Penso, logo existo? “Cogito ergo sum” - René Descartes 1596 - 1650 Descartes via o ato de pensar como uma atividade separada do corpo. Essa afirmação celebra a separação da mente, a “coisa pensante” (res cogitans), do corpo não pensante, o qual tem extensão e partes mecânicas (res extensa). O que é o pensamento? Por que pensamos? Aonde se localiza o pensamento? Para onde vai o pensamento? Pensamento voa? O cérebro pode conceber alguma coisa? Ele tem opinião? Raciocina? O cérebro não é o locus do pensamento Edelman e Tononi – Consciousness: How matters becomes imagination A localização do evento “pensar um certo pensamento” é o lugar onde a pessoa está quando aquele pensamento ocorreu para aquela pessoa. Na aula, na biblioteca, no cinema, andando na rua... Os pensamento podem ser encontrados nos textos, mas não na cabeças dos seres humanos. Eles podem ser expressos pelos seres humanos, mas não pelos cérebros. Evidentemente que se não possuirmos as atividades neurais específicas não poderemos pensar. Igualmente, sem as atividades neurais específicas não poderemos andar ou falar, porém ninguém diz que caminhamos e falamos com nossos cérebros. (Bennett, M. R.; Hacker, P. M. S. “Philosophical Foundations of Neuroscience”, 2003) Teoria Enatista e Neurofenomenologia Francisco Varela (1996) Embodied Mind – inclusão corporal da mente, Caráter necessariamente corporal da constituição da experiência Mental. Ação corporificada – Cognição depende dos tipos de experiência resultante do fato de possuirmos um corpo com capacidade sensório-motora que estão embasadas num contexto biológico/ psicológico e cultural mais amplo. Mente e corpo emergem simultaneamente como resultado de interação recíproca entre organismo e meio. Uma melhor concepção de cérebro, corpo e ambiente seria a de sistemas mutuamente enraizados em vez de interna e externamente localizados com relação uns aos outros. Elementos neurais, somáticos e ambientais provavelmente interagem para produzir (via emergência como upward causation) processos globais organismo-ambiente, os quais por sua vez afetam (via downward causation) os seus elementos constituintes (Thompson & Varela, 2003). Como se constitui o pensamento? Objetividade identidade Narrativa Intersubjetividade/ subjetividade Imagem do corpo Imagem do corpo Subjetividade/ intersubjetividade Experiência Sense of agency Esquema corporal Corpo vivido - Leib Corpo objeto – Korper Corpo Anatomia fisiologia Como se constitui o pensamento? Os elementos sensoriais podem fornecer substrato para o processo de pensar: imagens perceptivas representações imagens perceptivas : nitidez; corporeidade; estabilidade; extrojeção; ininfluencibilidade voluntária; completitude representações: pouca nitidez; pouca corporeidade; instável; introjeção; incompletude Quais são os elementos constitutivos do pensamento? o conceito o juízo o raciocínio Aristóteles (384 – 322 a.C.) conceitos (conceptu = concipere: reunir, apreender num mesmo conjunto) São formados a partir das representações. Não têm elemento de sensorialidade. São cognitivos, intelectivos. Exprimem caracteres gerais dos objetos e fenômenos. O conceito lógico tem como características: 1. a capacidade de formar um sistema de relações 2. ser universal. conceitos – outras definições (William H. Burton) 1. Um conceito é uma construção lógica capaz de uso interpessoal. 2. É uma soma de idéias que uma pessoa tem a respeito de qualquer coisa, pessoa ou processo. 3. É uma palavra ou outro símbolo que exprime propriedade comum de certo número de objetos ou situações. Não se deve confundir o conceito com a palavra nem com o objeto. Eles são o conteúdo significativo de determinadas palavras. As palavras são signos, os símbolos das significações. (Pfänder) juízos: formar juízos é o processo que conduz ao estabelecimento de relações entre os conceitos básicos. Consiste na afirmação ou negação de uma relação entre dois conceitos “O céu é azul”, “as folhas das arvores são verdes” Em sua estrutura, o juízo consta de dois termos interligados: 1. O sujeito – que é de quem se afirma ou se nega alguma coisa 2. O predicado – o que se afirma ou se nega do sujeito juízos (outras definições) São atos noéticos em que se exprimem os vínculos e as relações existentes entre os objetos e fenômenos da natureza. Ele pode expressar a verdade ou o erro conforme suas afirmações correspondam ou não à realidade. (Paim, 1993) o raciocínio: função que relaciona os juízos. No raciocínio lógico a articulação dos juízos conduz à chamada conclusão. É a operação mental que nos permite aproveitar os conhecimentos adquiridos através da prática social, combiná-los logicamente, para alcançar uma forma superior de conhecimento. O raciocínio humano é uma cadeia infinita de representações, conceitos e juízos. A fonte de todo esse processo é a experiência sensorial. (Paim, 1993) Quais são as dimensões do processo de pensar? curso forma conteúdo curso – é o modo como o pensamento flui. A sua velocidade e ritmo ao longo do tempo. forma – é a sua e estrutura básica, a sua “arquitetura”, preenchida pelos mais diversos conteúdos e interesses. conteúdo - definido como o que dá substância ao pensamento, os seus temas predominantes, o assunto em si. Princípios básicos do pensamento lógico-formal princípio da identidade (se A é A; e B é B; logo A não pode ser B) princípio da causalidade (se A é causa de B, então B não pode ser ao mesmo tempo causa de A) lei da parte e do todo (se A é parte de B, então B não pode ser parte de A) Segundo a dialética hegeliana: 1. Lei da transformação da quantidade em qualidade. 2. Toda afirmação encerra em si mesma o princípio de sua negação. 3. Tudo é, a um só tempo, causa e efeito de si mesmo. Georg Wilhelm Friedrich Hegel 1770 - 1831 O que caracteriza o pensamento “normal” é ser regido pela lógica formal, bem como orientar-se segundo a realidade e os princípios de racionalidade da cultura na qual o indivíduo se insere. Alterações dos elementos constitutivos do pensamento Alterações dos conceitos 1. Desintegração dos conceitos: quando os conceitos sofrem um processo de perda do seu significado original. Observa-se que o sujeito passa a utilizar as palavras de forma totalmente pessoal e idiossincrática. É característica da esquizofrenia e observa-se nas síndromes demenciais. 2. Condensação dos conceitos: ocorre quando dois ou mais conceitos são fundidos, o sujeito de maneira involuntária condensa duas ou mais idéias em um único conceito que se expressa por uma nova palavra. Alterações dos juízos 1. juízo deficiente ou prejudicado: É um juízo falso devido ao prejuízo da elaboração dos juízos pela deficiência intelectual, pela pobreza cognitiva. Os conceitos são inconsistentes e o raciocínio é pobre e defeituoso. Não são persistentes e irredutíveis, mudam com facilidade e variam em sua temática 2. Alterações do juízo de realidade: São as mais importantes em psicopatologia – delírio primário ou idéias delirantes verdadeiras; delírio secundário ou idéias deliróides Alterações do raciocínio e do estilo de pensar: Pensamento mágico – fere os princípios da lógica formal e não respeita os indicativos e imperativos da realidade. Segue os desígnios dos desejos, fantasias e temores. Pensamento derreísta – Se opõem ao pensamento realista, porém obedece à lógica e à realidade que interessa ao desejo do indivíduo, distorcendo a realidade. Pode ocorrer nos transtornos de personalidade, na esquizofrenia, na histeria e em adolescentes normais. Cont. Pensamento concreto ou concretismo – Não ocorre a distinção entre uma dimensão abstrata e simbólica e uma dimensão concreta e imediata dos fatos. O indivíduo não utiliza metáforas. Em deficientes mentais, esquizofrênicos graves e em pacientes com demências. Pensamento prolixo – O paciente não chega a qualquer conclusão sobre o tema que está tratando. Dá longas voltas ao redor do tema. Falta capacidade de síntese. Tangencialidade e circunstancialidade são tipos de pensamento prolixo. Pensamento deficitário (ou oligofrênico)– Tem uma estrutura pobre e rudimentar. Tende ao raciocínio concreto. Pouca flexibilidade na aplicação dos conceitos e regras. Pensamento demencial – O empobrecimento é desigual. Pode-se observar resquícios de conceitos abstratos e de raciocínios diferenciados. Pensamento confusional – Ocorre em estados de turvação da consciência. É um pensamento incoerente, tortuoso. O indivíduo não consegue processar seu raciocínio de forma adequada. nas síndromes confusionais agudas. Pensamento desagregado – É uma forma típica de pensamento radicalmente incoerente, no qual os conceitos e juízos não se articulam minimamente de forma lógica. “salada de palavras”. Nas formas graves e avançadas de esquizofrenia. Pensamento obsessivo – Predominam representações ou idéias que, apesar do conteúdo absurdo ou até repulsivo para o indivíduo, impõem-se à consciência de modo persistente e incontrolável. O esforço para baní-los gera um estado emocional de angústia constante. Pensamentos mágicos podem estar presentes. Alterações do processo de pensar: I - Curso do pensamento Aceleração do pensamento: o pensamento flui de forma muito acelerada, as idéias se sucedem rapidamente. Mania, estados de ansiedade intensa, em psicoses tóxicas,etc. Lentificação do pensamento: O pensamento progride lentamente, de forma dificultosa. Há latência entre as perguntas formuladas e as respostas. Nas depressões graves, em estados de rebaixamento de consciência, etc. cont. Bloqueio ou interceptação do pensamento: verifica-se uma brusca e repentina interrupção do pensamento sem qualquer motivo aparente. O paciente relata que sem saber por que”o pensamento pára”. Na esquizofrenia. Roubo do pensamento: É uma vivência freqüentemente associada ao bloqueio de pensamento. O indivíduo tem a sensação nítida de que o pensamento foi roubado de sua mente. É típico da esquizofrenia. II – Forma do pensamento Fuga de idéias: é uma alteração da estrutura do pensamento secundária a uma acentuada aceleração do pensamento. Há comprometimento das associações lógicas entre os juízos e conceitos. Na fuga de idéias, as associações entre as palavras deixam de seguir uma lógica ou finalidade do pensamento. É muito característica das síndromes maníacas. Dissociação do pensamento: Designada por Bleuler, se refere à desorganização do pensamento em certas formas de esquizofrenias. Os pensamentos não seguem uma seqüência lógica e bem organizada cont. Afrouxamento das associações: Embora ainda se observe uma concatenação lógica entre as idéias, já se nota um afrouxamento dos enlaces associativos. Fases iniciais da esquizofrenia e em transtornos de personalidade. Descarrilhamento do pensamento: O pensamento extraviase do seu curso normal, toma atalhos, desvios, retornando eventualmente ao seu curso original. Associado à marcante distraibilidade. Observado nas esquizofrenias e sindromes maníacas. Desagregação do pensamento: Profunda e radical perda dos enlaces associativos, da coerência do pensamento. “Sobram” pedaços de pensamentos. Formas avançadas de esquizofrenia e quadros demenciais. III -Conteúdo do pensamento (temática) Principais conteúdos que preenchem os sintomas psicopatológicos: 1. Perseguição; 2. depreciativos; 3. religiosos; 4. sexuais 5. de poder, riqueza ou grandeza; 6. de ruína ou culpa; 7. conteúdos hipocondríacos. Tudo que sinto, tudo quanto penso Tudo que sinto, tudo quanto penso, sem que eu queira, se me converteu numa vasta planície, num vasto extenso onde há só nada sob o nulo céu. Fernando Pessoa (1888 – 1935) Não existo senão para saber que não existo, e, como a recordar, vejo boiar a inércia do meu ser no meu ser sem inércia, inútil mar. Sargaço fluído de uma hora incerta, quem me dera que o tenha por visão? Nada, nem o que tolda a descoberta como saber que existe o coração. Bennett, M. R.; Hacker, P.M.S. – Philosophical Foundations od Neuroscience – Blackwell Publishing, USA, 2007 Chenieaux, E. Manual de Psicopatologia, Ed. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2002 Dalgalarrondo, P. - Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais – Artmed, Porto Alegre, 2000 Paim, I. - Curso de Psicopatologia – Editora Pedagógica e Universitária São Paulo, 1993 Serpa Junior, O. Da Fenomenologia à Psicopatologia – a construção da clínica. Aula disciplina Psicopatologia Geral. Varela, F; Thompson, E. A mente incorporada, 1996.