Entre o medo e o amor Walter S. Barbosa1 Aqui pode estar o resumo mais completo do dilema humano: entregar-nos à tirania do medo ou render-nos ao amor. Medo é a essência do ego, sempre em busca de controle para garantir sua segurança, enquanto o amor - cuja natureza é o Ser - só encontra segurança na própria entrega, na ausência de controles deliberados para manutenção de poder. O poder do amor reside nele mesmo, não depende de ninguém. Por isso, mesmo quando parece ter sido enganado não há queixa alguma. Sua completude se basta. O medo retém, o amor libera, correspondendo aos extremos do apego e do desapego. Há um enorme intervalo entre esses dois lados, a ser coberto pelo esforço de cada um, tendo a seu favor a paciência dos milênios, porque é simplesmente a distância entre o bruto e o santo. Podemos estar em qualquer ponto desse intervalo, percebendo-o pela quantidade de sofrimento presente em nossa vida. Quanto mais apego, mais sofrimento. Outra medida para a presença do medo está na quantidade de sentimento retida na vida dos relacionamentos, como rancor, mágoa, anseio de vingança. É o efeito natural do apego em torno de qualquer tipo de “osso” sob disputa. E o que utilizamos como arma diante do osso, tentando garantir sua propriedade? Quando não a força bruta, irracional, instantânea, aplicamos a espada da língua, do julgamento. E aí nosso lado está sempre certo, caso contrário não existe osso algum. “Quando um não quer dois não brigam” Desde que existam relacionamentos (e eles são a base da vida) os conflitos também existem, pelos interesses mútuos. Se estes acabam, o relacionamento termina, sua lição consciencial chega ao fim. Como, então, viver a questão dos relacionamentos de forma construtiva? Segundo Marianne Williamson, “a opção é o amor” (Um retorno ao amor). “O ego sempre enfatiza os que as outras pessoas fizeram de errado”, diz aquela autora. Essa tendência naturalmente vai moldar o resultado do julgamento. Se queremos achar algo errado em alguém, isso é o que vamos encontrar, pois “A projeção molda a percepção”. Nunca vamos enxergar algo diferente daquilo que permite a cor dos nossos óculos (ou o tamanho de nossa fome, como ensina a fábula “O lobo e o cordeiro”). Mas a questão é: pode ser que exista algo errado lá, que mereça correção. Devemos, em nome do amor, fechar os olhos a essa possibilidade, ou existe um jeito de olhar que vá além das fronteiras do medo, alterando a cor dos óculos? Para Marianne, sim. “Podemos encontrar o que quer que procuremos na vida”, diz ela. “O que acreditamos ser a culpa das pessoas é, na verdade, seu medo. Toda a negatividade deriva do medo. Quando alguém está bravo, está com medo. Quando alguém é rude, está com medo. Quando alguém é manipulador, está com medo. Quando alguém é cruel, está com medo”. Porém, “Não existe medo que o amor não seja capaz de dissolver, nem negatividade que o perdão não consiga transformar”. Quando vemos as coisas assim, toda a defensividade - ou agressividade - perde o sentido, pois de nada adianta esmurrar a escuridão: “ela só pede luz”. Para que isso aconteça, pondo consciência em nosso caminho, é necessário abandonar os julgamentos, passando a nos concentrar em nossas próprias lições, esquecendo as dos outros. O que cada um vai colher, pelo modo como vê as coisas, é seu problema. Nós temos o nosso, que é limpar nossas lentes, purificar nosso próprio coração. 1 Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.