A constituição da Sociologia e o mundo moderno

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A constituição da Sociologia e o mundo moderno
1. Antecessores da Sociologia
- Filósofos (Hegel, Kant), filósofos sociais (Rousseau, Montesquieu), economistas
(Adam Smith) e outros pensadores anteciparam a preocupação de refletir sobre as
dimensões sociais do homem, antes da constituição plena de uma Sociologia;
- De outro lado, pesquisadores da ciências físicas e naturais (Bacon, Galileu e outros)
também forneceriam sugestões epistemológicas que serviriam para explicar a sociedade,
entender como ela se desenvolve e reproduz;
- Desse modo, embora a Sociologia nasça em meados do século XIX, contou com um
"herança" anterior, utilizada para pensar um contexto específico: o da modernidade.
2. Sociologia e Mundo Moderno
- "A Sociologia nasce e desenvolve-se com o Mundo Moderno. Reflete as suas
principais épocas e transformações" (Ianni);
- As teorias e a proposta de uma sociologia como disciplina científica surgem para
explicar esse tempo de acelerada mudança;
- Preocupações e temas clássicos da reflexão sociológica nascem na época moderna,
com a dissolução lenta ou rápida da comunidade feudal;
- Processos envolvidos: desenvolvimento do capitalismo, divisão do trabalho social,
industrialização, secularização da cultura e do comportamento, revoltas e revoluções
sociais, emergência das burocracias, centros urbanos, operariado etc.
- Em resumo, é o contexto do Mundo Moderno que explica o surgimento da Sociologia
e essa torna-se, ao mesmo tempo, uma autoconsciência da época.
3. O pensamento sociológico pioneiro e seus objetivos
- Autores:
•
Augusto Comte (1798-1857)
:: Físico francês que é considerado o "pai da sociologia" - desenvolveu idéias com
grande impacto na época como a da "evolução social" e da "lei dos 3 estados"
(teológico / metafísico / positivo ou científico) do conhecimento do "mundo natural";
:: Transportou conceitos da física para o estudo da sociedade "dinâmica social" (estudo
da mudança numa sociedade) e "estática social" (análise da ordem social, em seus traços
estruturais, em determinado momento);
:: Comte postulou ainda que a "física social" (sociologia) poderia
compreender as "leis naturais" que comandariam a sociedade
1
e que a sociologia iria ocupar, numa hierarquia de
complexidade das ciências, o topo dentre estas;
:: "Conhecer para prever e prever para prover" e o entendimento
da "ordem" como requisito para o "progresso" foram outras de
suas idéias; que explicitam objetivos da sociologia de Comte:
garantir "progresso" dentro da ordem social;
•
Herbert Spencer (1820-1903)
:: Sociólogo inglês que transporta idéias de Darwin
(evolucionismo) para o estudo da sociedade;
:: Acredita que a sociedade é como um organismo biológico, que
possui partes interdependentes e solidárias, cada qual com sua
finalidade e função dentro do todo
:: Desse modo, foi um formulador pioneiro da teoria funcionalista,
que - em suas análises - indaga sobre o papel de cada
fenômeno na integração da sociedade;
:: Assim como Comte retirou modelos da física, para o estudo da
sociedade, Spencer adaptou aspectos da biologia para entender,
por analogia a sociedade (evolucionismo/darwinismo social);
:: Nesse aspecto, seu objetivo, assim como o de Comte, dizia
respeito à manutenção da regulação social, de modo a manter
a integridade do "organismo social".
- De acordo com Ianni, é justamente no "empenho em compreender, explicar e controlar
a multidão" que se encontra um aspecto fundamental da Sociologia nascente.
4. Outros problemas e princípios explicativos mais desenvolvidos elaborados pela
Sociologia
- Reflexão sociológica busca aprofunda-se em compreender, explicar e influenciar
transformações e crises sociais, nos quais certos temas são privilegiados:
:: Comunidade / Sociedade
:: Ordem / Progresso
:: Tradição /Modernização
:: Anomia / Alienação
:: Revolução / Contra-revolução
- Entre as várias tendências, escolas, teorias e interpretações sociais para temas como
esses, é possível reduzir os grupos a 3 grandes tipos, com base no princípio explicativo
geral utilizado na análise social:
:: Causação funcional (sociologia funcionalista - com
Durkehim, Parson, Merton e outros);
2
:: Conexão de sentido (sociologia weberiana - Weber,
Dilthey, Toennies etc.);
:: Contradição (sociologia marxista - Marx, Engels, Lukacs,
Gramsci, Goldmann e outros).
- Estes "estilos de pensamento" possuem visões da sociedade e do mundo diferentes,
embora tenham zonas de contato e diálogo.
5. Filme: "Tempos Modernos" (1936) - Chaplin
- Carlitos, lúmpen-proletário, símbolo de nascente grupo forjado pela revolução
burguesa, da qual deriva a modernidade, e que é produto desse tempo;
- Crítica à tecnificação e controle do homem, promovida pelos "tempos modernos";
- Herói vê ao longo do filme suas tentativas de integração malograrem e, ao fim, projeta
uma utopia (que poderia ser lida de diferentes maneiras).
Referências
IANNI, Octavio. A Sociologia e o Mundo Moderno. Tempo Social, 1(1), pp. 7-27, 1º
semestre 1989. [on-line]
SANTANA, Marco Aurélio. "Tempos Modernos", de Charles Chaplin. Tela Crítica, n.
1, dezembro 2004. [on-line]
Verberte "Augusto Comte" na Wikipédia
Verberte "Herbert Spencer" na Wikipédia
Trecho final de "Tempos Modernos" no You Tube
3
A Sociologia Positivista
- O sociólogo Émile Durkheim (1858-1917) pode ser considerado o principal artífice
dessa corrente, que também é chamada "sociologia funcionalista";
- Na verdade, Durkheim - que foi um continuador crítico de Comte - teve um papel
fundamental na elaboração de um ideal científico para a Sociologia por:
:: Estabelecer a disciplina como diferenciada das
filosofias sociais e defini-la como um "estudo
metódico" da realidade social, com o uso da
observação e experimentação (comparação);
:: Definir um objeto para o Sociologia: o fato social;
:: Elaborar uma metodologia para a disciplina (As
regras do método sociológico - 1895);
:: Propor uma série de conceitos, utilizados ainda hoje,
para a análise da vida social, aplicando-os em
exemplares pesquisa empíricas (como O Suicídio 1897 e As formas elementares da vida religiosa 1912).
O fato social
- Tais fenômenos foram definidos por Durkheim como "toda maneira de agir fixa ou
não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou [...] que é gera na
extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente
das manifestações individuais que possa ter", "as maneiras de agir, pensar e sentir
exteriores ao indivíduo, dotados de um poder de coerção em virtude do qual se lhe
impõem";
- Em síntese, os fatos sociais têm existência própria, são independentes das consciências
individuais (diferentemente da esfera psicológica), sendo exteriores ao indivíduo,
coercitivos em relação a ele, e cobrem toda sociedade;
- É fundamental na idéia de "fato social" a proposição de que a sociedade, mais do que a
soma dos indivíduos, é um fenômeno sui generis, existindo consciência e representações
coletivas, diferenciadas das individuais;
- A Sociologia deveria, segundo Durkheim, buscar as leis que regem cada fato social.
4
A metodologia de Durkheim
- Durkheim preocupou-se em como superar o senso comum, a fim de construir
raciocínios científicos, no estudo da vida social, e aproximou-se, para tanto, dos
métodos adotados nas ciências naturais;
- Disso decorre a idéia de entender os fatos sociais como coisas, de modo a procurar
investigar relações de causa e efeito e regularidade de modo a vislumbrar leis (e
estratégias de ação);
- Entender o fato social como coisa implica: afastar prenoções; definir os fenômenos a
partir de seus caracteres exteriores que lhe são comuns, considerando-os independentes
de suas manifestações individuais e tratá-los da maneira mais objetiva possível.
- A análise do fato social como coisa deve revelar a causa que produz os fenômenos e
revelar a função que ela desempenha. A causa, que é eminentemente social, deve ser
encontrada através da função que o fato mantém com algum fim social;
- Este é o princípio da causação funcional, ou seja, os fenômenos sociais possuem uma
causa que pode ser explicada em termos de suas funções
sociais, nem sempre claras.
Alguns conceitos fundamentais elaborados por Durkheim
- Solidariedade (laços que unem os indivíduos entre si) como fundamento da sociedade,
- A divisão do trabalho produz dois diferentes tipos de solidariedade: mecânica
(sociedade primitiva, baixa diferenciação entre os indivíduos), orgânica (alta
diferenciação e interdependência entre os indivíduos, ocorre na sociedade complexa);
- Consciência coletiva: são as crenças e sentimentos comuns ao membros de uma
sociedade, sendo um sistema autônomo que persiste (embora possa modificar-se) no
tempo, unindo as gerações. Envolve dimensões morais e da mentalidade.
- Moral ("um sistema de normas de conduta que prescrevem como o sujeito deve
conduzir-se em determinadas circunstâncias") é vista como fonte e fim da sociedade. A
moral é derivada da sociedade, assim como a religião e a ciência, tendo fins similares de
coesão e organização social.
- E o conceito de anomia (desregramento ou dissolução social) é entendido como
derivado de uma crise na moralidade da época.
Uma obra clássica: O Suicídio (1895)
- Suicídio como fato social, não psicológico;
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- Estudo, por meio de análise estatística (suicídio como coisa), que busca compreender
relações entre variáveis (grupos religiosos, sexo, profissões etc.) e extrair disso uma
explicação social do fenômeno;
- Refuta tese patológica (por meio da análise estatística) e elabora uma tipologia de três
tipos de suicidas:
:: Egoísta - em função da melancolia, depressão, desamparo social;
:: Altruísta - forma de cumprir um dever social (religião, moral, militar...);
:: Anômico - relacionado com a situação de desregramento social, ou seja, a
anomia (o rompimento do equilíbrio moral) que caracterizaria a
sociedade moderna.
Referências
QUINTANEIRO, Tania. Émile Durkheim. In: ___ et al. Um toque de clássicos, Belo
Horizonte, Ed. UFMG, 2002, pp. 67-105.
RODRIGUES, José Albertino. A Sociologia em Émile Durkheim. In: ___ (org.).
Durkheim (coleção Grandes Cientistas Sociais), São Paulo, Ática, 1980. [on-line]
Influência do Positivismo no Brasil - Música Popular
Verbete "Émile Durkheim" na Wikipédia
Vídeo no You Tube com brincadeira com a obra de Durkheim
A Sociologia Weberiana
Compreensão e explicação
- Opondo-se à idéia de que seja possível assimilar os métodos das ciências naturais ao
estudo da sociedade, vários críticos da corrente positivista elaboraram outras estratégias;
- Nesse contexto, autores como Wilhelm Dilthey (1833-1911) e George Simmel (18581918) propõem a elaboração de um conhecimento mais voltado às ciências sociais.
- E é de Dilthey a distinção - que se tornou famosa - entre o “compreender” que as
ciências sociais buscariam e o “explicar” almejado pelas ciências naturais;
- Isso ocorre, pois os processos da experiência humana são vivos e, assim, a tarefa da
Sociologia, antes do que explicá-los, deveria ser a busca da compreensão do “sentido”
(significado) dos mesmos;
- O autor mais expressivo, considerado um dos criadores da Sociologia, dessa corrente é
o alemão Max Weber (1864-1920), que fez significativas contribuições a esse
"paradigma" de estudo da sociedade, que procura o “sentido” da “ação social”. Para
tanto, Weber construiu toda uma metodologia e conceitos relevantes.
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Objetividade e conhecimento na Sociologia
- Para Weber, os valores e ideais que inspiram um cientista social são intrínsecos à
busca do conhecimento; daí sua crítica ao positivismo. Porém, ele propunha uma clara
distinção entre os “julgamentos de valor” e o “saber empírico”;
- A ciência social compreende ambos os aspectos – já que os julgamentos de valor estão
no significado dado aos objetos e problemas, enquanto o saber empírico está
relacionado com a busca de respostas às questões formuladas, por meio dos
instrumentos racionais da ciência;
- Todavia, o cientista social não deve estabelecer receitas para a praxis, nem dizer o que
deve ser feito, mas sim o que pode ser feito. Isso porque a ação prática vincula-se a
deveres e convicções que estão ancorados no mundo da política prática. E, para Weber,
a ciência social deve distinguir-se dessa esfera tanto quanto possível;
- Nesse sentido, ele dizia que: “A tarefa do professor é servir aos seus alunos com o seu
conhecimento e experiência e, não, impor-lhe suas opiniões políticas pessoais”.
- Em outras palavras, a ciência (e o professor que é representante dela) tem um
compromisso com a “verdade” que não deve ser restringido pelas crenças e convicções
políticas de qualquer de seus praticantes.
Compreensão da realidade social e conexão de sentido
- De acordo com Weber, o objetivo da Sociologia deveria ser a compreensão da conduta
social. Ele vê a conduta humana como feita pela “ação”, dotada de “significados
subjetivos” dados por quem a executa e que a orientam;
- Quando a orientação dirige-se a outros, trata-se de uma ação social. E, assim, o estudo
da ação social, torna-se central na sociologia weberiana;
- “A explicação sociológica [em Weber] busca compreender e interpretar o sentido, o
desenvolvimento e os efeitos da conduta de um ou mais indivíduos referida a outro ou
outros – ou seja, da ação social, não se propondo a julgar a validez de tais atos nem a
compreender o agente enquanto pessoa. Compreender uma ação é captar e interpretar
sua conexão de sentido, que será mais ou menos evidente para o sociólogo” (Barbosa e
Quintaneiro, 2002, 114);
- Em outras palavras, o método da “conexão de sentido” diz respeito a “apreender os
nexos entre os diversos elos significativos de um processo particular e reconstruir esse
processo como uma unidade [...]. Realizar isso é precisamente compreender o sentido da
ação” (Cohn, 1991, 28).
Tipo ideal, ação e relação social
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- Um dos principais instrumentos da metodologia de Weber é o de “tipo ideal”, ou seja,
a conceituação/modelo de uma situação ou fenômeno real, que busca, racionalmente,
isolar seus elementos fundamentais (nem sempre constantes em todas as suas situações
concretas), em traços sintéticos. Exemplos de tipos ideais: capitalismo, burocracia,
igreja, partido político etc.
- O tipo ideal é, então, um guia para a pesquisa empírica, pois serve (por comparação)
para conduzir o cientista numa realidade complexa;
- Como já se disse a “ação social” é muito importante na sociologia weberiana. E Weber
elabora, com fins de entendimento da ação humana e de processos sociais, quatro “tipos
ideais” de ação:
:: Ação racional com relação a fins
(congruência/adequação entre meios e fins);
:: Ação racional com relação a valores (orientada
pelos valores últimos);
:: Ação tradicional (ditada pelo costume) e
:: Ação afetiva (regida pela emoção e sentimentos).
- Já a “relação social” é definida por Weber com respeito ao elemento de sentido
partilhado (sem que haja necessariamente reciprocidade quanto a este), existente na
execução de ações sociais.
- Entes coletivos (desde um casal a empresas, Estados, clubes etc.) existem como
formas de relação social, que desapareceram caso desapareçam sua atividades sociais
orientadas significativamente.
- Quanto mais assumirem teor racional, mais as relações sociais serão regidas por
normas, leis, regulamentos etc.
Dominação, desencantamento do mundo e burocratização
- Para Weber o fundamento da vida social (ou seja, da sociedade) encontra-se na
questão da dominação, isto é, os elementos que justificariam a legitimidade do mando
de uns sobre outros – em outras palavras, a questão da ordem social;
- Na reflexão sobre esse ponto, ele elabora três tipos de princípios de autoridade, que se
justificariam em diferentes fontes:
:: Autoridade racional (legalidade, crença nas regras,
racionalidade);
:: Autoridade tradicional (costumes habituais,
antiguidade);
:: Autoridade afetiva (carisma).
- A modernidade, para Weber, tenderia cada vez mais a uma racionalização do mundo
– englobando suas diferentes esferas: religião, administração, política etc. – e isso
provocaria um predomínio do tipo de autoridade racional, cujo instrumento mais
relevante seria a burocracia;
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- Porém, o que Weber chama de “desencantamento do mundo” (maior racionalidade
operada pela ciência e pela técnica) estaria produzindo também uma cultura mais
medíocre, rotinizada e adaptada ao cotidiano – que poderia, todavia, ser de tempos em
tempos afetada por ondas emocionais (carismáticas).
Racionalização e Capitalismo
- Em sua obra clássica A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1905), Weber
enlaça vários temas de sua sociologia na análise do surgimento do capitalismo no
ocidente;
- Em sua análise, bastante original e discutida até hoje, ressalta como um fator
explicativo importante o caráter “racional” da ética calvinista (salvação pelas obras) que
possui importância em termos de valores (poupança, ética do trabalho) e condições para
o surgimento do capitalismo;
- Weber mostra, então, o quanto o capitalismo dependeu, no seu desenvolvimento
inicial, de indivíduos dessa crença. Assim como, discute o fato de que o capitalismo
tenha progredido mais rápido nos países protestantes que nos católicos.
Referências
BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira e QUINTANEIRO, Tânia. Max Weber. In:
QUINTANEIRO, Tânia et al. Um toque de clássicos. Belo Horizonte, Ed. UFMG, pp.
107-149.
COHN, Gabriel. Introdução. In: ___ (org.). Weber (coleção Grandes Cientistas Sociais).
São Paulo, Ática, 1991, pp. 7-34.
Verbete "Max Weber" na Wikipédia
A Sociologia Marxista
Marx nas Ciências Sociais e no mundo social
- Diferentemente de Durkheim e Weber, na vasta obra do alemão Karl Marx (18181883) não há uma preocupação explícita com a elaboração de uma disciplina
sociológica, já que o pensamento de Marx tende ao holístico;
No entanto, suas idéias tiveram enorme impacto nas Ciências Sociais – constituindo-se
numa das fontes mais importantes da Sociologia – assim como na política e em vários
outros âmbitos intelectuais e sociais;
- O pendor menor de Marx pela disciplinarização do saber acadêmico e maior
preocupação com a transformação social refletem-se na sua biografia. Marx não chegou
a ocupar posições de mando nas universidades e sua militância política (evidente em
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muitas de suas obras – como o célebre Manifesto do Partido Comunista [1848])
causaram-lhe uma série de dificuldades pessoais, como perseguições, exílio e penúria
econômica.
A dialética de Hegel
- Talvez a influência mais significativa no pensamento Marx seja a do filósofo Georg
Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) que postulava a dialética como um movimento
histórico e um método de apreensão do conhecimento;
- Na dialética hegeliana a compreensão dos fenômenos ocorre pela captura intelectual
de uma unidade dialética, que só pode ser vislumbrada em algo (por exemplo, o
“finito”) se o seu oposto (o “infinito”) também for articulado à reflexão;
- O pensamento dialético operaria a partir da “tese” e da “antítese”, em busca de uma
“síntese”, que seria um raciocínio superior, mas ainda passível de superação nesse
movimento contínuo da reflexão entre o particular e a totalidade;
- Marx funda seu método de análise, o chamado materialismo histórico (ou
materialismo dialético histórico) na crítica (e potencial superação) ao “idealismo” da
posição de Hegel. Isso porque enquanto para Hegel haveria uma Idéia Absoluta que
regeria a marcha rumo à sua própria realização, entre teses/antíteses e contínuas sínteses
provisórias, para Marx são os homens historicamente situados que fazem esse
movimento.
O materialismo histórico dialético
- Em termos sintéticos, para Marx, o “ideal” nasce do material, da realidade que os
homens vivem (daí o “materialismo”), situado na história (o “histórico”), realizando-se
em lutas (contradições) sociais que – em sua trajetória histórica – possuem um caráter
“dialético”;
- Desse modo: “Aplicada aos fenômenos historicamente produzidos, a ótica dialética
cuida de apontar as contradições constitutivas da vida social que resultam na negação e
superação de determinada ordem” (Oliveira e Quintaneiro, 2002, 29);
- É por isso que se nota que na essência do método marxista de análise está a
contradição.
Superestrutura e infra-estrutura social
- De acordo com o ponto de vista materialista de Marx, o elemento primordial da
realidade social é o modo como os homens produzem suas condições de existência, ou
seja, a base econômica da sociedade.
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- E esta base é o fundamento das instituições políticas e sociais do Estado, bem como
das diferentes estruturas ideológicas de uma sociedade (arte, política, filosofia, religião,
direito etc.);
- Assim, segundo o conhecido esquema marxista, as idéias (superestrutura) derivam, em
última análise, da base material de uma sociedade (infra-estrutura); e as idéias
dominantes em qualquer época são as da classe dominante, procurando manter sua
dominação.
Modos de produção e mudança social
- Para compreender como Marx vê o desenvolvimento histórico, é importante detalhar
mais a noção de “base econômica”. Esta é constituída de determinadas relações sociais
de produção e forças produtivas, que possuem determinado estágio de desenvolvimento
conforme a época.
- A idéia de “forças produtivas” resume os elementos essenciais à produção (tecnologia,
instrumentos, matéria-prima etc.) e as “relações sociais de produção” dizem respeito ao
modo como os meios de produção são distribuídos e o produto é apropriado;
- Da conjunção entre certa organização de forças produtivas e relações sociais de
produção resulta determinado modo de produção (por exemplo, o capitalismo) e é a
partir da sucessão entre modos de produção que se dá a mudança histórica, segundo
Marx.
A “luta de classes” como motor (e lei) da história
- Se é a sucessão entre os modos de produção que gera a mudança histórica e social, o
que faz com que um modo de produção supere outro? Segundo Marx, isso ocorre
devido à luta de classes;
- A luta de classes seria, então, o motor da história, sendo um conceito que permitiria
compreender o passado e o futuro da humanidade (até a síntese final que seria o
“comunismo”);
- A luta de classes pode ser definida como as relações de antagonismo existentes entre
classes sociais (a dominante e a explorada), que levam a uma superação dialética no
plano da história, em outro estágio;
- São exemplos de situações de lutas de classe (e correspondentes modos de produção):
escravos e patrícios na Antiguidade (escravismo), servos e senhores feudais
(feudalismo), trabalhadores e capitalistas (capitalismo). Grosso modo, no esquema
dicotômico apresentado, a classe dominante é a proprietária dos meios de produção, ao
contrário da classe explorada;
- É no sentido exposto que Marx afirma no Manifesto Comunista que toda história
humana tinha sido a história da luta de classes, na qual a classe explorada era a agente
de mudança.
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A crítica do capitalismo em Marx
- Marx dedicou grande parte de sua obra – principalmente seu trabalho mais elaborado,
O Capital (Livro 1 – 1867) – à análise do capitalismo;
- De um lado, Marx reconhecia o caráter revolucionário, dentro da história humana,
desse modo de produção e o papel da burguesia no mesmo;
- De outro lado, criticava os aspectos alienantes e anti-emancipação humana que
observara, afirmando que o estágio de superação do capitalismo e conseqüentes relações
sociais – via luta de classe – seria a posterior sociedade sem classes do “comunismo”
(após a “ditadura do proletariado” e o socialismo que a vitória dos explorados pelo
capitalismo produziria);
- Um dos pontos criticados por Marx no capitalismo era a alienação que o sistema
produzia no trabalhador, já que este:
:: Não se reconhecia nos produtos que elaborava,
:: Perdia o domínio em relação às condições do trabalho
(que poderia sequer ser compreendido pelo ele), sendo
sua energia mental e física sugada por atividades que
não lhe diziam respeito e,
:: Por fim, o capitalismo fazia com que o trabalho
humano – o que distingue os homens dos animais –
não fosse livre, passando a ser algo apenas ligado à
sobrevivência.
- Assim, Marx acreditava que a existência humana degradava-se, em função do
capitalista só reconhecer o homem enquanto um ser a explorar. O desempregado, o
miserável e o doente eram vistos como “fantasmas” inúteis para o capitalista;
- Ao não reconhecer a humanidade de todos os homens, o próprio burguês estaria
desumanizando-se. Por isso, a transformação no modo de produção (rumo ao
socialismo) também emanciparia o capitalista.
A “mais-valia” e o “fetichismo da mercadoria”
- O capitalismo, para Marx, era o reino da mercadoria, sendo esta uma categoria central
desse sistema, e toda mercadoria possuiria dois tipos de valor:
:: Valor de uso, correspondente ao tipo de necessidade a
que ela responde (comer, vestir etc.) e
:: Valor de troca, que é derivado do tempo de trabalho
socialmente necessário para produzir a mercadoria;
- Assim, no mercado do capitalismo, as trocas são regidas por essa abstração do
trabalho humano (o “valor de troca”) e, mesmo, do valor de uso;
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- Como para Marx o trabalho é a única fonte de geração do valor, e o trabalhador vende
sua força de trabalho (uma mercadoria) por um valor menor do que aquele que cria, essa
diferença gera a “mais valia” que é apropriada pelo capitalista, tornando-se parte da
riqueza do mesmo. Essa taxa de exploração do trabalhador é mascarada pela ideologia
igualitária do capitalismo;
- Ao mesmo tempo, a ideologia capitalista, segundo Marx, obscurece a relação
(homens/trabalho) que existe na troca de mercadorias, alienando os homens de suas
reais relações (humanas) no mercado;
- Desse modo, parece a muitas pessoas que as mercadorias possuem vida própria, uma
relação mágica entre si. Isso é o que Marx chamou de o “fetichismo da mercadoria”,
que faz com que os valores pareçam uma propriedade natural das coisas;
- “Através da forma fixa em valor-dinheiro, o caráter social dos trabalhos privados e as
relações entre os produtores se obscurecem. É como se um véu nublasse a percepção da
vida social materializada na forma dos objetos, dos produtos do trabalho e de seu valor”
(Oliveira e Quintaneiro, 2002, 55).
O marxismo como teoria crítica revolucionária
- Ao dedicar-se à crítica do capitalismo a obra marxista buscou afirmou-se como um
meio para a tomada de consciência necessária para o fim da exploração capitalista, ou
seja, uma teoria voltada à praxis;
- O fim do capitalismo, que traria em si seus elementos de superação, seria inevitável,
segundo o modelo histórico marxista, e o grupo social que mudaria a realidade seria
aquele em situação de antagonismo com a burguesia dominante: o proletariado;
- É famosa, como uma síntese do que imaginava ser a tarefa de sua filosofia, a frase de
Marx: “os filósofos até agora apenas interpretaram o mundo, de vários modos; agora é
preciso transformá-lo”.
Críticas ao marxismo
- O pensamento de Marx recebeu muitas críticas e ainda recebe (sobretudo com o fim
do chamado “socialismo real”), porém sua obra não deixa de ocupar um lugar de
referência no pensamento social;
- Entre as restrições à reflexão de Marx, destacam-se a posição do filósofo Karl Popper
(1902-1994), que critica o “historicismo” de Marx, que prejudicaria sua compreensão
científica da realidade;
- Outra crítica (senão ao marxismo, pelo menos a suas implicações na realidade) é o fato,
destacado por filósofos da Escola de Frankfurt, que o proletariado dos países
desenvolvidos, graças às políticas de distribuição de renda e bem-estar social, deixara de
ser um agente interessado na revolução. Esse grupo estaria, desde meados do século XX,
13
na verdade, bem integrado ao sistema capitalista (embora numa posição subalterna e
alienada, para os frankfurtianos);
Também importante, em termos das críticas recebidas pelo marxismo, é a questão do
determinismo econômico que estaria embutido no esquema explicativo de Marx.
Referências
OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro e QUINTANEIRO, Tania. Karl Marx. In:
QUINTANEIRO, Tânia et al. Um toque de clássicos, Belo Horizonte, Ed. UFMG, pp.
27-66, 2002.
Animação com trecho do “Manifesto Comunista”
Verbete “Karl Marx” na Wikipédia
O "fim" da modernidade e a Sociologia
O legado de Marx, Weber e Durkheim no contexto da discussão
- Por sua riqueza interpretativa e temática, as obras de Marx, Durkheim e Weber – cada
um deles a seu modo continuadores do Iluminismo – estão abertas a atualizações e
releituras diversas;
- É isso que os torna clássicos pensamento social – suas reflexões podem não ter sido
sempre completas ou perfeitas, porém, instauraram diferentes grades conceituais para o
entendimento da modernidade, do homem e da sociedade;
- A qualidade da reflexão de Marx, Weber e Durkheim fez com que de suas obras
resultassem as três mais importantes tradições (ou “paradigmas”) da Sociologia e das
ciências sociais de maneira geral: o positivismo (ou funcionalismo) e as sociologias
weberiana (ou fenomenológica) e marxista.
- Desse modo, são autores inescapáveis para todos os interessados em conhecer a
realidade social, inclusive por terem se tornado parte (no plano ideológico) dessa
realidade. Estes autores, ainda continuamente atualizados e relidos por outros cientistas
sociais, fazem parte da “paisagem intelectual” da Sociologia e do mundo.
- O que se discute hoje, no entanto, é o quanto a obra desses autores, e a Sociologia de
maneira geral, tão ancorada na chamada “modernidade”, é afetada por aspectos que
parecem corresponder ao “fim” dessa etapa histórica.
- O filme "Adeus, Lênin", por exemplo mostra aspectos que parecem mais típicos de
outro momento histórico do que modernidade, como o fim do "socialismo real" (que
buscava basear-se no marxismo), a transnacionalização econômica, com marcas globais
(Coca-cola, MacDonalds) suplantando empresas locais, um cenário de incerteza
econômica (desemprego estrutural) e social, que em muito está relacionada à contínua
introdução de novas tecnologias na sociedade (informática, robótica etc.) que marca
esses novos tempos.
- Aspectos da modernidade (industrialização e urbanização), por exemplo, passam a ser
questionados ou modificados por novas formas de viver e produzir.
14
- Assim, o mundo atual é definido por alguns como "pós-moderno" por ter
características diferentes da época anterior. E isso se reflete em diferentes âmbitos,
como na própria publicidade, cada vez mais global e sintonizada com demandas desses
novos tempo: por exemplo, a preocupação "ecológica" de muitas empresas e campanhas
ou sofisticação tecnológica que marca os comerciais de TV.
O "fim" da modernidade e a Sociologia
O aspecto principal do impacto dos novos tempos na Sociologia é que muitas das
noções anteriores que eram utilizadas para pensar o mundo são ultrapassadas pela
realidade. Desse modo, por exemplo, Marx pensava no proletariado industrial como o
agente típico da história (e da revolução). Ora, a mudança de paradigma tecnológico e
social parece ter alterado essa possibilidade.
Ao mesmo tempo, costumava-se pensar na "nação" como o principal referente social
dos homens. Porém, a globalização que marca os tempos atuais muda também esse
aspecto.
Pensadores como o geógrafo David Harvey e o filósofo Jean Baudrillard procuraram
mapear algumas transformações que ocorreriam na passagem da "modernidade" à "pósmodernidade". É possível mostrar, como no quadro a seguir, alguns dos aspectos que
eles discutem.
Modernidade Pós-modernidade
Realidade
Hiper-realidade
Realidade única
Múltiplas realidades
Verdade
Ilusão
Crítica Diversão passageira
Crença nas narrativas (ciência, história etc.) Crise das narrativas
Projetos (sociais, políticos) Ausência de projetos
Arte séria
Paródia
Gêneros artísticos bem definidos
Mescla de gêneros (faroeste espacial; comédia com
terror etc.)
Hierarquia
Anarquia
- Harvey diz ainda que na pós-modernidade a noção humana de tempo se acelera e a de
espaço diminui. De fato, o tempo parece ser cada vez menor, para muitos quen vivem o
cotidiano urbano e "pós-moderno". Ao mesmo tempo, a mobilidade dos meios
modernos de transporte e de comunicação possibilita que se viaje cada vez mais rápido
e se troque mensagens com pessoas de todo o mundo, "diminuindo" o tamanho deste.
- Já para Baudrillard, hoje, a realidade seria o império do simulacro, e este é definido
como a "substituição do mundo real por um versão simulada tão eficaz quanto a
realidade". Ele escreveu isso antes do Second Life, mas já haviam indícios dessa cultura
pós-moderna que aprecia as simulação. Inclusive no terreno da publicidade - veja-se,
por exemplo, a propaganda com Donald Sutherland, que mostra uma realidade tranquila
"no carro" e caótica "na realidade".
- Outro exemplo, muito interessante para pensar a pós-modernidade é o filme Matrix
(1999), primeiro de uma trilogia, que apresenta enorme domínio técnico (possibilitado
pelas tecnologias) numa suposta crítica às mesmas. O homem que ultrapassou a
modernidade foi dominado pelas suas criações.
- Vários outros temas da pós-modernidade (como o império das simulações) aparecem
nessa obra, que não por acaso mostra um dos livros de Jean Baudrillard em seu início.
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Referências
BAUDRILLARD, Jean. Simulacro e simulação. Lisboa. Relógio D´Água, 1991.
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna : uma pesquisa sobre as. origens da mudança
cultural . 6 ed. São Paulo: Loyola, 1996.
Conhecimento sociológico e métodos
A utilização do método científico que a sociologia utiliza, como outras ciências
(adaptando-o ao estudo do homem e da sociedade) possui as seguintes etapas:
- OBSERVAÇÃO
- CLASSIFICAÇÃO
- INTERPRETAÇÃO/GENERALIZAÇÃO
A OBSERVAÇÃO é a etapa no qual se escolhem e se anotam da aspectos da realidade
que se transformam em dados a respeito de um fenômeno que se pretende estudar. Ela
implica numa seleção parcial da realidade (não se pode observar tudo), por isso, é uma
dimensão muito importante de qualquer pesquisa.
A observação pode ser direta, quando o próprio pesquisador participa dela, por
exemplo, quando entrevista alguém ou oberva alguma situação (o comportamento de
donas de casa num supermercado, por exemplo) ou indireta, ao coletar dados já
existentes ou que ele não produziu. Por exemplo, Durkheim pesquisou as séries
estatísticas sobre suicídio que estavam disponíveis e utilizou-as como os dados,
posteriormente trabalhados, de sua pesquisa.
É justamente o trabalho a partir dos dados o que caracteriza a etapa da
CLASSIFICAÇÃO. Ela é uma primeira etapa analítica, na qual os dados são
agrupados conforme indicadores de interesse e perspectivas teóricas. Por exemplo, se se
quer entender se são as mulheres ou os homens que bebem mais vodka, a partir de
dados sobre o consumo de bebidas, a característica "sexo" será um elemento da
classificação. Os tipos de técnicas de classificação e análise dos materiais coletados são
variados, podendo estar relacionados a técnicas qualitativas (interpretativas) ou
quantitativas, geralmente estas com o uso de quantitificações e estatística.
A etapa mais sofisticada do uso do método científico na Sociologia é a última, da
INTERPRETAÇÃO, que busca compreender melhor o que se pesquisou, formulando
explicações para determinado problema. É o que Durkhéin faz, ao fim de sua pesquisa,
ao dizer o que caracterizaria o suicídio de maneira geral (perda de laços sociais) e na
sociedade moderna (aumento da anomia).
Referência
MANN, Peter H. Métodos de investigação sociológica. Rio de Janeiro, Vozes, 1975.
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A Constituição e seus sentidos: sociológico político e jurídico?
Qual o sentido que melhor reflete o conceito de Constituição?
Para respondermos a essa questão tão discutida na doutrina, precisaremos
primeiramente, conceber a Constituição não apenas sob esses 03 (três) aspectos
inicialmente propostos, mas também precisaremos dos conceitos da classificação
moderna de constituição:
A) Concepção Sociológica: Proposta por Ferdinand Lassalle no livro "A essência da
Constituição". Enxerga a Constituição sob o aspecto da relação entre os fatos sociais
dentro do Estado. Para Lassalle havia uma Constituição real (ou efetiva – definição
clássica – é a soma dos fatores reais de poder que regem uma determinada nação) e uma
Constituição escrita (CF/88 - para Lassalle, uma constituição escrita não passa de uma
folha de papel). Esta soma poderia ou não coincidir com a Constituição escrita, que
sucumbirá se contrária à Constituição real ou efetiva, devendo se coadunar com a
Constituição real ou efetiva.
B) Concepção Política: Prisma que se dá nesta concepção é o político. Defendida por
Carl Schmitt no livro "Teoria da Constituição". Busca-se o fundamento da Constituição
na decisão política fundamental que antecede a elaboração da Constituição - aquela
decisão sem a qual não se organiza ou funda um Estado. Ex: Estado unitário ou
federação, Estado Democrático ou não, parlamentarismo ou presidencialismo, quais
serão os direitos fundamentais etc. - podem estar ou não no texto escrito. O autor
diferencia Constituição de Lei Constitucional. A 1ª traz as normas que decorrem da
decisão política fundamental, normas estruturantes do Estado, que nunca poderão ser
reformadas. A 2ª será que estiver no texto escrito, mas não for decisão política
fundamental, ex: art. 242, §§ 1º e 2º, CF - é matéria adstrita à lei, mas que está na
Constituição, podendo ser reformadas por processo de reforma constitucional.
C) Concepção Jurídica ou concepção puramente normativa da Constituição: Hans
Kelsen - "Teoria Pura do Direito". A Constituição é puro dever-ser, norma pura, não
devendo buscar seu fundamento na filosofia, na sociologia ou na política, mas na
própria ciência jurídica. Logo, é puro "dever-ser". Constituição deve poder ser
entendida no sentido: a) lógico-jurídico: norma fundamental hipotética: fundamental
porque é ela que nos dá o fundamento da Constituição; hipotética porque essa norma
não é posta pelo Estado é apenas pressuposta. Não está a sua base no direito positivo ou
posto, já que ela própria está no topo do ordenamento; e b) jurídico-positivo: é aquela
feita pelo poder constituinte, constituição escrita, é a norma que fundamenta todo o
ordenamento jurídico. No nosso caso seria a CF/88. É algo que está no direito positivo,
no topo na pirâmide. A norma infraconstitucional deve observar a norma superior e a
Constituição, por conseqüência. Dessa concepção nasce a idéia de supremacia formal
constitucional e controle de constitucionalidade, e de rigidez constitucional, ou seja,
necessidade de proteger a norma que dá validade a todo o ordenamento. Para ele nunca
se pode entender o direito como fato social, mas sim como norma, um sistema
escalonado de normas estruturas e dispostas hierarquicamente, onde a norma
fundamental fecha o ordenamento jurídico dando unidade ao direito.
CONCEPÇÕES MODERNAS SOBRE A CONSTITUIÇÃO
• Força Normativa da Constituição – Konrad Hesse - critica e rebate a concepção tratada
por Ferdinand Lassalle. A Constituição possui uma força normativa capaz de modificar
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a realidade, obrigando as pessoas. Nem sempre cederia frente aos fatores reais de poder,
pois obriga. Tanto pode a Constituição escrita sucumbir, quanto prevalecer,
modificando a sociedade. O STF tem utilizado bastante esse princípio da força
normativa da Constituição em suas decisões.
• Constitucionalização Simbólica – Marcelo Neves. Cita o autor que a norma é mero
símbolo. O legislador não a teria criado para ser concretizada. Nenhum Estado
Ditatorial elimina da Constituição os direitos fundamentais, apenas os ignora. Ex:
salário-mínimo que "assegura" vários direitos.
• Constituição Aberta – Peter Häberle e Carlos Alberto Siqueira Castro. Leva em
consideração que a Constituição tem objeto dinâmico e aberto, para que se adapte às
novas expectativas e necessidades do cidadão. Se for aberta, admite emendas formais
(EC) e informais (mutações constitucionais), está repleta de conceitos jurídicos
indeterminados. Ex: art. 5º, XI, CF - no conceito de "casa" está incluso a casa e o
escritório onde exerce atividade profissional. A idéia dele é que nós devemos
urgentemente recusar a idéia de que a interpretação deve ser monopolizada
exclusivamente pelos juristas. Para que a Constituição se concretize e necessário que
todos os cidadãos se envolvam num processo de interpretação e aplicação da
constituição. O titular o poder constituinte é a sociedade, por isso ela deve se envolver
no processo hermenêutico de materialização da constituição. Essa idéia abre espaço para
que os cidadãos participem cada vez mais nessa interpretação.
• Concepção Cultural – Remete ao conceito de Constituição total, que é a que possui
todos os aspectos vistos anteriormente. De acordo com esta concepção, a Constituição é
fruto da cultura existente dentro de determinado contexto histórico, em uma
determinada sociedade, e ao mesmo tempo, é condicionante dessa mesma cultura, pois o
direito é fruto da atividade humana. José Afonso da Silva é um dos autores que
defendem essa concepção. Meirelles Teixeira a partir dessa concepção cultural cria o
conceito de Constituição Total, segundo o qual: “Constituição é um conjunto de normas
jurídicas fundamentais, condicionadas pela cultura total, e ao mesmo tempo
condicionantes desta, emanadas da vontade existencial da unidade política, e
reguladoras da existência, estrutura e fins do Estado e do modo de exercício e limites do
poder político” (expressão retirada do livro do professor Dirley da Cunha Júnior na
página 85, o qual retirou do livro de J.H. Meirelles Teixeira página 78).
CONCLUSÃO
Concluímos este estudo, entendo que da classificação inicialmente proposta
(sociológica, política e jurídica), assumimos nossa preferência pela concepção
normativa de constituição, que se aproximaria mais da concepção jurídica. Mas, não
poderíamos deixar de esclarecer que a Constituição de um Estado não deve ser vista
apenas por uma única concepção, e sim por uma “junção” de todas elas, e nesse ponto
devemos considerar que a concepção, ou o sentido que melhor compreende o conceito
de constituição, é o sentido ou concepção cultural, que reflete numa união (conexão) de
todos os sentidos vistos anteriormente.
Reconhecemos a supremacia da Constituição quando comparada às demais leis, estando
no ápice da pirâmide, servindo de legitimação para todo o Ordenamento Jurídico.
Concordamos com o entendimento defendido pelo professor Dirley da Cunha Júnior,
em seu livro, ao afirmar que: “Devemos, porém, confessar que a concepção de
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Constituição como fato cultural é a melhor que desponta na teoria da constituição, pois
tem a virtude de explorar o texto constitucional em todas as suas potencialidades e
aspectos relevantes, reunindo em si todas as concepções – a sociológica, a política e a
jurídica – em face das quais se faz possível compreender o fenômeno constitucional.
Assim, um conceito de Constituição “constitucionalmente adequado” deve partir da sua
compreensão como um sistema aberto de normas em correlação com os fatos
sóciopolíticos, ou seja, como uma conexão das várias concepções desenvolvidas no item
anterior, de tal modo que importe em reconhecer uma interação necessária entre a
Constituição e a realidade a ela subjacente, indispensável à força normativa”, (trecho
retirado do livro – Curso de direito constitucional – Dirley da Cunha Júnior, página 85 e
86).
Concordando com esse mesmo entendimento, podemos citar à grande influência de
Konrad Hesse, o qual afirma, rebatendo em algumas partes a tese de Lassalle, diz que
ainda que algumas vezes a constituição escrita possa sucumbir a realidade (tese de
Lassalle), esta constituição possui uma força normativa capaz de conformar a realidade,
para isso basta que exista vontade de constituição e não apenas vontade de poder.
Podemos afirmar que a Constituição Brasileira de 1988 tem sido considerada como uma
Constituição normativa, lembrando que depende de toda a sociedade atuar,
reivindicando a efetividade desta constituição. Ainda, partidários do mesmo
entendimento, podemos citar:
• O professor Jose Afonso da Silva afirma que: “essas concepções pecam pela
unilateralidade”, e busca criar uma concepção estrutural da constituição considerando:
“no seu aspecto normativo, não como norma pura, mas como norma em sua conexão
com a realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico. Trata-se de
um complexo, não de partes que se adicionam ou se somam, mas de elementos
membros e membros que se enlaçam num todo unitário”. (trecho retirado do livro Curso
de direito constitucional positivo, página 41).
• O Conceito IDEAL de constituição, para J. J. GOMES CANOTILHO, é o conceito a
partir de um conceito cultural da constituição, devendo: “(i) consagrar um sistema de
garantia da liberdade (esta essencialmente concebida no sentido do reconhecimento dos
direitos individuais e da participação do cidadão nos atos do poder legislativo através
dos Parlamentos); (ii) a constituição contém o princípio da divisão de poderes, no
sentido de garantia orgânica contra os abusos dos poderes estaduais; (iii) a constituição
deve ser escrita. (J. J. GOMES CANOTILHO – Direito Constitucional, p. 62-63.).
BIBLIOGRAFIA
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed., Salvador: Editora Juspodivm, 2008.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15ª ed. – Malheiros
SP.
editores Ltda. – São Paulo –
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, 1934. Curso de direito constitucional. 25ª ed. Ver. – São Paulo: Saraiva,
1999.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13ª. ed. – São Paulo: Atlas, 2003.
Pesquisa na INTERNET, em sites como: Jus navegandi; www.resumosconcursos.hpg.com.br; site Vem concursos;
site ponto dos concursos; www.direitopublico.com.br; www.estudeaqui.com.br.
Por Luiz Lopes de Souza Júnior
Advogado, pós graduando em Direito do Estado e Direito Público
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