O subimperialismo brasileiro e a integração dependente ao mercado mundial: a contribuição de Ruy Mauro Marini Desde a década de 2000, o capitalismo brasileiro passou a apresentar um conjunto de características que sugerem o início de um novo período histórico, engendrando esforços das mais diversas correntes teóricas em interpretar as novas características do capitalismo brasileiro, sobretudo aquelas mais diretamente ligadas às relações com o exterior, momento em que surgem e noções e conceitos que vão de país emergente e global player até semi-periferia. Dentre essas correntes, ganha peso a que se propõe resgatar e discutir o conceito de subimperialismo, cunhado originalmente por Ruy Mauro Marini, para interpretar o Brasil contemporâneo. A presença da expressão “imperialismo” em sua terminologia origina uma reação inusitada em muito daqueles que tomam contato com o termo: a redução do mesmo a uma explicação do expansionismo internacional do Brasil, envolvendo dois elementos teóricos equivocados. O primeiro elemento é a visão de que a maior projeção regional e internacional brasileira decorre essencialmente de uma vontade do Estado, desconsiderando as influências que a organização da economia e das classes sociais impõem ao Estado e sua política externa. O segundo elemento é a visão do subimperialismo como um sistema ou sub-sistema autônomo, independente e até mesmo apartado do desenvolvimento do imperialismo e da economia mundial, o que impossibilita a formulação de uma explicação para processos semelhantes que ocorrem na China, Índia e Rússia. Este trabalho busca i) mostrar a necessidade de considerar a dimensão econômica e a configuração de classe na explicação da projeção externa do capitalismo brasileiro,; ii) esboçar, sob o enfoque subimperialista, a influência que as características da atual fase do capitalismo exerce sobre a consolidação de um conjunto de centros medianos de acumulação; e iii) sugerir um quadro que contemple o papel do subimperialismo brasileiro na construção de uma hierarquia geopolítica latino-americana. Para Marini, o subimperialismo expressa uma dinâmica particular que a economia, a luta de classes e a política externa assumem naqueles países dependentes que, dentro de uma hierarquização dos países capitalistas em forma piramidal, tornam-se centros medianos de acumulação. Tais centros medianos de acumulação subimperialistas apresentariam o exercício de uma política externa expansionista relativamente autônoma, cuja forma específica é a de cooperação antagônica com os centros imperialistas, cujo cerne é a coexistência entre uma colaboração com a estratégia geopolítica do imperialismo em manter e desenvolver as relações capitalistas por todo o globo, e frequentes choques pontuais com esta mesma estratégia para galgar posições mais elevadas na hierarquia capitalista de países. Os centros medianos de acumulação subimperialista também alcançaram uma composição orgânica média em escala mundial dos aparatos produtivos nacionais, decorrente de uma organização monopolista dos principais ramos da economia dependente, e apresentariam um cenário de alianças burguesas no bloco dominante em torno da busca de mercados externos. Tal formulação mostra a impossibilidade de restringir o subimperialismo a uma expressão de política externa estatal, pois a mesma encontra determinantes na composição orgânica média da economia e no caráter das alianças burguesas no poder. Entretanto, o subimperialismo pressupõem a importância da intervenção estatal, pois é em função dela que se torna possível “fundamentar o projeto, não de uma estrutura subimperialista, senão de uma política subimperialista”, seja por intermediar a política externa de cooperação antagônica, seja por influir na luta de classes contra os trabalhadores, seja ainda por atuar na acumulação de capital das economias dependentes. Há a interpretação de que o subimperialismo poderia constituir-se um sistema autônomo, independente e até mesmo apartado do imperialismo, tomando como independentes da evolução do capitalismo mundial a política externa expansionista, o aumento da composição orgânica média da economia e a aliança de classes local. Entretanto, constata-se a ascensão simultânea de um conjunto de economias periféricas na hierarquia capitalista, as quais responderiam a constituição de quatro eixos na nova etapa histórica do capitalismo mundial. O primeiro eixo da nova fase do capitalismo é o desenvolvimento mundial das finanças a partir da década de 1970, em suas várias dimensões, incentivando um intenso processo de concentração e centralização de capital nos centros medianos de acumulação, junto a uma rodada de expansão das multinacionais para tais regiões, implicando na construção de novas plantas produtivas e aquisição de empresas locais estatais e privadas (processo de centralização); além de transplantar para o âmbito local tecnologias de produção e gestão, possibilitou a entrada e consolidação de instituições financeiras estrangeiras, desenvolvendo os mercados locais e possibilitando às frações burguesas locais levarem à frente grandes processos de concentração e centralização empresarial, desaguando na proliferação de grandes grupos multinacionais de origem local. O segundo traço é a ampliação do mercado capitalista mundial pela incorporação da China e das sociedades que compunham o chamado antigo Leste Europeu às relações tipicamente capitalistas de propriedade privadas dos meios de produção e assalariamento da força de trabalho, impulsionando o crescimento da economia mundial. Este novo contingente de força de trabalho possibilitou um período de elevação de taxas e massas de mais-valia por todo o globo, seja de forma direta, pelas frações burguesas locais coordenando a exploração do novo contingente de força de trabalho, seja de forma indireta, pelo capital internacional que incorporava esta mesma força de trabalho em sua cadeia produtiva, seja pela produção de mercadorias nestes locais, seja pelo uso da mobilidade de capitais como impulsionador da concorrência entre diferentes mercados de trabalho. A terceira característica é a capacidade da coordenação mundial norte-americana sobre os interesses imperialistas, restringindo a possibilidade de atritos intra-imperialistas de alta intensidade, e direcionando as ações militares do bloco imperialista e o transplante de modelos de livre mercado do centro para a periferia capitalista. O quarto traço é uma intensa re-estruturação do mundo do trabalho, apoiado na integração de novas tecnologias de informação à gestão da força de trabalho. Este processo tem a singularidade de abordar com mais intensidade a força de trabalho já incorporada ao padrão típico de assalariamento capitalista, implicando no aumento das jornadas de trabalho, precarização das relações de trabalho e captura da subjetividade do trabalhador pelo capital. Cabe questionar até onde as análises concentradas na projeção e protagonismo regional e internacional desde os aparelhos estatais, e mais especificamente no caso brasileiro, são suficientes para explicar a nova hierarquia entre os próprios países dependentes. Se uma das características marcantes da integração capitalista dos últimos anos é a suposta redução da área de influência estatal, deixando livre a dinâmica e organização capitalista, como esses Estados repentinamente passam à cena central da nova etapa histórica do capitalismo? Desde a perspectiva latino-americano, a integração do subcontinente à nova fase tem início na crise da dívida na década de 1980. Nesse processo, os países latino-americanos passam da alcunha de “países em desenvolvimento” para “mercados emergentes”. Mais do que uma mudança na nomenclatura, a nova fase da integração capitalista mundial aprofundou as disparidades e dentro da própria América Latina. Isso significa que para os “mercados emergentes” latino-americanos, a mundialização do capital realizou uma forma de integração seletiva em acordo com os potenciais de fornecedor de matérias-primas, de dispersão de etapas produtivas ou de serviços com relação a baixos salários, mercado interno potencial e as possibilidades de valorização da finança conforme o potencial de privatizações e/ou fusões estratégicas. Neste quadro de reforço da dependência da América Latina ao mercado mundial, o reforço das relações econômicas do Brasil com os demais países do continente, via presença de multinacionais, exportação de produtos manufaturados e concessão de financiamentos, influência diretamente a constituição das relações de produção de outros países da América Latina, reforçando a condição de dependência dos mesmos.