0 O INDIVÍDUO NA ORGANIZAÇÃO

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o INDIVIDUO NA ORGANIZAÇÃO
Atuahnente, O tema da comunicação está na moda em toda parte do mundo e, principahnente, no universo da
gestão. Na era das mídias, é obrigatório se comunicar. É um imperativo. "A aldeia global", tão querida de Marshall
McLuhan, substituiu "a galáxia Gutenberg". Esta "vontade de comunicar" exprime-se não apenas no desenvolvimento das
redes de comunicação, mas também em um número expressivo de publicações especializadas no assunto. Ora, esta
efervescência mediática e comunicacional repousa ainda em grande parte sobre a concepção mecânica e instrumental da
comunicação (Sfez, 1988). Isto é particularmente verdade no mundo dos negócios. Estamos, com efeito, um pouco na
situação daquele que falaria constantemente de comunicação, mas esquecendo-se de que o ser humano é um ser de palavra
e de linguagem. Esta concepção, muito instrumental, não se deve ao acaso. Tem suas raízes em uma teoria, ou melhor,
numa metáfora (Morgan, 1989) comunicacional herdada dos engenheiros e dos matemáticos da informação (Shannon e
Weaver, 1949), cujas afInidades com o mundo da gestão, voluntariamente econoinicista e tecnicista, como vimos na
introdução do volume 1 desta coletânea, são nun1erosas. Impulsionados pelos imperativos da rentabilidade, da efIcácia,
da efIciência e da racionalidade, numerosos são os que, no universo das empresas, viram, até o presente, a palavra e seu
exercício como perda de tempo e de dinheiro, enquanto, paradoxahnente, ela constitui uma realidade onipresente
(Mintzberg, 1973) e a massa de docun1entos escritos não cessa de aumentar (Goody, 1986). As numerosas queixas dos
executivos relativas ao exagerado número de horas consagrado às reuniões, ou à extensão dos relatórios, a proibição de
falar em alguns postos de trabalho, o desenvolvimento da comunicação por memorando e recados escritos são alguns
exemplos desta intolerância que se exprime em relação à expressão oral nas organizações.
Estes pontos de vista, que podem, em certas situações, ser justilicados, não dizem respeito apenas ao mW1do da
gestão. O universo político, onde se exige do político que ele reduza cada vez mais seu vocabulário, o universo escolar,
onde a parte destinada à aprendizagem da língua escrita e falada é com freqüência reduzida ao nível do blá-blá-blá, o universo das mídias e, principahnente, da televisão, onde as mensagens devem ser cada vez mais curtas, testemw1ham, cada
uma a sua maneira, que esta concepção, antes de tudo instnm1ental e funcional, da linguagem e da palavra está bem
presente em outras esferas da vida. Comunicar resume-se na maior parte do tempo, à transmitir uma informação.
Diante de tal situação, não é de se admirar que os interesses de pesquisas que envolvem a comunicação nas
organizações têm amplamente incorporado esta tendência. Negligenciando em grande parte as aquisições das ciências da
linguagem, as ciências do "comportamento organizacional" limitaram-se a refletir os interesses e a visão de que podia ter
um mundo regido pelas categorias da razão econômica e técnica.
Todavia, depois de alguns anos, esta situação começa a mudar. A complexidade dos fenômenos humanos e as
diliculdades encontradas no campo da comunicação humana obrigam alguns pesquisadores a redirecionarem suas
reflexões e a explorarem o conjWItO de conhecimentos acwnulados pelas disciplinas que se interessam de perto pelas prá
° SER HUMANO, UM SER DE PALAVRA
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ticas dos lingüistas. O crescimento das ciências cognitivas participa igualmente deste movimento (Varela, 1989). O
pensamento, a palavra e a linguagem, dimensões até então esquecidas, ressurgem, interrogam e esclarecem o
comportamento humano nas organizações. Dão outra imagem da comunicação: o modelo da comunicação codificada ou
então telegráfica cede lugar a um modelo sociolingüístico que coloca no centro a palavra e a linguagem. Este último
lembra a todos a importância que eles têm e o papel que exercem na realidade cotidiana, mesmo sabendo, por outro lado,
que o mundo não pode jamais reduzir-se às palavras que o designam (Sahlins, 1989). A palavra e a linguagem, como demonstra claramente o texto programático de Jacques Girin neste volume, têm várias funções. Elas não podem, em
nenhuma hipótese, ser reduzidas a uma só, a saber, a de informar. Porque, além desta função de informação, o dizer) como
o qualificou o lógico JeanBlaise Grize (1985), existem três outras funções. Inicialmente, a função de expressão ou o falar)
pela qual o indivíduo exprime o que ele é, sua afetividade, suas emoções (Beneniste, 1966), idéias retomadas e
desenvolvidas no contexto da gestão para Alain Chanlat e Renée Bédard no Volume 1 desta coletânea, ou ainda pela qual
se constroem e se desconstroem as identidades coletivas, como demonstram Anni Borzeix e Daniele Linhart neste
volume. Em seguida, a ação através dos atos da palavra ou do fazer (Austin, 1975), como cada um dos autores citados
anteriormente nos lembra, a esta simples, mas muito importante, expressão que não se fala nunca para não se dizer nada!
EnfIm, a terceira e última, a função cognitiva, o pensar) mostra-nos como o conhecimento e o pensamento são
indissociáveis da linguagem e como participam não apenas da construção intelectual das organizações, mas também da
ação, como nos sugere Richard Déry neste volume, principalmente através da argumentação, reintroduzindo também o
papel e a importância da retórica.
A palavra e a linguagem articulada não são, todavia, os únicos modos de comunicação. Como nos lembram P.
Feyereisen e J.-D. de Lannoy no Volume 2 desta coletânea, a comunicação não verbal acompanha sempre a palavra, e
constitui, mesmo em alguns casos, o único meio de comunicação. Todavia, estes dois autores nos lembram igualmente de
que comunicação nem sempre é sinônimo de linguagem, no signifIcado que os lingüistas lhe atribuem.
A palavra e a linguagem, esta última por sua natureza e suas funções que intervêm em diversos níveis quando uma
pessoa se exprime, estão na base deste agir comunicacional, do qual Habermas (1987) coloca as modalidades do existir.
Do ser humano, reduzido a ser apenas um emissor ou um receptor segundo o modelo de codiflcação, esta nova visão da
comunicação, que aparece hoje no campo das organizações e da gestão, nos remete a um ser de palavra, cuja expressão
não somente o constitui enquanto ser, mas também dá um sentido a tudo o que o envolve e a sua existência (Gusdorf,
1988). Como escreve com exatidão P. Pharo, "estudar a palavra é um meio de ter acesso às duas faces essenciais da visão
sobre o mundo: a face objetiva e referencial e a face "subjetiva" ou pragmática, mais exatamente, que é o modo
pragmático pelo qual se faz aparecer as coisas das quais se fala" (Pharo, 1988b: 15-16). Esta nova visão permite-nos
igualmente distinguir o que se entende por palavra, expressão individual, linguagem, faculdade de falar, língua, sistema
lingüístico próprio de uma coletividade, e práticas lingüísticas, modalidades específIcas de um
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gmpo em determinado contexto (Hagege, 1985; Actes du colloque, 1989). Elas nos permitem enfIm compreender que o
pensamento, a palavra e a linguagem só adquirem sentido em determinado contexto social (Whorf, 1969; Bourdieu,
1982), onde as relações de poder exercem um papel determinante (Hagege, 1985; Foucault, 1983; Mumby, 1987) na
constituição da palavra legítima e da verdade (Legendre, 1983).
Esta aproximação lingüística e cognitiva da realidade humana das organizações nos parece muito mais fecunda,
porque ela atinge a própria defmição da humanidade e a intersubjetividade, a intercompreensão, a interpretação e o
diálogo que dela resultam necessariamente. O mundo da organização é um universo de linguagens e de palavras não ditas
no interior do qual se entrechocam as palavras individuais, as práticas lingüísticas escritas e orais de operários,
empregados, executivos, dirigentes; os silêncios e a ordem em uma língua ou línguas ofIcialmente reconhecidas pelo
Estado, ou ainda em uma língua imposta pelo investidor estrangeiro, ou pela ordem mundial. Esta pluralidade lingüística,
freqüente fonte de tensões, ao mesmo tempo, tanto no interior como no exterior da organização, mostra-nos que o choque
concreto de línguas exprime em outro nível, de certo modo, o conflito entre identidades coletivas distintas (Hagege,
1987). O campo das organizações, no plano lingüístico, não está então ao abrigo dos sobressaltos da ordem social e da
ordem mundial. Assim, a palavra ou as diversas linguagens, enquanto expressão individual ou coletiva, que surgiram do
campo organizacional, demonstram que "as palavras são testemunhas do ser: o que se passa no universo do discurso é o
destino mesmo das almas" ( G. Gusdorf, 1988: 96) restando ao mundo da gestão assumir esta realidade e agir em conformidade.
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