9 HINDUISMO Ivoni

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O HINDUÍSMO
Ivoni Richter Reimer
6.1 ORIGENS E HISTÓRIA
6.1.1 Significado do Termo
A palavra ‘hindu’ deriva, como o termo ‘Índia’, de Sindhu, tradicional nome de
origem persa que designava o povo que vivia “do outro lado” do rio Indo. Antigas inscrições
contêm a palavra referindo-se ao povo de Hind, no subcontinente indiano. Recém no final do
século XVIII, passou a designar a religião dominante do povo indiano.
O hinduismo é simultaneamente religião e cultura, um modo de vida. Não há clara
divisão entre sagrado e profano. Assim, atividades como plantar, cantar, dançar, dedicar-se à
astrologia, medicina, arquitetura etc. fazem parte do campo religioso (NARAYANAN, 2007,
p. 129).
6.1.2 Fundação
É difícil estabelecer a fundação do hinduísmo. A civilização hindu mais antiga reporta
a aproximadamente 3000 aC., em torno do rio Indo, na Índia do Norte. Trata-se de antiga
cultura nativa da Índia e de povos indo-europeus, ‘arianos’ que subjugaram o vale do Indo
(1500aC). Estes povos falavam o sânscrito, língua na qual foram compostos os mais antigos
hinos e poemas sagrados.
Não há um fundador específico da religião. Há, porém, alguns cultos e escolas que
contemplam o Deus Vishnu como quem revelou a doutrina de Krishna. Além disso, há
fundadores da escola de Yoga (Patanjali) e da Advaita-Vedanta (Shankara). Enfim, trata-se de
uma religião muito antiga, cujas tradições orais localizam-se no terceiro e os escritos mais
antigos no segundo milênio aC.
6.1.3 Expressão Mundial
O hinduísmo consta como a terceira maior religião do mundo, sendo que no censo de
2005 tinha aproximadamente 1 bilhão de adeptos, cuja maioria vive na Índia (890 milhões).
Outros países também contam com população e adeptos hindus, como Nepal, Bangladesh, Sri
Lanka, África do Sul, Indonésia, Malásia, Guiana, Estados Unidos, Brasil.
6.2 CORPO DOUTRINAL
6.2.1 Texto Sagrado e Divindades
Mesmo não tendo um fundador específico, os mais antigos hinos sagrados remontam à
mediação de sete ou nove videntes (rishis) de Brahman, a divindade hindu suprema.
Temos dois significativos momentos de composição de textos sagrados hindus: os
mais antigos textos estão reunidos no Vedas (“conhecimento” em sânscrito), que foram
compilados entre 1300 a 900aC. Os Vedas formam quatro coleções: Rigveda (a mais antiga
coleção de hinos sacrificiais), Sammaveda, Yajurveda e Atharvaveda. Eles contém hinos,
provérbios e conteúdos de magia e medicina e são principalmente manuseados pelas famílias
sacerdotais. Além desta coleção védica, existem as obras filosóficas que foram compostas por
volta de 600aC.: Aranyakas (“Composições para a Floresta”) e Upanishads (“Sentado junto
[do mestre]”), que refletem uma virada importante no desenvolvimento religioso hindu e que
são os escritos mais lidos pelo povo. Os Upanishads são diálogos entre mestre e discípulo,
introduzindo a noção de Brahman, a máxima força espiritual da qual tudo se origina: os seres
vivos dele nascem e nele vivem e a ele retornam ao morrer.
Segue-se ainda um corpo de obras hindus, chamado Smriti (literatura ‘lembrada’).
Trata-se de textos secundários, mas que desempenham função importante na vida hindu.
Podem ser divididos em 5 grupos: Puranas (histórias antigas sobre divindades e reis),
Dharmashastras (códigos e leis e ética), Itihasa (grandes épicos nacionais, destacando-se o
Ramayana - “História de Rama” que é dramatizada publicamente em teatro e dança - e o
Mahabharata - “Grande épico da Índia”, que contém o Bhagavad Gita, a “Canção dos
Abençoados”, na qual Krishna transmite a sabedoria espiritual), Dárshanas (principais
escolas filosóficas) e Ágamas (regras para instrução e culto).
Além destes textos sagrados e filosóficos, escritos em sânscrito, há também textos
sagrados escritos em idioma vernacular, como o tâmil (sul da Índia), que se originaram no
século VI dC. Eles contêm hinos de louvor a Vishnu ou Shiva, representados como pai, mãe,
amante, protetor, criança, alma mais profunda. Depois do século X, estes textos devocionais
foram introduzidos na prática cúltica e obtiveram status similar aos textos védicos.
Existem muitas divindades, mas os Upanishads referem-se a Brahman como
divindade suprema, inefável, infinito. Seguem-se as divindades Vishnu, Shiva e Devi (a
Deusa) como as mais importantes. Estas divindades podem manifestar-se através de outras,
como p.ex. a Deusa Shri, “graciosa” ou Shakti “energia”. Há muitas divindades mais
populares e ‘regionais’, consideradas encarnações locais das grandes divindades: Ganesha
(tem cabeça de elefante e é filho da Deusa Parvati, esposa de Shiva), Hanuman (macaco
divino), Murugan, etc. Há divindades com muitas mãos, uma das quais segura uma flor ou
uma arma para proteger seus devotos do mal.
Mesmo Brahman sendo a divindade suprema, com o tempo ele foi perdendo algumas
de suas funções, como criação, preservação e destruição, poderes ‘transferidos’ para Vishnu,
Shiva ou Devi. Shiva é a divindade bastante paradoxal: benevolente e ameaçador, criador e
destruidor, dançarino exuberante e iogue austero, ascético solitário e marido da deusa Parvati,
concedendo sabedoria e graça aos seus devotos (NARAYANAN, 2007, p. 136-7).
Outra característica da religião são os avatares ( “aqueles que descendem de Deus”),
encarnações dos deuses Brahman, Vishnu e Shiva. Rama e Krishna são avatares de Vishnu,
sendo divindades muito populares. A variedade de divindades e avatares adorados por hindus
é compreendida como sendo diferentes formas de manifestação da Verdade Única, do Deus
Supremo.
6.2.2 Mitos e Símbolos
Há muitos mitos que contam sobre o nascimento virginal de deuses: assim, a Deusa
Lakshmi, esposa do Deus Vishnu, é uma das encarnações da Deusa-Mãe/Devi; é a deusa da
fortuna e prosperidade bem como símbolo da beleza feminina. De acordo com uma lenda
hindu, ela nasceu radiante e cheia de encantos das espumas do mar. Lakshmi é sempre
mostrada sobre um lótus, seu símbolo tradicional.
OM (“a sílaba sagrada”) é o grande símbolo hindu (também usada por budistas) e é
enunciada no início de preces e recitações de textos sagrados, sendo que seu poder e
significado são tratados nos Upanishads: ela é composta de três sons - a-u-m - que é
considerado o som mais sagrado que brota da profundeza da alma e significa “aquele que
protege” (referindo-se a Brahman). Há quem afirma que o significado dos três sons
simbolizem os três mundos (terra, atmosfera, céu) ou que representem a essência de três
Vedas.
Flor de Lótus é o símbolo para a espiritualidade, da meditação, pureza e imortalidade.
Nas imagens religiosas hindus, divindades aparecem em pé ou sentadas sobre a flor. É o caso
das representações de Ganesha, Lakshmi e Shiva. Krishna aparece com algumas flores de
Lótus a seus pés, que são chamados de pada-kamala (“pés de Lótus”).
Os muitos braços das divindades representam onipotência e proteção.
Mandalas têm origem hindu e no sânscrito significa “círculo mágico”. São desenhos
geométricos que representam a unidade entre a divindade e o cosmos. Igualmente designa a
representação simbólica do núcleo do psiquismo humano e são usadas como instrumento de
meditação e busca de paz interior. Encontram-se também na arquitetura de diferentes templos,
em danças e pinturas sagradas.
A vaca simboliza maternidade, a fertilidade, a esperança, a alegria e a criação da vida
(veja sob Animais Sagrados).
6.2.3 Temas Centrais
Todas as escolas e tendências hindus têm em comum o dharma, o karma, a
reencarnação, a moksha e a yoga. A reencarnação significa permanecer no mundo do
sofrimento (samsara = roda viva), e a alma (atman) permanece separada da divindade
absoluta. O objetivo é alcançar a libertação/imortalidade (moksha) deste estado através de
yoga e meditação. Os hindus concebem Vishnu e Shiva como reencarnação de Brahman que
se torna presente através da adoração e meditação ritual. São as ações boas ou más que
possibilitam uma pior ou melhor reencarnação. Existem cinco faltas graves: matar um
brâmane, tomar bebidas inebriantes, furtar, adulterar com a mulher do guru e conviver com
quem cometeu alguma dessas faltas.
As leis do karma (ações de causa e efeito) levam a vários renascimentos até atingir o
moksha, libertação que reintegra a atman ao Brahman. Subjacente à idéia do karma está a
imortalidade, a superação do ciclo das reencarnações. A imortalidade é representada, em
textos sagrados, como a viagem da alma que entra no paraíso celeste (Vaikuntha = morada de
Vishnu e Kailasa no Himalaia = morada de Shiva).
Há três caminhos para alcançar a imortalidade/salvação: a via do sacrifício (boas ações
e atos rituais em função do karma), a via da compreensão e do conhecimento (para favorecer
a união de atman e Brahman – humano e divino) e a via da devoção (agir
desinteressadamente e confiar na graça divina).
O que a pessoa faz é tão ou mais importante daquilo que ela crê. Existe, pois, um
darma, uma lei ou ética comum. Isso não implica uma igualdade entre as pessoas, mas na
consciência de que todas as pessoas têm responsabilidades para com sua família, sua casta e a
comunidade como um todo, e isso varia de acordo com as castas. “A boa moral consiste em
adotar os preceitos e deveres de sua própria casta” (GAARDER, HELLERN e NOTAKER,
2000, p. 50).
São os Dharmashastras que delineiam deveres e privilégios na sociedade hindu,
dividida em castas/classes que são fixadas desde o nascimento pela lei do karma. Estas se
dividem em quatro grupos principais: brâmanes (sacerdotes), kshatriya (nobreza, guerreiros),
vaishyas (camponeses e artesãos) e shudras (servidores). As mulheres tradicionalmente têm o
mesmo status dos shudras. Existem também os párias (sem-casta), que estão abaixo dos
shudras e são os intocáveis, excluídos. Há iniciativas modernas em algumas escolas e no
governo indiano de abolir ou minimizar o sistema de castas. Assim, Mahatma Gandhi
chamava também os párias de “filhos de Deus”.
6.3 CORPO RITUAL E SACERDOTAL
6.3.1 Mestres e Líderes
Brâmanes são sacerdotes civis que zelam pelos textos sagrados védicos e são
especialistas em rituais: cuidam dos sacrifícios e oferendas nos templos.
Gurus são mestres espirituais que transmitem a experiência religiosa primordial e
podem ser chefes de mosteiros ou seitas e professores religiosos. Krishna e Shiva são gurus
exemplares. Os gurus modernos Bhatktivedanta Swami Prabhupada (fundador da Hare
Krishna) e P.S.Sarkar (fundador do Anandamarga) são considerados mestres divinos. Muitos
devotos acreditam que gurus são reencarnação de uma divindade, como no caso de Sai Baba
(líder carismático de Andhra Pradesh) que dizem ser reencarnação de Shiva e da Deusa
Shakti. Há também mulheres gurus, como Anandamayi Ma (“Mãe Cheia de Graça”), que foi
tida como reencarnação de Shakti (1896-1982).
Além de brâmanes e gurus há milhares de médiuns, ascetas e santos que suscitam
veneração e obediência hindus.
6.3.2 Lugares e Animais Sagrados
Templos são considerados como ‘porto de trânsito’, por onde as pessoas podem
atravessar o oceano da vida e da morte, praticando seus cultos. Existem muitos templos e
todos são lugares cúlticos dedicados a diversas divindades. O templo de Lakshmi Narayan,
em Nova Delhi, p.ex., é consagrado às divindades Vishnu e Lakshmi. As torres (shikharas)
dos templos representam montanhas cósmicas onde moram as divindades.
A vaca é animal sagrado e adorada durante festas religiosas, o que indica para antigos
cultos de fertilidade, maternidade, criação. A vaca tornou-se um símbolo da vida, não sendo
permitido matá-la. Sendo que 70% da população indiana vive da agricultura, a vaca é
utilizada no trabalho do campo, seu excremento é transformado em fertilizante e combustível.
Além disso, os produtos derivados da vaca também são usados em rituais de purificação, visto
que ela é considerada ‘pura’. Além da vaca, também o macaco, o crocodilo e a cobra são
sagrados.
Há cidades sagradas que têm a ver com manifestações de divindades. Os hindus
afirmam em hino: “Ayodhya, Mathura, Maya, Kashi, Kanchi, Avantika e a cidade de
Dvaraka, essas sete [cidades] nos dão a libertação” (NARAYANAN, 2007, p. 146).
Os rios Ganges, Yamuna, Kaveri e Narmada são sagrados e banhar-se neles significa
purificar-se espiritualmente. Especialmente sagrados são considerados os lugares de
confluência de rios, como em Allahabad/Prayag (rio Ganges, Yamuna e Sarasvati). As
pessoas levam água e areia desses rios e os depositam nos altares domésticos para seus rituais
de purificação de mortos e agonizantes.
6.3.3 Yoga
Yoga é palavra sânscrita que significa “jugo”, porque se refere “à prática de
disciplinas em que o devoto submete o espírito ao divino” (NARAYANAN, 2007, p. 145).
Trata-se de escolas que envolvem disciplina moral, mental e física, bem como meditação. O
controle da respiração e as posturas corporais são fundamentais. Há vários tipos de yoga,
destacando-se a raja-yoga (disciplina mental) e a hatha-yoga (posturas e controle corporais).
A tradição afirma que o líder Patanjali é o fundador da yoga. Dhyana (meditação profunda)
faz parte da experiência mística de Deus; mantras (vibrações sagradas) e mudras (posições
simbólicas de corpo e mãos) propiciam a união mística com Brahman. Shiva é celebrado
como divindade da yoga.
6.3.4 Rituais e Festas
Além de cultos nos templos, os hindus também celebram em seus altares domésticos,
onde expõem imagens de divindades e objetos sagrados para adoração e rituais de purificação.
Na tradição hindu, os ritos de passagem são importantes: nascimento e casamento
marcam a vida nova. Esses ritos acontecem na presença do fogo sagrado (agni) que é
purificador. Quando alguém morre, seu corpo é oferecido às chamas.
Peregrinações a templos e lugares santos são prática tradicional, recomendada pelos
brâmanes para purificar o karma e favorecer uma melhor reencarnação. Assim, a cada 12
anos, p.ex., milhões de peregrinos reúnem-se em Hardwar, onde o rio Ganges entra no norte
da Índia, para celebrar Kumbh Mela (“Festa do Jarro”), que representa as gotas do néctar da
imortalidade, caídas sobre a terra no passado, e nas quais os devotos buscam purificar-se de
‘pecados’. Versões menores desta festa religiosa acontecem também em Allahabad, reunindo
milhares de hindus.
As festas hindus são cheias de alegria e cor, intercalando banquetes e jejuns. As
danças e a música são sagradas e quem atua, nesse momento é considerado representação do
divino. As festas de aniversário de Krishna, Rama e Ganesha são muito populares na Índia,
sendo que o Janamashtami (nascimento de Krishna) acontece em agosto. A festa Diwali
(Lâmpadas/Luzes) ocorre em outubro/novembro e celebra a vitória da ordem divina sobre o
caos; é uma das mais difundidas e nela pede-se a bênção divina. Em nível regional há muitas
outras festas, como Holi (Primavera) no norte da Índia, Onam (Colheita) no sul/Kerala, em
agosto e setembro, Pongal (Colheita) em Tamil Nadu, em janeiro.
om tryambakam yajamahe sugandhim pushtivardhanam |
urvarukamiva bandhananmrtyormukshiya ma'mrtat ||
Om. Ofereço reverência ao perfumado que tem três olhos (Shiva), que
garante a prosperidade. Possa ele nos libertar da escravidão da morte da
mesma forma que a fruta madura se liberta sem esforço e não nos deixa
afastar da imortalidade – Tradução de acordo com a tradição de ensino
de Swami Dayananda
Referências bibliograficas:
GAARDER, Josteis; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. Tradução de Isa
M.Lando. 4.reimp. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. p. 40-51.
NARAYANAN, Vasudha. Hinduísmo. In: COOGAN, M.D. (Coord.). Religiões: história, tradições e
fundamentos das principais crenças religiosas. Tradução de Graça Salles. São Paulo: Publifolha, 2007.
p. 125-161.
SCHERER, Burkhard (Org.). As grandes Religiões: temas centrais comparados. Tradução de Carlos
A.Pereira. Petrópolis: Vozes, 2005.
SILVA, Valmor da. As religiões e seus textos sagrados. In: LAGO, Lorenzo; REIMER, Haroldo;
SILVA, Valmor da (Orgs.). O sagrado e as construções de mundo. Goiânia: Ed. Universa; Ed. da
UCG, 2004. p. 97-110.
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