer uma escala de favorecimento dessas estruturas à variante pronome
lexical, tal como ilustra o gráfico abaixo:
.61
S V OD
Oblíquo
.73
.75
S V OD OI
S V OD
Predicativo
.84
S V OD
V(infinitivo)
Favorecimento à variante pronome lexical
Gráfico 4. Probabilidade de uso do ele acusativo em função da variável “estrutura sintática da frase”.
A estrutura S V OD + verbo no infinitivo (exemplificada em (4)) foi o contexto mais
favorável ao uso do pronome lexical. Em segundo lugar, aparecem as construções, também de
“dupla função”, com predicativo (como em (5)). Em seguida, as demais estruturas favoráveis
154
à variante contêm um predicador verbal que seleciona algum argumento além do objeto
direto, seja um objeto indireto, como em (6), seja um complemento oblíquo não dativo, como
em (7). Os dados a seguir exemplificam tais ocorrências:
(4) A mãe de Melissa ficou tão feliz que elaᵢ ficou em segundo lugar no concurso que deixou
elaᵢ viajar pra Disney. (Redação 046, escola 1, sexo feminino).
(5) Elaᵢ viu um homem estranho na rua. Ele era alto e usava uma jaqueta e isso deixou elaᵢ
com muito medo (Redação 011, escola 1, sexo masculino).
(6) A palavraᵢ é “pai”, filho. Diga elaᵢ pra mim, para que eu fique feliz como da primeira vez
em que nos vimos, diz. (Redação 210, escola 2, sexo feminino).
(7) Então elaᵢ pediu que ele levasse elaᵢ até a casa da Beca (Redação 221, escola 2, sexo
feminino).
Não por acaso, a maioria dos dados de pronome lexical não corrigidos pelas
professoras ocorreu em estruturas como as apresentadas acima (cf. será observado na seção
4.3), que se enquadram no gráfico de favorecimento à variante, talvez por carregarem certo
grau de aceitação. A fim de abordar mais detalhadamente o fator correção controlado nesta
pesquisa, a próxima seção aborda as variantes mais ou menos corrigidas pelas professoras, de
modo a compreender em que medida o são e, além disso, as diferenças e semelhanças
encontradas na correção de cada uma delas.
4.3 O grupo de controle correção
Como mencionado anteriormente, o pronome lexical foi a variante mais corrigida no
corpus, atingindo mais da metade do percentual total de correção (57,8%). Os 42.2% restantes
de correções verificadas se dividiram entre o clítico acusativo (24,4%), o objeto nulo (11,1%)
e o SN anafórico (6,6%), tal como expõe o gráfico33 a seguir, de distribuição geral dos
resultados encontrados para o fator em questão:
33
A estratégia com o pronome demonstrativo foi categoricamente aceita pelas professoras e, portanto,
não aparece no gráfico exposto.
155
Percentual geral de correção do OD anafórico de 3ª p.
11%
7%
Pronome lexical
Pronome clítico
24%
58%
Objeto nulo
SN anafórico
Gráfico 5. Percentual geral de correção do acusativo anafórico de terceira pessoa.
É notória, evidentemente, a predominância da correção feita ao pronome lexical,
mesmo que seus usos sejam muito pouco frequentes. No entanto, o clítico acusativo, que é a
variante padrão e a segunda mais utilizada pelos alunos, também foi corrigido em um
percentual considerável de 24%. Os percentuais de correção do objeto nulo e do SN
anafórico, em contrapartida, correspondem a apenas poucos dados corrigidos destas variantes
– cinco da primeira e três da segunda –, conforme mostra seguinte a tabela:
Estratégias de
representação do OD
anafórico de 3ª p.
Pronome lexical
Pronome clítico
Objeto nulo
SN idêntico
SN semelhante
SN sinônimo
Pronome demonstrativo
TOTAL
Frequência de correção
Valor absoluto
Valor percentual
27 / 41
11 / 196
5 / 126
2 / 125
1 / 98
0 / 57
0 / 14
46 / 657
57,8%
24,4%
11,1%
4,4%
2,2%
0%
0%
7%
Tabela 20. Distribuição geral do acusativo anafórico de 3ª p. em função da frequência de correção.
156
Para os resultados gerais acima expostos, considerou-se como correção toda e
qualquer assinalação feita pelas professoras nos textos de seus estudantes. No entanto,
observou-se que os dados de clíticos não aceitos pelas docentes ocorreram em função de
questões gráficas, como no exemplo (8):
(8) Então elaᵢ tomou coragem e entrou, ao chegar dentro da casa dona Matilda vendo aᵢ,
colocou a mãe em seu ombro (Redação 007, escola 1, sexo feminino) – corrigido para
“vendo-a”.
Nessa ocorrência, a correção foi feita devido à ausência do hífen na grafia do aluno,
que (entre outros exemplos abordados mais adiante) demonstra utilizar o clítico sem dominar
as regras de representação da ênclise. A assinalação da docente, no caso, não se dá em prol do
uso de outra variante em lugar do clítico.
De igual maneira, a correção à variante SN anafórico verificada no corpus evidenciou
tão somente a busca por evitar a repetição de termos idênticos ou semelhantes, sem remeter à
escolha de outra variante em seu lugar, já que as docentes não apontaram, no texto, o uso de
outra forma por elas considerada mais adequada, apenas sublinhando os termos antecedente e
anafórico, tal como em (9):
(9) Ele se despede da amiga e sai correndo até o local da palestraᵢ, porém descobre que a sala
estava vazia e acaba pensando que perdeu a palestraᵢ. (Redação 008, escola 1, sexo
feminino; corrigido com termos correspondentes sublinhados).
Em vista disso, o gráfico a seguir expõe o percentual geral de correção ao uso das
variantes do acusativo anafórico de terceira pessoa, excluindo-se as assinalações feitas a
estruturas graficamente irregulares e não expressamente substituídas por outras:
157
Percentual geral de correção ao uso das variantes do OD de 3ª p.
16%
Pronome lexical
Objeto nulo
84%
Gráfico 6. Percentual geral de correção ao uso das variantes do OD anafórico de 3ª p.
Como se pode observar, é evidente o predomínio da coerção ao uso do pronome
lexical, seguido de poucas correções ao emprego do objeto nulo, ambas corrigidas com a
substituição pelo clítico, conforme as anotações feitas pelas professoras.
Visando a uma apreciação mais detalhada das condições de correção das quatro
variantes em questão, faz-se, na sequência, uma abordagem da correção verificada em cada
uma delas, separadamente, da variante menos corrigida (a iniciar pelas de uso assinalado
porém não substituído por outra forma – SN anafórico e clítico acusativo) à mais corrigida
pelas professoras.
a) A variante SN anafórico
Os resultados apontam que o SN anafórico foi a variante menos corrigida, ainda que
tenham ocorrido poucos casos de SN sinônimo, conforme explicitado na seção 4.1 (57, em
valor absoluto). Da soma de SN idênticos e semelhantes (125 e 98, respectivamente), que
158
reúnem um total de 223 dados de sintagmas anafóricos iguais ou parcialmente iguais ao
antecedente, houve somente três ocorrências corrigidas:
(10) Eles marcaram um encontroᵢ em uma praça perto da escola, marcaram o encontroᵢ às
18:00 horas da noite. (Redação 130, escola 1, sexto feminino; corrigido com termo anafórico
sublinhado)
(11) Ele se despede da amiga e sai correndo até o local da palestraᵢ, porém descobre que a sala
estava vazia e acaba pensando que perdeu a palestraᵢ. (Redação 008, escola 1, sexo
feminino; corrigido com termos correspondentes sublinhados)
(12) (...) e acaba pensando que perdeu a palestraᵢ. Triste, ele caminha para a saída da
faculdade porém encontrou um homem que diz que ele estava na sala errada e mostra a ele a
verdadeira sala, assim Watson conseguiu dar a palestraᵢ. – termos sublinhados (Redação
008, escola 1, sexo feminino; corrigido com termos correspondentes sublinhados)
No primeiro exemplo (10), chama atenção a repetição não só do sintagma nominal
como também do predicador verbal, o que provavelmente deve ter influenciado a coerção da
professora, além do fato de os termos estarem muito próximos entre si34. Neste caso, poderia
ser mais eficiente, para evitar repetições, a omissão tanto do acusativo anafórico quanto do
predicador verbal, a qual não causaria prejuízos à compreensão do leitor: “Eles marcaram um
encontro em uma praça perto da escola, às 18:00 horas da noite”. Como a professora
sublinhou somente o SN anafórico e não o verbo repetido, outra opção seria substituir o verbo
por outro que, no enunciado, denotasse o mesmo sentido. Neste caso, o uso do objeto nulo
seria uma boa opção, melhor até (em se tratando do âmbito do PB) do que o próprio clítico:
“Eles marcaram um encontro em uma praça perto da escola, combinando às 18:00 horas da
noite”.
Como se pode observar, embora o clítico acusativo seja considerado a variante padrão
e, além disso, costume ser utilizado em contextos de escrita mais formal, seu uso nem sempre
irá funcionar, necessariamente, como o mais adequado. Ainda assim, não demandaria
nenhuma correção, em quaisquer contextos, à exceção dos casos em que se verificam usos
irregulares da variante, adiante explorados.
34
Ressalta-se, aqui, a maior ocorrência de sintagmas nominais anafóricos nos casos de maior distância
entre o termo antecedente e o acusativo anafórico. Conforme apontado na seção 4.2.2, a variante SN
anafórico constituiu 69,8% dos dados do referido contexto.
159
Nos dois outros dados corrigidos, que pertencem à mesma redação, destaca-se o fato
de o aluno repetir o mesmo SN por muitas vezes no decorrer do texto. Seria o caso, então, de
tentar modificar a estrutura de modo mais amplo, como em: “(...) e acaba pensando que
perdeu a palestra. Triste, ele caminha para a saída da faculdade porém encontrou um homem
que diz que ele estava na sala errada e mostra a ele a verdadeira sala, assim Watson conseguiu
realizar seu trabalho / cumprir seu objetivo”.
Nota-se, assim, que os três dados de SN semelhante e idênticos corrigidos demonstram
uma repetição mais extensa do que propriamente a repetição de um termo anafórico. Por outro
lado, à exceção das três ocorrências corrigidas elucidadas, há usos de SN idênticos ou
semelhantes que acarretam um texto intensamente repetitivo e, ainda assim, não se mostraram
salientes à correção das professoras. Em alguns casos, o emprego do clítico acusativo tornaria
o texto mais elaborado, como nos exemplos (14) e (15); em outros, porém, o objeto nulo
poderia ser suficiente para a retomada anafórica, como em (13):
(13) Sua mãe não queria falar o nome da sua avóᵢ. Quando ela descobriu o nome de sua avó,
resolveu fazer uma história para ela. (Redação 028, escola 1, sexo feminino)
(14) Ela viu um homemᵢ maltratando um filhote de cachorro, desesperada ela ligou pra
policia, que prendeu o homemᵢ. (Redação 021, escola 1, sexo feminino)
(15) Ele morava sozinho e tinha vários amigosᵢ. Quando eles precisavam de ajuda, Ivo sempre
dava um jeito de ajudar os seus amigosᵢ. (Redação 100, escola 1, sexo feminino)
O seguinte trecho de uma das redações elucida de modo ainda mais evidente essa
questão:
E as três meninas entraram na água. Um tempo depois elas se
afogaram. Lucas entrou na água para salvar as meninas seus colegas
vieram e ajudaram ele a salvar as meninas. Mais no final tudo deu
certo eles conseguiram salvar as meninas (Redação 012, escola 1,
sexo masculino).
Acerca do trecho destacado, ressalta-se que, ao passo que a intensa repetição de SN
anafóricos não acarretou correção ou qualquer sinalização pelas professoras, o uso do ele
acusativo – dado seu estigma em relação ao que se idealiza como norma padrão – não fugiu a
sua percepção:
160
(16) Lucasᵢ entrou na água para salvar as meninas seus colegas vieram e ajudaram eleᵢ a
salvar as meninas (Redação 012, escola 1, sexo masculino; corrigido para ajudaram-no)35.
Entretanto, em outros casos, o uso de SN semelhante não parece provocar uma
repetição danosa ao texto, como nos exemplos (17) e (18). Certas vezes, o emprego dessa
forma pode até mesmo contribuir para alguma ênfase (como em (19)) e, nesses casos, de fato
não haveria razões para correção.
(17) Outro dia, mexendo na grama, encontrei uma pedra coloridaᵢ. / Nessa mesma época, eu
levei a pedraᵢ para casa e mostrei à minha mãe. (Redação 158, escola 2, sexo masculino)
(18) Vários dias se passaram e Hazel continuou sentada ao lado de Gusᵢ. / Ela estava
loucamente apaixonada por ele. Nisso ela queria conquistar o Gusᵢ de qualquer forma, e
contou com ajuda de uma amiga. (Redação 105, escola 1, sexo feminino)
(19) No outro dia Maria chegou na escola e se sentou, logo Axelᵢ chegou e perguntou o
porquê dela estar triste. Depois de ter contado, ele percebeu que ela o admirava, ela gostava
dele. Ele fez uma cara de assustado e saiu depressa dali. Maria sem entender correu, chorando
para sua casa. / Ela já não ia a escola fazia dias, por vergonha de encarar o tão lindo Axel
Brandfordᵢ, mas tomou coragem e foi. (Redação 085, escola 1, sexo feminino).
b) A variante clítico acusativo
Com relação à correção ao clítico acusativo, houve uma diferença bastante
significativa entre as redações de cada escola, a qual pôde ser melhor identificada com o
cruzamento dos fatores “escola” e “correção”:
35
No exemplo citado, destaca-se que a estrutura sintática que envolve o ele acusativo em questão é um
dos contextos que mais favorecem a variante, conforme visto na seção 4.2.2.2, com o gráfico X de
favorecimento à variante pronome lexical. Trata-se de uma construção em que o predicador seleciona
um complemento oblíquo além do objeto direto (“a salvar as meninas”); contexto que, no entanto,
constituiu a maioria das ocorrências de pronome lexical não corrigido pelas professoras.
161
Escola 1
Variante pronome clítico
Escola 2
Nº
%
Nº
%
8 / 40
20%
3/6
50%
Não corrigidos
76 / 265
29%
109 / 347
31%
Total de clíticos
84 / 305
28%
112 / 352
32%
Corrigidos
Tabela 21. Resultados do cruzamento entre os grupos de fatores “escola” e “correção” sobre o emprego
do clítico acusativo.
A tabela mostra que mais da metade das ocorrências de clíticos acusativos se verificou
dentre os dados da escola 2 – 112, em valor absoluto, em contraste aos 84 dados de clíticos da
escola 1. Ainda assim, houve mais casos de usos irregulares (corrigidos) de clíticos acusativos
(corrigidos) nas redações da escola 1 (8 dados) do que nas da escola 2 (3 dados). Embora a
soma das duas escolas não sugira um número tão expressivo de usos irregulares (11 correções,
do total de 196 clíticos), o teor de tais ocorrências chama a atenção, principalmente em se
tratando de textos de alunos do último ano do Ensino Fundamental, o que se pode perceber
com os exemplos (20), (21), (22), (23) e (24), a seguir.
(20) Caroline encontrou sua tia Fátima e ela percebeu que Carolineᵢ não estava bem. Levou-laᵢ
ao médico e Caroline estava com anemia. (Redação 010, escola 1, sexo feminino; corrigido
para levou-a)
(21) A mãe de Léo trabalhava concertando carros, construindo coisas, etc. Às vezes elaᵢ o
deixava aᵢ ajuda laᵢ. (Redação 039, escola 1, sexo masculino; corrigido para “ajudá-la”).
(22) No sonho ela era bela, formosa e eleᵢ se via nela foi então que ela encher oᵢ de conselhos
(Redação 247, escola 2, sexo masculino; corrigido para “encheu-o”).
(23) Era uma vez um loboᵢ meio mal cujo seu nome ja começa estranho Alexandre T. Lobo,
mas pode chama loᵢ de Alex. (Redação 057, escola 1, sexo masculino; corrigido para “chamálo”).
(24) Então elaᵢ tomou coragem e entrou, ao chegar dentro da casa dona Matilda vendo aᵢ,
colocou a mãe em seu ombro (Redação 007, escola 1, sexo feminino; corrigido para “vendoa”).
162
Esses dados refletem o estatuto do clítico acusativo como variante de uma gramática
ainda em construção por parte dos estudantes em questão, demonstrando a pouca
familiaridade que apresentam com relação aos padrões ortográficos que regem seu uso, o que
evidencia certa dificuldade em corresponder ao intuito escolar de recuperar o emprego do
clítico acusativo. Em outros casos, a correção feita pelas professoras sucedeu da colocação
pronominal, como em (25), (26), (27) e (28).
(25) Harry aᵢ beija por um longo período, tirando seu fôlego e logo em seguida aᵢ pedindo em
namoro. (Redação 032, escola 1, sexo masculino; corrigido para pedindo-a)
(26) Elaᵢ tinha inveja de mim. Mais mesmo depois deu aᵢ ajudar ela continuava me
ameaçando (Redação 052, scola 1, sexo feminino; corrigido para ajudá-la)
(27) Essas mulheresᵢ não eram as mais bonitas e nem de melhor classe social, mas tinham
corações enormes e poderiam sim fazer Miguel ser uma pessoa melhor, mas com seu orgulho
do tamanho de Mercúrio nunca se desculpou com nenhuma e foi asᵢ perdendo. (Redação 070,
escola 1, sexo feminino; corrigido para perdendo-as)
(28) Quando eleᵢ se depara com uma luz que brilhava muito intensamente e o atraiu e
teletransportando-oᵢ para um lugar desconhecido. (Redação 093, escola 1, sexo masculino;
corrigido para o teletransportando)
Não foram codificados como corrigidos os dados em que os alunos não acentuaram os
verbos em ênclise, como em (31), justamente por se identificarem como uma irregularidade
de acentuação36. No entanto, nos dois últimos casos de clíticos corrigidos, os alunos
acentuaram o clítico exatamente e, por esse motivo, foram contabilizados como um uso
irregular de clítico acusativo de terceira pessoa – expostos em (29) e (30) –, embora não se
manifestem da mesma maneira que as ocorrências citadas anteriormente.
36
Verificaram-se, no corpus, dez ocorrências em que apenas a acentuação foi corrigida pelas
professoras (não contabilizados, portanto, como clíticos corrigidos), a saber: cura-la (redação 016,
escola 1, sexo feminino); busca-la (redação 54, escola 1, sexo feminino); leva-la (redação 54, escola 1,
sexo feminino); acompanha-la (redação 74, escola 1, sexo masculino); dispensa-lo (redação 66, escola
1, sexo masculino); salva-las (redação 79, escola 1, sexo feminino); ajuda-la (redação 92, escola 1,
sexo masculino); compreende-la (redação 112, escola 1, sexo feminino); cura-la (redação 139, escola
2, sexo masculino); leva-lo (redação 175, escola 2, sexo masculino).
163
(29) Elaᵢ morava com uma tia muito má, depois do falecimento dos seus pais em um acidente
de carro. Mais mesmo sua tia àᵢ maltratando, ela ainda tinha o sonho de ser “livre”.
(Redação 144, escola 2, sexo feminino; corrigido para “a maltratando”).
(30) Dela não gosta de ver Ruthᵢ nesse estado e faz de tudo para ajuda-láᵢ (Redação 225,
escola 2, sexo feminino; corrigido para “ajudá-la”).
(31) Eles foram conversando por muito tempo até que Aliceᵢ disse seu grande sonho para
Jorge que era conhecer uma cidade, ele concordou em ajuda-laᵢ em seu sonho. (Redação 092,
escola 1, sexo masculino; corrigido em “ajudá-la”).
c) A variante objeto nulo
No que tange ao uso do objeto nulo, das 126 ocorrências dessa variante, somente cinco
não foram aceitas pelas professoras. Desses cinco dados corrigidos, quatro (exibidos nos
exemplos (32), (33), (34) e (35)) se referiam seguramente a um antecedente humano e
específico:
(32) Ela começou a pedir para a menina parar, mais ela nunca parava, deu um tempo na
verdade anos e achou que nunca mais ia ver a meninaᵢ novamente mais viu ᵢ no shopping,
mais sozinha e encarando ela. (Redação 052, escola 1, sexo feminino; corrigido para “a viu”)
(33) No dia do casamento, o noivoᵢ teve um acidente e não foi no dia do casamento, a noiva
foi visitar ᵢ no hospital, felizmente ele só tinha quebrado a perna. (Redação 080, escola 1,
sexo feminino; corrigido para “visitá-lo”)
(34) Elaᵢ gostava muito de trabalhar como médica, era calma e muito feliz. / Até que um dia a
amiga dela Alice chamou ᵢ para ir no grupo de oração. (Redação 087, escola 1, sexo
feminino; corrigido para “chamou-a”)
(35) Elaᵢ era feliz fazendo isso. Até que o dono do shopping expulsou ᵢ do shopping, porque
não estava tendo rendimento. (Redação 107, escola 1, sexo feminino; corrigido para “a
expulsou”)
O quinto dado de objeto nulo corrigido (36), embora assinalado como referente a um
antecedente inanimado, demonstrou certa ambiguidade em sua leitura:
164
(36) Quando suas forças para soltar a corda já tinham se esgotado, apareceu um principe, filho
do rei, que soltou  dizendo “vamos sair daqui”. (Redação 150, escola 2, sexo feminino;
corrigido com sublinhado entre os termos que e soltou)
Em uma primeira leitura, a referência do objeto nulo do exemplo (36) é associada ao
termo antecedente a corda, inanimado porém específico, único contexto que, segundo a
literatura (cf. estudos de Marafoni (2004), Averbug (2008), entre outros, citados no capítulo
1), ainda restringe o uso dessa variante no PB. No entanto, a professora não o corrigiu
colocando o clítico a ou qualquer objeto expresso em seu lugar, mas simplesmente sublinhou
a ocorrência, indicando alguma incoerência ou irregularidade. É possível que, em uma
segunda leitura, esse objeto seja associado a um antecedente mais distante, referente à pessoa
que foi solta (antes, presa pela tal corda), o qual foi retomado diversas vezes no texto:
Uma bela mulher, que morava em uma simples casa numa
cidade qualquer, era amaldiçoada por sua madrasta, que queria sua
juventude. A maldição dizia que elaᵢ nunca seria feliz, e por isso saiu
da casa de seu pai.
As pessoas aᵢ olhavam com estranheza, por isso elaᵢ só saía de
casa quando o necessário, quase não tinha despesas. Nunca fora
realmente feliz, e ficou sabendo por alguns boatos que seria
executada.
Foi julgada e condenada. Numa simples tarde aᵢ prenderam
numa árvore perto do palácio, passaria a noite lá, e seria morta pela
manhã. Quando suas forças para soltar a corda já tinham se esgotado,
apareceu um principe, filho do rei, que soltou ᵢ dizendo “vamos sair
daqui” (Redação 150, escola 2, sexo feminino).
Como a marcação feita pela professora se encontra justamente entre os termos que e
soltou, ou seja, assinalando o espaço anterior ao verbo, é provável que sua intenção tenha sido
aludir ao uso do clítico acusativo (“a soltou”), o que não solucionaria a ambiguidade, já que
os dois possíveis antecedentes são femininos e o pronome utilizado seria o mesmo. Por esse
motivo, talvez, a professora deva ter optado por sublinhar a ocorrência sem fazer uma
correção explícita em prol do clítico, apenas sugerindo que o uso do objeto nulo, nesse caso,
não foi totalmente eficaz.
165
d) A variante pronome lexical
Ao que tudo indica, as redações da escola 2, em comparação às da escola 1,
demonstram um direcionamento bem maior à aproximação da variante padrão e ao
afastamento da variante estigmatizada, muito provavelmente em decorrência do trabalho
exercido por suas professoras. Ao comparar os resultados do cruzamento para a variante
clítico acusativo (cf. tabela 22) ao mesmo cruzamento – grupo de fatores “escola” e
“correção” – para o pronome lexical, essa situação fica ainda mais evidente:
Escola 1
Variante pronome lexical
Escola 2
Nº
%
Nº
%
Corrigidos
25 / 40
62%
2/6
33,3%
Não corrigidos
6 / 265
2%
8 / 347
2,3%
Total de pronomes lexicais
31 / 305
10%
10 / 352
3%
Tabela 22. Resultados do cruzamento entre os grupos de fatores “escola” e “correção” sobre o emprego do
pronome lexical.
Do total de correções ao acusativo anafórico verificadas no corpus (46, em valor
absoluto), quase todas foram conferidas pela escola 1, havendo 40 dados corrigidos em suas
redações e somente 6 nas redações da escola 2. A julgar pelas ocorrências corrigidas e pelas
entrevistas com as respectivas professoras (analisadas anteriormente na seção 4.1.3), esse
resultado mostra não uma coerção menos intensiva da professora 2, mas sim que as redações
de seus alunos suscitaram menos usos que demandavam correção. Dos 40 dados corrigidos
da escola 1, mais da metade se referiu a pronomes lexicais (62%, que correspondem a 25
dados). Além disso, do total de 41 dados de pronomes lexicais, 31 ocorreram nas redações da
escola 1 (dos quais 25, portanto, foram corrigidos). Nas redações da escola 2, houve apenas
10 ocorrências de pronome lexical, das quais 2 foram corrigidas, expostas em (37) e (38):
(37) Um homem negro viu Sheldonᵢ doente e carregou eleᵢ até uma caverna. (Redação 220,
escola 2, sexo masculino; corrigido para carregou-o)
(38) Ele mergulha até encontrar a bolsaᵢ, pega elaᵢ e volta até a superfície com a bolsa em sua
mão (Redação 214, escola 2, sexo feminino; corrigido com termo ela sublinhado).
166
Conforme mostrou a tabela 20, no início desta seção, do total de 41 dados de pronome
lexical encontrados no corpus, 14 não foram corrigidos e, destes, a maioria ocorreu em
estruturas de “dupla função”, seja com um predicativo, como em (39), seja com um verbo no
infinitivo (40), ou em construções em que o predicador verbal selecionava um complemento
oblíquo além do objeto direto (41):
(39) Thomasᵢ morava no Rio de Janeiro com seus pais. Seus amigos chamavam eleᵢ de nerd,
porque ele não conseguia viver um segundo sem internet. (Redação 051, escola 1, sexo
masculino).
(40) Eleᵢ apanhava e não podia fazer nada, porque seu pai não deixava eleᵢ praticar violência.
(Redação 131, escola 1, sexo masculino).
(41) Até que a avó de Joanaᵢ escreveu elaᵢ em um concurso de natação. (Redação 097,
escola 1, sexo masculino).
As demais ocorrências não corrigidas, ainda que apresentadas em estruturas S V OD,
nas quais a saliência do ele acusativo fica mais evidente, referiam-se a antecedentes não só
animados como também humanos, contexto que favorece o uso do pronome lexical (cf. seção
4.2.2.2, tabela 18). A única ocorrência não corrigida com antecedente inanimado encontrada
no corpus demonstrou certa ênfase ao objeto, exposta em (42):
(42) Hazelᵢ começou a chorar e ficou muito triste, nada alegrava elaᵢ. (Redação 105, escola 1,
sexo feminino).
Em vista das apreciações conferidas com relação às formas variantes de retomada
anafórica do OD de terceira pessoa averiguadas no corpus, sobretudo no tangente à análise
das correções realizadas pelas professoras, é possível promover algumas ponderações acerca
do ensino de Português, especialmente no que concerne ao tratamento dispensado ao
fenômeno gramatical variável aqui em abordagem. Assim, a última seção deste capítulo, a
seguir, busca articular algumas reflexões para o ensino a partir da interpretação dos resultados
alcançados com esta pesquisa, o que, em última análise, poderá fundamentar propostas
pedagógicas a serem futuramente testadas em sala de aula.
167
4.4 Análise dos resultados: reflexões para o ensino
As análises anteriormente desenvolvidas permitem refletir sobre algumas questões
relevantes para o ensino de Português, sobretudo no que se refere à abordagem do acusativo
anafórico de terceira pessoa como fenômeno gramatical variável. Ao que tudo indica, no
âmbito escolar, a noção de fenômenos gramaticais encontra-se ainda distanciada da
abordagem de fenômenos variáveis, os quais, na realidade, são parte intrínseca do sistema
gramatical da língua. A esse respeito, embora as professoras entrevistadas exponham a
carência de um tratamento mais efetivo com os componentes gramaticais no material didático
fornecido pela SME, a análise de suas entrevistas sugere que a compreensão gramatical por
elas almejada para o ensino não ultrapassa o conhecimento de uma norma linguística
idealizada.
O exame sociolinguístico variacionista das redações escolares, isoladamente,
corrobora os estudos anteriores sobre o tema, evidenciando que cada uma das variantes
apreciadas encontra certa produtividade em determinados contextos de uso, tal como
explicitado na seção 4.2.2. No entanto, a julgar pelas considerações conferidas pelas
professoras em entrevista, persiste, no ambiente do ensino, uma concepção ainda redutora e
polarizada da variação linguística, a partir da qual se acaba por restringir o estudo da língua à
abordagem de apenas duas estratégias de retomada do acusativo anafórico: (i) o clítico
acusativo, marcado positivamente no domínio escolar, e (ii) o ele acusativo, relacionado a
contextos orais e de maior informalidade, marcado negativamente no espaço da escola.
O quadro a seguir sintetiza os resultados alcançados nos três tópicos de análise desta
pesquisa no que tange às variantes clítico acusativo e pronome lexical, consideradas
“marcadas” ou “não neutras” para o fenômeno em questão.
168
Variantes
Menção
Considerações
Contextos ling. de
Julgamento das
“marcadas”
nos
nas entrevistas
maior produtividade
professoras – status
do OD
materiais
anafórico de
didáticos
da correção
Retomada de
3ª p.
Clítico
acusativo
antecedentes:





Animados; sintagmas
Registro formal;
nominais;
Não aceito em 11
modalidade
estruturalmente
casos de “usos
escrita.
próximos; de função
irregulares do
sintática diferente; em
acusativo anafórico
estruturas SVOD.
de 3ª p.”


Pronome
lexical
X37
Amplamente aceito.


Específicos; animados;
Registro
em estruturas de
informal;
“dupla função”;
Não corrigido em 14
modalidade oral.
construções SVOD +
casos de estruturas
comp. oblíquo; ou
de “dupla função”;
SVODOI.
construções SVOD +
Amplamente
corrigido.
comp. oblíquo; ou
SVOD com
antecedentes
humanos.
Quadro 8. Síntese dos resultados das análises dos materiais didáticos, entrevistas e redações escolares
sobre as variantes clítico acusativo e pronome lexical.
Embora os alunos, no 9º ano do Ensino Fundamental, tenham utilizado
expressivamente o clítico acusativo em suas redações, apesar dos poucos porém
qualitativamente significativos casos de usos irregulares dessa variante (cf. Seção 4.2.3), o
quadro evidencia ainda mais a ideia dicotômica das normas linguísticas nas considerações
concedidas pelas professoras em entrevista. Dentro dessa perspectiva, é possível questionar
37
Ressalta-se que houve uma única menção à variante pronome lexical no manual do professor da
obra Vontade de Saber Português como estratégia opcional de retomada do acusativo anafórico de
terceira pessoa, apenas em uma sugestão de resposta a determinado exercício (conforme explicitado no
Capítulo 4), sem quaisquer alusões a normas ou contextos de uso.
169
em que medida se dá a aprendizagem do acusativo anafórico como fenômeno variável por
parte de seus alunos. Será que esses estudantes compreendem o emprego do clítico acusativo
dentro do continuum de variação em que se processa o uso da língua? Ou basta que eles
saibam utilizar essa variante para que tenham atingido o domínio linguístico esperado pela
escola?
Não se questiona, aqui, a necessidade de levar o aluno ao conhecimento das variantes
mais formais, principalmente em se tratando da modalidade escrita, haja vista a atuação
escolar em prol da compreensão de estratégias mais distantes do vernáculo brasileiro, o que
inclui o ensino do clítico acusativo. Entretanto, a compreensão das normas urbanas de
prestígio, nos termos de Faraco (2008), mesmo em contextos escritos e de maior formalidade,
não implica (ou não deveria implicar) uma visão estereotipada da língua, como se houvesse
um Português correto, escrito e formal, ensinado na escola, enquanto todo o espectro da
variação abarcaria apenas os usos “possíveis mas não corretos” da modalidade oral e do
registro informal, os quais fazem parte do cotidiano dos alunos, mas não fariam parte da
“língua da escola”.
Se as professoras demonstram uma visão polarizada da língua, no sentido de que
haveria uma norma “correta” e outras possíveis fora do ambiente escolar, é muito provável
que seus alunos entendam a variante considerada padrão como “A” forma correta da Língua
Portuguesa, o que excede o status de forma ideal da norma padrão. Essa visão, por sua vez,
não conduz a um conhecimento verossímil sobre a língua. Assim, o uso do clítico acusativo
por parte dos estudantes se manifesta, de fato, como uma condição necessária e essencial aos
objetivos da escola – considerando os propósitos conferidos nas orientações dos PCN (1998)
e nas contribuições de Vieira (2015) acerca do ensino de Português (citados no Capítulo 2) –,
mas não configura uma condição suficiente para tanto. Em outras palavras, a compreensão do
corpo discente sobre o emprego do pronome clítico indica, realmente, uma ampliação de seu
domínio linguístico, mas não revela, para além desse indício, uma melhor compreensão sobre
a língua estudada.
Nesse sentido, considera-se bastante válido o desenvolvimento de propostas
pedagógicas que visem ao ensino de formas linguísticas aprendidas pelos alunos com maiores
dificuldades, como o caso do clítico acusativo. Embora o fato de ser esta a variante
considerada padrão remeta a um plano de normas idealizadas (cf. as considerações de Faraco
(2008) apontadas no Capítulo 2), seu uso se verifica, efetivamente, em gêneros que exigem
170
alto grau de monitoração, escritos ou, em raras ocorrências, até mesmo orais, o que evidencia
seu emprego, ainda, em um plano de normas praticadas/de uso. A compreensão do clítico
acusativo via escolarização, portanto, não parece inapropriada. Por outro lado, a fim de não
comprometer a noção de variação e os conceitos de norma, as demais variantes também
deveriam ocupar espaço no âmbito do ensino.
Ao considerar os três eixos propostos e sistematizados por Vieira (2015), explicitados
no Capítulo 2 desta dissertação, certas questões se mostram claramente relevantes ao contexto
do ensino:
(i) Compreender e discutir as formas pronominais utilizadas na retomada anafórica do
acusativo de terceira pessoa, promovendo atividades que envolvam a participação ativa do
alunado no desenvolvimento de um ensino de gramática reflexivo – “eixo 1”.
Sem dúvida, cumprir os propósitos no âmbito desse “eixo 1: gramática e atividade reflexiva”
implicaria desenvolver estratégias linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas (Franchi,
2006) que levassem o aluno a trazer ao plano da consciência o conhecimento que têm acerca
das noções de pronome, pessoa e caso (predicação, sobretudo transitiva), por exemplo. É
nesse campo que o conhecimento gramatical pode ser ativado e, até mesmo, explicitado, visto
que dele depende a compreensão do fenômeno e o consequente desenvolvimento da
capacidade intelectual do aluno. Trata-se de conceber o aluno como um pesquisador em
potencial, privilegiado por ter, em sua própria consciência linguística, a intuição necessária
para a formalização do conhecimento de que precisam.
(ii) Identificar e distinguir contextos de uso das variantes para o fenômeno em estudo já
descritas na literatura, de forma a desmistificar a noção dicotômica e polarizada das normas
linguísticas, a qual acaba por estereotipar a concepção de variação da língua – “eixo 2”.
Relacionar
conhecimento
gramatical
e
o
estabelecimento
de
regras
variáveis,
sistematicamente organizadas e encaixadas linguística e socialmente (Weinreich, Labov,
Herzog, 1968), é o grande desafio desse “eixo 2”. Nesse plano, os resultados do presente
trabalho, bem como os de estudos anteriores, constituem material fundamental para a
elaboração de atividades – igualmente linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas –, não só
para promover o reconhecimento das variantes do acusativo anafórico de terceira pessoa, mas
também para trazer ao plano da consciência cognitiva os contextos de utilização, bem como o
estatuto social de cada uma delas nos domínios e gêneros em que são empregadas.
171
Para auxiliar nessa tarefa, utilizar a noção de contínuos de variação, proposta por
Bortoni-Ricardo (2004, 2005), parece ser estratégia produtiva a um ensino que não pretende
dicotomizar a complexa situação que envolve uma regra variável, no plano das relações entre
escrita-fala; monitorado-não monitorado; rural-urbano. Nesse sentido, cabe destacar que
diversos autores – Gorski; Coelho (2009), Cyranka (2013), Gorski; Freitag (2013), Martins;
Vieira; Tavares (2014), dentre outros – têm apresentado material relevante para o
desenvolvimento das estratégias didáticas eficientes. Ademais, trabalhos diversos no âmbito
do Mestrado Profissional em Letras no país têm se esforçado por desenvolver propostas de
intervenção pedagógica (Xavier (2015), sobre o acusativo de terceira pessoa, e Souza (2015),
sobre a indeterminação do sujeito, por exemplo) que contemplem um trabalho sistemático
com regras variáveis.
(iii) Reconhecer e empregar as variantes em questão na construção dos sentidos de textos
trabalhados e/ou produzidos em sala de aula, aprimorando a coesão textual ao longo da
narração de acontecimentos ou da exposição de ideias – eixo 3.
É no âmbito desse “eixo 3” que se espera conseguir integrar gramática e texto. Sem dúvida,
por se tratar de fenômeno que abrange formas de construção da rede referencial do texto, a
desejável relação gramática e produção de sentidos não só é possível, como absolutamente
necessária. Trata-se de ingrediente que deve ser trabalhado em prol da promoção de formas de
garantir a coesão textual, de forma a um só tempo variável e precisa.
Em vista das considerações feitas, julga-se necessário que o aprimoramento das
habilidades linguísticas do alunado seja desenvolvido de modo congruente a uma concepção
mais realista do sistema da língua e, por conseguinte, da variação linguística, como categorias
intrinsecamente relacionadas. Em suma, ao que tudo indica, falta, para o âmbito do ensino,
compreender com mais nitidez o fato de que os fenômenos gramaticais são variáveis, e que,
portanto, estudar a língua não se restringe ao isolado propósito de promover variantes de
prestígio, mas se estende a envolver, em última instância, a complexidade da noção de regra
variável, ainda que dentro dos limites do nível de escolaridade com que se lida. Para tanto, o
trabalho insistentemente indutivo, para a construção do conhecimento necessário, numa
prática insistente de gramática reflexiva, aliado às mais variadas práticas sociais da linguagem
– em gêneros orais e escritos diversos, em situações sociocomunicativas variadas – constitui
um desafio que não se pode evitar e que precisa ser perseguido.
172
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deve haver algo mais no ensino de ciência do que passar em exames, mas
esse algo a mais não pode ser um outro objetivo prático (ganhar as graças
do professor ou construir um computador mais sofisticado). Esse algo a
mais é o que sentimos quando apreciamos o que sabemos hoje em dia sobre
o universo, por exemplo, quando de repente nos damos conta de que somos
poeira estrelar (literalmente) girando a 1.675 km/h (velocidade de rotação
da Terra), viajando ao redor do sol a 107.000 km/h (velocidade de
translação); ou quando descobrimos que o Himalaia resultou do movimento
das placas tectônicas da Índia em direção ao Tibete; ou quando vemos que
as línguas, embora variem enormemente, são altamente regulares e sua
variação é regrada e não tem nada de aleatório. A ciência serve para nos
deslumbrarmos com a natureza.
(BASSO & OLIVEIRA, 2012, p. 19)
A pesquisa aqui desenvolvida buscou correlacionar as descrições linguísticas
realizadas no âmbito acadêmico ao contexto do ensino de Português, mais especificamente no
tangente às estratégias de retomada anafórica do acusativo de terceira pessoa dentro do
espectro da variação e da complexidade de normas da língua. Para tanto, investigaram-se os
materiais indicativos dos três agentes aqui considerados como diretamente influentes no
ambiente escolar: (i) a orientação dos materiais didáticos utilizados em aula, (ii) a perspectiva
das professoras sobre o tema (conferida em entrevista), e (iii) a produção textual de seus
respectivos alunos. Nesse propósito, tanto as análises de base qualitativa (materiais didáticos e
entrevistas) quanto a de cunho sociolinguístico variacionista (redações escolares) permitiram
um cruzamento de apreciações críticas, de modo que o fenômeno aqui em estudo – o
acusativo anafórico de terceira pessoa – no âmbito do ensino pode ser compreendido de
maneira mais abrangente.
Os materiais didáticos aqui investigados, de modo geral, instruem os alunos a
empregarem o clítico acusativo como sendo a forma única (ou considerada correta e, por esse
motivo, destacada exclusivamente nas obras) de retomada do objeto direto de terceira pessoa,
tal como se supôs dentre as hipóteses desta pesquisa. Mais do que isso, já contrariando as
expectativas, não se verificou qualquer alusão às demais variantes nem mesmo em adendos
que pudessem referir-se a uma linguagem informal/coloquial. O tratamento dispensado ao
fenômeno gramatical em questão, nas obras averiguadas, não abarca seu estatuto variável. O
173
tema da variação linguística, ao menos no que concerne ao referido fenômeno, parece
totalmente desarticulado do conceito de regras variáveis do sistema (gramatical) linguístico.
A análise das entrevistas realizadas, por sua vez, demonstrou que, na perspectiva das
professoras entrevistadas, as variantes alternantes à forma com clítico poderiam ser aceitas
apenas em contextos de maior informalidade, os quais são por elas diretamente relacionados à
modalidade oral da língua. Dessa forma, ainda se verifica, por parte das professoras, uma
visão polarizada da variação linguística para o contexto do ensino. O espaço da variação é
reservado a uma “fala coloquial”, ao passo que a escrita mais formal, focalizada na escola,
demandaria os usos “corretos”, com uma suposta norma culta que, na realidade, corresponde a
uma forma única segundo um padrão idealizado, e não às normas/variedades cultas
efetivamente em uso. Assim, pôde-se constatar uma visão claramente dicotômica das normas,
distribuídas em dois planos: de um lado, as variantes linguísticas legitimadas no registro
coloquial e na modalidade oral; de outro, a forma padrão ensinada e almejada para o registro
formal e a modalidade escrita.
No que se refere à produção escrita dos alunos, verificou-se a mais alta ocorrência na
soma de SN anafóricos (42,6% do total de acusativos anafóricos coletados). Contudo, ao
detalhar o controle dessa variante consoante às formas SN idêntico, SN semelhante e SN
sinônimo, foi possível averiguar que seus usos, apesar de amplamente aceitos pelas
professoras, não alcançam o intuito de evitar a repetição do termo antecedente, já que a
maioria de SN anafóricos utilizados se fez por meio de sintagmas nominais idênticos ou
semelhantes (se somados, 223/280 expressões nominais anafóricas).
Em segundo lugar, houve um emprego expressivo do clítico acusativo (29,8% do total
de acusativos anafóricos), o qual, no entanto, foi a segunda variante mais corrigida pelas
professoras, manifestando-se em alguns casos de usos irregulares (11, em valor absoluto), os
quais, embora não sugiram um índice tão elevado, se revelam significativos em função do teor
qualitativo apreciado em tais ocorrências. Via de regra, esses usos revelam o domínio parcial
do contexto de emprego acusativo.
O ele acusativo, por sua vez, ratificando o forte estigma associado a seu emprego, foi a
estratégia predominantemente corrigida pelas docentes (27/41 dados), ainda que tenha se
verificado em uma frequência de uso muito pouco expressiva (6,2% do total de acusativos
anafóricos), salvo poucas ocorrências com estruturas sintáticas complexas em que o elemento
anafórico exerce “dupla função” ou em que seu predicador verbal seleciona, além do
174
acusativo, algum complemento oblíquo – contextos que favoreceram o emprego do pronome
lexical. Seu índice de uso superou apenas o percentual do pronome demonstrativo (2,1%),
utilizado somente na retomada de antecedentes proposicionais.
Já o objeto nulo obteve um percentual medianamente significativo (19,2%), sendo a
terceira estratégia mais utilizada pelos estudantes e, além disso, raramente percebido/corrigido
pelas professoras, a exceção de poucas (5/126) ocorrências na retomada de antecedentes com
os traços [+ animado, + específico], que configuram, não por acaso, os contextos que podem
ainda restringir o emprego da categoria zero para o acusativo no PB, segundo a literatura,
sobretudo o contexto de antecedente [+ específico].
No mais, cabe observar que, em se tratando do exame de redações escolares, é comum
que o uso do clítico acusativo seja objetivado, tendo em vista o caráter escrito e de maior
monitoração dessa circunstância avaliativa. Embora o gênero textual selecionado para a
feitura das redações tenha sido um pequeno conto, o qual não exige, por si só, um grau de
formalidade muito elevado, a situação de avaliação no ambiente escolar, especialmente na
disciplina língua portuguesa, provoca maior preocupação nos estudantes, o que proporciona
um caráter de maior formalidade a esta produção discente. Apesar disso, a retomada exercida
por meio de um pronome clítico se mostrou pouco eficaz em contextos nos quais o
antecedente se encontrava mais distante estruturalmente do acusativo anafórico, conforme
explicitado na seção 4.2.2.1. Nesses casos, uma expressão nominal acionaria de maneira mais
rápida e pontual o termo antecedente, esclarecendo com mais eficiência a referência
anafórica. No entanto, vale destacar, a partir do observado na análise das entrevistas, que o
SN anafórico (bem como o objeto nulo) sequer é mencionado no contexto escolar como forma
variante do OD anafórico de terceira pessoa.
Visando a uma compreensão mais eficiente acerca do fenômeno gramatical variável
em questão, ressalta-se que todas as variantes averiguadas podem e devem ocupar espaço no
ambiente escolar, não apenas para promover, com base em uma abordagem descritiva
(construída reflexivamente e preferencialmente de forma indutiva, a partir de atividades
linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas), o conhecimento da língua, mas a fim de
contribuir para um estudo mais realista e inclusive mais prazeroso, tendo em vista a extensa
gama de descobertas que o alunado pode alcançar com a intermediação de seu professor. É
cabível, assim, a promoção de um ensino de gramática mais produtivo, inserido nas práticas
175
sociais da linguagem, conforme propõem os PCN, ainda que sua abordagem demande uma
preparação (e um preparo intelectual constante) de maior complexidade.
Ao que tudo indica, ainda que de modo não intencional, a escola acaba por reforçar
uma cultura do erro e, por conseguinte, da exclusão. Inversamente, compete aos professores
de Língua Portuguesa, a tarefa de abraçar a pluralidade das normas linguísticas em sala de
aula, envolvendo o estatuto das regras variáveis. Nesse percurso, caberia ao alunado estudar e
compreender, de forma ativamente participativa, no decorrer do processo de ensinoaprendizagem, a exuberância dos processos de variação e mudança linguística, tal como, no
caso, para o fenômeno do acusativo anafórico de terceira pessoa. Assim, seria possível chegar
a um trabalho mais abrangente com a língua materna, no qual o falante-aluno conseguisse
ponderar sobre as variantes por ele utilizadas e o domínio de novas formas, incluindo-se,
nesse processo, a compreensão das particularidades de tais variantes, seja no sentido da
estruturação social que as envolve, seja no conhecimento das especificidades linguísticas que
carregam.
Ao partir de formas mais próximas, como o pronome lexical e o SN anafórico, e
refletir sobre o emprego dessas variantes, a compreensão do clítico acusativo na retomada do
OD de terceira pessoa poderia ser mais facilmente acessível. Para o ensino do objeto direto,
em sala de aula, além de trabalhar as características que o definem como categoria dentro do
sistema da língua (como papel temático de tema ou paciente; primeiro argumento interno do
predicador verbal; caso acusativo), faz-se necessário trabalhar, também, suas formas variantes
de representação, de forma a contemplar também o aprendizado do clítico acusativo, mas não
como a estratégia correta, para além de seu caráter ideal.
Nesse sentido, a mudança desejada para o âmbito do ensino, no que tange ao
fenômeno gramatical variável aqui em estudo, não se limitaria à (re)formulação das
orientações de materiais didáticos, mas se estenderia, especialmente, à atuação e à própria
formação do corpo docente, que permitiriam fazer do aluno um co-partícipe da construção do
conhecimento, um potencial pesquisador, com capacidade de observar a língua em uso,
chegar a conclusões e sistematizar seu conhecimento. Assim, munido de consciência
cognitiva sobre a matéria linguística, entende-se que a escola não só colaboraria com o
desenvolvimento intelectual do aluno na área dos conhecimentos linguísticos, mas também
promoveria sua habilidade no reconhecimento (plano da leitura) e no manuseio (plano da
produção textual) das variantes linguísticas.
176
Espera-se, por fim, que os resultados e as reflexões desta pesquisa possam, além de ter
contribuído com os estudos científicos sobre o preenchimento do objeto direto e sobre a
realidade escolar (com destaque para a questão da avaliação do professor na intervenção no
texto do aluno), servir de subsídios para a elaboração de estratégias para a prática pedagógica.
Uma prática que, a um só tempo, colabore com a formação dos alunos e com o trabalho do
professor. Fica o convite.
177
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Rio Grande do Norte, 2015. (Dissertação de Mestrado Profissional - PROFLETRAS).
182
ANEXOS
ANEXO A
Entrevista – 9º ano do Ensino Fundamental
por
Juliana Magalhães Catta Preta de Santana
Recado da entrevistadora:
Olá! 
Esta entrevista é parte de uma pesquisa em desenvolvimento sobre o ensino de Português no
Rio de Janeiro. Agradeço MUITO sua colaboração, que é de suma importância para este
projeto. Em condição de estudante de Letras da UFRJ, busco, com este trabalho, compreender
melhor o ensino da nossa língua em nossas escolas. Muito obrigada pela compreensão em nos
conceder essa entrevista! Sua ajuda fará toda a diferença em nosso trabalho!
Obs.: Nem seu nome, nem o nome da escola onde leciona constarão como dados desta
pesquisa. Busco mesmo alcançar a sua opinião como professora sobre o ensino de Português,
dentro de nossas condições sociais.
1. Você utiliza algum livro didático para suas aulas de Língua Portuguesa? Qual? Em que
medida o utiliza: em paralelo há outros materiais de apoio ou usa o livro de forma exclusiva,
seguindo estritamente suas orientações? Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2. Sobre a apostila de apoio pedagógico elaborada pela Secretaria Municipal de Educação –
RJ,
a) você a utiliza em sala de aula? Qual a sua opinião sobre esse material? Você acha que
atende às necessidades do aluno de Língua Portuguesa? Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
b) O que você acha da abordagem gramatical feita na referida apostila? Está de acordo com
ela ou você acha que deveria haver uma abordagem mais específica do componente
gramatical?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
183
c) O que você acha da abordagem de fenômenos variáveis feita na referida apostila? Está de
acordo com ela ou você acha que deveria haver uma abordagem mais normativa desses
fenômenos?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3. Considerando a narrativa abaixo como feita por um de seus alunos do 9º ano do Ensino
Fundamental, o que você corrigiria no texto? Poderia apontar no texto tais correções?
Cinderela era uma menina doce e gentil. Vivia com seus pais em uma fazenda muito
bonita, rodeada de naturesa. Ela amava os seus pais mais do que tudo nessa vida. Um dia, sua
mãe ficou doente e não aguentou. Foi um momento muito triste para Cinderela e seu pai.
Depois de um tempo, ele se casou com uma moça malvada mas que fingia ser boa para ele. A
Cinderela teve que aceitar ela e se acostumar com os caprichos dela. A moça malvada ainda
tinha duas filhas, e elas não era nada legais com a Cinderela. Quando o seu pai morreu, ela
ficou sendo a empregada da casa e não tinha direito de nada, e também tinha que dar seu
quarto para as irmãs novas e dormir no porão. Ela era a única que tinha que fazer todos os
afazeres da casa, arrumar os quartos e limpar também, lavar a louça, fazer a comida etc etc
etc. Ela fazia tudo. Até que chegou o dia do baile do príncipe do reino e sua madrasta não
deixou ela ir. Eles já tinham se conhecido antes e estavam apaixonado um pelo outro. A fada
madrinha da Cinderela apareceu e fez um vestido lindo e maravilhozo para ela ir no baile com
uma carruagem de abóbora que ela transformou os animais. Mas ela tinha voltar antes da meia
noite. Quando deu meia noite ela teve que correr para ir embora e deixou seu sapato de cristal
cair. O príncipe pegou e depois conseguiu achar a Cinderela porque só cabia no pé dela.
Sobre as correções apontadas acima, você teria alguma observação a fazer? Se sim, qual?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
184
4. Numa construção como “O bebê ficou doente, então a mãe levou ele ao médico.”, escrita
por seus alunos, você corrigiria algo? O quê? Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5. No livro didático de William Cereja e Thereza Magalhães (2012), há como exercício
proposto, em dado momento, a seguinte questão (aqui, reduzida):
Nas frases a seguir, alguns pronomes estão empregados em desacordo com a norma padrão.
Reescreva as frases empregando tais pronomes de acordo com essa variedade.
a) O livro não está comigo. Emprestei ele para a minha prima.
e) Eu não vi elas na festa. Será que elas não foram convidadas?
Em sala de aula, ao corrigir este exercício, você apenas informa as respostas fornecidas como
corretas no livro do professor ou também aceita outras possíveis respostas dadas pelos
alunos? Se aceita, quais respostas você validaria? Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
6. Como você vê essa norma-padrão empregada no livro no que diz respeito ao ensino da
língua portuguesa, em especial com os alunos do 9º ano?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
7. Marque abaixo qual ou quais formas seus alunos utilizam com mais frequência:
(
(
(
(
) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora guardou para mim.
) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora o guardou para mim.
) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora guardou ele para mim.
) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora guardou-o para mim.
Como você avalia as formas mais utilizadas pelos seus alunos? Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
185
ANEXO B
Livro didático Vontade de Saber Português – 9º ano do Ensino Fundamental, de Romiere
Alves e Tatiane Brugnerotto (2012).
186
187
ANEXO C
Caderno do Futuro – 9º ano do Ensino Fundamental, do Instituto Brasileiro de Edições
Pedagógicas (IBEP).
188
189
190
191
192
193
194
195
196
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