FILOSOFIA MEDIEVAL Período: Final do Helenismo (séc. IV-V) até Renascimento (final do séc. XV e séc. XVI) Duas fases: I – (Sécs. V a IX-X): Da queda do Império Romano (séc. V) até estabilização política e econômica (sécs. IX-X). II – (Sécs. XI a XV): Desenvolvimento da escolástica, criação das universidades (séc. XII), até a crise da escolástica e surgimento do humanismo renascentista (sécs. XV- XVI). O SURGIMENTO DA FILOSOFIA CRISTÃ NO CONTEXTO DO HELENISMO Tradição cultural ocidental → síntese do judaísmo, cristianismo e cultura grega Como se justifica relação religião X filosofia? (revelação X rompimento com pensamento mítico) Helenismo → contexto político e cultural que permitiu aproximação entre a cultura judaica e a filosofia grega → mais tarde, possibilitará o surgimento de uma filosofia cristã. Alexandria (séc. I a.c.) → ambiente cosmopolita onde conviviam várias culturas: egípcia (local); grega (fundadores da cidade); romana (conquistadores); judaica (presença de grande comunidade). Fílon, o judeu (25 a.c. – 50 d.c.) → -Judeu helenizado -Primeiro que fez aproximação entre a filosofia grega e a cultura judaica -Fez comentários ao pentateuco (livro da lei – 5 livros iniciais do antigo testamento), aproximando-o da filosofia grega, principalmente da platônica. Ex: Cosmologia platônica - origem do cosmo: demiurgo olha as formas/idéias e organiza a matéria, dando origem às coisas X Criação do mundo (Gênesis) – Deus cria o cosmo contemplando formas/idéias dentro (e não mais fora) de sua mente. (Observa-se aqui a origem da mudança de concepção sobre as formas, passando de entidades independentes, existentes em um mundo próprio, a unidades mentais, primeiramente na mente divina, e após, na mente humana (Descartes)) -Retoma conceito de “logos”, interpretando-o como o princípio divino a partir do qual Deus opera no mundo. -Abre caminho para síntese entre cristianismo e filosofia grega→ na época o cristianismo era visto mais como uma seita/facção do judaísmo do que como religião autônoma. Judaísmo e outras religiões da época eram religiões de um povo, de uma cultura → Cristianismo tinha a pretensão de se difundir, de ser uma religião universal (conflito fariseus X Paulo) História do Cristianismo e sua aproximação com a filosofia No séc. I: -Núcleos de fiéis nos centros urbanos, com liderança local (que futuramente seriam os bispos) -Igreja: termo derivado de “ecclesia”, que significa assembléia ou reunião de uma comunidade -Não existia unidade doutrinária -Filosofia teve papel na formulação da unidade doutrinária (doutrina ortodoxa) Patrística (doutrina dos padres (pais) da igreja) → São Justino e os Apologetas → Cristianismo é a verdadeira filosofia. Defendiam necessidade de uma filosofia cristã Primeiros representantes importantes da filosofia cristão → Escola neoplatônica cristã de Alexandria → Destacam-se: Clemente de Alexandria (120 – 215) - Retoma Fílon, o judeu: a criação e logos - Papel pedagógico da filosofia: preparação do espírito para a revelação Orígenes (184 – 254) - Também comentou a Gênesis - Conhecimentos filosóficos como sendo propedêuticos ao cristianimo Oposição ao recurso à filosofia Grega (por ser pagã e ter métodos e discussões perniciosas): Taciano (séc. II); Tertuliano (155-222); e Lactâncio (240-320) Conflito entre razão e fé: Razão, conhecimento e filosofia → caminho, preparação para a fé ou Fé, sabedoria revelada, independeria da filosofia, não podendo ser justificada ou explicada Perda do caráter crítico – aceitação dos dogmas Posição dos defensores da filosofia triunfa no período da Igreja conciliar (quando foram realizados importantes concílios e fixada a doutrina legítima). Uso da lógica, retórica e metafísica nas discussões e entendimento das escrituras Leitura seletiva dos gregos – Metafísica platônica (dualismo entre mundo espiritual e material) - Lógica aristotélica - Retórica e ética estóicas (resignação, austeridade, autocontrole) SANTO AGOSTINHO (354 – 430) -Influenciou a elaboração e consolidação da filosofia cristã na Idade Média, até a redescoberta do pensamento de Aristóteles no séc. XIII -Aproximou a filosofia de Platão e o cristianismo Três aspectos fundamentais de sua filosofia: 1. Sua formulação das relações entre teologia e filosofia, entre razão e fé -Defende que a filosofia antiga consiste em uma preparação da alma, útil para a compreensão da verdade revelada. -A sabedoria do mundo é limitada, sendo necessário primeiro acreditar para depois compreender -A verdadeira e legítima ciência é a teologia, que prepara a alma para a salvação. 2. Sua teoria do conhecimento com ênfase na questão da subjetividade e da interioridade -Como pode a mente humana, mutável e falível, atingir uma verdade eterna com certeza infalível? → Teoria da iluminação divina, elaborada com base na teoria platônica da reminiscência. Veja-se: Platão → A virtude não pode ser ensinada. Ou já a trazemos conosco, ou nenhum mestre será capaz de introduzi-la em nossa alma, uma vez que é uma característica da própria natureza humana. Função do filósofo → despertar virtude adormecida na alma de todos os indivíduos. Santo Agostinho → Indagações iniciais: o que é ensinar e aprender e qual o papel da linguagem e da comunicação no processo de ensino e de aprendizagem. → Dada a convencionalidade do signo lingüístico, este não pode ter qualquer valor cognitivo mais profundo; não é através das palavras que conhecemos, logo, não podemos transmitir conhecimento pela linguagem. → Possibilidade de conhecer supõe algo prévio, que torna inteligível a própria linguagem → Posição inatista: conhecimento não pode ser derivado da apreensão sensível ou da experiência concreta, necessitando de um elemento prévio que sirva de ponto de partida para o próprio processo de conhecer → Não aceita doutrina platônica da anamnese (reminiscência), desenvolvendo teoria da interioridade e da iluminação → teoria da iluminação: não compreendemos consultando a voz de quem fala mas “a verdade que dentro de nós preside a própria mente, incitados talvez pelas palavras a consultá-la”. Essa verdade, que é consultada, é Cristo (luz interior de verdade), que habita no homem interior. → A interioridade é dotada de capacidade de entender a verdade pela iluminação divina. A mente humana possui uma centelha do intelecto divino, já que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. 3. Sua teoria da história elaborada em “Cidade de Deus” História da humanidade → processo sucessivo de alianças e rupturas entre o homem e seu criador → história tem um sentido, uma direção, com um ponto inicial e um ponto final, que é o retorno à situação originária (primeiro homem (adão) expulso do paraíso ao juízo final, redenção, volta do homem a Deus) → rompe com concepção grega antiga de tempo, um tempo cíclico, sem início nem fim O DESENVOLVIMENTO DA ESCOLÁSTICA Santo Agostinho é considerado o primeiro dos pensadores medievais. Após sua morte e até os séculos XIXII é extremamente reduzida a produção filosófica e cultural em geral no mundo europeu ocidental. Outro autor notável na mediação entre a filosofia antiga e a filosofia cristã medieval é Boécio (470-525). Fragmentação política, cultural e lingüística do mundo europeu. Início de estabilização no século IX, com a formação do Sacro Império Romano Germânico Criação da Academia Palatina → Destaques para Alcuíno de York (730-804) e Escoto Erígena (810-870) Escoto Erígena (810-870) – Revitalização da filosofia cristã Fragmentação do Sacro Império Romano Germânico com a morte de Carlos Magno Apenas em torno dos sécs. XI-XII assistimos ao surgimento da escolástica. O termo escolástica designa, de modo genérico, todos aqueles que pertencem a uma escola ou que se vinculam a uma determinada escola de pensamento ou de ensino. Santo Anselmo (1033-1109) e o desenvolvimento da escolástica -Considerado o primeiro grande pensador da escolástica -Segue a tradição agostiniana, procurando a aproximação entre a filosofia e a teologia, consagrando a fórmula “creio para compreender” e tendo como lema “a fé buscando a compreensão”. Em outras palavras: aquilo que a fé nos ensina pode ser entendido pela razão e a filosofia nos ajuda a argumentar em favor disso. Argumento (ou prova) ontológico(a) -Argumento para provar a existência de Deus -Argumento ontológico → ler págs. 119(fim)/120(início) -Conhecido como argumento “ontológico” porque, segundo o argumento, do conceito de Deus como um Ser Perfeito deriva-se a sua existência. Portanto, alguém que entenda esse conceito não pode coerentemente duvidar da existência de Deus. Logo, conclui-se que se pretende fazer uma passagem do campo lógico semântico (definição de Deus) para o campo ontológico (existência do ser correspondente a esse conceito) Objeções ao argumento ontológico Monge Gaunilo – Poderíamos pensar no caso da ilha perdida, a ilha mais perfeita, e o simples pensar nessa ilha acarretaria sua existência pelo mesmo raciocínio. (Santo Anselmo responde que apenas Deus é o Ser Necessário, sendo, assim, o argumento válido somente para Deus. Introduz assim a noção de necessidade como central para o argumento. Kant – Nas proposições abaixo a parte sublinhada ocupa o lugar de predicado: (A) Deus é o ser do qual não se pode pensar nada maior (B) Deus existe No entanto, “existe” não é do ponto de vista lógico um predicado e sim uma condição para que algo possa ter predicados. Em relação à necessidade, se de fato é possível argumentar que a existência não é um predicado, por outro lado, parece legítimo sustentar que a existência necessária é um predicado. Seria contraditório sustentar-se a inexistência do ser necessário. No entanto, a noção de necessidade é sujeita a discussões. Diferenciação entre necessidade lógica e analítica (diz respeito a definições) e necessidade ontológica (diz respeito a existência real). A FILOSOFIA ÁRABE: UM ENCONTRO ENTRE OCIDENTE E ORIENTE A presença dos árabes na Península Ibérica traz um novo conhecimento da filosofia e da ciência gregas, sobretudo de tradição aristotélica, para a Europa Ocidental -A cultura árabe era herdeira da mesma tradição grega, ou helenística, de que se considerava herdeiro o mundo cristão. -Por uma série de fatores (descritos no livro), os árabes detinham um conhecimento muito superior ao que havia na Europa ocidental, e foi sua influência que permitiu o grande desenvolvimento da filosofia escolástica a partir do ser. XIII. -Devido à influência de Santo Agostinho e de seus seguidores, havia uma forte tradição platônica cristã, sendo a penetração do pensamento de Aristóteles vista como problemática e até mesmo herética. Além disso, a origem árabe das traduções a tornava duplamente condenável. O ensino do pensamento de Aristóteles chegou a ser amplamente proibido na época, sendo São Tomás de Aquino que desenvolveria, posteriormente, um sistema compatibilizando o aristotelismo com o crisitanismo. SÃO TOMÁS DE AQUINO (1224-1274) Mundo europeu dos sécs. XI-XII → centros urbanos. Séc. XIII → surgimento das universidades e das ordens religiosas Compatibilizou o aristotelismo e o cristianismo No início foi “condenado”, passando, ao passar do tempo, a sua doutrina a ser considerada a doutrina oficial da igreja As “cinco vias” da prova da existência de Deus Suma teológica Primeiro tratado (Tratado de Deus) Segunda Questão (A existência de Deus) Primeiro artigo – Se a existência de Deus é auto evidente Primeiro argumento – Consiste em entender o conhecimento auto-evidente como inato, natural ao homem. O conhecimento de Deus seria sim natural ao homem e, portanto, auto-evidente. Resposta – O homem possui um conhecimento natural confuso de Deus – entendido, por exemplo, como “a felicidade do homem” - , mas isso não equivale a um conhecimento absoluto de que deus existe. Segundo argumento – Deus é o ser supremo, aquele maior do que nada pode ser pensado; ora, quem entende essa definição de Deus, isto é, a tem presente em seu intelecto, deve aceitar a existência real de Deus, pois caso Este não existisse, haveria algo maior do que Ele, já que existir é mais do que não existir, e com isso teríamos uma contradição Resposta – Rejeita passagem de existência no intelecto para existência real. Primeiro porque esta definição pode não ser aceita e, nesse caso, o argumento seria circular porque pressupõe o que quer demonstrar. Em segundo lugar porque a existência no intelecto é diferente da existência no real Terceiro argumento – Baseia-se na noção de que a existência da verdade é auto-evidente, já que é impossível negar a verdade, pois aquele que a nega supõe que a sua negação seja verdadeira. Ora, o evangelho proclama que Deus é a verdade, portanto a existência de Deus é auto-evidente. Resposta – A existência da verdade em geral é auto-evidente, mas não de uma verdade primeira determinada. Além disso, conforme Aristóteles, não se pode pensar o oposto do que é auto-evidente, como se pode pensar que Deus não existe: a existência de Deus não é auto-evidente. Conclusão – Como não conhecemos diretamente a essência de Deus, Deus não é auto-evidente, precisando ser demonstrado através daquilo que conhecemos. Segundo artigo – Se a existência de Deus pode ser demonstrada Primeiro argumento – A existência de Deus não pode ser demonstrada uma vez que é artigo de fé: uma demonstração produz conhecimento e Deus não é conhecido como tal Resposta – A existência de Deus e de seus atributos enquanto elementos da razão natural não são artigos de fé, mas pressupostos destes. Segundo argumento – Não se pode demonstrar que Deus existe porque a essência de Deus não pode ser conhecida e a essência é pressuposta na demonstração. Só se pode dizer o que Deus não é. Resposta – Em uma demonstração não se supõe um conhecimento da essência mas parte-se apenas do sentido do nome daquilo cuja existência se quer demonstrar e o sentido do nome de Deus é constituído simplesmente por seus efeitos. Terceiro argumento – Só se poderia demonstrar a existência de Deus por seus efeitos, ora seus feitos lhe são inferiores, uma vez que Deus é infinito mas seus efeitos são finitos. Resposta – Embora a partir dos efeitos não possamos alcançar um conhecimento perfeito de Deus, podemos demonstrar sua existência. Diferencia dois sentidos para “demonstrar”: a) pode-se demonstrar da essência às suas propriedades, da causa ao efeito. Isso, porém, é impossível para a razão humana pois equivale a argumentar a partir daquilo que é primeiro em sentido absoluto b) pode-se demonstrar algo a partir dos efeitos, dos efeitos para a causa Terceiro artigo – Cinco vias da demonstração da existência de Deus Primeira via – Argumento do movimento: só algo que existe em ato pode atualizar uma potência. Não se pode admitir uma regressão ao infinito. Deus é o primeiro motor. Segunda via – Nada pode ser a causa eficiente1 de si próprio, pois nesse caso seria anterior a si próprio. Não se pode admitir uma regressão ao infinito. Deus é a primeira causa eficiente. Terceira via – Argumento cosmológico (toma por base as noções aristotélicas de necessidade e contingência): constatamos a contingência na natureza, mas nem todas as coisas podem ser contingentes, senão seria possível que não houvesse nada. Mas aquilo que não existe só pode começar a existir a partir do que já existe antes. É preciso assim que algo do que existe seja necessário. E Deus é o primeiro ser, origem de toda necessidade. Quarta via – Toma como ponto de partida os graus existentes nas coisas. Todas as coisas que têm um predicado, ou qualidade, em um grau maior ou menor, se caracterizam por um termo comparativo, portanto pressupõe como parâmetro o máximo. Deus é o ser perfeito, isto é, aquele que tem o máximo de perfeição (entendida como o máximo de realização de atributos ou qualidades) Quinta via – Argumento teleológico: deve haver um propósito ou finalidade na natureza, caso contrário o universo não tenderia para o mesmo fim ou resultado. A causa inteligente dessa determinação é Deus. Novidade do pensamento de São Tomás de Aquino → Demonstração da existência de Deus a partir da razão natural → revaloração do mundo natural como objeto de conhecimento → Vai contra as seguintes concepções anteriores: 1- Pode-se conhecer Deus diretamente e através de uma evidência, sem passar pelo mundo sensível; 2- Só se pode conhecer Deus pela fé; 3- Só se pode falar de Deus se já se sabe quem ele é. Causa eficiente – consiste na fonte primária da mudança, o agente da transformação da coisa. Responde à questão: por que x é x?, ou o que fez com que x visse a ser x? (sobre as outras três dimensões da causalidade para Aristóteles, ler pág. 73) 1 GUILHERME DE OCKHAM (1300-1350) Filósofo mais influente do séc. XIV Posições originais e até revolucionárias nos campos da lógica, metafísica e teoria política Defende separação dos poderes espiritual (atributo do papa) e político (atributo do imperador) Posição original frente à questão dos universais (gêneros e espécies) Boécio (480-524) refere-se à questão sobre a natureza dos gêneros e espécies (os universais): Seriam entidades existentes em si mesmas, ou entidades mentais? Seriam independentes das coisas, ou existiriam nelas? Quatro correntes para responder às questões: Realismo platônico – Gênero e espécies seriam formas ou idéias, portanto entidades dotadas de existência autônoma, pertencentes ao mundo das idéias e independentes tanto das coisas concretas quanto de nossos pensamentos Realismo aristotélico2 – Gêneros e espécies existem nas coisas , como formas da substância individual, e podem ser conhecidas por nós através da abstração, em que destacamos do particular o universal. Conceitualismo – Os universais são conceitos , ou seja, predicados de sentença que descrevem o objeto, existindo portanto na mente como meio de unir ou relacionar objetos particulares dotados das mesmas características ou qualidades Nominalismo – Versão radical → Universais são apenas palavras, não existindo nenhuma entidade real correspondente a eles. Versão de Ockham → Universal é um termo que corresponde a um conceito por meio do qual nos referimos a essas qualidades ou características. O universal é a referência de um termo, e não uma entidade, mas tampouco é apenas uma palavra, já que existe o correlato mental, o conceito, por meio do qual a referência é feita. Navalha de Ockham → “Princípio de economia”, segundo o qual nossa ontologia (teoria sobre o real) deve supor apenas a possibilidade de existência do mínimo necessário. Termos e conceitos são suficientes para dar conta do problema dos universais, não havendo necessidade de supor entidades reais universais. A crise da escolástica Séc. XVI → Período de “dissolução da síntese da escolástica”. Problemas decorrentes da existência de dois paradigmas de filosofia cristã: agostiniano (influenciado por Platão) e tomista (influenciado por aristóteles) Arrevoísmo e Ockham → Defendiam separação entre teologia e filosofia 2 Posição adotada por São Tomás de Aquino