RODRIGO CORRÊA MERGULHÃO EVOLUÇÃO E HISTORICISMO LINGÜÍSTICOS — A IDADE MÉDIA — MACAPÁ - AP 11 DE AGOSTO DE 2005 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ — UNIFAP DOCENTE: VILANDIR ISMAEL DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LINGÜÍSTICOS I CURSO: LICENCIATURA PLENA EM LETRAS DISCENTE: RODRIGO CORRÊA MERGULHÃO TURMA: 2005 SEMESTRE: 1º TURNO: DIURNO SALA: H3 TEMA: A GRAMÁTICA NA IDADE MÉDIA DATA DE ELABORAÇÃO: 21 DE JULHO A 10 DE AGOSTO DE 2005 DATA DE ENTREGA OFICIAL E APRESENTAÇÃO: 11 DE AGOSTO DE 2005 EVOLUÇÃO E HISTORICISMO LINGÜÍSTICOS — A IDADE MÉDIA — Trabalho por metodologia de pesquisa apresentado à Universidade Federal do Amapá, UNIFAP, como requisito para avaliação parcial na disciplina Introdução aos Estudos Lingüísticos I, sob a orientação do Prof. Vilandir Ismael. MACAPÁ - AP 11 DE AGOSTO DE 2005 RODRIGO CORRÊA MERGULHÃO EVOLUÇÃO E HISTORICISMO LINGÜÍSTICOS — A IDADE MÉDIA — Avaliador ____________________________________________________ Prof. Vilandir Ismael Universidade Federal do Amapá — UNIFAP Avaliado em _____/_____/__________. MACAPÁ - AP 11 DE AGOSTO DE 2005 Dedico este trabalho ao amigo leitor. Agradeço a todos que me ajudaram, sem saber, direta ou indiretamente, na análise e no entendimento do assunto aqui explorado. Dizer que a Idade Média vive de textos parece um dizer que arrasta consigo conotações eminentemente negativas, já que assistimos hoje ao esquecimento desses textos, à perda da palavra como referência e à sua substituição pela imediatez da imagem, integrada quase inconscientemente de um pensamento de exterioridade. Maria Cândida Pacheco RESUMO Explorar-se-á nesta pesquisa algo a respeito da história da gramática, mais especificamente no que compreende a Idade Média; todos os seus pontos mais fortes e fracos, sua repercussão mundial e suas entrelinhas. Os gramáticos que deixaram importantes contribuições à história da ciência lingüística aqui estão presentes, descritos e exemplificados, suas teorias discutidas, assim como cada concepção. Palavras-chave: Historicismo gramático. Medievalidade cultural. SUMÁRIO I. Introdução 9 II. Sobre a Gramática na Idade Média Para compreender a idade Média A literatura da Idade Média e a questão do saber e do conhecimento Boécio e as sete artes Mais tradutores, copiadores e feitores lingüísticos As gramáticas latinas na Inglaterra e na Irlanda O Doctrinale de Alexandre de Villedieu O Primeiro Tratado Gramatical e o Primeiro Gramático A Escolástica e as Gramáticas Especulativas Um pouco de Pedro Hélias, Pedro Hispano e Rogério Bacon Os modos gramaticais As visíveis mudanças a partir de então 10 10 10 11 12 13 14 14 15 16 17 19 III. Conclusão 20 IV. Apêndices Fotos de Gramáticos e demais ilustres da Idade Média citados no texto 21 21 V. Anexos Texto extraído da internet, acerca das sete artes liberais 23 23 VI. Glossário 26 VII. Referências 27 INTRODUÇÃO Muito do que hoje sabemos acerca de nossa gramática e das demais proveio de teorias postas em práticas na época da Idade Média. Este período, que vai do fim do século V ao início do século XV, passou por diversas mudanças em todos os campos do conhecimento e do saber. Quando falamos da cultura compreendida na medievalidade da qual temos noção, também não deixamos de lado o fato de que até mesmo nossas letras sofreram modificações atrás de modificações. Foi especialmente na Idade Média que o homem acordou para si, renegou a obscuridade que lhe caía e pôs-se à prova do que seria capaz de fazer para si e deixar para o futuro. Foi neste tempo da história da humanidade que vários dos questionamentos concernentes à linguagem, nosso objeto de estudo neste trabalho, surgiram e ainda perduram, sem fim ou explicação mais que concreta. Adaptando importantes textos, de forma que os mesmo pudessem tornar-se inteligíveis e de clara linguagem, apresento esta pesquisa sobre a evolução, a revolução e o historicismo gramáticos, abrangendo concepções nascidas na Antigüidade Clássica até os conceitos dos lingüistas que se destacaram na Idade Média, lançando bases para teóricos e práticos que mesmo hoje continuam tentando entendem tal ciência. EVOLUÇÃO E HISTORICISMO LINGÜÍSTICOS — A IDADE MÉDIA — PARA COMPREENDER A IDADE MÉDIA. Para entendermos melhor algo acerca do historicismo gramático compreendido no que podemos chamar de Idade Média, é preciso que saibamos primeiro o que foi este momento. O período conhecido por Idade Média diz respeito a uma fase da história ocidental que se estende da segunda metade do século V até a primeira metade do século XV. Marcada pelo declínio e a queda do Império Romano do Ocidente, esta época ficou denominada pelos renascentistas e reafirmada pelos iluministas por Idade das Trevas. Para eles, a Idade Média foi um tempo sombrio no qual os homens viam-se ignorados, contaminados por pestes e oprimidos sob o terror das fogueiras da inquisição. O ano de 476 d.C. foi escolhido para marcar o início da Idade Média, quando ocorre a deposição do último soberano do Império Romano Ocidental, Rômulo Augústulo. O fim de tal idade se dá no ano de 1453, quando os turcos tomam para si a cidade de Constantinopla, derradeiro apoio do Império Romano Oriental (ou Império Bizantino). Estes quase mil anos entre 476 e 1453 são divididos em Alta Idade Média (séculos V ao X) e Baixa Idade Média (séculos XI ao XV). Somados, eles correspondem à longa gestação do mundo moderno, porque na Idade Média foram criados os Estados nacionais, as línguas, a literatura, os sistemas de representação política e os fundamentos da mentalidade científica ocidentais. É sobre a criação do que concerne à língua e à literatura que dissertaremos a partir de então. A LITERATURA DA IDADE MÉDIA E A QUESTÃO DO SABER E DO CONHECIMENTO. Durante este período entre 476 e 1453, o Império Romano Ocidental sofreu muitas ameaças e destruições. Tribos germânicas invadiam e dominavam uma terra que todos criam ser forte; os visigodos saquearam o Império em 410; e, como já dissemos, Rômulo Augústulo foi derrotado pelo mercenário bélico germânico Odoacro; Roma então foi convertida ao reino dos ostrogodos, dezessete anos mais tarde, quando Teodorico conquista a Itália. Com tantos desentendimentos, conquistas e destruições, uma enorme parcela da literatura clássica perdeu-se para sempre. Por muito tempo, apenas traduções latinas de algumas obras selecionadas serviram de base para o estudo da filosofia helenística. A instituição Igreja passou então a ser vista como o único ponto neutro diante de desordens e regressos; com este pouco e início de prestígio, ela ficou conhecida como a protetora, a detentora e a proclamadora do saber, da educação e do conhecimento. Assim, sob várias formas a literatura da época apresentou-se como sustentada por preceitos cristãos. A Igreja deteve o poder da informação, pois havia ainda o fato de que, no ano de 529, Justiniano fechou todas as antigas escolas filosóficas de Atenas. O saber e a educação não morreram de vez porque abadias, mosteiros e templos clericais encarregaram-se de preservá-los, fato que começou durante a Alta Idade Média. Mas daí muitas discussões surgiram: as obras dos autores da Antigüidade Clássica foram alvo de suspeitas, devido ao uso de seu latim voltado ao coloquialismo, sendo chamados então de literatos pagãos. Autoridades como São Jerônimo sentiram interesse pelas letras de Cícero e outros autores clássicos; Gregório Magno, como papa, foi contra Donato e sua linguagem de inspiração divina; todos se preocupavam em não fugir os ensinamentos das Escrituras e não desobedecer a instituições religiosas maiores. Entretanto, a literatura clássica conseguiu se salvar e continuou a ser estudada. Um exemplo do que acabamos de ver pode ser observado no romance “O Nome da Rosa”, do escritor e teórico italiano Umberto Eco; aqui, o centro de investigação de assassinatos de monges é um mosteiro medieval na Itália e sua biblioteca, onde as palavras consolidavam seu poder diante de todos os curiosos que iam até elas. BOÉCIO E AS SETE ARTES LIBERAIS. Uma importante figura na vida intelectual do período estudado foi Boécio (480-525), descendente da nobreza italiana. Ele buscou resgatar a herança cultural da Antiguidade e traduziu ao latim alguns tratados de Aristóteles, Cícero e Porfírio, o neoplatônico. Até o século XII, praticamente tudo o que a cristandade latina sabia de Aristóteles vinha das traduções e dos comentários de Boécio. Destarte, por volta do ano 500, Boécio apresentou uma teoria que dividiria a educação medieval no que ficou dito por “as sete artes liberais”, que são as seguintes: a primeira parte da divisão era o trīvium, formado por gramática, dialética e retórica; a segunda parte é o quatrīvium, com música, aritmética, geometria e astronomia. Boécio expressou assim sua teoria: Gram loquitur; dia vēra docet; rhet verba colōrat; Mūs canit; ar numerat; ge ponderat; ast colit astra. Portanto, a base da erudição medieval foi a gramática, para todos os fins de estudos e pesquisas. Depois desta teoria de Boécio, teve-se conhecimento de muitas outras, sobre as sete artes liberais: o gramático Varrão (mais a frente falaremos dele) incluía as sete artes na obra “Disciplinae” e ainda colocava a medicina e a arquitetura; também Santo Agostinho trocou a astronomia pela filosofia; e, em mesmo tempo, Marciano Capella falou das sete artes de forma alegórica, como um mito, mostrando um casamento entre deus Mercúrio e Filologia, cujas filhas seriam Gramática, Lógica, Retórica, Geometria, Aritmética, Astronomia, e Música, uma demonstração superficial e tediosa, mas que foi aceita em escolas. MAIS TRADUTORES, COPIADORES E FEITORES LINGÜÍSTICOS. Depois que a teoria das sete artes liberais de Boécio foi aceita e discutida, a gramática só era ensinada assim, durante os primeiros cem anos após a queda de Roma Ocidental. Alguns estudos a mais foram feitos de forma pragmática e normativa, nada fugindo muito de tal normalidade. As principais autoridades na gramática daquele tempo foram Prisciano e Donato, que formularam teorias e sistematizações que não foram muito mexidas. Prisciano destaca-se mais ainda por ter desenvolvido descrições sistemáticas do latim da literatura clássica, e estudos iniciais e pouco sólidos de morfossintaxe, sem falar em suas muitas obras acerca da erudição latina. Prisciano marcou a transição da filosofia lingüística da antigüidade à medievalidade nascente. Sob glosas, apostilas e comentários muitos escritos foram produzidos, principalmente casos de estilo lexicográfico e etimológico, entre os quais Isidoro de Sevilha (576-636) se destaca com o que escreveu. Isidoro foi um preservador de letras e de obras antigas, na Espanha, que copilou uma enciclopédia variada de assuntos, desde aritmética a Deus. Quem se destacou também nesta época foi o italiano Cassiodoro (490-575), que ainda tratou das sete artes em sua obra “Instituitones”, e colecionava manuscritos gregos e latinos, dando início à pratica de copiar textos clássicos; sem essa tradição, muitas obras pagãs e cristãs de importância fundamental teriam desaparecido. As traduções e compilações feitas por Boécio, Cassiodoro e Isidoro, os livros colecionados e copiados por monges e freiras e as escolas instaladas nos mosteiros impediam que a vida intelectual desaparecesse totalmente em princípios da Alta Idade Média. Através do contato entre cristãos e não-cristãos — proporcionado pela aceitação do Cristianismo como religião universal, o que colocava a atividade missionária em alta escala — investigações lingüísticas de natureza prática foram feitas. Tal fato contribuiu em demasia para o crescimento da lingüística como ciência. Deste modo, f alando um pouco de tradução, São Jerônimo, o responsável pela versão latina da Bíblia, a “Vulgata”, declara e sustenta o ato de traduzir mais pelo sentido geral do que a versão da palavra por palavra. Hoje em dia nós vemos que isto é mais que um forte fundamento. O que sabemos do gótico vem do século IV, de traduções que Wúlfila fez a esta língua, de algumas partes do Novo Testamento. O alfabeto atual do russo e de outras línguas eslavas vem do que São Cirilo criou no século IX, dando aos eslavos cristianizados um novo modo de usar o alfabeto grego. AS GRAMÁTICAS LATINAS NA INGLATERRA E NA IRLANDA. Durante os séculos VII e VIII, Alcuíno e Beda escreveram gramáticas latinas na Inglaterra. Mas quem despontou no ramo foi Aelfric, abade de Eynsham, Oxfordshire, que em 1000 d.C. escreveu livros especificamente didáticos em latim, como “Latim grammar”, “Coloquium” e glosas latim-inglês, para crianças anglo-saxônicas, de fala inglesa. Seus escritos não fogem aos padrões de Prisciano e Donato. Ele também alegou que tais livros poderiam explicar a gramática introdutória de seu idioma, o inglês. Desta forma, podemos ter a sua gramática como um marco característico de vários séculos de estudos gramaticais do inglês inspirados no latim, já que estas suas obras apresentaram-se por primeiro aos estudantes de fala inglesa. Citando a Irlanda, podemos dizer que o latim vigorou durante os primeiros mil anos, depois de sua conversão no século V. Usava-se obras de Prisciano, Donato e Isidoro, que depois foram unidos com a tradição nativa dos bardos, originando tratados medievais de ensinos gramaticais e poéticos, os quais floresceram até o século XVII. A terminologia técnica dos trabalhos lingüísticos irlandeses mostra o ajuste de empréstimos e adequações de termos latinos com uma nomenclatura de vocábulos do próprio irlandês. O DOCTRINALE DE ALEXANDRE DE VILLEDIEU. O “Doctrinale” foi um manual de gramática latina, inventado por Alexandre de Villedieu, com o objetivo de ser mais um recurso mnemônico para os estudantes da época. Baseado nos pensamentos de Donato e Prisciano, Alexandre fez seu “Doctrinale” em versos, por volta de 1200 d.C.; ao total foram 2.645 versos hexâmetros um tanto rudes, não muito polidos. Mas este manual passava uma imagem de ser apenas o propagador de um latim distante do que os autores clássicos descritos por Prisciano usavam; estava mais para um latim da simplória vida culta medieval. De forma estrita ao prático, o “Doctrinale” foi um resumo, uma suma, muito popular e de recomendação durante o período medieval. Embora tenha sido mal falado e desapreciado, muitos tempo depois em algumas escolas também foi indicado, visto como o precursor do renovado classicismo da Renascença. Ainda no campo das gramáticas em terras inglesas, no século XIII foi encontrada uma gramática do galês originária do século X. O PRIMEIRO TRATADO GRAMATICAL E O PRIMEIRO GRAMÁTICO. Com o interesse de reformular a língua islandesa do seu tempo, nasceu, no século XII, um exemplo de trabalho prático na área da lingüística. Foi o “Primeiro Tratado Gramatical”, que não apresenta um autor, somente alguém conhecido por Primeiro Gramático, muito aclamado pela criatividade vista na obra, e seu pensamento livre e original. O Primeiro Gramático estudava e conhecia os trabalhos sobre os conceitos latinos de Donato. Foi desta premissa que ele promoveu algo inédito na época em estudo da lingüística: comprometeu-se com os problemas ortográficos vigentes nos princípios implícitos na análise fonológica. Também prendeu-se muito na pronúncia da língua, mostrando-se que foi um foneticista a frente de seu tempo. No Primeiro Tratado, temos observações acerca das falhas do alfabeto irlandês, teorias fonológicas e o uso do conceito de fonema. Este Gramático conseguiu dar uma ordenação adequada aos seguimentos vocálicos de seu inglês da época, classificando de abertas ou fechadas as vogais que em latim se representam a, e, i, o, u. Também indicou nasalidades de letras por meio de sinais; sugeriu escrita de vogais (maiúsculas para consoantes longas); afirmou que as divergências fonéticas advindas do contexto não precisavam ter diferentes representações na grafia. Seus procedimentos de descoberta e demonstração foram além de seu tempo. As distinções dos fonemas foram dadas pela variação controlada de um segmento simples numa estrutura fônica constante, como seqüência de silabas onde só uma letra modificava. Toda a obra “Primeiro Tratado Gramatical” é de fácil entendimento, tanto pela parte teórica quanto pela prática aplicada, e suas possíveis objeções e interrogações a pairar. Porém, esta obra passou por complicações quando, pouco depois do século XII, e a Islândia sofreu com condições naturais, o texto do “Primeiro Tratado” só foi publicado em 1818, quase desconhecido na Escandinávia; novos estudiosos tomaram para si a autoria e as pesquisas de todo o trabalho do Primeiro Gramático. A ESCOLÁSTICA E AS GRAMÁTICAS ESPECULATIVAS. A Escolástica foi um sistema filosófico que buscou unir todas as divisões do saber, levando em consideração o existir da razão e da revelação, tudo isso fortalecido pela fé cristã e assumindo com esta uma relação recíproca. Foi a decorrência da vinculação da filosofia de Aristóteles à teologia católica, trabalho este feito através de São Tomás de Aquino. Um período marcado pelo surgimento e aberturas de escolas. Justamente neste período da Escolástica, cerca de 1200 a 1350, autores destacaram-se por dar seguimento e desenvolvimento à lingüística medieval, ao ocorrer o processo de feitura de obras como as “gramáticas especulativas” ou tratados, os quais veremos a seguir. Gramáticas estas que foram muito além do imposto ao ensino do latim, estando ao lado de manuais como o Doctrinale. Elas também marcaram uma fase bem delineada da teoria lingüística. Seus autores partiam do mesmo ponto de vista dos teóricos e aceitavam os objetivos da ciência lingüística e seu lugar no momento do ensino. A gramática especulativa é resultado da união da descrição gramatical do latim, como a feita por Donato ou por Prisciano, ao sistema filosófico escolástico. O nascer e o desenvolver da filosofia escolástica deram-se de muitos fatores históricos, além do surgir de homens detentores de qualidades intelectuais e de devoção. A partir do século XII o homem ocidental teve fácil acesso às obras de Aristóteles e aos conhecimentos da língua e dos autores gregos. Esse incremento cultural deu-se do oriente, quando as Cruzadas, por mais que tenham dado poucas glórias aos seus participantes, produziram contatos diretos entre Igreja Romana e Roma Oriental. Constantinopla foi tomada e cresceu o interesse pelas fontes gregas filosófico-aristotélicas (antes dadas por meio de traduções latinas) e levou ao Ocidente inúmeros manuscritos gregos. Vemos, no século XIV, o grego regularmente ensinado em muitas universidades da Europa. Tradutores e comentaristas árabes e judeus, como Averróis e Avicena, ajudaram a pôr novamente na Europa Ocidental muitos filosóficos trabalhos gregos. Durante a tomada árabe da Espanha, a localidade de Toledo foi o centro de traduções ao latim de versões árabes dos escritos de Aristóteles. São Tomás de Aquino depois desenvolveu atividades docentes onde empregava obras aristotélicas que tiveram boa receptividade nos centros de ensino, alcançando assim posição preeminente no pensamento cristão medieval. Na totalidade da Escolástica, ainda que fosse de boa aceitação na área pedagógica, as exposições latinas de Donato e Prisciano caíram em inadequação e inconformidade. Muito já se podiam ser feito e ir mais além do que estes dois. Disseram que Prisciano fez um trabalho superficial, sem averiguações e comprovantes às suas teorias subjacentes. Guilherme de Conches, no século XII, lamentou Prisciano não ter se ocupado com elucidações em referência a fundamentos de teorias oferecidas sobre o discurso. No século XII é ditado o momento que induziria à aparição da gramática especulativa e de uma conjectura da linguagem acordada no pensamento filosófico da época, havendo, ao mesmo tempo, relevante acréscimo no volume dos estudos e das análises gramaticais. UM POUCO DE PEDRO HÉLIAS, PEDRO HISPANO E ROGÉRIO BACON. Depois de situado o século XII, um gramático chamado Pedro Hélias fez comentários sobre os escritos de Prisciano, tentando assim encontrar o porquê das obras deste. Com esses seus comentários, Hélias pôde ser comparado e visto como um dos primeiros gramáticos a colocar ordem às explicações que pareciam confusas e errantes; mesmo assim, não podemos dizer que ele foi um pioneiro na utilização da lógica em questões lingüísticas. A partir de então, Hélias lançou bases teóricas no ramo gramatical que foram pontos centrais de discussões filosóficas, tudo pelo fato de ela apresentar-se diferente e distante da mera exposição lingüística de caráter didático. Nasceram daí definições como: “A descoberta da gramática não é da competência do gramático e sim do filosofo, pois a ele cabe considerar cuidadosamente a natureza especifica das coisas.”, “Assim, como o estulto está para o sábio, o gramático desconhecedor de lógica está para o versado em lógica.”. De acordo com estes questionamentos filosóficos, surgiu o conceito de uma gramática universal subjacente, a qual via-se como alvo de mais debates entre profissionais lingüistas. No tempo medieval, o latim foi a única língua necessária aos eruditos, e somente depois o grego, o árabe e o hebraico fizeram-se presentes. Quem fez ótimo trabalho nesta época foi Rogério Bacon, um dos primeiros gramáticos especulativos, autor de uma gramática grega. Ele insistiu na importância do estudo do árabe e do hebreu, dizendo que todas as línguas têm a essência da gramática de igual modo, e só o que podemos chamar de pequenos acidentes são as divergências entre elas. Já no século XIII, Pedro Hispano deu alusão a significātiō e suppositiō, em seus escritos em Sumulae logicales. Estes dois elementos acima citados são propriedades semânticas do vocábulo que, apesar de atreladas, são independentes. A significātiō é a “significação” e foi determinada como a relação entre a palavra e aquilo que ela constitui. A significātiō é anterior à suppositiō, e esta pode ter o seu abarcamento limitado pela significātiōnēs no conjunto do texto. Com base na dualidade forma e matéria, alguns lógicos e gramáticos deram adicionalmente contestação entre suposição formal e material. Na primeira suposição, a palavra representa coisa, pessoa, etc., fazendo parte do que mais tarde os lógicos chamaram linguagemobjeto ou linguagem de primeira ordem. Na segunda suposição, a palavra representa a si mesma, situando-se no plano de uma metalinguagem ou linguagem de segunda ordem. OS MODOS GRAMATICAIS. A lingüística medieval dos autores especulativos, que então passaram a ser chamados de modistae, ficou centrada na gramática, excluindo assim investigações na pronúncia. Sobre a etimologia, obteve-se absurdos resultados como os vistos da Antiguidade. E nenhum desenvolvimento teórico ou prático pode ser apontado no ramo de fonética e etimologia. Nesta nova teoria dos especulativos, novos termos técnicos são empregados, os pormenores da morfologia latina de Prisciano não sofreram alterações, como também as ramificações de classes de palavras que se aplicavam apenas a particularidades do latim. No sistema modístico, a teoria gramática se dividia assim: As coisas, como seres existentes, têm várias propriedades ou modos de ser (este é o Modī essendī); o sujeito aprende as coisas por meio de modos de compreender ativos (este e o Modī intelligendī actīvī); aos quais correspondem ao modo de compreender passivos (este é o Modī intelligendī passīvī), as qualidades das coisas tal como são aprendidas pela mente. Quanto à linguagem, o sujeito dá ao sons vocais (vōcēs) os modos de significar ativo (este é o Modī significandī actīvī), em virtude dos quais aqueles se convertem em palavras (dictiōnēs) e partes do discurso (partēs orātiōnis) e significam as qualidades dos objetos, estas qualidades passam então a ser representadas pelos modos de significar passivos (este é o Modī significandī passīvī), as qualidades das coisas tal como são significadas por palavras. Os Modī essendī encontrados em todas as coisas e subjacentes a toda percepção do mundo e à constituição da linguagem são dois: o modus entis (a propriedade de permanência ou persistência no tempo, pela qual as coisas podem ser reconhecidas como tais), e o modus esse (a propriedade de mudança e sucessão, que também pode ser dita modus fluxūs, modus fierī e modus mōtūs, pela qual se podem reconhecer as coisas permanentes enquanto submetidas a mudanças ou a outros processos que implicam sucessão temporal). Podemos representar o sistema assim: Modī essendī Modī intelligendī actīvī Modī intelligendī passīvī Modī significandī actīvī Modī significandī passīvī Em 1350, Tomás de Erfurt estabeleceu novas definições em De modis significandi sive grammatica speculativa: Nomen é a parte do discurso que representa, per modum entis, algo apreendido de forma determinada; Verbum é a parte significativa do discurso per modum esse, se distinguindo da substância, da qual é predicado; Participium é a parte significativa do discurso per modum esse, não se distinguindo da substância, da qual é predicado; Pronomen é a parte do discurso que representa, per modum entis, algo apreendido de forma indeterminada. A apreensão indeterminada deriva de propriedade ou do modo de ser da “matéria prima”. As demais partes do discurso, indeclináveis, envolviam menor número de Modī significandī e tinham a sua origem em numero também menor, de propriedades das coisas. Um dos primeiros modistas, o chamado Michel de Marbais, as compara vagamente com termos sincategoremáticos dos lógicos. Então surgem: Adverbium é a parte significativa do discurso que se adjunge a terno representativo de algo existente no tempo e que funciona como determinante absoluto; Coniunctiō é a parte significativa do discurso que estabelece união entre dois termos. Praepositiō é a parte significativa do discurso que se adjunge a uma palavra declinável, relacionando-a à ação. Interiectiō é a parte significativa do discurso que qualifica o verbo ou o particípio, indicando sentimento ou emoção. AS VISÍVEIS MUDANÇAS A PARTIR DE ENTÃO. A partir de então, podemos observar diversas modificações provindas das discussões e contestações que toda a teoria recém proposta colocou diante dos pensadores da Idade Média. Dentre estas mudanças, de forma rápida e lacônica, podemos ver: O emprego do transitivo e do intransitivo aparece na obra dos modistas para designar espécies de construções sintáticas. Também é interessante ver que os últimos gramáticos do tempo medieval se utilizaram explicitamente da ordem das palavras para identificar os constituintes da frase e que admitiram como normal a ordem nome-verbo-nome, algo comunal em línguas românicas atuais, e não a ordem nome-nome-verbo, característico do latim clássico. Os modistas seguiram muito de perto a descrição morfológica feita por Prisciano, mas o relacionarem as categorias com o estudo sintático da frase, fizeram importante distinção entre as categorias de palavras que estavam diretamente vinculadas às categorias de outras palavras e as que não mantinham nenhum tipo de vinculação. O sistema sintático feito pelos modistas permitiu-lhes apreender com maior nitidez a função essencial de certas classes de palavras e definir as mesmas de forma mais certa. CONCLUSÃO Reformulações e discussões filosóficas na Idade Média ajudaram para que os conceitos gramaticais e lingüísticos que temos conseguissem se firmar, apresentando bases e estruturas fortes e convincentes à adoção de concepções das ciências acima referidas. Baseando-se no que importantes pensadores e contribuintes fizeram para a história da evolução da gramática, o trabalho exposto apresentou o de mais essencial e básico defendido por teóricos desde Aristóteles a Prisciano e Tomás de Erfurt etc. Os conceitos que atualmente vemos e utilizamos sobre lingüística e gramática em geral são produtos de excelência transpassados a nós através de imortais letras e obras. Resta-nos agora dar continuidade ao já começado trabalho de entender nossas ciências e elaborar visões cada vez melhores. Pois, como disse Mahatma Gandhi, “se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova”. REFERÊNCIAS BORGES, Maria, Lúcia Teixeira; NERY, José Reinaldo Cardoso. Orientações Técnicas para Elaboração de Trabalhos Acadêmicos. Macapá: Unifap, 2.005. MOTA, Myriam Brecho; BRAICK, Patrícia Ramos. História das Cavernas ao Terceiro Milênio. São Paulo: Editora Moderna, 2.002, 2ª edição. APÊNDICES Fotos de Gramáticos e Demais Ilustres da Idade Média citados no texto Santo Agostinho Aurélio Noam Chowsky São Tomás de Aquino Avicena Cícero Aristóteles Beda Pedro Hispano Rômulo Augústulo Cassiodoro Homero