UMA REFLEXÂO SOBRE O ENSINO DA QUÍMICA NO CEARÀ Claudia Christina Bravo Sá Carneiro – UECE/UFC Leonilde Maria Câmara Jathay – UFC Vera Lígia Montenegro de Albuquerque - UNIFOR CONSIDERAÇÕES INICIAIS: As inúmeras transformações que vêm permeando o mundo atual têm exigido, dos que com elas pretendem conviver, conhecimentos mais amplos e competências cognitivas bem mais desenvolvidas. Neste quadro, o avanço científico e tecnológico tem trazido constantes desafios para a conquista da cidadania plena, dentre os quais, educar jovens de modo a proporcionar-lhes um desenvolvimento cultural, humano, científico e tecnológico que possibilite enfrentar as inovações e mudanças ocorridas. Concernente a isso, no entanto, no que se reporta à educação científica e tecnológica, são muitos os questionamentos principalmente, em relação aos currículos desenvolvidos e ao tipo de formação necessária ao professor. O que se percebe é um ensino/aprendizagem de ciências, num caso particular de química, descontextualizado em clara dissociação com o mundo vivido e contradizendo as exigências da sociedade. Ou seja, como dizem Santos e Schnetzler (2003:13), o ensino atual de nossas escolas está distante do que o cidadão necessita conhecer para exercer sua cidadania. Cientes dos problemas relacionados ao ensino/aprendizagem de química, o Núcleo de Ensino de Ciências e Matemática (NECIM), órgão ligado à Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal do Ceará, tem se empenhado, em atividades relativas à melhoria do ensino de química e matemática,junto às escolas públicas e privadas do Estado do Ceará. Entre as atividades, desenvolvidas pelo NECIM estão: Concepção, realização e coordenação das cinco primeiras feiras de ciências no estado, posteriormente absorvida pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará, seminários, tem realizado as Olimpíadas Cearenses de Química desde 1989 e, posteriormente também agregou as áreas de Física, e Biologia, passando a denominar-se Olimpíadas Cearenses de Ciências. As Olimpíadas Cearenses de Química foram criadas, principalmente, para incentivar nos jovens o interesse pela química, na busca de novos talentos e aptidões para seu estudo, para promover um maior envolvimento da universidade e escolas 2 dos ensinos fundamental e médio e, também, para incentivar a interação de professores das diferentes escolas e localidades. Nestes anos tem sido crescente o interesse de participação das escolas, na maior parte privadas (uma realidade preocupante), que investem em cursos especiais de preparação de seus alunos, visando seu melhor desempenho, o que, na verdade, foge de nossos desejos e objetivos. Temos observado um decréscimo significativo da participação das escolas publicas nas olimpíadas apesar do uso da mídia, contatos permanentes com diretores professores e alunos num grande reforço de divulgação. Dentre as principais alegativas estão: receio do mau desempenho, desde que a matéria não é “coberta” adequadamente no período escolar (a carga horária de química é reduzida); os alunos não se interessam, pois acham a química complicada e não gostam. As Olimpíadas de Química são realizadas anualmente para alunos de dois níveis (nível I, para alunos de 8ª série do Ensino Fundamental e 1º ano do Ensino Médio e o nível II, para alunos dos demais anos do Ensino Médio), em provas escritas e primam por abordar temas que contemplam aspectos conceituais, sociais, culturais e tecnológicos da química, criando contextos vinculados ao cotidiano. As questões encaixam-se nos programas curriculares de referência das escolas e, atualmente, estão de acordo com as diretrizes e parâmetros curriculares para os ensinos fundamental e médio. Entretanto, tem-se percebido durante as correções das provas a carência de muitos alunos em relação à apreensão de conceitos fundamentais de química. Muitos expressam idéias ambíguas na explicação de fenômenos químicos, deixando claro, também, que o aprendido na escola está dissociado das ocorrências cotidianas, levando a indícios, na maioria dos casos, de não tem havido aprendizagem de química. Por razões como estas, associadas ao baixo índice de aprovação, realizou-se uma análise mais cuidadosa de questões das provas das Olimpíadas de Química realizadas entre 2002 a 2005, numa tentativa de colher subsídios para ações que visam a melhoria e apreensão de conceitos químicos. Desta forma, neste trabalho pretende-se mostrar a análise realizada, com a intenção de melhor orientar os professores dos ensinos fundamental e médio, de modo a contribuir para conseguirem redimensionar suas ações em sala de aula, na 3 busca de um trabalho mais eficaz para a aquisição de conceitos básicos de química, sua aplicabilidade no cotidiano e conexões com tópicos de caráter social, cultural, econômico, ambiental e tecnológico. UMA REALIDADE PREOCUPANTE Como já enfatizado anteriormente, as provas das Olimpíadas cearenses de Química sempre priorizaram, desde seu início, contemplar temas contextualizados, numa postura de rompimento com os esquemas tradicionais. A intenção foi, sempre, de passar uma visão mais ampla de integração com a sociedade, para uma diferente leitura do mundo possibilitada às pessoas, como bem enfatiza Chassot (1993), pelo conhecimento químico. No entanto, ao longo dos anos tem-se percebido indícios fortes da carência de muitos estudantes da Educação Básica em relação a conhecimentos químicos fundamentais, o que passa uma impressão de não haver aprendizagem significativa dos conceitos, não ocorrendo, inclusive, a vinculação necessária aos aspectos sociais relativos às aplicações da química. Tem-se verificado que os conceitos aprendidos ou supostamente aprendidos nas escolas não são percebidos na vida do dia-a-dia, nem são correlacionados com as decisões do cotidiano e como afetam de modo positivo ou negativo. Há a impressão de que existe uma reprodução imatura de conhecimento fragmentado e não aprendizagem de química. Estes fatos independem do aluno pertencer à escola pública ou privada. Um exemplo vivo destas situações pode ser visto na análise de algumas questões de provas das Olimpíadas: Conceitos relacionados às propriedades periódicas, independentes do contexto abordado, na grande maioria das provas, são tratados de maneira equivocada: — o oxigênio tem maior energia de ionização porque é o mais eletronegativo; — o cloro é o mais eletronegativo, pois descobri através de uma regrinha que os professores ensinam; — o cloro terá mais energia de ionização, pois necessita de apenas um elétron para ficar equilibrado; — o cloro é maior porque possui maior massa. 4 Ora, o conceito de eletronegatividade tem que ser associado à tendência de atrair elétrons para si em uma ligação covalente e não só atração. As massas de átomo não são indicadas para julgar raio atômico. Regras mnemônicas não dão idéia do verdadeiro conhecimento químico, mascarando-o e tornando-o memorístico. Por outro lado, questões simples, como por exemplo, para distinguir misturas homogêneas de heterogêneas, são prontamente respondidas, mas quando devidamente contextualizadas e pedindo-se sugestões de técnicas de separação e em que propriedades se baseiam, chegam à vezes a respostas absurdas: álcool etílico e água podem ser separados por peneiração. Outros equívocos comuns se dão com cálculos estequiométricos, onde, em geral, são utilizadas regrinhas em detrimento do raciocínio lógico, o que na maior parte das vezes leva a resultados desastrosos, como “rendimentos reais” acima de 100%. Questões que envolvem aplicação de fórmulas são facilmente resolvidos de forma automática. Por exemplo, quando solicitados a determinarem a razão entre a efusão entre dois gases (O2 e CO) determinaram corretamente determinada, mas quando se questionou qual o gás que efunde mais rápido tivemos respostas como: O2 por ser substância simples, CO porque é polar. O que leva de novo às regrinhas, substituindo mais uma vez o raciocínio lógico pela memorização. Verificamos, também, falhas consideráveis na escrita de fórmulas químicas e de equações químicas. Parece que os “macetes” são utilizados corriqueiramente.Dar relevância à linguagem química é fundamental para que o aluno possa compreender sua importância para o conhecimento químico, como também para melhor poder interpretar o significado da simbologia química freqüente mente usada no nosso cotidiano. Resultados preocupantes estão, também, nas questões que abordam a estrutura do átomo. Mais uma vez, regrinhas superam os julgamentos conscientes, as respostas são mecânicas, levando a acertos, mas o real significado do modelo atômico atual, do que é um orbital, o significado dos números quânticos e tudo mais, nem sequer são cogitados. Por exemplo, No. Quântico spin indica o giro do elétron e informa se no preenchimento das caixinhas está para cima ou para baixo, tendo valor +1/2 ou -1/2. Tudo indica que o átomo, para eles, é aquela caixinha concreta, o modelo probabilístico nem sequer é pensado. 5 Os alunos encontram dificuldade em trabalhar com o significado das grandezas, tais como a Constante de Avogadro, que é utilizada quando se fala de massa atômica, mol, números de átomos e moléculas. 70% dos alunos na OCQ/2005 não conseguiram responder corretamente a quantidade de átomos e molécula existente em determinada quantidade de uma substancia. Esta parece ser uma dificuldade encontrada por professores e alunos como enfoca Chassot (2003), Minha prática docente tem mostrado que alunos e (professores) não conseguem operar com significância as grandezas que são trabalhadas quando se fala, por exemplo, das dimensões de átomos, moléculas ou especialmente, do número de Avogadro. Para complementar o rol de equívocos, pode-se citar: questões com gráficos, onde cerca de 80% contêm erros de leitura e interpretação; questões de cinética química, onde a grande maioria não sabe o significado de “complexo ativado”, por exemplo; questões envolvendo solubilidade, principalmente quando à compatibilidade de polaridade de solventes e solutos. Parece estar havendo uma certa despreocupação, como diz Lopes (1996), em trabalhar a construção destes conceitos, o que pode induzir a erros no estudante. Mas isso se deve realmente a que? Sempre foi um desafio para os educadores o aprimoramento do processo de aprendizagem e, embora muitos estudos e pesquisas tenham sido desenvolvidos, soluções palpáveis estão longe de aparecer. BUSCANDO EXPLICAÇÕES, PROCURANDO SOLUÇÕES... A preocupação com o desempenho dos alunos nas provas das Olimpíadas Cearenses de Química levou à procura de razões mais específicas e a certos questionamentos: por que nossos alunos tratam a química de modo tão superficial? Por que esta química se apresenta de forma tão distante do mundo real, quando o nosso mundo é real? Nesta busca procuramos saber dos professores destes alunos que razões apontam para o insucesso. Para isso, realizou-se uma sondagem com professores das escolas participantes (a maior parte destas escolas sempre manteve vínculo com o NECIM, participando de cursos, de empréstimo de material instrucional, participação em feiras de ciências, palestras, seminários etc). Esta sondagem foi feita através de entrevistas, questionários e conversas informais. 6 As dificuldades explicitadas pelos professores se situam, em geral, nos âmbitos dos conteúdos e da metodologia, ficando claras, em muitas vezes, principalmente no tocante às escolas públicas, a falta de apoio institucional e de infra-estrutura adequada: — Não podemos fazer quase nada para melhorar nossas aulas, falta do papel à água, escrevo no quadro os teste para copiarem, cada ano que passa piora. Os professores admitiram ser difícil trabalhar conteúdos fundamentais de química, como soluções, reações químicas, leis ponderais, teoria atômica, ligações químicas e a cinética química. A insegurança ao tratar desses assuntos se dava ao perceberem a dificuldade de entendimento e desinteresse de seus alunos (muito cansativo, difícil, etc). Admitiram, também, que certos assuntos eram propositalmente esquecidos e não abordados, por não dominarem a teoria. Por outro lado, expuseram receios e dificuldades quanto à inter-relação com o cotidiano, alegando a não adaptação dos livros textos às novas exigências dos Parâmetros e Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental e Médio. De fato, uma das maiores dificuldades se situava na interface da correlação química/cotidiano: — Não temos bibliografia adequada e atualizada; — Os livros textos não ajudam a gente a usar o cotidiano; — A escola não fornece material adequado para as aulas, falta verba; — Os alunos não gostam de química, só se interessam quando falamos de coisas da televisão; os cursos de capacitação são insuficientes, não trazem nada de novo... Pelo que se constatou, embora se sentindo compromissados com a educação de seus alunos, esses professores são conscientes das falhas de suas formações docentes cuja educação inicial e continuada foram realizada, ou há bastante tempo ou em cursos de curta duração e descontínuos, são evidentes as lacunas apresentadas quanto a conteúdos, de como trabalhá-los, de como relacionálos ao contexto social, cultural e econômico, na visão de uma química atual e preocupada com a melhoria de vida da sociedade. Com isso, o reflexo no aprendizado dos alunos é palpável. Conseqüentemente, os alunos sentem dificuldades em tratar os conceitos, de aplicá-los adequadamente, em responder questões relativas ao dia-a-dia, porque não sabem interpretá-las e assim, sucessivamente. A verdade é que, como bem afirma Paulo Freire (2000), só 7 existe docência se houver discência, um ensino só é efetivo se houver correspondência com a aprendizagem significativa dos estudantes. Esta situação aponta, o que não é novidade, para uma reestruturação do ensino de química em nossas escolas. No entanto, antes de tudo, é necessário que a escola se situe como um ambiente promissor de pesquisa, de ensino e de aprendizagem para todos os que configuram o contexto escolar. É necessário que os docentes tenham abertura para desenvolver práticas político-pedagógicas que provoquem e desencadeiem situações didático-pedagógicas que promovam a aprendizagem significativa de seus alunos, gerando meios e espaços necessários para o seu desenvolvimento integral, de acordo com suas diferenças sociais culturais e cognitivas. Neste ponto, um aspecto importante no paradigma da “aprendizagem significativa” é que o conhecimento deve ser compreendido como, segundo Méndez (2002:32), uma construção histórica e social dinâmica que necessita de contexto para poder ser entendido e interpretado. Por outro lado, é importante ainda, que haja o entendimento de que o professor deve desenvolver atividade de ensino que tem por objetivo levar o aluno a construir o seu conhecimento, tanto referente a conteúdo, mas também de procedimento, atitudes e valores.(Carvalho,2003) Mas o certo é que um dos aspectos necessários para isso ocorrer será as escolas desenvolverem uma sistemática de investimento na valorização da carreira docente, prevendo tempo, espaço e condições para a formação continuada. Acredita-se que ações deste porte possam ser parte das soluções para a melhoria do ensino da química. Ou seja, as ações devem se voltar para a formação de professores de química visando atualização conceitual e apresentando propostas metodológicas que rompam com modelos de ensino desacreditados, na busca de um ensino de química na perspectiva de formação para a cidadania. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise apresentada neste trabalho aponta para a busca de um redimensionamento para o ensino de química, de modo a torná-lo atual e compromissado com a formação do cidadão. Neste sentido, é necessário o comprometimento de escolas e de professores para que a verdadeira função da 8 educação química seja explicitada, ou seja, uma educação voltada para contribuir com a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Assim, precisa-se de um ensino de química que priorize as relações teoria e prática, valorizando temáticas interessantes para a vida cotidiana, que seja contextualizado adequadamente, que realce a importância dos construtos históricos para a compreensão dos conceitos fundamentais. Esta análise, portanto, evidencia a necessidade de cursos de educação continuada para os professores como uma das possíveis soluções para a melhoria do ensino de química em nossas escolas, possibilitando, ainda, a esses professores, o desenvolvimento da reflexão e da crítica na sua formação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHASSOT, A. I. Catalisando transformações na educação. Ijuí: Ed. Ijuí, 1993. CHASSOT, A. I. alfabetização Cientifica, questões e desafios para a educação. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, 3ed. CARVALHO, A.M.P. de O que há em comum no ensino de cada um dos conteúdos específicos.In Carvalho, A.M.P. de (COORD.),¨Formação continuada de professores: Uma releitura das áreas de conteúdo¨.São Paulo: Pioneira Thomson Learnimg, 2003. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. LOPES, A. R. C. Potencial de redução e eletronegatividade: obstáculo verbal. Química Nova, São Paulo, n.4, p.21-23, 1996. MÉNDEZ, A. J. M. Avaliar para conhecer, examinar para excluir. Tradução de Magda Schwarzhaupt Chaves. Porto Alegre: ArtMed, 2002. SANTOS, W. L. P dos & SCHNETZLER, R. P. Educação em química: compromisso com a cidadania. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003. 9 RESUMO Cientes dos problemas relacionados ao ensino/aprendizagem de química, o Núcleo de Ensino de Ciências e Matemática (NECIM), órgão ligado à Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal do Ceará tem se empenhado em atividades relativas à melhoria do ensino de química e matemática, junto às escolas públicas e privadas do Estado do Ceará. Entre as atividades, desenvolvidas pelo NECIM estão: Concepção, realização e coordenação das cinco primeiras feiras de ciências no estado, posteriormente absorvida pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará, seminários, Olimpíadas Cearenses de Química realizadas desde 1991 que, posteriormente também agregou as áreas de Física, e Biologia, passando a denominar-se Olimpíadas Cearenses de Ciências. As provas das Olimpíadas Cearenses de Química são realizadas anualmente para alunos da 8ª série do Ensino Fundamental e do Ensino Médio e primam por questões relacionadas à interpretação no cotidiano dos conceitos básicos da química. Nos últimos anos temos percebido, através da análise das provas destas olimpíadas, a carência de muitos alunos em relação à compreensão e apreensão de conceitos fundamentais da química. Muitos expressam idéias ambíguas na explicação de fenômenos químicos, deixando claro que o aprendido na escola está dissociado do cotidiano, indicativo de que não tem havido na maior parte dos casos a ocorrência de aprendizagem significativa de química. Por razões como esta, foi realizada uma sondagem com professores de escolas públicas, através de entrevistas, questionários e conversas informais. A partir dos resultados concluiu-se que o ensino de química necessita ser revisto, priorizando-se as relações teoria/prática para uma maior aplicabilidade dos conhecimentos e, conseqüentemente, a validação da aprendizagem contextualizada do aluno e a necessidade de cursos de atualização para professores. Palavras-chave: Ensino aprendizagem, olimpíadas, conceitos básicos, aprendizagem contextualizada