Literatura para quê? (A partir dos escritos de Antoine Compagnon) Prof. Marcel Lúcio Matias Ribeiro Quem é Antoine Compagnon? • Dono de uma rica e variada bibliografia sobre teoria, história e crítica de literatura, Antoine Compagnon (1950) possui livros publicados no Brasil e largamente difundidos no meio acadêmico. • Em agosto de 2009, pela editora UFMG, foi editada sua Aula Inaugural realizada em novembro de 2006 no renomado Collège de France. Trata-se do volume Literatura para quê?, traduzido pela professora Laura Taddei Brandini. Os dois caminhos “opostos” dos estudos literários • Por que e como falar de literatura francesa moderna e contemporânea no século XXI? • Na resposta ao “como”, Compagnon observa que há duas tradições de estudos literários que se alternam na França desde o século XIX: a vertente teórica e a histórica. • Vertente teórica : tenta aplicar ideias clássicas consagradas (retórica e poética). • Vertente histórica: observa circunstâncias da época e contexto social (história literária e filologia). A conciliação das duas tendências • Ao longo dos séculos XIX e XX, alternância de concepções críticas no ensino de literatura no Collège de France. • George Blin, em 1966, tenta conciliar as duas tendências supostamente opostas dos estudos literários. • Roland Barthes, nos anos 70, querela dos antigos versus os modernos. • Marc Fumaroli, concilia as duas vertentes de como estudar literatura. A visão de Compagnon sobre os estudos literários • “Sem desconhecer a tensão secular entre criação e história, entre texto e contexto ou entre autor e leitor, por minha vez proporei aqui sua conjunção, indispensável ao bem-estar do estudo literário [...] sempre resisti a esses dilemas impostos e recusei as exclusões mútuas que pareciam fatais à maior parte de meus contemporâneos . O estudo literário deve e pode consertar a fratura da forma e do sentido, a inimizade factícia da poética e das humanidades” Teoria e história para Compagnon • “Teoria e história serão, portanto, minhas ‘maneiras’, mas não no sentido que SainteBeuve as concebia, clássica e romântica ou universalista e relativista. Teoria não quererá dizer nem doutrina nem sistema, mas atenção às noções elementares da disciplina [...] e história significará menos cronologia ou quadro literário que preocupação com o contexto” Outros aspectos • Literatura moderna e contemporânea: do Renascimento ao século XX, ou de Montaigne a Proust. • Desafio: penetrar a contradição que afasta e aproxima a literatura e a modernidade. • “A teoria e a história serão as maneiras, mas a crítica – quero dizer o julgamento ou avaliação – serão sua razão de ser”. Indagações para o século XXI • Por que falar – ainda falar – da ‘literatura francesa moderna e contemporânea’ no século XXI? Quais valores a literatura pode criar e transmitir ao mundo atual? Que lugar deve ser o seu no espaço público? Ela é útil para a vida? Por que defender sua presença na escola? A literatura é indispensável ou substituível? • Uma reflexão sobre os usos e poder da literatura é urgente! A literatura no século XXI • No século XX, Proust acreditava que só a literatura possibilitaria a verdadeira vivência, pois a arte permite ao indivíduo se colocar no lugar do outro. Além disso, a literatura era vista como constituinte de uma nação. • Hoje, século XXI, a literatura perdeu espaço na sociedade, dentre outros pontos, a aceleração digital fragmenta tempo disponível para os livros. A própria literatura se questiona quanto a seu poder frente os “discursos rivais”. Para refletir • “A Universidade conhece um momento de hesitação com relação às virtudes da educação generalista, acusada de conduzir ao desemprego e que tem sofrido a concorrência das formações profissionalizantes, pois estas têm a reputação de melhor preparar para o trabalho. Tanto é que a iniciação à língua literária e à cultura humanista, menos rentável a curto prazo, parece vulnerável na escola e na sociedade do amanhã” Literatura x Ciência • Antes acreditava-se que a literatura dizia mais que a ciência; hoje a ciência “superou” a literatura. • Esta relação sempre foi conflituosa (exemplo: Romantismo x Realismo). Filmes sugeridos Primeira explicação para o poder da literatura (clássico) • Aristóteles entende que o homem aprende por meio da mimesis (representação, ficção). A literatura deleita e instrui: catharsis (purificação das paixões) torna a sociedade melhor. • Regras morais são generalistas. Literatura permite observação de casos particulares e o consequente aprendizado. Segunda explicação para o poder da literatura (romântico) • Literatura como remédio capaz de libertar indivíduo de sua sujeição às autoridades, curando em particular do obscurantismo religioso (Iluminismo, Romantismo). • Literatura: instrumento de justiça e experiência de autonomia. • Literatura é de oposição: tem o poder de contestar a submissão ao poder, de nos fazer escapar das forças de alienação e opressão (Sartre). Obs. • ... Mas todo envenenar. remédio pode também Terceira explicação para o poder da literatura (moderno) • A literatura como instrumento capaz de superar os limites da linguagem ordinária. • Por meio da linguagem, o poeta é capaz de nos mostrar o “visível invisível”. • Barthes: literatura como subversão da linguagem. Arte liberta das limitações da língua, que é fascista por “obrigar a dizer”. • Crônica de Otto Lara Resende: “Vista cansada”. Quarta explicação para o poder da literatura (pós-moderno) • A negação dos três outros poderes ou de qualquer finalidade (pedagógica, ideológica, linguística) da literatura. • A literatura como “o neutro” ou como mera atividade lúdica (degradação nas escolas). • A desconfiança com a literatura, vista como uma forma de manipulação e não mais como libertação. Enfim... • “É tempo de se fazer novamente o elogio da literatura, de protegê-la da depreciação da escola e do mundo”. • “A literatura não é mais o modo de aquisição privilegiado de uma consciência histórica, estética e moral”. • Outras disciplinas “investem” na literatura: história, filosofia, sociologia. ... • A literatura deve ser lida e estudada porque oferece um meio (talvez o único) de preservar e transmitir a experiência dos outros, aqueles que estão distantes de nós no espaço e no tempo, ou que diferem de nós por suas condições de vida. Ela nos torna sensíveis ao fato de que os outros são muito diversos e que seus valores se distanciam dos nossos. ... • A literatura desconcerta, incomoda, desorienta, desnorteia mais que os discursos filosófico, sociológico ou psicológico porque ela faz apelo às emoções e à empatia. Percorre regiões da experiência que os outros discursos negligenciam, mas que a ficção reconhece em seus detalhes. ... • A literatura nos liberta de nossas maneiras de pensar a vida, ela arruína a consciência limpa e a má-fé. Resiste à tolice não violentamente, mas de modo sutil e obstinado. Seu poder emancipador continua intacto, o que nos conduzirá por vezes a querer derrubar os ídolos e a mudar o mundo, mas quase sempre nos tornará simplesmente mais sensíveis e mais sábios, em uma palavra, melhores. Limpem a cabeça dos conformismos! Referência • COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Tradução de Laura Taddei Brandini. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.