O Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e os Fluxos Migratórios Interestaduais no México1 Fausto Martins Fontes Del Guercio2 Carla Craice3 Álvaro de Oliveira D’Antona4 Resumo Este trabalho tem como objetivo avaliar se o estabelecimento do tratado de Livre Comércio da América do Norte – NAFTA ou TLCAN – teve impacto nos fluxos migratórios internos no México. Tendo se iniciado em 1994, ele propôs a extinção das eventuais barreiras comerciais à venda/circulação de mercadorias entre México, Estados Unidos e Canadá, e uma das justificativas para que fosse ratificado era a de que ele reforçaria o desenvolvimento econômico mexicano, implicando na diminuição da migração ilegal para o território estadunidense. Na literatura foram encontrados resultados diversos, nos quais ora migração e livre comércio atuam como complementos, ora como substitutos. Utilizando-se da abordagem econômica acerca desta temática, procura-se aprofundar uma questão de menor visibilidade se comparada à migração internacional para os Estados Unidos, tanto na literatura, quanto no censo comum. Adotando-se a premissa colocada acima, será avaliado se o fato de os maiores investimentos se aplicarem nas fronteiras com o país estadunidense – por conta da existência prévia de uma zona de livre comércio, bem como das plantas maquiladoras- teve/tem influência no aumento de migrantes que se dirigiram/dirigem a estas áreas. A metodologia consistirá da análise dos dados censitários disponibilizados pelo Instituto Nacional de Población y Estadística referentes à migração, utilizando-se critério de data fixa (residência anterior 5 anos antes do censo), além dos indicadores econômicos de cada estado, principalmente aqueles referentes à evolução temporal dos investimentos realizados, desenvolvimento dos setores da economia e índices de emprego. Com isso, procura-se verificar se houve aumento significativo nos níveis de imigração nos estados mais favorecidos, bem como de emigração nas áreas com menor desenvolvimento da economia. Posteriormente, compara-se os resultados encontrados com aqueles obtidos por meio da estimativa da migração com base na razão intercensitária para cada estado no mesmo período. 1 Trabajo presentado en el VI Congreso de la Asociación Latinoamericana de Población, realizado en Lima-Perú, del 12 al 15 de agosto de 2014. 2 IFCH/Unicamp. Correio eletrônico: [email protected]. 3 IFCH/UNICAMP. Correio eletrônico: [email protected]. 4 FCA/Unicamp. Correio eletrônico: [email protected]. . Introdução Os estudos sobre o processo migratório – tanto interno quanto internacional - em países em desenvolvimento é de suma importância por conta das relações que se estabelecem entre migração e desenvolvimento econômico. Mesmo assim, há pouco resultado prático derivado das análises já feitas de migração nas políticas públicas de países em desenvolvimento, ainda que seja reiterada a importância destas pesquisas por parte de economistas, por exemplo, ao associarem crescimento econômico à redistribuição da população. Um dos motivos desta falta de resultado reside na pouca disponibilidade e na baixa qualidade das informações, o que por si só, já configura um desafio a ser vencido (BILSBORROW, 2011). A migração foi teorizada por diversos autores de áreas do conhecimento distintas, buscando caracterizar quais motivos levariam o indivíduo, ou conjunto deles, a deslocar-se no espaço. A formulação moderna e clássica vem de Ravenstein (1888,1895), que enfatiza que, ao contrário das outras variáveis da dinâmica demográfica (mortalidade, fecundidade, natalidade), a migração não teria um componente biológico e apresentaria forte relação com os câmbios sócio-demográficos. Modelos como do “capital humano” de Sjaastad (1962) propõem que o indivíduo migra buscando maximizar seus ganhos de acordo com suas capacidades posteriormente aperfeiçoado por Harris e Todaro (1969) – e com a probabilidade de que a região de destino concretize esta possibilidade. O modelo “push-pull” (LEE, 1966) e de redes sociais (que aponta a importância de pessoas conhecidas na localidade de destino do migrante) foram algumas outras construções teóricas (BILSBORROW, 2011). Vignolli (2011) ressalta a importância da adaptação nas metodologias de estudo e das fontes de dados já que, por todo o mencionado acima, a migração é um fenômeno variável em suas modalidades e determinantes. Para exemplificar, poderíamos citar o progresso técnico nos meios de transporte verificado durante a Segunda Revolução Industrial e a modernização nos meios de comunicação durante o século XX, fatores que influenciaram tanto nas modalidades como nos determinantes dos processos migratórios, regionais ou internacionais (BRITO, 1996). Neste trabalho pretende-se explorar as definições que concernem principalmente aos fatores econômicos relacionados à migração. Um dos casos é a teoria da integração regional, proposta por Markusen e Zahniser (1999), que afirma que o crescimento das relações comerciais contribui com o crescimento econômico e criação de empregos, o que teria efeito direto quanto à migração entre duas regiões. A teoria neoclássica de migração também se insere nessa perspectiva, colocando que a diferença nos salários (poder de compra) entre duas regiões tem influência direta nos fluxos migratórios (RIO; THORWARTH, 2007). Aspectos Sóciodemográficos Mexicanos Como país em desenvolvimento, o México é um bom objeto para estudos que busquem entender a relação entre variáveis econômicas e processos migratórios, especificamente por conta da urbanização e industrialização aceleradas após a Segunda Guerra Mundial (BARRIOS et. al, 2009). Conta com uma população de 112.336.538 de pessoas, das quais 54.855.231 homens e 57.481.307 mulheres, distribuídos em uma área de 1.959.247,98 km2 dividida em 31 estados mais o Distrito Federal (INEGI), como mostra a figura 1. Figura 1 – Mapa do México Fonte: http://www.mexicofirstclass.com/mapa-de-mexico.asp A figura 2 mostra a evolução das populações rural, urbana e total no país, na qual fica claro que em meados da década de 1960 o contingente urbano se tornou maioria. Neste mesmo período, as taxas de crescimento populacional começaram a declinar, chegando à metade dos valores na década de 1980, e tornando-se negativas para a população rural a partir de 2005 (ver figura 3). Sendo habitado por 54 diferentes etnias indígenas (BARRIOS ET.al, 2009), em sua maioria fazendeiros e pequenos agricultores, o México verificou grande êxodo rural da população no período conhecido como “milagre econômico”, resultado da implementação da política de substituição de importações (TWOMEY, 1993; BARRIOS ET. AL, 2009). População Total, Urbana e Rural 100000 80000 População Total 60000 População Rural 40000 População Urbana 20000 0 19 50 19 55 19 60 19 65 19 70 19 75 19 80 19 85 19 90 19 95 20 00 20 05 20 09 20 10 População (x 1000) 120000 Ano Figura 2 – População Total, Urbana e Rural no México Fonte: United Nations Population Division. 6 5 4 3 2 1 0 -1 Total Rural Urbana 19 50 -1 95 19 5 55 -1 96 19 0 60 -1 96 19 5 65 -1 97 19 0 70 -1 97 19 5 75 -1 98 19 0 80 -1 98 19 5 85 -1 99 19 0 90 -1 99 19 5 95 -2 00 20 0 00 -2 00 20 5 05 -2 01 0 Crescimento (%) Taxa de Crescimento Anual (% ) Ano Figura 3 – Taxa de Crescimento Anual (%) da População Urbana, Rural e Total Fonte: United Nations Population Division. A prosperidade resultante durou até a década de 1980, quando a economia mexicana passou a enfrentar forte crise, com crescente índice de desemprego, inflação e decréscimo na renda per capita (BRAMBILA, 1994). Na década seguinte, fortemente influenciado pelo ideário neoliberal, o governo passaria a abrir cada vez mais a economia ao capital estrangeiro e vincular a produção agrícola mexicana a grandes conglomerados empresariais, resultado da aceitação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte – NAFTA ou TLCAN. Ainda neste período, o principal incentivador do crescimento econômico mexicano eram as chamadas maquiladoras, indústrias manufatureiras que importam insumos para confecção de produtos exportando-os num segundo momento, valendo-se de acordos de isenção de impostos por operar em zonas de livre comércio – a maior parte delas nos estados mexicanos fronteiriços com os Estados Unidos. Assim, esta região se constituía como motor econômico do país, ainda que já não fosse mais capaz de gerar resultados significativos em nível nacional (BRAMBILA, 1994). O estabelecimento do NAFTA teve, dentre outras razões, a intenção de reduzir a migração de mexicanos para os EUA (AROCA; MALONEY, 2005). A crise econômica que se instalara fizera com que o fluxo de mexicanos para os EUA aumentasse consideravelmente, em busca de melhores oportunidades de emprego, inclusive com intuito de enviar remessas monetárias de volta aos parentes em território mexicano, o que tornou o país uma das maiores economias neste ramo (remessas) (BARRIOS ET.al, 2009). A tabela 1 mostra as estimativas feitas pelas Nações Unidas para o fluxo migratório de mexicanos para o território estadunidense. Ano 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 Imigrantes 6.841 32.684 44.469 56.680 679.068 173.493 139.120 Tabela 1 – Fluxo de imigrantes mexicanos para os EUA Fonte: United Nations Population Division. Por outro lado, a abertura econômica poderia ter influência sobre a distribuição populacional dentro do próprio país. Como já mencionado, a vinculação da produção agrícola a multinacionais em detrimento de pequenos agricultores e o investimento dirigido às maquiladoras – priorizando os estados fronteiriços – poderia motivar fluxos de regiões rurais para as cidades e em direção à fronteira. Brambila (1994) chama a atenção, em artigo escrito pouco antes do início da validade do tratado, para o fato de que o investimento estadunidense teria tendência a se concentrar nesta última região (fronteira), seja por questões logísticas (transporte, infraestrutura das cidades), seja por conta do passado econômico da região, já mais adaptada à atividade comercial estrangeira e com plantas industriais tecnologicamente mais avançadas. A figura 4 se refere ao ao ano de 2000 e mostra que os estados que receberam maior investimento estrangeiro (FDI) após o início do acordo são justamente aqueles que se concentram na fronteira com os Estado Unidos, e nos quais o saldo migratório era maior. Figura 4 – Investimento Estrangeiro Per Capita e Saldo Migratório (em %) nos estados Mexicanos em 2000 Fonte: Adaptado de AROCA e MALONEY, 2005. Metodologia e Resultados Perliminares Os resultados iniciais foram obtidos por meio da exploração dos censos compilados pela ferramenta online do sítio do IPUMS (Integrated Public Use Microdata Series, International). Os dados analisados são referentes aos censos de 1990, 2000 e 2010, ou censos y conteo de poblacón y vivienda, realizados pelo Instituto Nacional de Estadística y Geografia, órgão governamental mexicano responsável. Para cada estado, calculou-se nestes anos censitários a proporção de pessoas imigrantes e emigrantes com relação à população total. Isto foi feito montando–se uma tabela que mostrava a correspondência entre o número de pessoas que residiam inicialmente em uma localidade i e que no momento da entrevista já haviam se estabelecido em outra localidade j. Assim: 32 Ii imigrantes j 1 ij Populaçãoi Ii = Proporção de imigrantes do estado i; Imigrantesij = Número de pessoas residindo em j vindas de i; Populaçãoi = População de i; E, seguindo raciocínio análogo: 32 Ei Emigrantes j 1 ij Populaçãoi Ei = Proporção de emigrantes originários do estado i; Emigrantesij = Número de pessoas residindo em i vindas de j; Populaçãoi = População de i; Desta forma, com o uso das tabulações do IPUMS – incluídas as variáveis de última residência anterior 5 anos antes da entrevista do censo (migmex2) em correspondência com as unidades de federação (statemex) - pôde-se calcular quais dos 32 estados tendem a ser receptores/exportadores de pessoas, conforme mostra a figura 5. De maneira geral, os estados com maior proporção de imigrantes em sua população são os de Quintana Roo, Baixa Califórnia (Baja Califórnia), Baixa Califórnia do Sul (Baja Califórnia Sur), atingindo aproximadamente 20% no primeiro e 10% nos dois últimos em 1990. Ao longo do período de 20 anos, esta proporção de imigrantes nos estados tendeu a diminuir, exceção feita a Hidalgo, Colima, Baixa Califórnia do Sul e Nayarit, havendo aumento mais intenso nos dois últimos. Assim, das 32 unidades federativas mexicanas, aquelas que apresentam maior proporção de imigrantes em suas respectivas populações são Baixa Califórnia, Baixa Califórnia do Sul, Colima e Quintana Roo. No que diz respeito à emigração, chamam a atenção as taxas do Distrito Federal, muito superiores às restantes, com amplitude de 4 pontos percentuais ao longo dos 20 anos considerados e atingindo aproximadamente 13% da população em 1990, correspondendo ao que foi mostrado pela figura 4. Baixa Califórnia, Chihuahua e Quintana Roo são os 3 estados que apresentam tendência de aumento na proporção de emigrantes ao longo do período analisado, sendo que nos dois primeiros, o aumento se deu de forma mais pronunciada entre 2000 e 2010. Figura 5 – Proporção de Imigrantes e Emigrantes nos Estados Mexicanos Fonte: Censos de población e Vivienda, INEGI Retomando a situação mostrada pela figura 4, procurou-se avaliar o saldo migratório – neste caso, porcentagem de imigrantes subtraída da de emigrantes – nos estados que apresentavam maior e menor investimento estrangeiro no ano 2000. Desta forma, incluiu-se o período pré e pós-adesão ao NAFTA, de maneira a tentar encontrar correlações entre os fluxos migratório motivados por fatores econômicos. De maneira geral, nos estados em que os investimentos externos eram maiores, o saldo tem tendência a ser positivo (isto é, fluxo de emigrantes maior que o de imigrantes) muito embora decrescente ao longo do período 1990-2010. Apenas o estado de Chihuhua apresenta fluxo negativo no ano de 2010 e o de Coahuila em 1990, passando a indicies positivos em 2000 e 2010 (embora bastante pequenos). Na Baixa Califórnia do Sul houve reversão na tendência de decréscimo, com um aumento considerável no saldo entre 2000 e 2010. Quanto aos estados que receberam menor investimento estrangeiro, Chiapas e Tabasco apresentam saldo negativo para os três anos analisados e Yucatán oscila entre valores negativos (1990) e positivos (2010), porém bastante pequenos. Campeche e Quintana Roo têm saldos positivos com tendência de declínio ao longo dos anos, o primeiro com valores menores e o segundo com índices bem mais altos, o que pode em parte dever-se ao fato de ser o estado sede de Cancun, cidade nas qual se concentram investimentos do setor de turismo, hotelaria e entretenimento. Os resultados são apresentados na figura 6. Saldo Migratório nos Estados com Maior Investimento Estrangeiro Per Capita no ano 2000 0,12 0,1 % 0,08 1990 0,06 2000 0,04 2010 0,02 Tamaulipas Sonora Nuevo León Chihuahua Coahuila de Zaragoza Baja California Sur Baja California 0 -0,02 Saldo Migratório nos estados com Menor Investimento Estrangeiro Per Capita no ano 2000 0,2 0,15 1990 % 0,1 2000 0,05 2010 0 -0,05 Campeche Chiapas Quintana Roo Tabasco Yucatán Figura 6 – Saldo Migratório (%) nos estados com maior e menor investimento estrangeiro no ano de 2000 Fonte: Censos de población e Vivienda, INEGI A figura 7 apresenta os números absolutos de imigrantes e emigrantes que chegaram/deixaram os respectivos estados. Percebe-se de forma clara que os maiores contingentes se dirigiram ao Distrito Federal e estado do México, o que do ponto de vista econômico faz sentido, uma vez que no primeiro está localizada a Capital e que recebeu alto investimento estrangeiro, muito por conta das matrizes de multinacionais estarem lá situadas (AROCA; MALONEY, 2005). Por estar circunscrito ao território do estado do México, uma hipótese que se levanta é a de que o Distrito Federal seria responsável pelos fluxos contabilizados naquele estado. Ademais, percebe-se maiores números em alguns dos estados de fronteira com os EUA – Baixa Califórnia, Tamaulipas, Nuevo León. Estado do México e Distrito Federal também são os dois com maior contingente de emigrantes, seguidos por Veracruz, Oaxaca e Puebla, três dos estados com menor investimento estrangeiro e próximos aos dois anteriores, o que pode ser um dos motivos pelo alto fluxo de imigrantes nos dois primeiros, que atrairiam pelo maior potencial econômico e custo de transporte inferior se comparados a outros estados mais ao sul, e também com baixo investimento externo. Figura 7 – Número absoluto de Imigrantes e Emigrantes nos estados mexicanos Fonte: Censos de población e Vivienda, INEGI Considerações Preliminares Neste trabalho procurou-se caracterizar os fluxos migratórios interestaduais no México, particularmente no período de 1990 a 2010, quando havia disponibilidade de dados confiáveis, com amostra correspondente a cerca de 10% do universo segundo o sítio do IPUMS, e de forma a tentar encontrar alguma correspondência entre o início da validade do NAFTA (Tratado de Livre Acordo da América do Norte) e a migração. Embora as pesquisa acadêmicas tenham tendência a estudar a migração internacional México – EUA, o estudo dos fluxos internos se mostra importante para avaliação da relação economia x migração fatores econômicos, muito embora o processo migratório não se dê exclusivamente por motivos deste tipo (JANSSEN; ZENTENO, 2005). Embora ainda não se consiga estabelecer uma correlação significativa, os dados obtidos para imigração/emigração sugerem que os movimentos interestaduais se deram em algum momento no sentido de pólos financeiros, como Distrito Federal e estados de fronteira onde estão as maquiladoras, como Baixa Califórnia, Chihuahua, Nuevo León. Para as próximas etapas serão acrescentados os índices econômicos de forma mais detalhada, assim como análise de outras fontes de dados – como aquela disponível no sítio do CELADE. Por fim, será feita análise por meio da razão intercensitária para cada estado, comparando-se os resultados com aqueles obtidos com o cálculo de proporções de migrantes em cada estado. Referências Bibliográficas AROCA, Patricio e MALONEY, William F. (2005), “Migration, trade, and foreign direct investment in Mexico.” The World Bank Economic Review, v. 19, no. 3. BILSBORROW, Richard E. 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