224 – COM TODO CUIDADO – O CUIDADOR PRESCISA SE CUIDAR

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224 – COM TODO CUIDADO – O CUIDADOR PRESCISA SE CUIDAR
(Sobrecarregados de responsabilidades, cuidadores podem ficar estressados e
adoecer, segundo especialistas, é importante dividir tarefas e dedicar tempo ao lazer).
Aos 108 anos, Maria Antônia Rosa de Jesus tem uma saúde invejável. Ela não
tem doenças comuns em idosos, como Parkinson ou Alzheimer – Diabetes, nem pensar –
aliás, adora doces, particularmente pirulitos. Os níveis de colesterol e triglicérides estão
ótimos. Além de vitamina B, o único remédio que toma é para pressão alta. As, devido a
dificuldades para andar, ela precisa de ajuda para realizar algumas tarefas.
Para isso, conta com um companheiro fiel: seu neto, o ator Sergio Siqueira
Couto, 56, que mora com ela numa simpática casa na Bela Vista, em São Paulo – Maria
Antônia é conhecida como “vovó do Bixiga”, apelido do bairro. “Sou filho único da única
filha mulher dela, Após a morte da minha mãe, voltei para assumir essa posição”, conta ele.
Sergio diz que ajuda em tudo. Faz a comida – do leite com canela e baunilha do café da
manhã, à maria-mole da sobremesa -, dá banho, troca a roupa de cama, leva-a para tomar
sol e fazer exercício.
Devo 50% do que eu sou a ela. Meus pais sempre trabalharam fora ela e meu
avô que ajudaram a me criar”. Apesar disso, ele diz que não foi fácil trocar uma vida de
badalação e viagens pelo dia-a-dia pacato com Maria Antônia. “Tenho vivido em função
dela e me afastei de muita coisa. Fiquei até com um diabetes de fundo nervoso. Encaro
isso tudo como uma missão”.
Para “repor as baterias”, ele gosta de sair para dançar, mantém a casa sempre
aberta para os amigos, e, de vez em quando, passa um dia na praia. Sergio também não
descuida da saúde: vai ao medico, alimenta-se e sai para caminhar. “Dois meses depois do
diagnóstico, minha glicose já estava normalizada”, conta. Ao ficar de olho na sua saúde e
não abandonar as coisas que gosta, Sergio está se prevenindo contra um mal muito
comum: o estresse pelo qual passam as pessoas que cuidam de um familiar idoso.
Muitas acabam ficando tão sobrecarregadas que chegam a adoecer. O fenômeno
já tem até nome entre os pesquisadores: “caregiver stress” ou estresse do cuidador. Um
novo estudo publicado na última edição da Revista da Associação Medica Brasileira se
debruçou sobre o tema para avaliar que fatores contribuem pra a ocorrência desse tipo de
estresse.
Feita no Hospital das Clinicas da USP (Universidade de São Paulo), a pesquisa
avaliou 67 pacientes com demência e seus cuidadores. O tempo de cuidado foi um dos
fatores determinantes. “Quanto mais tempo a pessoa dedicava à tarefa, mais estresse
sentia. Tanto que os cuidadores que moravam com o paciente sentiram-se pior”, relata a
autora do estudo, Stella Velasques Cassis, clinica geral especialista em geriatria.
O estresse dos cuidadores também aumentava quanto maior era o grau de
dependência do idoso. Fatores como o sexo e a idade do cuidador ou o grau de parentesco
com o paciente não foram significativos. Mas outras pesquisas já mostraram que cônjuge e
filhos sentem mais estresse do que pessoas com outros tipos de relação com o idoso.
Cassis cita ainda um estudo brasileiro que havia mostrado que maridos e mulheres
cuidadores reagem de formas diferentes: eles tendem a ter mais transtornos de ansiedade;
elas, sintomas depressivos.
A pesquisadora lembra que o estresse prejudica não só o cuidador mas também o
paciente. “Quando o cuidador está mal, a pessoa com Alzheimer tem mais chance de ser
hospitalizada ou internada em uma instituição”.
AJUDA DE CUSTO
Com o envelhecimento da população mundial e o aumento das doenças
neurodegenerativas, a tendência é de que o número de pessoas que precisem atuar como
cuidadoras cresça.. Em alguns países, o familiar que cuida do pai ou da mãe doente, já tem
direito à benesses, como ajuda de custo, benefícios no trabalho e rede de cuidadores para
cobrir folgas e férias, conta assistente social Ursula Margarida Karsch, coordenadora do
Grupo de Pesquisa Epidemiológica do cuidador, da PUC-SP (Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo).
“O Brasil ainda não tem uma rede de apoio a cuidadores. Às vezes eles ficam tão
desgastados que acabam adoecendo. Países como Inglaterra, Alemanha e Canadá estão
bem mais organizados nesse sentido”. Ela observa, que o mais comum por aqui é, quando o
idoso fica doente, a família cuidar dele no início. Depois, se o quadro se agrava, quem tem
condições financeiras muitas vezes contrata um profissional para ajudar. Já levar o
parente para casas de repouso é menos comum.
“Há muito preconceito, em parte porque há muitas casas ruins, que deixam a
pessoa largada. Hoje estão sendo criadas instituições excelentes, mas são caríssimas,
diz”. Para os especialistas, não há uma opção ideal. “Depende da dinâmica da família. É
uma solução muito pessoal”, diz Lilian Alicke, presidente da ABRAZ (Associação Brasileira
de Alzheimer) que organiza grupos de apoio para cuidadores.
Segundo ela, o importante é dividir tarefas. “Mesmo quando é um familiar, ele
não deve fazer tudo só. Já no início é bom que haja uma divisão, para que não fique a idéia
que ele é o único que pode cuidar”. O clinico geral Jamiro da Silva Wanderley, professor da
UNICAMP(Universidade Estadual de Campinas), lembra que a opção depende ainda da
situação financeira da família e da doença que o idoso tem. “Sae a pessoa respira por
aparelhos, por exemplo, é mais difícil, exige um treinamento do acompanhante. Pode ser
melhor deixar com um enfermeiro”.
A advogada Emilia Capella, 45, contratou com os irmãos profissionais para
ajudar nos cuidados diários com sua mãe Vilma, 70, que tem doença de Alzheimer. Mesmo
assim, os filhos fazem questão de estar sempre por perto. Emilia, por exemplo, equipou
uma sala na casa da mãe para poder trabalhar lá, a maior parte do tempo. Ela só vai ao
escritório quando tem reuniões.
“Mesmo que ela não me reconheça o tempo todo, paro para tomar um café, ficar
com ela. Gosto de mantê-la sempre bonita, penteada, de brinco, ainda que para ficar em
casa. O carinho da família melhora a qualidade de vida do paciente”. Nas folgas dos
cuidadores profissionais, Emilia e seus três irmãos se revezam para ficar com a mãe. No
início da doença, ficavam com ela em tempo integral.
Apesar do amor e da disposição, Emilia conta que às vezes sofre com a rotina e
com algumas peculiaridades da doença, como mudanças de comportamento. “É um super
desgaste, demanda muito tempo e energia. Ela fica teimosa, às vezes apática. Perco minha
mãe todo dia, isso é muito doído” No ano passado, a sobrecarga física e emocional, refletiu
na saúde de Emilia, que começou a ter pressão alta.
Foi quando ela viu que precisava cuidar de si também. Para relaxar, passou a
fazer aulas de biodança. No carnaval desse ano, saiu na comissão de frente da Escola de
Samba Nenê da Vila Matilde. “Foi a primeira vez que desfilei. Nunca imaginei que fosse
gostar tanto. Como não podia viajar, encontrei uma alternativa de lazer possível. Vi que
preciso estar bem para cuidar dela e que não tenho de ficar escrava da doença”.
GRUPOS DE APOIO
No Brasil, apesar da falta de organizações voltadas para cuidadores, algumas
instituições oferecem cursos e grupos de apoio voltados para familiares de pessoas com
doenças como Parkinson e Alzheimer. Para Jamiro Wanderley, da Unicamp, os grupos de
apoio são uma boa oportunidade para trocar idéias e informações. “Neles, as pessoas
trocam experiências sobre as estratégias usadas nos cuidados, locais que vendem
remédios mais baratos... É muito educativo”.
Manter-se informado, aliás, é uma recomendação importante. A dona de casa Ana
Luisa Barsotti Ritondaro, 62, encontrou uma forma inusitada de fazer isso e saber mais
sobre as doenças do marido, Francisco Ritondaro, 75, que tem Alzheimer e Parkison: lendo
as revistas científicas que chegam para ele, que é medico aposentado. Mesmo tendo
contratado um cuidador profissional, desde que o estado de saúde de Francisco piorou, Ana
Luiz conta que supervisiona tudo.
“Se noto uma respiração ou um chiado diferente, já vou lá. Eu escuto de longe.
Estamos casados há 42 anos, sempre vivemos muito bem, eu o conheço, diz”. Apesar de
passar por momentos de tristeza, ela não se descuida. Trata-se com um psiquiatra – tomou
antidepressivos por 4 anos – e, quando o estresse falou mais alto, foi para um spa com sua
irmã. “Não posso largar. Preciso ir à ginecologista, trocar os óculos. Tenho que ficar inteira
para dar o meu melhor”.
Além do Alzheimer, o Parkinson é uma das doenças comuns nessa faixa etária. Se no
começo ela pode ser bem controlada, com o tempo, muita gente precisa de ajuda
constante. “Com o progresso da doença, a pessoa passa a ter dificuldades para andar, se
vestir, fazer a higiene pessoal”, diz Samuel Grossmann, presidente da Associação Brasil
Parkinson, que oferece apoio psicológico também ao familiar.
“É importante preservar o cuidador. É ele que vai à luta, enfrenta o trabalho, o
trânsito. Para não se desgastar, ele tem que ter os seus momentos de lazer e
descontração”, afirma.
PARA SABER MAIS
Livros: 1 – Quem vai cuidas dos nossos pais? Autora: Marleth Silva – Editora Record
2 – Você não está sozinho (sobre a doença de Alzheimer) Vários autores –
Vendas: ABRAZ tel. 0800-551906 no site www.abrsaz.org.br
3 – Orientações para cuidadores informais na assistência domiciliar – Vários
Autores – Editora: Unicamp
4 – Conhecendo melhor a doença de Parkinson – Autor: João Carlos Papaterra
Limongi – Editora Plexus
DVD – O que você precisa saber sobre a Doença de Alzheimer – ABRAZ - endereços
Acima (item 2)
GRUPOS DE APOIO
1 – A ABRAZ tem grupos de apoio em todo o Brasil, com reuniões e palestras
com especialistas.
2 – Associação Brasil Parkinson – Oferece grupos de apoio aos familiares,
com acompanhamento psicológico. Funciona em São Paulo, mas tem
lista de contatos em várias cidades – Informações: tel. 011/ 2578-2817
www.parkinson.org.br
(Fonte: Jornal Folha de São Paulo – Equilíbrio – 28 de fevereiro de 2008)
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