ANÁLISE DA CATEGORIA TRABALHO. SUA ABORDAGEM NOS LIVROS DIDÁTICOS DE SOCIOLOGIA E FILOSOFIA DO ENSINO MÉDIO Coan, Marival – UFSC GT: Trabalho e Educação/ n.09 Agência Financiadora: Não contou com financiamento. INTRODUÇÃO A temática do trabalho é muito recorrente nos dias atuais praticamente em todos os aspectos da vida em sociedade, portanto também na educação. No entanto a categoria trabalho é muito nebulosa. Cada arcabouço teórico tem um conjunto de explicações. Mesmo no interior do marxismo, há posições diversas. O projeto visa analisar esta categoria “trabalho”, à luz da visão marxiana e marxista e sua compreensão no campo educacional, particularmente, como ela aparece nos livros didáticos de Filosofia e Sociologia do ensino médio, a partir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), lei 9394 de 1996 e das orientações do MEC/SEMTEC. Num primeiro momento, procura-se entender o significado do trabalho em geral, como historicamente a espécie humana foi se diferenciando pelo trabalho das demais espécies, o mesmo passa a ser fonte da espécie humana. Em seguida, entender o trabalho no modo capitalista de produção, tem sua especificidade. Na produção capitalista, a diferença específica é a compra e venda de força de trabalho. O processo de trabalho, assim exerce, dominação sobre o trabalhador. Num segundo momento analisa-se o trabalho sob o modo capitalista de produção, a partir de Karl Marx, particularmente do livro I da obra “O Capital”, bem como dos estudos feitos por outros marxistas, especialmente os realizados por Paulo S. Tumolo acerca da compreensão da categoria trabalho em Marx. O trabalho torna-se fonte de produção de mais-valia ou de produção do capital. Por fim, realiza-se uma revisão bibliográfica dos documentos do MEC/SEMTEC que orientam o ensino da Filosofia e Sociologia no Ensino Médio, particularmente os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - PCNEM e PCN+, e também alguns dos livros didáticos de ensino médio de Filosofia e Sociologia para perceber como a categoria trabalho aparece nestes documentos. 2 02. O PROBLEMA E OBJETIVO A categoria trabalho aparece com várias abordagens nos livros didáticos, não apresentando uma compreensão precisa. Há muitas abordagens, sendo que a categoria em questão acaba sendo desfocada do processo histórico concreto que se vive hoje, a saber, a ordem do capital. A abordagem que os livros didáticos de Filosofia e Sociologia do ensino médio normalmente fazem da categoria trabalho não é suficiente para explicálo dentro do modo capitalista de produção. Trata-se de uma abordagem a-histórica, genérica, do trabalho em geral, enquanto ação que converte a natureza nos meios necessários para a produção da existência humana. Ou quando muito analisam alguns aspectos do trabalho alienado. Ora, no capitalismo, o trabalho não tem somente esta peculiaridade; o trabalho produz mais-valia, transformando-se na peça chave para compreensão deste modo social de produção que tem o capital e sua constante valorização como fins últimos. O objetivo central da pesquisa é analisar a categoria trabalho a partir da compreensão marxiana e marxista e sua abordagem nos livros didáticos de Filosofia e Sociologia do ensino médio a partir das orientações advindas do MEC/SEMTEC por meio dos PCNEM e PCN+. 03. DA CATEGORIA TRABALHO O trabalho na concepção do materialismo histórico, é entendido como o constituidor da essência humana. Ele é visto ontologicamente como sendo uma atividade inerente a todos os indivíduos; uma atividade exclusivamente humana. O trabalho é a fonte da essência humana. É o que nos revela a análise feita por Engels em seu texto: “Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem”. Diz ele que mais que fonte de toda riqueza – como dizem os economistas – “o trabalho é a condição básica e fundamental de toda vida humana”. Pode-se até dizer que o trabalho criou o próprio homem. O processo de passagem do macaco ao homem levou centenas de milhares de anos e, ao final, a diferença entre ambos estava no trabalho. Engels neste texto tem por objetivo analisar o trabalho em geral, assim também como Marx fará no início do capítulo V do livro primeiro da obra “O Capital”. Neste excerto muito conhecido e utilizado, Marx está analisando o processo de trabalho em geral, o trabalho como um processo contínuo, dialético e necessário entre homem e 3 natureza em qualquer modo societal. “Antes de tudo, o trabalho é um processo entre homem e natureza... ” (Marx, 2003, p. 211). Harry Braverman, no capítulo primeiro de sua obra “Trabalho e Capital Monopolista”, também apresenta uma reflexão acerca do trabalho em sentido geral. Para Braverman, o que os animais fazem, é utilizar a natureza e modificá-la pelo mero fato de sua presença nela. Já o homem modifica-a e a obriga a servi-lhe, domina-a. O trabalho humano é consciente e proposital, ao passo que o trabalho dos animais é instintivo. Braverman introduz a reflexão acerca do trabalho no modo capitalista de produção. Afirma ele: “na produção capitalista, a diferença específica é a compra e venda de força de trabalho”. Para esse fim três condições básicas tornam-se generalizadas através de toda a sociedade: Os trabalhadores são separados dos meios de produção; os trabalhadores estão livres de constrições legais; o propósito de emprego do trabalhador torna-se a expansão de uma unidade de capital pertencente ao empregador – o capitalista. Marx, na obra “O Capital”, apresenta uma compreensão do trabalho não somente no sentido geral, mas também como trabalho abstrato, produtor de mercadorias e trabalho produtivo de capital. Tumolo entende que, em primeiro lugar, Marx pretende apreender o ser social não numa forma social genérica, mas historicamente situada – a capitalista. Em segundo lugar o recurso utilizado no início do capítulo V é de caráter metodológico. Em terceiro lugar, “trabalho” dificilmente poderá ser considerado categoria analítica devido a suas várias possibilidades históricas (Tumolo, 2004) e, ou, como “como princípio educativo” (Tumolo, 2001; Trein, 2003). Na sociedade capitalista, o trabalho deve ser entendido como trabalho produtivo de capital. Marx procura, no início do capítulo XIV, clarear isso quando inicia o capítulo dizendo: “no capítulo V, estudamos o processo de trabalho em abstrato, independentemente de suas formas históricas, como um processo entre homem e natureza. Dissemos: ‘ observando-se todo o processo do ponto de vista do resultado, do produto, evidencia-se que meio e objeto de trabalho são meios de produção, e o trabalho é trabalho produtivo.’ Na nota 7, acrescentamos; ‘essa conceituação de trabalho produtivo, derivada apenas do processo de trabalho, não é de modo nenhum adequada ao processo de produção capitalista.’” (Marx, 2003 , p. 577). 4 Em Marx, trabalho produtivo é categoria analítica. No “capítulo VI inédito de O Capital”, Marx afirma que “somente é produtivo aquele trabalho que ( e só é trabalhador produtivo aquele possuidor da capacidade de trabalho que) diretamente produza mais-valia; por isso, só aquele trabalho que seja consumido diretamente no processo de produção com vista à valorização do capital”. (Marx s.d.). Pensando-se o trabalho como ele acontece na sociedade capitalista, e, em seu sentido ontológico para um futuro diferente, o estudo de Mészáros também se torna imprescindível. Mészáros afirma ser necessário “a reconstituição do próprio trabalho”, numa ruptura com a ordem existente (Mészáros 2002). 04. RESULTADOS PARCIAIS EM DIREÇÃO À CONCLUSÃO A análise dos livros didáticos em questão está evidenciando a hipótese levantada, qual seja, a de que a categoria trabalho aparece com várias abordagens, não apresentando uma compreensão precisa. Todos os autores analisados fazem uma abordagem histórica do trabalho, sua definição e constituição histórica. O trabalho aparece como “toda atividade desenvolvida pelo ser humano – seja ela física ou mental” (Oliveira 2000). Outros autores, apresentam o trabalho em seu sentido geral, “como eterna necessidade do homem” (Cordi, 2000; Aranha 1995; Cotrim, 1996). Alguns textos entram na análise do trabalho no modo capitalista de produção, porém, ficando muito presos à idéia de “trabalho alienado”, referenciando-se em Marx – particularmente nos Manuscritos - para tal compreensão (Costa, 1997; Aranha, 1995; Cotrim, 1996). Tumolo observa que esta compreensão de “trabalho alienado”, deve ser vista com uma primeira incursão de Marx na compreensão da sociedade capitalista, não sustentando-se em “O Capital” (Tumolo, 2004). Apenas um dos textos analisados aprofunda a categoria trabalho referenciando-se em outras obras de Marx, particularmente em “O Capital” (Tomazi, 2000). As orientações advindas do MEC/SEMTEC, por meio dos PCNEM e PCN+, também evidenciam uma compreensão genérica do trabalho, não indo às especificidades do modo capitalista de produção. Parte-se da concepção de que o trabalho é um dos “conceitos fundamentais do conhecimento sociológico” (Brasil/Semtec, 1999), uma vez que grande parte das pesquisas sociológicas levam em conta o mundo do trabalho. Afirma-se que “o trabalho organiza a sociedade e define suas características básicas” (Brasil/Semtec, 2002). 5 A proposta de se abordar a temática do trabalho, segundo os PCNEM e PCN+, está mais relacionada a disciplina de Sociologia, porém todos os livros didáticos de Filosofia analisados apresentam a abordagem da temática. Alves observa que os PCN são “orientações”, não tendo força de Lei, cabendo às escolas e aos professores definirem os conteúdos a serem abordados em cada disciplina (Alves, 2002). 05. REFERÊNCIAS ALVES, Dalton José (2002). A Filosofia no Ensino Médio: ambigüidades e contradições na LDB. Campinas, SP: Autores Associados. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda (1995). Filosofando, introdução à Filosofia, 2ª edição rev. e atualizada, São Paulo: Moderna. BRAVERMAN, Harry (1987). Trabalho e Capital Monopolista. A degradação do trabalho no século XX. 3.ed. Rio de Janeiro: Guanabara. BRASIL, SEMTEC (1999). Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio: Partes I e IV - Bases Legais. Brasília, MEC/Semtec. __________. (2002) PCN + Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEMTEC. CORDI, Cassiano (2000). Para Filosofar. 4ª edição revisada. São Paulo: Scipione COSTA, Cristina (1997). Sociologia: Introdução à Ciência da Sociedade. São Paulo: moderna. COTRIM, Gilberto (1996). Fundamentos da Filosofia. 12ª edição revisada. São Paulo: Saraiva. ENGELS, Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In: ANTUNES, R. (2004). A Dialética do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular. MARX, Karl. (1974). Manuscritos econômicos filosóficos e outros textos escolhidos. São Paulo, Abril Cultural (Os Pensadores). __________.(2003). O Capital. Vol. I, Tomo I, Rio de Janeiro: civilização brasileira. __________. (2003). O Capital. Vol. I, Tomo 2, Rio de Janeiro: civilização brasileira. __________. (s. d.). Capítulo VI inédito de O Capital. São Paulo: Moraes. MÉSZÁROS, István. (2002). Para Além do Capital. 1ª Edição. Campinas: Boitempo. OLIVEIRA, Pérsio Santos de (2000). Introdução à Sociologia. São Paulo: Ática. 6 TOMAZI, Nelson Dacio (2000). Iniciação à sociologia, 2ª edição rev. e ampl. São Paulo: atual. TUMOLO, P. S.,(2003) Trabalho, vida social e capital na virada do milênio: apontamentos de interpretação. Educação e sociedade, Campinas –SP, v. 24, n. 82, p. 159-178. __________. (2001). O significado do trabalho no capitalismo e o trabalho como princípio educativo: ensaio de análise crítica. In 24ª Reunião Anual da ANPEd 2001, Caxambu- MG. __________. (2004) Trabalho, alienação e estranhamento: visitando novamente os “Manuscritos” de Marx. (mimeo). TREIN, E. e CIAVATTA, M.,(2003). O percurso teórico e empírico do GT Trabalho e educação – Uma análise para debate. Revista Brasileira de Educação. N. 24, p. 140164.