HISTÓRIA DO DIREITO Geral e Brasil Flávia Lages

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HISTÓRIA DO DIREITO
Geral e Brasil
Flávia Lages de Castro
Capítulo VII – A Europa Medieval
LUMEN JURIS editora, 2003
A Europa Medieval
• A Idade Média é o período histórico da Europa que se estendeu do
século V d. C. até o século XV, ou seja, da queda do Império
Romano do Ocidente em 476 até a tomada de Constantinopla pelos
turcos em 1453. Estes mil anos não foram uniformes, podemos
vislumbrar pelo menos dois momentos específicos a título de
estudo: a Alta Idade Média (do século V ao século IX) e a Baixa
Idade Média (do século IX ao XV)
• A Alta Idade Média é um período de desconstrução e construção.
Por isso mesmo ele é cheio de vieses e detalhes. Neste tempo da
história européia os homens tiveram que conviver com o fim do
mundo que conheciam, o mundo romano e, ao mesmo tempo, com
a construção de um novo mundo, agora tendo como elementos as
culturas germânicas e a Igreja (Católica).
Sistema Feudal
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Este sistema apóia-se no Direito e dele não pode afastar-se, mas envolve o
meio de vida, força, fé, interesses, terra, divisão social e tudo quanto o ser
humano é capaz de criar.
Dentre todas estas questões que envolvem este termo uma palavra é
primordial para seu entendimento: sobrevivência. Quase tudo no Sistema
Feudal tem algo a ver com a questão da sobrevivência. Seja a luta pela
sobrevivência usando armas, seja a sobrevivência básica da alimentação,
aí se encontra a semente do feudalismo.
Destaca-se, no feudalismo, a questão da sobrevivência, qualquer indivíduo,
por mais terras que tivesse, necessitava defendê-las e, por conseguinte, a
si mesmo e a sua família. A defesa somente poderia ocorrer através das
armas, que era a linguagem do período. Como não se podia contratar
“capangas”, pois não havia como pagar; a fim de sobreviver o indivíduo
deveria oferecer “algo” a quem pudesse ajudá-lo a defender-se e a suas
terras. Este “algo” era um meio de obtenção de sobrevivência básica,
alimento que somente poderia ocorrer através da posse de terras.
Sobreviver não era somente defender-se, era também ter capacidade de
atacar, conquistar mais terras para, num círculo viciosos, ter mais feudos a
doar para vassalos e ter maior exército, para conquistar mais terras e assim
por diante.
Contrato Feudo-Vassálico
• O próprio feudalismo baseia-se em uma questão de direito,
em um contrato, pois a concessão de um feudo era feita
através de um pelo qual o senhor e o vassalo contraiam
obrigações recíprocas. Para contratar eram necessários
alguns ritos e formalidades que deveriam ser cumpridos por
ambos os lados.
• Este é um contrato pessoal entre um homem que será o
vassalo e outro homem que será o senhor, por isso através
dos rituais, ambos, em público, fazem promessas recíprocas
dentro de um cerimonial. Estas cerimônias tinham o nome de
Investidura, Fé e Homenagem.
O Fim do Contrato
Feudo-Vassálico
Os Efeitos do Contrato
Feudo-Vassálico
• Primeiramente este contrato
gerava o poder do senhor sobre
o vassalo, bem como uma
obrigação
de
fidelidade
(entendida como o dever de
nunca prejudicar o subordinado),
obrigação de proteção e de
sustento. Este sustento poderia
ser feito diretamente, ou seja, o
senhor poderia tomar o vassalo
e sua família sob seu próprio
teto ou poderia, como era mais
comum, conceder ao vassalo
um feudo.
•
Inicialmente o contrato não poderia
ser rompido pois com o envolvimento
de uma visão religiosa profunda na
Idade Média, os contratos, vistos
como resultado de um juramento
eram sagrados e, portanto, existiam
até que a morte de um dos
contratantes
impossibilitasse
o
contrato. Entretanto, na prática, nem
sempre isto ocorria, muitas vezes o
contrato era quebrado pela força ou
pelos interesses de uma das partes
(com a retomada do feudo ou a
posse definitiva do mesmo). Isto,
entretanto, não era considerado
“legal” (na acepção atual da palavra).
Os Direitos de Uso e Propriedade no Contrato
Feudo-Vassálico
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No caso medieval propriedade e posse se confundem e o poder sobre a terra é restrito na
prática e em teoria.
Gashoff afirma não poder ser discutível o direito de propriedade do senhor sobre a terra
que concede em benefício, a menos que ele próprio a tenha em benefício e, portanto, a
tenha recebido das mãos de outro senhor. Contudo, o direito de dispor da terra foi cada
vez mais sendo restringido ao senhor em detrimento do vassalo.
O feudo, embora propriedade do senhor e em usufruto do vassalo não era um bem
alienável, por nenhuma das partes, muito embora pudesse, em parte ou no todo, tornar-se
um benefício a ser dado a um homem livre que tornar-se-ia vassalo do vassalo do
proprietário.
Do ponto de vista da hereditariedade era quase impossível para um senhor mudar o status
quo deixado por seu predecessor, os vassalos do predecessor eram “herdados” bem
como as suas promessas.
A rigor, o contrato feudo-vassálico excluía a hereditariedade do usufruto do benefício,
porém, na prática, o filho do vassalo tornava-se herdeiro também de sua vassalagem
(cumprindo-se os rituais e pagando uma taxa). Se o herdeiro fosse menor, o senhor
cuidava de seus interesses até sua maioridade, ou seja, até este poder fazer seu
juramento.
Isso também ocorria para as filhas mulheres (se não houvesse meninos), porém como
elas estavam completamente excluídas da sucessão feudal, seus maridos poderiam
tornar-se herdeiros do benefício. Portanto, não raramente, os senhores procuravam
interferir no casamento das filhas de seus vassalos para garantir alianças mais
interessantes.
OS DIREITOS DA IDADE MÉDIA
1.
Direito Germânico
– Reino Vândalo
– Reino Ostrogodo
– Reino Visigodo
– Reino dos Burgúndios
– Reino dos Francos
2.
Direito Canônico
3.
Direito Romano
3.1 - Direito Germânico
•
Viviam de forma bastante simples, sem cidades ou aldeias. Extremamente ligados à
terra e este estilo de vida dava o tom de todas suasrealizações. Eram povos que, em
sua absoluta maioria não utilizavam a escrita e seu direito era, conseqüentemente, oral e
muito influenciado por esta oralidade. Na descrição de Pierre Richè: “Para os Germanos
não existem Estado nem cidades do tipo romano, mas comunidades: tribo, clã e
família, que são as estruturas da sua vida política e social. A tribo, comunidade de
família e da aldeia é dirigida por uma aristocracia de nascimento ou de valor [na
guerra], que possui a maior parte da terra (...)”
•
O direito dos povos germânicos era basicamente consuetudinário (até por não serem
escritos) e, como o termo germânico engloba uma série de povos com costumes
semelhantes, porém não iguais, é forçoso falar em direitos germânicos, pois cada tribo
tinha sua própria tradição. Em alguns casos eles eram minuciosos no que diz respeito às
penas.
A maior parte das tribos germânicas, mesmo escrevendo suas leis (após a invasão do
Império Romano), não vai procurar impô-las aos romanos, o burgúndio será julgado
segundo a tradição burgúndia, o visigodo segundo sua legislação, o romano pela Lex
Romana e assim por diante. Isto é chamado “Personalidade das Leis” – cada qual leva
consigo, para onde quer que vá ou qualquer que seja o soberano, o estatuto jurídico de
sua tribo de origem.
•
1.
Reino Vândalo
•
Conseguiram fazer coexistir, concomitantemente, as duas sociedades, dos germânicos e dos
romanos.
Não se misturaram com os romanos, proibindo casamentos mistos e conversão ao
catolicismo; assim conservando suas leis e costumes.
Estabeleceram grandes domínios, mas mantiveram os que cultivavam no mesmo lugar.
Deixaram para os romanos a administração (inclusive aumento) de impostos e o julgamento
das causas. O rei é obrigatoriamente vândalo, entretanto ele utiliza na sua corte romanos que
redigem leis em latim e o ajudam na administração
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2.
Reino Ostrogodo
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Mantiveram a administração romana e sua legislação.
Como os Ostrogodos eram arianos e os romanos cristãos os casamentos entre eles eram
proibidos.
3.
Reino Visigodo
•
Fundiram-se com a população local e por isso seu reino durou mais do que a maioria.
Somente será abalado com a invasão árabe, no século VIII.
Até meados do século VII, Hispano-Romanos e Visigodos têm uma dupla legislação.
Baseiam-se na Personalidade das leis e suas legislações, ainda que escritas, tomam o
mesmo caminho. O Código de Eurico, promulgado pelo rei Eurico, por volta do ano 470, é a
mais antiga compilação visigótica.
Em 506 o rei Alarico II mandou redigir a Lex Romana Romana Visigothorum ou, como preferia
o rei, Breviário de Alarico. Objetivava restaurar o direito romano imperial, mas manteve a
Personalidade das Leis. Somente foi suprimida em 654, pelo rei Recesvindo que, suprimindo
a Personalidade, promulgou um código unificador, o Líber Judiciorum, em doze livros
inspirados no Direito Romano.
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4. Reino dos Burgúndios
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Goldenbaldo (474-516), rei dos Burgúndios, dominou o centro da
Europa, parte do que hoje é a França. Sua legislação, a Lex Romana
Burgundiorum é considerada uma compilação de leis extremamente
romanizada, principalmente no tocante às regras de direito civil e de
processo.
5. Reino dos Francos
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Foi um dos reinos mais duradouros e poderosos da Alta Idade Média. O
modelo administrativo que implantaram durante séculos, serviu de base
para o próprio feudalismo.
O período Carolíngio foi extremamente legiferante, entre 744 e 884,
podem sewr contados mais de duzentos textos legislativos. Estas leis
eram chamadas Edicta, Decreta ou Constitutiones ou comumente de
capitulares cujo termo vem de de capitula que quer dizer artigo.
3.2 – Direito Canônico
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Direito Canônico é o nome dado ao Direito da Igreja Católica e é chamado de
canônico por causa da palavra “cânon”, que, em grego, significa regra. Ele existe até
hoje (e é atualizado de tempos em tempos). Este direito foi importantíssimo durante
a Idade Média, muito por causa da própria importância da Igreja, muito por ser
escrito. O fato de ser escrito dava a este direito de primazia em muitos locais da
Europa, visto que a oralidade imperava em um período de analfabetos.
As fontes do Direito Canônico são o ius divinum (conjunto de regras que podem ser
extraídas da Bíblia, dos escritos dos doutores da Igreja e da doutrina patrística), a
própria legislação canônica (formada pelas decisões dos Concílios e dos escritos dos
papas – chamados decretais), os costumes e os princípios recebidos do direito
romano.
Para se obter justiça, na Idade Média, recorria-se aos ordálios (baseado em um tipo
de prova chamada “irracional”, que não pode ser explicado pela razão. Neste tipo de
provas irracionais se recorre a uma divindade), que poderiam ser unilaterais ou
bilaterais, dependendo se uma parte ou as duas partes do processo tomavam parte
da consulta. Alguns exemplos são as provas do ferro em brasa ou da água fervente,
que se cria que o inocente não se feriria. Outra forma era a “prova do cadáver” que
consistia em fazer o acusado tocar o defunto sem que este sangrasse.
3.3 – Direito Romano
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O Direito Romano, até por sua complexidade e força, não poderia deixar de ser utilizado durante
a Idade Média e, levando-se em consideração a diferença profunda entre o direito romano e o
dos invasores, a superposição do direito destes últimos sobre a população romana e romanizada
seria impossível.
Neste sentido foi largamente aplicado o Princípio da Personalidade das Leis, através da qual o
Direito Romano continuou a ser aplicado para os romanos e o Direito Germânico para os
invasores. Entretanto ele foi descartado ou pouquíssimo utilizado, onde a romanização não foi
profunda, dando lugar ao Direito Germânico.
Nas áreas muito romanizadas, como as Penínsulas Ibérica e Itálica, o Direito Romano suplantou
o Direito Germânico, este último aparecendo apenas como elemento de atualização de costumes.
Desta forma, em maior ou menor grau, a Europa Ocidental, principalmente, continuou a servir-se
do Direito Romano diretamente ou como fonte de inspiração para novas legislações. Esta
utilização de um direito como base para a feitura de outros é chamada de Fenômeno da
Recepção.
Na Europa Oriental (Bizâncio) o Direito Romano continuou a ser utilizado durante toda a Idade
Média, mas como do lado ocidental da Europa as invasões produziram fenômenos como os
acima vistos, pode-se considerar que, a partir do século XII na Itália e nos séculos seguintes em
toda a Europa, houve um “Renascimento” do Direito Romano, visto que, com a formação das
Monarquias Nacionais, os recém centralizados países necessitavam de legislações escritas e
organizadas e, desta forma, a possibilidade mais plausível era apoiar-se no Direito Romano
(principalmente no (Corpus Iuris Civillis).
4 – A Inquisição
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Um dos temas mais populares do direito medieval é a Inquisição, muito embora esta não seja exclusivamente
medieval já que não somente existiu até o século XIX como também foi mais forte durante o início da Idade
Moderna.
Durante a Idade Média a Inquisição era o tribunal especial para julgar e condenar os hereges, pessoas ou grupos
que acreditavam em um catolicismo considerado “desviado” ou praticavam atos que, naquele período em que a
superstição reinava, eram indicados como bruxaria ou feitiçaria.
Caso de Joana D’Arc.
4.1 - O Tribunal do Santo Ofício e os Tribunais Seculares
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O processo inquisitorial não era diferente em nada do processo comum da idade Média e idade Moderna.
O Direito de acusar pertencia somente a parte lesada(o indivíduo ou no caso deste ter morrido, um membro de
sua família) e sem que houvesse queixa era impossível instaurar o processo.
O julgamento era tal e qual um duelo de fato, o acusador e o acusado batiam-se verbalmente, e reconhecia-se a
razão daquele que vencesse o embate.
Não havia qualquer intenção de considerar as pessoas iguais perante a lei, isto apesar deste conceito não poder
ser desconhecido pelos homens medievais ou, pelo menos para os estudiosos da Idade Média, visto que, está na
Bíblia, que todos devem ser tratados igualmente diante da justiça. E a Bíblia é, com certeza, o livro mais
conhecido na Idade Média.
A tortura não era aplicada a nobres e penas para plebeus e nobres eram diferenciadas.
As penas eram extremamente variadas. Não se utilizava a prisão, já que não existiam prédios para tais fins. A
primeira prisão é de 1595 em Amsterdã.
As penas de morte eram impostas, entre outras formas pelo esquartejamento, fogo, roda, forca e decapitação.
Esta brutalidade do processo e das penas pode ser entendida através de vários fatores que são, para nós, hoje,
ainda um tanto incomodamente próximos. As penas eram formas de vingança e não formas de inserir o indivíduo
novamente na sociedade.
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