HINDUÍSMO 4 MARK W. MUESSE O Caminho da Devoção Objectivo O Hinduísmo sustenta não apenas que o divino é múltiplo, mas, também, a multiplicidade de caminhos em direcção à realidade divina. Pessoas diferentes requerem espiritualidades diferentes. No exame que fizemos do caminho da sabedoria, investigámos um dos caminhos mais influentes. Nesta aula, iremos analisar um outro, a saber, o caminho de bakhti ou devoção. A nossa análise da prática bhakti será feita através de um dos mais importantes e amados textos dos hindus, a Bhagavad-Gītā. Esta história extraordinária do dilema de um guerreiro e o conselho do deus Krishna tem sido um tesouro de enriquecimento espiritual para os Hindus há séculos. . I. Muitos hindus consideram que o caminho da devoção, ou bhakti, é mais apelativo do que o da sabedoria. O caminho devocional consiste em focalizar o amor passional numa divindade pessoal, tornando-a suprema acima do que quer que seja. A. Novos textos acrescentados ao cânone hindu no período pós-clássico foram muito importantes na formação da religiosidade hindu no âmbito do movimento bhakti. Estas obras incluem o Mahābhārata e o Ramāyāna, as duas grandes epopeias da Índia, assim como a colecção conhecida como os Purānas. Estes últimos, compostos entre os anos 300-1600 da nossa era, fornecem as fontes da mitologia dos deuses e deusas hindus. B. Examinaremos o bhakti-mārga através da Bhagavad-gītā (que é, na realidade, uma parte do Mahābhārata). Embora não seja o texto mais sagrado, ou com maior autoridade, a Gītā é frequentemente lida e muito bem conhecida. II. Vishnu, manifestando-se como Krishna, é um dos personagens centrais da Bhagavad-gītā. A. Segundo a mitologia hindu, Vishnu é um membro da tríade cósmica, em que os três deuses têm responsabilidade pela criação, pela manutenção e destruição do universo. Vishnu sustenta o cosmo entre as épocas de criação e destruição. B. A religião de Vishnu, conhecida como Vaiśnava, é a religião hindu mais popular. C. Na iconografia, Vishnu é identificado pelos atributos simbólicos que ele traz nas suas mãos: um maço simbolizando conhecimento; uma bola significando a Terra; um cakra ou disco, simbolizando poder; e uma concha que sugere água e as origens da existência. D. As características mais salientes de Vishnu são os seus avatāras ou incarnações. Significam literalmente "descida em", referindo-se aos tempos em que os deuses desciam à Terra e assumiam uma manifestação terrena em momentos críticos da história do mundo. 1. Do ponto de vista das práticas religiosas, os mais importantes avatāras de Vishnu foram Krishna e Rāma. ! 2. Como Rāma, Vishnu surge na terra como uma figura real que derrota o raptor da sua mulher no Ramāyāna. 3. Como Krishna, será lembrado como um rapaz e jovem brincalhão e aventureiro, assim como pelo seu papel na Bhagavad-Gītā. PÁGINA 1 DE 3 HINDUÍSMO 4 MARK W. MUESSE 4. Krishna é provavelmente um nome familiar aos Ocidentais por causa da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna (ISKCON), conhecida como o movimento "Hare Krishna". III. A Bhagavad-gītā, usualmente traduzida como a "Canção do Senhor" foi provavelmente composta entre o ano 400 antes da nossa era e 100 depois, sendo desconhecido quem foi o seu autor ou autores. Embora geralmente lido como uma história independente, a Bhagavad-gītā é uma parte do Mahābhārata, provavelmente o poema épico mais longo do mundo com mais de 100.000 versos. A. A Gītā é essencialmente um diálogo entre Vishnu, no seu avatāra como Krishna, e um guerreiro de nome Arjuna, que se dá no campo de batalha, mesmo quando dois exércitos, os Kurus e os Pandavas, iam iniciar uma guerra. 1. Os Kurus e os Pandavas são membros do mesmo clã e é precisamente porque no campo inimigo estão os seus tios, primos e professores que Arjuna está muito agastado. 2. Subitamente toda a acção é suspensa, como se o tempo tivesse parado. Arjuna vê a sua família nas linhas inimigas e deixa cair o seu arco, perdendo toda a vontade de lutar. Surpreendentemente a primeira reacção de Krishna é envergonhar Arjuna, mas tal atitude não demove este último. 3. B. O conflito de Arjuna é profundo e genuíno e ele sente-se paralisado até conseguir ver claramente o seu caminho. A sua perturbação interior é-nos bem familiar - o conflito que alguém sente quando valores distintos, mas importantes, se confrontam. 1. Este conflito torna-se um momento de privilegiado de ensino e Arjuna pede, com sabedoria, que Krishna seja o seu mestre [guru]. 2. Arjuna recebe várias lições provenientes dos ensinamentos das Upaniśads, incluindo a do sem-sentido último tanto do nascimento e da morte como da aversão em criar qualquer tipo de karma. C. Através dos ensinamentos de Krishna a Arjuna, qualquer leitor da Gītā pode obter uma visão abrangente das práticas e visões do mundo hindus. Sem nunca ser simplista ou claro, a riqueza da Gītā permite praticamente a cada hindu encontrar sentido na sua vida. D. À medida que o diálogo continua, as lições de Krishna parecem focar-se cada vez mais nele próprio, algo bem característico do caminho de bhakti. Krishna encoraja Arjuna em concentrar a sua mente, a sua vontade e o seu coração no divino e não se inquietar. Para a prática bhakti, o que é feito não é tão importante como o modo como é feito. O que importa é fazer todas as coisas com fé e devoção no divino [god]. E. Num momento de clímax, Arjuna pede a Krishna que lhe dê uma dádiva [boon] rara, a saber, a capacidade de ver Krishna na sua glória integral como divino. Krishna dá a Arjuna uma visão divina com a qual ele pode percepcionar a forma divina. F. Após esta visão, Arjuna levanta-se e vai lutar, declarando que as suas dúvidas se dissiparam, embora nunca fique claro o que fez dissipar as suas dúvidas. Muito na Gītā é deixado sem solução, apesar do próprio Arjuna ter clarificado a sua mente. IV. De uma forma significativa, a própria Gītā termina antes que saibamos o resultado final da batalha, mas nem a vitória nem o problema da guerra foram a questão central da Gītā. O contexto da guerra PÁGINA 2 DE 3 HINDUÍSMO 4 MARK W. MUESSE é, apesar de tudo, importante na Gītā porque o campo de batalha é, na realidade, uma metáfora da alma, de si próprio [self], da mente e das suas lutas - os Hindus comuns têm como seu dever sagrado lutar interiormente com os dilemas do dharma. Como metáfora de nós próprios [self] e das suas lutas interiores, talvez a Gītā nos recorde que frequentemente não existem caminhos [avenues] claros para a escolha. As nossas decisões são tomadas na ambiguidade e na incerteza PÁGINA 3 DE 3