OPINIÃO - LUIS Benia

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Luis Roberto Benia
Médico-psiquiatra, Mestre em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS
[email protected]
O objetivo deste texto é o de realmente expressar uma opinião. Sabemos que há
uma tendência geral
de medicalização da sociedade, de um reducionismo ao biológico na explicação das
ações humanas e também
na explicação do sofrimento psíquico. Isto faz com que a busca por medicamentos
para este tipo de
sofrimento tenha aumentado enormemente nos últimos anos. Existe já uma grande
produção teórica em torno
deste tema e os editores desta revista têm o mérito de colocá-la em pauta.
Penso ser interessante, para contribuir para essa discussão, que nos
aproximássemos do cotidiano do
trabalho que acontece nos consultórios e, talvez mais ainda, nos ambulatórios e
postos de saúde, onde a
maioria das pessoas vai buscar atendimento.
A maioria das pessoas que nos procuram já vêm com concepções pré-fabricadas a
respeito de seu
sofrimento e decididamente querem tomar algum tipo de remédio, de preferência o
mais moderno, para acabar
com seu mal-estar. Grande parte de nosso trabalho é desfazer essa idéia de que
existe uma fórmula mágica
para isso, apontar os limites da medicação e apontar também para a necessidade
de um trabalho terapêutico no
qual o paciente terá uma participação ativa. Mostrar-lhe que o que sente, seus
sintomas, não são meros
produtos de um distúrbio químico no cérebro, ou de fatores genéticos, mostrarlhe que há algo a mais, algo
que está na sua história, no modo como a vem conduzindo ou se deixando por ela
conduzir.
Mas esta é uma situação bem conhecida. Por outro lado, há quem nos procure com
muitos receios,
muitas vezes reforçados por um discurso que vê na medicação o vilão do filme. Eu
gostaria de comentar
alguns desses receios e críticas ao emprego dos psicofármacos, que se expressam
através de frases bastante
comuns como as que seguem:
“Eu sou contra os medicamentos porque eles causam dependência.” É verdade que os
psicofármacos podem causar variados graus de dependência, mas não mais que
tantas outras substâncias que
nos são oferecidas todos os dias. Estamos acostumados a regular nosso humor e
outras manifestações de
nossos corpos, tais como a fome, o sono, a fadiga etc, lançando mão de um grande
número de pequenas
drogas, do chocolate ao café, dos complementos vitamínicos aos chás e floras de
todo o tipo. O que importa é
a relação que o sujeito irá desenvolver com o uso de determinada substância, e
para isso tanto o médico
quanto os outros terapeutas, no caso de um atendimento interdisciplinar, devem
estar atentos. A relação de
dependência depende muito da forma como a medicação é prescrita, do que é dito a
seu respeito, do
significado atribuído a ela para a vida de cada um.
“O remédio é só um paliativo, não trata a causa do problema.” Eis aí um
argumento verdadeiro,
só que mal colocado. Existem poucas substâncias efetivamente curativas na
medicina. Com exceção dos
antibióticos, que eliminam a causa das infecções, e das vacinas, que modificam a
resposta imunológica do
organismo, os outros medicamentos se limitam a corrigir alterações
fisiopatológicas sem incidir
verdadeiramente sobre a causa das doenças. Isto é assim com os remédios para
diabetes e outros distúrbios
hormonais, para doenças cardíacas, reumáticas, neurológicas, entre outros. E o
fazem com considerável
eficácia, prolongando a vida e, principalmente, melhorando a qualidade de vida
de muitas pessoas. Isto não é
pouca coisa, mas geralmente é deixado de lado nas discussões sobre o lugar dos
medicamentos. A qualidade
de vida não é apenas mais um dos ideais de nossa sociedade narcísica, do homem
preocupado com o cuidado
de si mesmo. É também um indicador de saúde e uma demanda legítima de quem
procura um profissional da
área da saúde.
Existem ainda os remédios para aliviar a dor. Porque soa um tanto incorreto, em
nosso meio, que
alguém não queira sentir dor? Obviamente, pode-se argumentar que as pessoas,
hoje em dia, querem sentir o
mínimo de dor possível, que não suportam sequer a “dor de existir”. É verdade,
talvez não devêssemos
favorecer esta tendência geral. Mas esta atitude também tem limites,
principalmente quando percebemos o
quão difícil se torna para alguns pacientes viabilizar minimamente sua vida sem
uma sustentação
farmacológica. Aquele teórico que faz a crítica de nossa sociedade medicalizada,
direcionada para a
produtividade em larga escala, não hesitará em tomar um remédio caso ele mesmo
fique incapaz de produzir
seu texto. Às vezes, um paliativo é muito bem-vindo.
Outra crítica, bastante pertinente, é de que as pessoas em geral, e os médicos
em particular, querem
encontrar sempre o meio mais rápido, mais fácil, e mais barato (em termos
subjetivos) para por um fim ao
sofrimento (de ambos). Aquele que busca um alívio no remédio tende a não se dar
conta das condições de
produção deste mesmo sofrimento, peça em que é autor, diretor e ator ao mesmo
tempo. Mas isso não é um
problema da medicação em si, mas sim da postura de quem a utiliza e de quem a
prescreve. Uma prescrição
criteriosa e atenta, capaz de situar para o paciente o alcance da medicação,
tendo claros os seus limites, pode
ajudá-lo a desenvolver uma outra atitude e torná-lo autor de seu próprio
tratamento.
“Tomar remédio significa uma derrota para mim. É como se eu não pudesse vencer
por
minhas próprias forças.” Este é um receio que parte de um lugar subjetivo
diferente. Revela um esforço do
paciente em tentar lidar com seu próprio mal-estar. Mas, por outro lado, não
deixa de ser uma postura
onipotente. Quem é, afinal, que lhe pede tamanho esforço? Tanta exigência
consigo mesmo, a custa, às vezes,
de enorme sofrimento, não costuma ser muito produtiva no processo terapêutico.
Vejam esse exemplo: um
analista vive um período extremamente difícil em sua vida, enfrenta crises de
angústia, da qual fala em sua
própria análise. Quando está atendendo seus pacientes, porém, a angústia lhe
surge como um ruído de fundo
que lhe tira toda a concentração, prejudicando sua escuta. Em certas ocasiões, o
volume deste ruído de fundo
aumenta tanto que chega ouvir as batidas de seu coração. O que fazer quando
nosso próprio corpo não faz
silêncio? A atitude mais honesta e corajosa deste homem foi a de reconhecer suas
limitações nestas
circunstâncias e buscar auxílio na psicofarmacologia. Assim, pôde continuar seu
trabalho, o que, afinal, é o
seu desejo.
“O uso de medicamento faz com que o paciente se responsabilize menos por seu
processo
terapêutico.” É uma questão difícil. Há uma variedade de situações possíveis. De
um lado, temos o exemplo
anterior, no qual a responsabilidade pelo tratamento passa por admitir a
necessidade do uso do psicofármaco.
De outro, sabe-se que o medicamento cria uma expectativa de alívio, às vezes
bastante fantasiosa. Quando é
eficaz (é bom lembrar que em um grande número de caso não o é), pode produzir um
certo acomodamento no
sujeito e alguns certamente irão preferir a quietude alcançada neste estado a
seguir em um processo de
análise. Mas isso não é um problema que surge apenas com o uso de medicamentos.
Quantos pacientes
deixam o tratamento quando encontram uma nova relação amorosa, por exemplo?
Aliás, motivos para se
abandonar o tratamento são fáceis de encontrar. É uma escolha e, como tal, tem
suas implicações. Os médicos
deveriam estar mais conscientes disso, e não estimulá-la. Pois, de um ponto de
vista estritamente
epidemiológico, que é o que dá as diretrizes para as decisões em medicina, as
pesquisas demonstram que o
tratamento combinado de psicoterapia e medicações traz melhores resultados que o
tratamento feito apenas
com medicamentos. Isto significa lembrar aos médicos que os psicofármacos são um
entre vários recursos
para tratar seus pacientes, ou seja, que a medicina não se reduz à biologia.
Por último, gostaria de expressar a opinião de que não considero os
psicofármacos apenas paliativos.
Eles são coadjuvantes no tratamento, já que, em muitas situações agudas de
angústia, de depressão severa ou
em outras situações de crise, são eles que permitem que o tratamento aconteça. É
comum que nessas
condições os pacientes não consigam nem falar de seu sofrimento e o medicamento
viabiliza isso.
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