Ricardo Reis Poema «A última ode» 2 Henryk Siemiradzki, Orfeu no submundo perante Plutão e a sua rainha (1880). 3 Só o ter flores pela vista fora Nas áleas largas dos jardins exatos Basta para podermos Achar a vida leve. Pouco tão pouco pesarei nos braços Com que, exilados das supernas luzes, Escolhermos do que fomos O melhor pra lembrar De todo o esforço seguremos quedas As mãos, brincando, pra que nos não tome Do pulso, e nos arraste. E vivamos assim. Quando, acabados pelas Parcas, formos, Vultos solenes de repente antigos, E cada vez mais sombras Ao encontro fatal Buscando o mínimo de dor ou gozo, Bebendo a goles os instantes frescos, Translúcidos como água Em taças detalhadas, Do barco escuro no soturno rio, E os nove abraços do horror estígio, E o regaço insaciável Da pátria de Plutão. Da vida pálida levando apenas As rosas breves, os sorrisos vagos, E as rápidas carícias Dos instantes volúveis. 4 Filosofia de vida I. Ter apenas aquilo que nos «basta» «Só o ter flores pela vista fora / […] basta» «De todo o esforço seguremos quedas / As mãos» «Buscando o mínimo de dor ou gozo / Bebendo a goles os instantes frescos» Viver sem dependências emocionais — Viver serenamente, contemplando a Natureza (e aquilo que nela é efémero e transitório) — Abdicar dos esforços, tendo consciência da sua inutilidade — Viver o presente, retirando dele o prazer do instante (carpe diem), com moderação Fruir apenas o presente, com moderação e distanciamento Vida leve — preparação para a morte 5 II. Preparar a entrada na «pátria de Plutão» Morte Poema que transmite ensinamentos baseados numa filosofia de vida alicerçada em princípios estoicos e epicuristas Deus que governava o mundo dos mortos Propósito dos ensinamentos: viver uma existência leve + enfrentar as adversidades do mundo Objetivo último: afastar o terror provocado pela morte Entidade devoradora («o regaço insaciável / Da pátria de Plutão»)