hospital materno infantil de brasília (hmib)

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ARTIGO DE MONOGRAFIA APRESENTADO COMO CONCLUSÃO DA
RESIDÊNCIA MÉDICA EM PEDIATRIA DO HOSPITAL REGIONAL DA ASA
SUL(HRAS)/HOSPITAL MATERNO INFANTIL DE BRASÍLIA (HMIB)
Hiperplasia de pneumócitos micronodular multifocal em
criança com esclerose tuberosa: Relato de caso.
Multifocal micronodular pneumocyte hyperplasia in a child with tuberous
sclerosis: A case report.
Lisliê Capoulade Nogueira Arrais de Souza1, Vanessa Castro Andrade2
1
Doutor em Ciências Médicas pela Universidade de Brasília, preceptora da Residência Médica em Pediatria do
Hospital Materno Infantil de Brasília e Docente do Curso de Medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde,
Brasília,DF,Brasil
2
Médica residente em Pediatria do Hospital Materno Infantil de Brasília – HMIB, Brasília, DF, Brasil
Endereço para correspondência:
Vanessa Castro Andrade
QE 40, Conj N, Lote 14, aptº 303, Guará II
CEP: 71040-172- Brasília- DF
Tel: (61) 82733580
E-mail: [email protected]
Texto: 1366 palavras
Resumo: 149 palavras
Tabela: uma
Figuras: duas
Brasília, DF
2012
Resumo
Complexo esclerose tuberosa é uma síndrome genética, multissistêmica, rara, caracterizada
pela formação de hamartomas em vários órgãos, com expressão clínica variável. É causada
por mutações nos genes TSC1 no cromossoma 9 e TSC2 no cromossoma 16. O acometimento
pulmonar é raro, sendo representado por dois tipos de lesões: linfangioleiomiomatose e
hiperplasia de pneumócitos micronodular multifocal. Esta última resultante da hiperplasia de
pneumócitos tipo II levando à destruição alveolar. As manifestações pulmonares incluem
tosse, dispnéia, hemoptise e pneumotórax. Relatamos o caso de uma paciente de 12 anos com
hiperplasia de pneumócitos micronodular multifocal, que apesar de assintomática do ponto de
vista respiratório, foi realizado o diagnóstico por meio de monitorização pulmonar com
tomografia computadorizada de tórax que evidenciou nódulos centrolobulares de distribuição
esparsa bilateral. Destacamos a raridade da lesão pulmonar por falta de rastreamento nos
pacientes com complexo esclerose tuberosa, havendo poucos relatos na literatura de
comprometimento pulmonar em crianças.
Palavras- chave: esclerose tuberosa, pulmão, crianças.
Abstract
Tuberous sclerosis complex is a genetic syndrome, multisystem rare condition characterized
by the formation of hamartomas in several organs, with variable clinical expression. It is
caused by mutations in genes TSC1 and TSC2 on chromosome 9 to chromosome 16.
Pulmonary involvement
is
rare and is
represented by two types
of lesions:
Lymphangioleiomyomatosis and multifocal micronodular pneumocyte hyperplasia. The latter,
resulting from type II pneumocyte hyperplasia leading to cellular destruction. The pulmonary
manifestations include cough, dyspnea, hemoptysis and pneumothorax. We report the case of
a patient of 12 years with multifocal micronodular pneumocyte hyperplasia that although
asymptomatic respiratory point of view, the diagnosis was performed by screening with lung
computed tomography of the chest showed centrilobular nodules scattered bilateral
distribution. We emphasize the rarity of lung injury due to lack of screening in patients with
tuberous sclerosis complex, with few reports in the literature of pulmonary impairment in
children.
Keywords: tuberous sclerosis, lung, children.
Introdução
Complexo esclerose tuberosa (CET) é uma doença genética rara, caracterizada por tumores
benignos com crescimento no cérebro e em outros órgãos vitais como os rins, coração, olhos,
pulmões e pele.1
Embora apresente característica autossômica dominante, cerca de dois terços dos casos são
esporádicos, devido mutações espontâneas nos genes supressores tumorais TSC1 (no
cromossoma 9q34) e TSC2 (no cromossoma 16p13.3).2 Apresenta incidência de cerca de 1:
6000 nascidos vivos, afetando igualmente ambos os gêneros.3
Já o diagnóstico é clínico e baseado em critérios revistos pela Tuberous Sclerosis Alliance
(TS Alliance) e pelo National Institutes of Health (NIH) em 1998 (Tabela 1).4
Considerando-se definitivo o diagnóstico de esclerose tuberosa (ET) na presença de dois
critérios maiores ou um maior e dois menores. O diagnóstico é provável na presença de um
critério maior e um menor. A ET é considerada possível na presença de um critério maior ou
dois ou mais critérios menores.4
Apesar dos vários órgãos susceptíveis, as manifestações mais comuns são as neurológicas,
dermatológicas e renais,3 sendo raro o acometimento pulmonar,5,6 cujas lesões pulmonares
incluem linfangioleiomiomatose (LAM) e hiperplasia de pneumócitos multinodular multifocal
(MMPH).5
Apresentamos um caso de MMPH em uma criança com CET que embora assintomática, tem
bastante relevância, pois trata-se de comprometimento pulmonar com poucos relatos na
literatura e extremamente raro nesta faixa etária.
Descrição do caso:
Criança do gênero feminino, nascida de parto cesáreo, a termo, adequado para idade
gestacional, apresentou hipotensão nas primeiras 24 horas de nascimento e não necessitou de
O2 suplementar. Realizou Rx de tórax que mostrou cardiomegalia global com parênquima
pulmonar sem alterações e ecocardiografia evidenciando forame oval pérvio com shunt
esquerda direita, discreta dilatação global de câmaras cardíacas, presença de tumorações
intramurais de dimensões diversas, predominando em topografia ventricular, sendo a maior
localizada na parede posterior do átrio direito. Portanto quadro compatível com rabdomioma
cardíaco.
Aos 6 meses de idade, devido a suspeita de CET, realizou ressonância magnética de crânio
concluindo displasia da substância branca, hamartomas corticais e subependimários. Achados
altamente sugestivos de esclerose tuberosa.
A partir dos 2 anos de idade evoluiu com aparecimento de manchas hipocrômicas,
principalmente em dorso e membros inferiores.
Aos 9 anos realizou novo ecocardiograma mostrando duas imagens hiperecóicas no septo
interventricular, pequenas, na porção apical do ventrículo esquerdo. Até então permanecia
clinicamente assintomática.
Aos 10 anos de idade iniciou quadro de crises convulsivas caracterizadas por parada
comportamental com perda da consciência de aproximadamente 5 segundos. Realizou então
EEG evidenciando atividade irritativa de projeção posterior à esquerda sendo iniciado
tratamento com carbamazepina. Evoluiu com controle das crises, porém apresentou ainda este
ano perda visual à esquerda. O mapeamento de retina mostrou astrocitomas de retina
bilaterais e palidez de papila em olho esquerdo.
Em 2010 realizou nova RNM de crânio que evidenciou túberes caracterizados por lesões
focais
hiperintensas
na
região
cortical/
subcortical,
múltiplas
lesões
nodulares
subependimárias ao longo da superfície dos ventrículos laterais, pequenos nódulos
calcificados adjacentes ao forame de Monro sem determinar estreitamento ou alterações no
fluxo liquórico. Achados consistentes com esclerose tuberosa.
Em relação aos antecedentes, nega familiares com esclerose tuberosa ou tabagismo passivo.
Nega pneumonia ou quadro de sibilância anteriores. Pai falecido aos 53 anos por complicação
de doença de Parkinson há 1 ano.
Ainda em 2010 foi referenciada à consulta de Pneumologia pediátrica devido alterações na
tomografia computadorizada de tórax, para monitorização da doença, que evidenciou
pequenos nódulos centrolobulares, alguns com atenuação em “vidro fosco”, de distribuição
esparsa bilateral que podem representar hiperplasia pneumocítica micronodular multifocal
(Figura 1). Mantinha-se assintomática e sem alterações no exame do aparelho respiratório.
Realizou espirometria com diminuição da capacidade vital forçada, mas com volumes
pulmonares dentro da normalidade. Prova broncodilatadora positiva e significativa.
Desde 2011 a criança vem apresentando irritabilidade e mau rendimento escolar, sendo
encaminhada para o psiquiatra.
Em 2012 realizou nova espirometria, agora com alteração ventilatória obstrutiva de moderada
intensidade, prova broncodilatadora paradóxica (Figura 2). Teste da caminhada sem
alterações.
Atualmente a paciente se encontra com 12 anos, em acompanhamento multidisciplinar com
neurologista, cardiologista, pneumologista e psiquiatria, mantendo-se assintomática do ponto
de vista respiratório.
Discussão
Complexo esclerose tuberosa (CET), também conhecido como doença de Bourneville, é uma
síndrome neurocutânea, com formação de hamartomas em diferentes órgãos e uma grande
variabilidade clínica.6 É causada por mutações nos genes TSC1 e TSC2 que são responsáveis
pela produção das proteínas hamartina e tuberina, respectivamente.2 Estas juntamente
funcionam como um complexo inibitório do alvo da rapamicina nos mamíferos (mTOR), que
por sua vez é o principal responsável pelo crescimento celular.2
Assim mutações em TSC1 ou TSC2 comprometem a função inibitória do complexo
hamartina/ tuberina que leva a ativação de mTOR e predispõe a formação de hamartomas no
rim, cérebro, pele, pulmão e coração.1
Estudos recentes mostram que as manifestações neurológicas são as mais prevalentes,1 e
incluem convulsões, alterações comportamentais, atraso mental, tuberosidades corticais,
nódulos subependimários e astrocitomas subependimários de células gigantes (SEGA).6
Sendo que para estes últimos foi aprovado, pelo FDA (Food and Drug Administration) o uso
de everolimus, um inibidor de mTOR, permitindo a redução do tumor em 30 a 50%.1
Sabe-se que em 80 a 90 % dos doentes com CET apresentam epilepsia.6 A paciente em
questão apresenta transtorno comportamental, múltiplos tubérculos corticais e nódulos
subependimários evidenciados na RNM crânio com crises convulsivas sob controle
medicamentoso, porém com perda visual decorrente dos hamartomas corticais.
Já as lesões dermatológicas são o segundo achado mais freqüente nos pacientes com CET, 1 e
podem se apresentar nas formas de máculas hipomelanocíticas, angiofibromas faciais, placas
de Shagreen ou fibromas ungueais.1 A mais prevalente é a mácula hipomelanocítica com
surgimento ao nascimento ou na infância,6,7 o que corrobora com o achado em nossa paciente.
Embora alterações renais, como angiomiolipomas e cistos renais possam ocorrer em 80% dos
pacientes,8 não foram encontrados neste caso.
Aproximadamente 50% das crianças com CET tem rabdomiomas cardíacos que podem ser
identificados durante a gestação por meio de ecocardiografia fetal ou nos primeiros anos de
vida. Embora possam causar arritmias e insuficiência cardíaca congestiva, tendem a regredir
espontaneamente.8A presença dos rabdomiomas no feto pode ser o sinal mais precoce da
esclerose tuberosa, assim como foi encontrado em nossa paciente logo ao nascimento.
As manifestações neurológicas geralmente estão presentes na infância, enquanto as
pulmonares
são
mais
comuns
na
vida
adulta.5 Estas
são
representadas
pela
linfangioleiomiomatose (LAM) e hiperplasia de pneumócitos micronodular multifocal
(MMPH), que produzem doença cística e nodular, respectivamente nos pulmões de pacientes
com esclerose tuberosa.9 Sendo o envolvimento pulmonar extremamente raro em homens e
crianças.5
Linfangioleiomiomatose é a principal doença pulmonar associada a CET, porém pode ocorrer
isoladamente.10,11 Predomina quase exclusivamente no gênero feminino,11,12a partir da terceira
ou quarta décadas de vida.10,12 É resultante da proliferação anormal das células musculares
lisas comprometendo bronquíolos, linfáticos e capilares, com substituição do tecido alveolar
por numerosos cistos em todo parênquima. Consequentemente resultando em obstrução ao
fluxo aéreo justificado pela diminuição do volume expiratório forçado no primeiro segundo
(VEF1) e da capacidade vital, caracterizando a LAM como um quadro obstrutivo e
progressivo.12
Já a MMPH, apresentada pela paciente do caso relatado, é outra lesão hamartomatosa
pulmonar que tem poucos relatos na literatura. É representada por vários pequenos nódulos
pulmonares (1-10 milímetros de diâmetro) distribuídos difusamente13 com predominância na
periferia e lobos superiores dos pulmões.14,15
A MMPH é caracterizada pela presença de crescimento multicêntrico nodular de pneumócitos
do tipo II, além de espessamento fibroso dos septos alveolares e macrófagos agregados nos
espaços alveolares, levando ao colapso alveolar.13
Previamente a linfangioleiomiomatose (LAM) foi encontrada em 1-3% dos casos, enquanto a
hiperplasia de pneumócitos micronodular multifocal (MMPH) descrita como extremamente
rara.7 Entretanto recentemente foram rastreadas mulheres com CET por tomografia
computadorizada de tórax que demonstrou lesões císticas consistentes com LAM em 39% e
alterações nodulares foram observadas em 43%.9 Isto destaca a importância do rastreio em
pacientes portadores de CET assintomáticos.
Os principais sintomas das manifestações pulmonares são tosse, dispnéia progressiva,
hemoptise e pneumotórax. A evolução da LAM é progressiva12 e pode levar a insuficiencia
respiratória.6 Já a MMPH isolada pode levar a dispnéia, tosse e hipoxemia leve a moderada,
sendo o tratamento geralmente desnecessário, pois esta não parece ser fatal ou progressiva14.
Pelo exposto, observa-se a importância do diagnóstico precoce e do acompanhamento
multidisciplinar, pois acredita-se que os pacientes terão um melhor seguimento, com
possibilidade de rastreamento das complicações e portanto melhor prognóstico.
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Tabela 1: Critérios diagnósticos do complexo esclerose tuberosa revistos pela Tuberous
Sclerosis Alliance (TS Alliance) e pelo National Institutes of Health (NIH) em 1998.
Critérios Maiores
Critérios Menores
1. Angiofibromas faciais
1. Manchas múltiplas no esmalte dentário
2. Fibromas ungueais ou periungueais não-traumáticos
2. Linhas de migração radiais na substância branca
3. Máculas hipomelanocíticas (três ou mais)
3. Cistos ósseos
4. Placas de Shagreen
4. Pólipos hamartomatosos retais
5. Hamartomas nodulares múltiplos da retina
5. Fibromas gengivais
6. Tuberosidades corticais
6. Hamartoma não renal (fígado, baço e outros órgãos)
7. Nódulos subependimários
7. Mancha acrômica na retina
8. Astrocitoma subependimário de células gigantes
8. Lesões cutâneas tipo “Confetti”
9. Rabdomioma cardíaco (único ou múltiplo)
9. Cistos renais múltiplos
10. Linfangioleiomiomatose
11. Angiomiolipoma renal
Adaptado de Roach et al 4
Figura 1: Tomografia computadorizada de tórax mostranto múltiplos nódulos em periferia
Figura 2: Espirometria
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